Atrás do balcão da Livraria Bamboletras (I)

Atrás do balcão da Livraria Bamboletras (I)

Ele entra esbaforido na livraria e pede o livro ‘O Aleph’.

— Sim, temos. E entrego para ele o livrinho preto da Companhia das Letras.

Ele me olha confuso. Gira e gira o livro entre as mãos e diz que o livro que quer é de outro autor brasileiro que não aquele Jorge Luis Borges.

Deixo passar livre a nacionalidade do autor e lhe respondo que não sei de outro Aleph.

— O livro que eu quero tem uma mulher nua dentro d`água na capa. Tem também um raio de sol por trás. É uma capa bonita, não é simplesinha como esta.

Tento visualizar tal capa — ela não é nada borgeana — e lembro:

— Ah, existe um Aleph de Paulo Coelho!

— ISSO! É este que eu quero!

— Ah, pena. Este não temos…

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Kubrick e Spielberg: uma amizade improvável

Kubrick e Spielberg: uma amizade improvável

Sabiam que antes de gravar qualquer canção, Roberto Carlos consultava Tom Jobim a respeito? Só após o OK de Tom é que Roberto aprovava a divulgação de qualquer obra. O Rei ficou inconsolável com a morte de seu mentor em 1994. Ficou perdido no mundo. O mesmo aconteceu com Paulo Coelho e José Saramago. O mago só mandava seus escritos para o prelo se o português lhe dizia: tá bom, alquimista, vá em frente. Fernando Sabino fazia o mesmo com Clarice Lispector; se a autora de Água Viva e Laços de Família não lhe escrevesse “Alles klar. Clarice.”, estaríamos livres de Zélia, Uma Paixão.

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Claro que o parágrafo acima é inteiramente mentiroso. Mas o título deste texto é verdadeiro. Spielberg e Kubrick eram amicíssimos e se consultavam a respeito de seus filmes. Várias sugestões trafegavam e eram aceitas nos dois sentidos. O erudito mestre Stanley Kubrick prezava muito o mestre do entrenimento Steven Spielberg e vice-versa. Amo o cinema de Kubrick e nada tenho contra Spielberg, mas penso que dificilmente haverá dois amigos e colaboradores (mesmo que informais) mais diferentes entre si.

Steven Spielberg

A importância de Stanley Kubrick para o cinema mundial pode ser medida pela qualidade e variedade dos poucos filmes que produziu. Muito pensam que ele era inglês, mas ele foi um novaiorquino que produziu parte de sua obra na Inglaterra. Kubrick criou ficção científica, suspense, reconstituição histórica, filmes de guerra, filmes intimistas e comédia sempre com brilhantismo — com brilhantismo ofuscante, creio eu. Ele — que se definiu para Anthony Burgess como um maestro dei colore que lia bons livros, que gostava de boa música e que tentava trazer isto para seus filmes — produziu apenas 13 filmes em 46 anos de carreira. E eu garanto que você viu ou pelo menos sabe da existência de mais da metade deles. Quer comprovar?

1. Fear and desire (1953) – Que Kubrick rejeitava por ser péssimo.
2. A morte passou por perto (1955) – Idem
3. O grande golpe (1956) * – Suspense
4. Glória feita de sangue (1957) * – Guerra
5. Spartacus (1960) * – Épico romano
6. Lolita (1962) – Intimismo politicamente incorreto
7. Doutor Fantástico (1964) – Comédia
8. 2001- Uma Odisséia no Espaço (1968) * – Ficção Científica
9. Laranja Mecânica (1971) * – Futurismo anarquista
10. Barry Lyndon (1975) – Romance vitoriano de Thackeray, passado no século XVII
11. O Iluminado (1980) * – Terror
12. Nascido para Matar (1987) * – Guerra
13. De Olhos Bem Fechados (1999) * – Intimista, baseado na grande novela Breve Romance de Sonho, de Arthur Schnitzler

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Esta não é uma série de filmes clássicos, é apenas a obra de Kubrick. O que mais o distingue é a inteligência e o fato de sempre se propor a esgotar os temas aos quais se dedica, chegando, às vezes, a produzir três filmes contrastantes dentro de um só. É como se produzisse variações sobre um mesmo tema, ao estilo dos compositores eruditos. Fez isto no tríptico Laranja Mecânica — (1) Ultra-violência, (2) Tratamento Ludovico e (3) Retorno à sociedade –, em De Olhos Bem Fechados — (1) Amor, (2) Ciúme e medo e (3) Aventura mórbida — e em outros, como 2001.

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A surpreendente amizade com Spielberg só ganhou notoriedade quando da morte de Kubrick. A quem foi passada a tarefa de finalizar De Olhos Bem Fechados? Ora, a Spielberg, que era quem tinha conhecimento de todo o projeto. É sintomático que Spielberg, após este trabalho, voltasse a outro projeto de Kubrick: Inteligência Artificial. Porém, curiosamente, ao filmar a história que Kubrick filmaria a seguir, acabou realizando um tríptico típico do mestre: (1) Conhecendo e rejeitando o robô, (2) O robô solto no mundo e (3) Final açucarado para você chorar de emoção ou raiva. Esta característica musical de reapresentar o mesmo tema de diversas formas foi também assumida por Spieberg em seu filme seguinte, Minority Report. Porém, insisto…

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Caricatura retirada do The Simon Magazine, mais exatamente do artigo “Steven Spielberg’s Artificial Inheritance“, de Edward Patch.

Kubrick não se repetia, Spielberg fez 3 Indiana Jones e não sei quantos Parques dos Dinossauros. Kubrick era um erudito generalista ao estilo dos grandes homens do renascimento, Spielberg é o tarado da ação, mesmo que se declare um apaixonado pela literatura. Kubrick quase não dava entrevistas, Spielberg não para de falar. Kubrick sempre foi hostil às estéticas aceitas por hollywood e não ficou milionário, Spielberg aderiu e é produtor riquíssimo em hollywood. Kubrick realizava filmes secos, profundos, corrosivos e analíticos, Spielberg os faz normalmente divertidos, superficiais, açucarados e infantis. Kubrick fazia um filme a cada 4 anos, Spielberg faz um por ano. Um concentra, o outro dilui. Mas nada disto os impedia de discutirem seus respectivos projetos em detalhe e a resultante destas discussões poderia ser tão diferente quanto o são Parque dos Dinossauros, Indiana Jones, Nascido para Matar ou O Iluminado.

Seria respeito profissional? Admiração mútua? Amor ao que o outro tinha de inatingível? Não sei, apenas acho curioso.

(*) Filmes de Kubrick que, em minha opinião, qualquer um de nós deveria ver a fim de crescer mais alguns centímetros.

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Há 40 anos, a estreia solo de Raul Seixas: Krig-ha, bandolo!

Há 40 anos, a estreia solo de Raul Seixas: Krig-ha, bandolo!
Raul Seixas e Paulo Coelho

Publicado em 8 de junho de 2013 no Sul21

No dia 7 de junho de 1973, um sujeito magérrimo, de barba e óculos escuros saiu pelas ruas do Rio de Janeiro entoando uma estranha canção canto-falada que começava assim:

Eu devia estar contente
Porque eu tenho um emprego
Sou um dito cidadão respeitável
E ganho quatro mil cruzeiros
Por mês…

Naqueles anos, qualquer aglomeração era vista com desconfiança, mas o cortejo comandado por Raul Seixas e seu parceiro Paulo Coelho – ele mesmo, o alquimista – não foi incomodado. Apesar da letra fazer uma demolidora crítica à classe média, a intenção estava longe de ser política. Raul desejava promover aquele que é hoje um clássico do rock brasileiro, o LP Krig-ha, bandolo!, que marcava a estreia de Raul em carreira-solo. A canção que ele cantava, Ouro de Tolo, já era conhecida por ter sido lançada meses antes em compacto simples. O disco marcou época e trazia outros clássicos como Mosca na Sopa, Metamorfose Ambulante e Al Capone.

A passeata tem um ar modesto de coisa de última hora, mas a impressão é falsa. Não houve improviso. As autoridades foram avisadas do que ocorreria, assim como a imprensa, que aguardava o artista a fim de fazer a cobertura. Por trás do ato público, estava a todo-poderosa gravadora Philips, que mantinha contratos com todos os grandes artistas nacionais com a exceção de Roberto Carlos, sempre fiel a outra multinacional, a CBS, a gravadora dos artistas ditos de segunda linha, com nomes ligados à Jovem Guarda como Jerry Adriani, Wanderléa, etc.

A capa de Krig-ha, bandolo!

Krig-ha, bandolo! era um disco de estreia, mas estava longe ser um trabalho de um inexperiente. Raul Seixas (1945-1989) já era um homem do meio e não apenas como músico. Na década de 60, o grupo Raulzito e os Panteras acompanhava os artistas da Jovem Guarda em suas excursões por Salvador. Depois, a partir de 1970, Raul Seixas tornou-se um importante produtor e compositor para os artistas populares da CBS. Porém, após gravar um disco com Sérgio Sampaio, Miriam Batucada e Eddy Star, recebeu um ultimato da CBS. Deveria escolher entre a carreira de produtor ou de cantor. Raul não gostou da pressão e cedeu aos convites da Philips, na pessoa de Roberto Menescal.

Ele chegou à nova empresa como um respeitado produtor e compositor vindo da concorrência. Como tal, foi-lhe dada total liberdade para criar seu primeiro disco. E desta liberdade nasceu Krig-ha, bandolo! E tome liberdade! O estranho título veio de um gibi do Tarzan, a foto da capa ignorava o padrão da bela foto posada, a faixa de abertura trazia Raul cantando rock aos 9 anos de idade, aos berros e desafinado, e as canções traziam uma curiosa receita que misturava baladas, rock, súbitas mudanças de ritmos, humor e sarcasmo.

Logo após a abertura, com o menino Raul Seixas esforçando-se para cantar Good Rockin` Tonight, vêm duas canções que se tornaram sucessos e clássicos instantâneos: o meio rock, meio ponto de macumba Mosca na Sopa e o hino Metamorfose Ambulante.

Hoje, com a celebridade de Paulo Coelho como escritor, o público costuma atribuir a ele todas as letras das músicas de Raul. Mas as letras mais significativas de Krig-ha, bandolo! foram escritas pelo próprio Raul Seixas, casos de Ouro de ToloMosca na Sopa e Metamorfose Ambulante. Das principais canções do disco, apenas Al Capone tem a parceria de Coelho, cuja letra termina com uma afirmação pessoal e levemente estranha. Coisas do mago:

Eu sou astrólogo 
Eu sou astrólogo 
Vocês precisam acreditar em mim 
Eu sou astrólogo 
Eu sou astrólogo
E conheço a história do princípio ao fim. 

A repercussão de Krig-ha, bandolo! foi imensa. Há poucos anos, a revista Rolling Stone elegeu os Cem Maiores Discos da Música Brasileira e lá estava ele em 12º lugar. Rapidamente, Raul Seixas se tornou uma estrela nacional e a imprensa e os fãs da época foram conhecendo um outro lado do cantor e compositor. No ano seguinte, ele e Paulo Coelho criaram a Sociedade Alternativa, uma entidade baseada nos ensinamentos do bruxo inglês Aleister Crowley, onde a principal lei é “Faze o que tu queres, há de ser tudo da Lei”. Em todos os seus shows, Raul divulgava a Sociedade. A ditadura militar desconfiou e a dupla foi presa pelo DOPS, pensando que a tal Sociedade Alternativa fosse um movimento contra o governo.

O disco foi gravado nos estúdios da Philips no Rio de Janeiro e contou com produção musical e direção artística do próprio Raul Seixas e de Marco Mazzola. Sua duração é de apenas 29 minutos, mas que 29 minutos!

Ficha técnica de Krig-Ha, Bandolo!

Gravadora: Philips (hoje Universal Music)
Gravado em 1973, no Rio de Janeiro
Produção de Marco Mazzola e Raul Seixas
Duração: 28’56″

Músicas:

1. “Good rockin’ tonight” (introdução) [Roy Brown]
2. “Mosca na Sopa” (Raul Seixas)
3. “Metamorfose Ambulante” (Raul Seixas)
4. “Dentadura Postiça” (Raul Seixas)
5. “As Minas do Rei Salomão” (Raul Seixas/Paulo Coelho)
6. “A Hora do Trem Passar” (Raul Seixas/Paulo Coelho)
7. “Al Capone” (Raul Seixas/Paulo Coelho)
8. “How Could I Know” (Raul Seixas)
9. “Rockixe” (Raul Seixas/Paulo Coelho)
10. “Cachorro Urubu” (Raul Seixas/Paulo Coelho)
11. “Ouro de Tolo” (Raul Seixas)

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50 livros para morrer antes de ler

50 livros para morrer antes de ler

Publicado em 26 de janeiro de 2013 no Sul21

Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Mentira. São 45 livros porque 5 receberam dois votos.

Inspirado por Car­los Wil­li­an Lei­te, do Jornal Opção, de Goiânia, o Sul21 convidou dez romancistas, poetas, ensaístas ou críticos literários para nomearem as cinco piores obras de autores brasileiros que conhecem. Obviamente, a escolha reflete o gosto pessoal e o conhecimento de cada um dos dez “jurados” e não uma condenação irremediável. Trata-se de uma anti-lista, contrária às listas habituais de melhores.

Ampliando a ideia inicial, pedimos que, a cada voto, fosse acrescentada de uma a cinco linhas justificando a escolha. Por iniciativa nossa, informamos aos votantes que não divulgaríamos seus nomes, postura que foi rechaçada por dois deles, Fernando Monteiro e Ronald Augusto, que têm suas iniciais apontadas logo após seus votos. Os outros “jurados” apenas aceitaram as regras sem comentá-las. Deste modo, não podem receber a imputação de terem planejado agir sob o manto do anonimato…

(Carlos André Moreira também pediu que seus votos fossem indicados. Justificativa abaixo (*)).

Por falar em anonimato, o autor desta introdução não votou.

Assim, acrescentamos as iniciais C.A.M. aos respectivos votos. A seguir, então, em ordem alfabética por título, a lista dos 50 livros para morrer antes de ler:

Agosto, de Rubem Fonseca

Tive de ler por obrigação e acabei tomando ojeriza pelo personagem principal do livro: a azia do protagonista.

A Casa do Poeta Trágico, de Carlos Heitor Cony

Romance artificialmente construído, com pretensões de “clima internacional” que termina por criar situações ridículas como a do casal de amantes, personagens centrais, que passam uma noite inteira trepando nas ruínas de Pompeia porque se distraíram (trepando, já) e não perceberam que o sítio arqueológico havia sido aferrolhado, de acordo com o horário de fechamento dos portões (17h). Tudo bem. O homem e a mulher não se incomodam… Sem colchão, sem lençol, sem travesseiro, sem mais nada, continuam a trepar e só vão sair das ruínas quando os funcionários reabrem Pompeia para os turistas, às 10h da manhã seguinte. É mole? Não. Teria que ser muito dura (a noite). Por cenas como essa, melhor morrer antes de ler. (F.M.)

A Casa das Sete Mulheres, de Letícia Wierzchowski

— Essa pérola do cancioneiro gauchesco tem uma das mais mal escritas primeiras páginas da história da literatura universal. O resto do livro vai pelo mesmo caminho.

— Contar a Guerra dos Farrapos a partir das mulheres próximas ao general Bento Gonçalves não é ideia ruim. Mas é tudo canhestro no livro: a narrativa, o enredo, a construção dos personagens. Uma leitura que dura para sempre, no mau sentido.

A Divina Pastora, de Caldre e Fião

Achado um único exemplar num sebo de Montevidéu pelo livreiro Monquelat de Pelotas. Antes nunca o encontrasse!

A Escrava Isaura, de Bernardo Guimarães

Conto de fadas de superação do interdito social. História irrealista que pretendia demonstrar que as tendências (pseudo) democráticas dependiam apenas da boa vontade cristã das pessoas. Daí a Globo ter exibido a novela que tanto agradou a classe média, sempre politicamente equivocada e alienada.

A Guerrilheira, de Índio Vargas

Embora Índio Vargas seja autor de um dos livros mais importantes sobre a ditadura militar, “Guerra é Guerra, dizia o Torturador”, este aqui parece um esboço que alguém mandou inadvertidamente para a gráfica e foi publicado sem passar por revisão. Falta foco, estrutura, cuidado com a prosa, os episódios desmentem uns aos outros, repetem-se, quando não se perdem em digressões que não acrescentam nada, nem tensão. (C.A.M.)

A Moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo

— Bobo. A fantasia não dá nem uma novela das seis, o texto é primário. É um crime fazer os adolescentes lerem essa chatice dizendo que se trata de literatura, pior, de um clássico. Esse livro só tem importância dentro da história da literatura brasileira, coisa que o professor pode resumir numa linha e poupar os alunos.

— Clássico absoluto e abominado nas salas de aula brasileiras, mas permanece sendo lido, vendendo e com lugar cativo na alma de cada mau professor deste grande país!

A Quarta Parte do Mundo, de Clovis Bulcão

A orelha promete um “épico eletrizante”, “baseado em fatos reais” (a malfadada passagem de Villegagnon pelo Brasil). Na verdade, “eletrizantes” são as imagens, algumas das mais feias da história da literatura brasileira, como essa: “Uma robusta garça fora ferida e grunhira como um porco”. O autor criou um mundo perigoso, em que os personagens sentem apenas emoções-clichê, como uma “mistura de pavor e ódio”, e em que podem ser “tragados por piratas ou pelos abismos do mar” (tentemos visualizar isso…). Definitivamente não recomendo.

A Suavidade do Vento, de Cristóvão Tezza

Romance fraquíssimo, que nada tem a ver com a sutileza de um Antonioni, em certa tarde, olhando para árvores descabeladamente agitadas: “Como é fotogênico o vento!”, como registrou o mestre italiano da (verdadeira) suavidade na sua “Trilogia da Incomunicabilidade”, bem longe do realismo rastaquera do Tezza desse livro. (F.M.)

As Parceiras, de Lya Luft

Psicologismo mediano misturado com literatura convencional que tenta disfarçar, sem sucesso, um estilo a meio caminho do entretenimento em tom pastel e da autoajuda intimista. Narrativa para lobas fleumáticas. (R.A.)

Bernarda Soledade, a Tigre do Sertão, de Raimundo Carrero

Muito ruim. Influenciado por Lorca (?) até no título, além das situações de “dramaticidade” de estilo juvenil em torno de mulheres confinadas à maneira exatamente de “A Casa de Bernarda Alba” (sem ter, entretanto, conseguido imitar a qualidade do inspirado poeta andaluz). Em tempo: não seria “tigresa”?… (F.M.)

Cai a noite sobre Palomas, de Juremir Machado da Silva

Há uma diferença bastante grande entre construir personagens inteligentes e colocar frases de efeito e nomes de grandes pensadores em suas bocas. Talvez o Juremir não soubesse disso ao escrever o seu primeiro livro. Triste é perceber que segue sem sabê-lo até hoje.

Canto da noite, de Augusto Frederico Schmidt

Para ser justo com o falecido, eu poderia ter mencionado a obra poética inteira como exemplo da pior poesia feita no Brasil. No gênero, o autor talvez tenha sido a maior impostura de todos os tempos. Por ser endinheirado e porque publicava os grandes poetas de seu tempo, era apontado, por eles, como um grande poeta. (R.A.)

Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre

Não é nem romance nem obra sociológica. Até nos faz pensar que no Brasil se praticou e se pratica a democracia racial , via miscigenação e que na casa grande havia senhores bons e na senzala escravos submissos. Cáspite !!!

Contra o Brasil, de Diogo Mainardi

— A história de um picareta que odeia o Brasil e passa o tempo todo citando frases de viajantes e pensadores que desancaram o País e seus habitantes. Acho que ninguém vai querer ler uma autobiografia do Diogo Mainardi, mas por precaução, foi para a lista.

— Mainardi não tem muita preocupação com ideias, propostas, alternativas. Sua intenção é de apenas bater, sua arte é a da objeção. Um livro cuja intenção é a de vender o complexo de vira-latas do autor. Não obtém o riso, não informa, não nada. Merece presença aqui.

Corpo Presente, de João Paulo Cuenca

É um mistério o prestígio que Cuenca desfruta como “autor da nova geração”, já que sua obra parece reunir justamente os piores maneirismos da sua geração: abuso de ironia, pretensão acima da qualidade de seu texto, investimento em fórmulas que já não convencem. Este seu primeiro romance é um bom exemplo: um “romance urbano” com um “protagonista deslocado”, perdido em “questões de sobrevivência e sexo”, redigido em uma “escrita cinematográfica”, que na verdade é uma prosa que se pretende densa e nebulosa, mas apenas abusa de orações coordenadas sem parecer que sabe onde quer chegar. Puxa, como ninguém pensou nisso antes? (C.A.M.)

Dois Irmãos, de Milton Hatoum

Já houve um Jorge Amado, e foi suficiente.

Estorvo, de Chico Buarque

— O que dizer quando o título diz tudo? Chico, como escritor, costuma, na minha modesta opinião, emular outros escritores, com resultados sempre inferiores aos do original.

— A prova impressa de que a genialidade em determinado campo artístico não implica em qualquer tipo de brilhantismo nos demais. Compositor de raro talento, Chico é um escritor medíocre, infelizmente. Acho que nem fã de carteirinha aguenta esse árido calhamaço de coisa alguma.

Fernando Pessoa, uma quase autobiografia, de José Paulo Cavalcanti Filho

Outro livro enorme, uma biografia excessivamente ocupada do varejo, do trivial-mínimo, da vida pessoal de Fernando Pessoa, que o autor jura ter visto nas ruas de Lisboa (isto é, a alma penada do poeta), talvez sinalizando que ele, Cavalcanti Filho, escrevesse sobre quantas vezes, por exemplo, um bardo alfacinha é capaz de ir ao banheiro, num único dia, depois de ter repetido o fundo prato da caldeirada do “Martinho das Arcadas”… (F.M.)

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Jorge Amado: os 100 anos do mais popular ficcionista brasileiro

Publicado em 11 de agosto de 2012 no Sul21

“Trabalho sempre, quando escrevo e quando não escrevo. Creio que o trabalho do escritor se processa mais fundo e denso enquanto ele está aparentemente ocioso. Quando amadurece o que escreverá depois. Acordo todos os dias entre 5 e 6 da manhã. E trabalho”. | Foto: Fundação Jorge Amado

Faz tempo que Jorge Amado (1912-2001) foi praticamente abandonado pela academia, que parece considerá-lo um escritor inferior, popularesco, regional ou meramente folclórico. Nos últimos anos, porém, houve algum movimento no sentido de recuperar a obra do escritor baiano. A Flip homenageou-o em 2006 e, em 2012 —  ano dedicado à Drummond — , ocorreram eventos oficiais e paralelos onde se discutiu a obra do baiano. Por outro lado, nesta sexta-feira, dia 10 de agosto, quando Jorge Amado completou 100 anos de nascimento, a academia foi acompanhada pelos principais jornais brasileiros, que publicaram poucos e tímidos artigos, ao menos no papel.

O deputado constituinte Jorga Amado | Foto: Fundação Jorge Amado

Jorge Amado foi o mais popular dos escritores brasileiros, sendo também o mais conhecido e lido no exterior em sua época. Hoje, este posto é ocupado por Paulo Coelho, mas ainda seria de Jorge Amado se nos limitássemos à literatura de ficção. Em sua época, Amado dividiu o posto de “escritor mais lido do Brasil” com Erico Verissimo (1905-1975). Eram outros tempos, tempos em que o escritor era ouvido sobre os mais diversos assuntos e ocupava uma posição de consciência ética do país. Houve um processo silencioso em todos estes anos: a importância do escritor dentro da sociedade foi levada para uma posição secundária, ele foi deslocado pouco a pouco para a periferia. Amado e Erico participaram ou opinaram sobre todos os assuntos fundamentais da vida nacional. Ambos testemunharam e participaram dos principais fatos de suas épocas. Se Erico falou e escreveu muito contra a ditadura militar (1964-1985), Amado foi deputado constituinte em 1945 pelo PCB e, em função de suas atividades extraliterárias, viveu exilado na Argentina e no Uruguai (1941 a 1942), em Paris (1948 a 1950) e em Praga (1951 a 1952). É difícil imaginar algum ficcionista ou autor de auto-ajuda brasileiro indo para o exílio, na hipótese demencial da implantação de uma ditadura militar hoje no país.

Com a atriz Sônia Braga, que personificou Gabriela e Dona Flor | Foto: Fundação Jorge Amado

Após o período como deputado, Jorge Amado viveu exclusivamente dos direitos autorais de seus livros. Aliás, mesmo durante o período como deputado, ele doava 80% de seu salário para o Partidão.

Sua obra transcendeu os limites do regionalismo modernista a que foi ligada num primeiro momento. Como escritor, pode-se dizer que houve dois Amados: a separação entre ambos seria Gabriela Cravo e Canela (1958). O primeiro Amado dedicava-se mais aos romances de costumes e à  crítica social e o segundo dava mais atenção ao humor popular, ao sincretismo religioso e à sensualidade. Tal fronteira não é rígida, mas não deixa de ser verdadeira. Em comum entre as fases está um narrador envolvente e extremamente hábil ao construir personagens e tramas. E também o fato de as duas fases apresentarem grandes romances.

A fase pré-1958, por exemplo, tem romances como o excelente Capitães da Areia (1937). Dentro de uma divertida trama baseada na vida de menores abandonados de Salvador, o romance expõe as diferenças de classe, a concentração de renda e os efeitos da marginalidade nos jovens. E pasmem, o romance, hoje lido sem maiores sustos, teve mil exemplares queimados em praça pública pelo governo da Bahia sob a acusação de ser uma obra “comunista” e “nociva à sociedade”. O livro também teve cópias apreendidas em outros estados. Outro imenso romance da primeira fase foi Terras do sem-fim (1943) que conta uma história sobre fazendeiros-coronéis, jagunços e sobre lutas pela posse de terras para desmatar e plantar cacau.

O PCB reúne-se: Amado com Pablo Neruda e Luís Carlos Prestes | Foto: Fundação Jorge Amado

Nestes livros, há a revelação de uma sociedade injusta, baseada na lei do mais rico ou armado, nas mentiras sociais e na hipocrisia geral. Pensando que foram escritos num período nada democrático, às portas do Estado Novo, Jorge Amado demonstra coragem ao criar personagens tão verossímeis, violentos e dispostos ao diálogo quanto quaisquer ditadores.

Em 1951, Amado escreveu O Mundo da Paz. É um livro de viagens que depois foi  renegado pelo autor. É compreensível; afinal, há trechos como aquele onde ele afirma que Stálin é “mestre, guia e pai, o maior cientista do mundo de hoje, o maior estadista, o maior general, aquilo que de melhor a humanidade produziu”. Em entrevista para Geneton Moraes Neto, nos anos 90, durante o colapso do comunismo nos países do leste europeu, Amado confessou: “Eu me desorientei – e muito – quando descobri que Stálin não era o pai dos povos, ao contrário do que sempre pensei. Aquele foi um processo doloroso, difícil, cruel e demorado. A maioria das causas dos acontecimentos atuais talvez já fossem claras para mim. Mas os acontecimentos são de uma rapidez imensa”.

Com o filósofo Jean-Paul Sartre e um cacau | Foto: Fundação Jorge Amado

Os livros da primeira fase, assim como os da segunda, são romances de estruturas semelhantes e para serem lidos com disposição pantagruélica: engole-se com o maior dos interesses a história contada e esquece-se dos expedientes de linguagem. Funcionam muito bem desta forma. Em Jorge Amado, a forma contribui para contar a história da forma mais eficiente possível e, de resto, esconde-se.

A fase pós-1958 marca seus maiores sucessos: o citado Gabriela, cravo e canela, Dona Flor e seus dois maridos (1966), Teresa Batista cansada de guerra (1972), Tieta do Agreste (1977) e Tocaia Grande (1984). A popularidade do escritor pode ser medida pelo simples fato de todos os livros citados neste parágrafo terem se tornado novelas de TV, seja na Rede Globo ou na extinta TV Manchete. Há também os filmes. Basta dizer que Dona Flor e seus dois maridos foi por 34 anos o recordista de público no cinema brasileiro: foram 10 milhões de espectadores, até ser ultrapassado por Tropa de Elite 2 em 2010.

Um livro especialmente interessante são suas memórias em Navegação de cabotagem (1992). No texto são desfiados diversos casos e fatos, narrados com delicioso humor e fora de ordem cronológica. Fica a comprovação de que Jorge Amado testemunhou grandes acontecimentos do século XX e que, em sua trajetória pessoal, desempenhou um papel central na cultura brasileira. Por outro lado, é o mais despretensioso dos livros de memórias, abrangendo desorganizadamente o longo período entre meados da década de 20, do qual Jorge Amado recorda o ciclo do cacau e o movimento da Academia dos Rebeldes (grupo literário do qual fez parte na juventude), e o começo dos anos 90.

Na leitura dos livros de Jorge Amado, sempre é bom manter a disciplina da leitura. As primeiras páginas são dedicadas a uma balzaquiana apresentação de personagens e da trama. Após este obstáculo, a leitura envolve e emociona. Quando perguntado sobre como gostaria de ser lembrado, Jorge Amado respondia:  “Como um baiano romântico e sensual. Eu me pareço com meus personagens — às vezes, também com as mulheres”. Amado costumava fazer pouco de sua importância. Em 1991, disse: “Quando eu morrer, vou passar uns vinte anos esquecido”.

O velhos comunistas Amado e Saramago | Foto: Fundação Jorge Amado

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“Vou passar uns vinte anos esquecido” | Foto: Fundação Jorge Amado

Bibliografia completa:

— O País do Carnaval, romance (1930)
— Cacau, romance (1933)
— Suor, romance (1934)
— Jubiabá, romance (1935)
— Mar morto, romance (1936)
— Capitães da areia, romance (1937)
— A estrada do mar, poesia (1938)
— ABC de Castro Alves, biografia (1941)
— O cavaleiro da esperança, biografia (1942)
— Terras do Sem-Fim, romance (1943)
— São Jorge dos Ilhéus, romance (1944)
— Bahia de Todos os Santos, guia (1945)
— Seara vermelha, romance (1946)
— O amor do soldado, teatro (1947)
— O mundo da paz, viagens (1951)
— Os subterrâneos da liberdade, romance (1954)
— Gabriela, cravo e canela, romance (1958)
— A morte e a morte de Quincas Berro d’Água, romance (1961)
— Os velhos marinheiros ou o capitão de longo curso, romance (1961)
— Os pastores da noite, romance (1964)
— O Compadre de Ogum, romance (1964)
— Dona Flor e Seus Dois Maridos, romance (1966)
— Tenda dos milagres, romance (1969)
— Teresa Batista cansada de guerra, romance (1972)
— O gato Malhado e a andorinha Sinhá, historieta infanto-juvenil (1976)
— Tieta do Agreste, romance (1977)
— Farda, fardão, camisola de dormir, romance (1979)
— Do recente milagre dos pássaros, contos (1979)
— O menino grapiúna, memórias (1982)
— A bola e o goleiro, literatura infantil (1984)
— Tocaia grande, romance (1984)
— O sumiço da santa, romance (1988)
— Navegação de cabotagem, memórias (1992)
— A descoberta da América pelos turcos, romance (1994)
— O milagre dos pássaros , fábula (1997)
— Hora da Guerra, crônicas (2008)

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Devemos um fígado a Roberto Bolaño

Na foto, a homenagem de Nicanor Parra a Roberto Bolaño | Imagem do blog jorgeletralia.com

Publicado em 12 de maio no Sul21

Em 2003, um escritor chileno chamado Roberto Bolaño morreu aos 50 anos, em Barcelona. O surpreendente é que os vários jornais latino-americanos escreviam obituários lamentando o desaparecimento de um dos cinco principais autores contemporâneos da América Latina. Os outros eram García Márquez, Vargas Llosa, Jorge Luis Borges e Julio Cortázar. Roberto Bolaño? Quem é ou era?

Alguns o veem como um membro do citado quinteto, outros como um autor nada transcendente. Porém, ignorando quaisquer avaliações, acentua-se o culto mundial a Roberto Bolaño, iniciado na América espanhola.  À princípio ícone chileno, mexicano e espanhol, o chileno tem multiplicado seus leitores de forma permanente e os que o leem parecem tomados pelo vírus de tal forma que passam logo ao estado de fãs e seguidores. No Brasil, a Companhia das Letras tem sido competente ao lançar lentamente a integralidade de sua obra, que também está invadindo a Europa e os Estados Unidos. A edição norte-americana de Noturno do Chile traz a frase de uma crítica de Susan Sontag, afirmando que o livro era o que havia de melhor e de mais precioso. Hoje, busca-se mais contos, romances e poemas do autor cujas cinzas foram jogadas por sua mulher e filhas no Mediterrâneo em 2003.

Uma imagem de Roberto Bolaño em uma rua de Buenos Aires

Sua morte prematura — enquanto esperava, em Barcelona, um fígado para transplante — foi o último ato da formação de um mito para o qual Bolaño contribuiu de forma direta. Morreu em 14 de julho de 2003 no hospital Valle de Hebrón. Passou 10 dias em coma por complicações hepáticas enquanto esperava em vão. Deixou textos para publicação póstuma e outros inconclusos. Estava preocupado com o futuro de sua mulher e das filhas. Entre os papéis deixados havia os cinco grandes textos que deveriam – e formaram — o painel 2666, romance que gira em torno de um escritor desaparecido (Benno von Archimboldi) e onde há um enorme acúmulo de cenas que descrevem o horror dos feminicídios em Ciudad Juárez, onde as mulheres parecem ser caça.

Bolaño era chileno, mas se reconhecia como “autor latino-americano”. É compreensível: teve vida breve, nasceu em 1953, viveu largas temporadas no México e na Espanha — o golpe de Pinochet, por exemplo, aconteceu quando morava com sua família no México — e sua morte ocorreu em Barcelona. Enrique Villa-Matas diz que a morte de Bolaño fechou uma vida destinada a tornar-se uma lenda. Talvez ele esteja correto e mesmo se o fim do autor fosse menos trágico, ele seria comentado. Afinal, Bolaño tinha talento, coragem, idealismo e alguma loucura, características raras na era do politicamente correto.

O primeiro livro de Bolaño no Brasil foi o "revanchista" Noturno do Chile

Uma vida cosmopolita e despojada

Roberto Bolaño nasceu em Santiago do Chile em 1953. Com 13 anos, mudou-se com sua família para a Cidade do México. Ali, praticamente morava dentro da Biblioteca Pública. Permanecia tanto tempo lendo que não conseguiu terminar o ensino médio nem muito menos entrar para a universidade. Curiosamente, hoje existe a cátedra Roberto Bolaño na Universidade Diego Portales de Santiago… Em 1973, Salvador Allende foi assassinado e Roberto retornou ao Chile de carona, com a intenção de unir-se à resistência contra a ditadura que se instalava. Foi preso. Salvou-se graças a um amigo, um militar que fora seu colega de colégio. Foi libertado. Anos depois, diria que não falava sobre política pois “os que detém o poder, ainda que por pouco tempo, desaprendem tudo sobre literatura”. Porém, a literatura ocupa-se do político e Bolaño viria a escrever o brilhante, vingativo e inteiramente político Noturno do Chile.

Em seu regresso ao México, juntamente com o poeta Mario Santiago Papasquiaro –- a inspiração para a criação do personagem de Ulises Lima, o amigo de Arturo Belano do romance Os Detetives Selvagens — fundou o movimento poético infra-realista, que se opôs dissonante e ferozmente aos principais pilares da literatura mexicana, representada especialmente por Octavio Paz.

“Poderíamos dizer que o infra-realismo o moldou como escritor e romancista, mas também o México teve importância nesta transformação. Ela amava o México noturno, o México das ruas e dos cafés, a fala cotidiana com seu humor desencantado. Não é casual que seus dois maiores romances – Os Detetives Selvagens e 2666, sejam centrados no México”, escreveu o escritor Juan Villoro.

Anos depois emigrou para a Espanha, onde já vivia sua mãe. Colheu uvas em alguns verões, trabalhou como vigilante noturno em Castelldefels, foi balconista de armazém, lavador de pratos, faxineiro de hotel, estivador, lixeiro e recepcionista até tornar-se escritor em tempo integral.

E então, após sua morte, os livros de Bolaño começaram a vender cada vez mais. Não houve uma campanha. A propaganda veio através dos leitores que indicavam o escritor um para o outro. Autor morto há menos de dez anos, ele pode ser encontrado facilmente na internet. Há muitos blogs dedicados ou inspirados por ele. Curiosamente, Os Detetives Selvagens e Estrela Distante são seus livros mais citados e as conversas são de fãs, girando menos sobre as qualidades literárias de Bolaño e mais a respeito de suas  obsessões, sobre as histórias inconclusas de busca por personagens, amores e cidades perdidos.

O colecionador de inimigos: Paulo Coelho e Nélida Piñon foram atingidos

Os inimigos

Antes de comentar suas características como escritor, fiquemos mais alguns momentos em suas peculiaridades. Bolaño se comprazia como poucos em fustigar seus inimigos literários. Ele os depreciava de frente, não obedecendo aos habituais salamaleques. Sobre Isabel Allende disparou: “Digo calmamente que Allende é má escritora. Aliás, para qualificá-la como tal, uso de certa indulgência, pois nem isso ela é”. Isabel respondeu: “Dei uma olhada em dois de seus livros e eles me entediaram profundamente”. Até aí, tudo normal. A novidade é que, quando Bolaño morreu, Allende seguiu firme: “Não o lamento. É uma pessoa que nunca disse nada de bom a respeito de alguém. O fato de estar morto não o faz melhor. Era um senhor bem desagradável”. Isabel Allende foi bastante exagerada ao escrever que seu conterrâneo nunca dissera nada de bom sobre alguém. Bolaño cobriu muita gente com os maiores elogios. Porém…

“Skármeta é um personagem televisivo. Sou incapaz de ler qualquer um de seus livros. Sua prosa me vira o estômago”, torpedeou Bolaño. Ele teve causou maiores problemas a Diamela Eltit. Ela publicara a novela Vaca Sagrada e o convidou para um jantar em sua casa. Só que, depois, ele publicou uma impiedosa crítica ao livro de sua anfitriã e aproveitou para fazer referências ao jantar e à péssima gastronomia oferecida, dando detalhes. “Este é um tema sobre que prefiro não tocar. O que se passou foi algo absurdo e hipertrofiado. Bolaño morreu e eu prefiro não dizer nada a respeito”.

Bolaño também desferiu tiros que alcançaram o Brasil, atingindo Nélida Piñon e Paulo Coelho…

Hace poco, Nélida Piñon, celebrada novelista brasileña y serial killer de lectores, dijo que Paulo Coelho, una especie de Barbusse e Anatole France en versión telenovela de brujos cariocas, debía ingresar en la Academia brasileña, puesto que había llevado el idioma brasileño a todos los rincones del mundo. Como si el “idioma brasileño” fuera una ciencia infusa, capaz de soportar (sobreviver a) cualquier traducción, o como si los sufridos lectores del metro de Tokio supieran portugués. Además, ¿qué es eso de “idioma brasileño”? Idea tan desmesurada como si habláramos del idioma canadiense o australiano o boliviano.

Na fila dos transplantes sem que um doador aparecesse (ou desaparecesse)

A lenda

Javier Cercas, autor de Soldados de Salamina, romance onde Bolaño é personagem, sustenta que há dois tipos de lendas em torno de Bolaño. Umas que foram construída pelos leitores e fãs e outras criadas pelo próprio autor, voluntária e involuntariamente. Diz Cercas que ambas não se ajustam à realidade, mas os fatos de sua biografia servem a uma construção mítica em torno do autor: “Ele morreu jovem; morreu no melhor momento de sua carreira; morreu porque permaneceu na fila dos transplantes sem que um doador aparecesse (ou desaparecesse); morreu e foi recebido de braços abertos pela tendência que os meios literários possuem de falar bem dos mortos (com fartas cotas de hipocrisia — exceto Allende, claro). A história da literatura está cheia de exemplos de canonização após uma morte prematura. Mas o que é assombroso é que o mesmo homem que escreveu A Pista de Gelo, escreveria 3 anos depois Estrela Distante e seis anos depois Os Detetives Selvagens. É estupefaciente que, entre 1996 e 2003, ano de sua morte, ele tenha evoluído e escrito tanto”.

Muitos críticos perguntam como a obra de Bolaño sobreviverá a isto. Logo após sua morte, a única pergunta que cabia era se ele era genial ou apenas extraordinário. E citam sua última entrevista. A Playboy mexicana perguntou: “O que você diz daqueles que pensam que Os Detetives Selvagens é o melhor romance mexicano de todos os tempos?”. Ele respondeu: “Dizem isto de pena. Me vêem decaído e doente, desmaiando em praça pública e não lhes ocorre nada melhor do que uma mentira piedosa, que é o mais indicado nesses casos. Não é pecado fazer isso”. Tudo parece confluir para torná-lo uma lenda.

Os vídeos de Bolaño e de quem o conheceu no YouTube mostram uma pessoa cercada de amigos. Todos têm histórias para contar, inclusive o próprio Bolaño que chega a dar detalhes de como roubava livros na juventude em um programa de TV. Jorge Herralde, editor da obra de Bolaño, também foi um grande amigo. E hoje é quem garante a subsistência de sua mulher e filhos, cuidando para que os direitos autorais cheguem a eles. Cumpre o que prometeu ao escritor antes de sua morte. Na abertura de 2666, há a seguinte nota:

Nota dos herdeiros do autor

Diante da possibilidade da uma morte próxima, Roberto deixou instruções para que seu romance 2666 fosse publicado em cinco livros correspondentes às cinco partes do romance, especificando a ordem e a periodicidade das publicações (uma por ano) e até mesmo o preço para negociar com o editor. Com esta decisão, enviada dias antes de sua morte pelo próprio Roberto a Jorge Herralde, pensava deixar resolvido o futuro econômico de seus filhos.

Após sua morte e depois da leitura e estudo da obra e do material de trabalho deixado por Roberto, Ignacio Echevarría (o amigo que indicou como seu conselheiro literário) surgiu com outra consideração de ordem menos prática: o respeito ao valor literário da obra, que faz com que, em conjunto com Jorge Herralde, alteremos a decisão de Roberto e que 2666 seja publicado primeiro em um só volume, como o autor teria feito se não tivesse sido cumprida a pior das possibilidades que oferecia seu processo de doença.

Um escritor que criava histórias dentro de histórias

Os livros

“Um oásis de horror em meio a um deserto de tédio” (Charles Baudelaire), esta é a epígrafe de 2666. Porém, o tal “oásis de horror” é fácil de ler (segundo alguns críticos, é fácil por ser superficial). Porém, o que aparece com clareza é que Bolaño é um tremendo narrador. Sua prosa é fluida e bem humorada até quando descreve o bizarro, a desgraça e o patético. Só que esta opção pela clareza parece ser um artifício para nos colocar problemas abismais e demonstrar uma realidade dividida e ramificada. As histórias de Bolaño são hipnotizantes e muitíssimas vezes inconclusas. Vão nascendo umas dentro das outras de tal forma que acabamos por esquecer o que está sendo contato; é um detalhe hipertrofiado de uma outra narrativa. Seu tradutor no Brasil, Eduardo Brandão, afirma: “De certa maneira, ele reproduz muitas vezes o que acontece na vida da gente. Você cruza com uma pessoa, conversa, conhece, de repente você nunca mais a vê, e talvez ela apareça lá na frente novamente em outras circunstâncias. Desse ponto de vista, o procedimento narrativo do personagem que vai, some e nunca mais volta a aparecer, é bem calcado na nossa realidade”.

Os Detetives Selvagens, por exemplo, tem 3 partes. A primeira, de mais ou menos cem páginas, uma longa segunda parte de 500 páginas e uma terceira, um epílogo curto. A longa segunda parte é formada por textos escritos na primeira pessoa do singular. São mais de 50 narradores que se alternam para contar a história dos personagens e outros fatos que aparentemente não têm nada a ver com a narrativa principal. São narradores extremamente envolventes, apesar de quase sempre finalizarem suas histórias de forma abrupta, como quem suprime as últimas páginas. Quando um novo narrador toma a palavra, normalmente sobre outro assunto envolvente, já sabemos que Bolaño nos deixará em meio à narrativa. É claro que nos acostumamos e acabamos por achar divertido o autor que nos tira o pão da boca. Só que o efeito geral é devastador. Quando você se afasta do livro, acaba descobrindo que as narrativas complementares estão se afastando do plot, ao invés de formar um todo tranquilizador. O romance é minuciosamente descontrolado por um homem de visão nada indulgente para com toda aquela turba. O resultado de toda a alegria de viver demonstrada é o desencanto e é mais, é o horror do vazio. Tal procedimento é repetido em 2666.

Alguns críticos dizem que o mundo de Bolaño não é falsamente simples, é autenticamente simples

Tudo é parcial e tem múltiplas significações no mundo falsamente simples de Roberto Bolaño. Para referenciar o vazio, Bolaño recorre à hipérbole, ou seja, a intensificar a vida de forma inconcebível, de forma a negá-la. Explicando melhor, Bolaño escreve infinitamente suas belas histórias sem origem nem fim, preenchendo infinitamente todos os espaços ficcionais com sua prosa agradável e de inícios e finais abruptos, conseguindo, com isso, negar seu preenchimento, mostrando o inconsolável vazio de seus inteligentes e simpáticos personagens. De que outra forma apreenderíamos o vazio senão valendo-se da hipérbole? Mais: Bolaño utiliza-se brilhantemente de repetições, só que elas são normalmente imprecisas, diferentes, perturbadoras.

Uma das histórias: quando a Universidade Autônoma do México foi invadida pelo exército em setembro de 1968, Auxilio Lacouture decidiu permanecer escondida no banheiro, onde já estava, resguardando o último reduto de autonomia universitária. Ela lê um volume de poesias, às vezes observa e ouve os militares que cuidam para que ninguém entre na Universidade. Permanece ali por vários dias em plena resistência e com “uma certeza meio vaga” de que ia morrer. Não morreu, tornando-se uma heroína aos olhos de alguns amigos, enquanto outros duvidavam da história. A narrativa é linda, mais do que envolvente, está em Os Detetives Selvagens, tem final abrupto e talvez ninguém saiba porque ela está ali.

Não obstante a desilusão e tristeza que se desprende de seus livros, Bolaño torna-se cada vez mais popular. Talvez isto deva-se a uma forma de vanguardismo que se preocupa em não ser um serial killer de leitores e porque ele era humano o suficiente para agradecer o recebimento prêmio Rómulo Gallejos dizendo que escrever era…

Correr por el borde del precipicio: a un lado al abismo sin fondo y al otro lado las caras que uno quiere, y los libros, y los amigos, y la comida.

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Trecho do filme “Amante Latino” (1979) com Sidney Magal / Roteiro de Paulo Coelho

Isto também não é uma “idiotice”? Refiro-me ao post abaixo. Dica do Fernando Guimarães.

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Paulo Coelho: Ulysses, de James Joyce, é "prejudicial" para a literatura (bem que eu desconfiava)

Não posso dizer que lamentei esta matéria. Ao contrário. Por admirar Jorge Luis Borges, Paul Rabbit já escreveu livros com os títulos de O Aleph e O Zahir. Acho que ele jamais escreverá sua versão de Ulysses. Que bom!

Traduzido livremente por mim, do The Guardian

Escritor brasileiro descarta clássico modernista sobre um dia da vida de Leopold Bloom. Chama-o de “puro estilo”

Paulo Coelho põe no lixo o Ulysses, de James Joyce. "Não há nada lá".

Ulysses, de James Joyce, tem vencido enquetes e mais enquetes como o maior romance do século 20, mas, segundo Paulo Coelho, o livro é “uma idiotice”.

Antes, porém, falou de si ao jornal brasileiro Folha de S. Paulo. Coelho disse que o motivo de sua popularidade é o de ser “um escritor moderno, apesar do que dizem os críticos”. Isto não significa que seus livros sejam experimentais, acrescentou — sim, “eu sou moderno porque faço o difícil parecer fácil e então eu consigo me comunicar com o mundo inteiro”.

Os escritores se dão mal, de acordo com Coelho, quando se concentram na forma e não  no conteúdo. “Hoje em dia escritores querem impressionar outros escritores”, ele disse ao jornal. “Um dos livros que causaram maior dano foi Ulysses de James Joyce, que é puro estilo. Não há nada lá. Desmontado, Ulysses é uma idiotice”.

Os livros e romances espirituais de Coelho — cujo último, Manuscrito encontrado em Accra, passa-se na Jerusalém de 1099, prestes a ser atacada por cruzados — já venderam mais de 115 milhões de cópias em mais de 160 países. Ulysses, o romance modernista de Joyce, com 265.000 palavras sobre um dia na vida de Leopold Bloom em Dublin, foi publicado pela primeira vez com uma tiragem de 1.000 exemplares em 1922. Essas primeiras edições pode ser adquiridas hoje ao valor de R$ 320 mil e a existência do livro é comemorada todos os anos e em todo mundo no dia em 16 de Junho, data em que Bloom vagou por Dublin.

Embora Ulysses frequentemente encabece listas de melhores livros, não é raro que o critiquem. Coelho não é o primeiro a criticar obra-prima de Joyce. Roddy Doyle disse em 2004 que duvidava que as pessoas que os colocavam no topo tivessem sido realmente tocadas por ele.

P.S. — Este post só foi possível porque a Caminhante Diurno — que é também a Caminhando por fora — me indicou a matéria no The Guardian.

P.P.S. — Idelber Avelar escreve para mim no twitter, prenhe de razão: há um probleminha de tradução: “stripped down, Ulysses is a twit”. É um TUÏTE, não uma ‘idiotice’. Abraços.

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Atenção, O Aleph agora é de Paulo Coelho!

Que coisa triste! O mais influente (…) escritor (?) brasileiro (argh!) vai lançar em julho seu próximo livro, chamado singelamente O Aleph. Com isso, penso que Paulo Coelho procure agregar à sua obra a grife de Jorge Luis Borges, autor de um importantíssimo volume de contos chamado casualmente de El Aleph ou O Aleph. Coincidência?

O que a eternidade é para o tempo, o Aleph é para o espaço, dizia Borges (1899-1986). Para Paulo Coelho, o Aleph é um ponto que contém todo o universo e que nos transporta a outra dimensão, em busca de uma resposta. Na obra, o autor descerverá uma grave crise de fé, o que faz buscar — talvez no pontinho-tudo — o caminho da renovação e do crescimento. Notável.

Apesar do Aleph ser um ponto, o autor espertamente visitou a Europa, a África e a Ásia em plena crise, sempre na desesperada busca de si mesmo. Ou do Aleph. Nesta viagem, seguiu a recomendação de J., seu mestre espiritual: “Está na hora de sair daqui, reconquistar seu reino”. E o autor foi, talvez de TAM.

— Às vezes, é necessário deslocar-se de si próprio para localizar seus próprios passos em outros lugares terrenos e espirituais.

Interessante. Não sabemos se Paul Rabbit levou o pontinho na viagem ou acabou esbarrando com ele por aí. Os argentinos vão adorar a confusão que Rabbit criará no Google, misturando-se à Borges. Vou parar por aqui a fim de revisar meu livro de contos: Ficcciones.

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Atendendo a um pedido, alguns improvisos irresponsáveis: definições pessoais de literatura

Literatura é tudo que pode ser lido como literatura. É aquilo que desperta a imaginação do leitor e lhe provoca emoções de índole estética, sentimental, matemática ou lógica. Ou a mera transmissão adequada de conhecimento já é? Há construções textuais absolutamente geniais fora do âmbito dos romances e da poesia. Freud, Marx, Darwin e Euclides da Cunha são tão literatura quanto Kafka, Faulkner, Guimarães Rosa e Carver, apesar de não serem tão ficcionais…

Um belo teorema, em sua elegância, precisão, concisão e amplitude, é literatura para o matemático que pode avaliá-lo esteticamente.

Literatura é a arte que usa a linguagem verbal — verbal?, e o matemático? — como suporte. E, para ser literatura, o livro ou a coisa tem que ser escrita com a intenção de provocar um efeito estético. Paulo Coelho provoca efeito estético ou é pura mistificação? Temo que sim, em algumas pessoas. E mistificação pode ser parte da literatura, sem dúvida. E os livros de vampiros? Eles não estão preocupados com nenhum refinamento de forma ou conteúdo. São literatura? E a Bíblia? Tem estilo, retórica, é ficção e reflete uma cultura. Deve ser literatura, claro.

Literatura é a arte que usa a palavra como matéria-prima. Melhor aqui pois consigo incluir a literatura oral (a primeira que tivemos). Também as artes plásticas, a música e até a dança podem participar da literatura no seu aspecto de transmissão. A literatura engloba tudo, de crônicas do dia-a-dia até a poesia mais diáfana, passando por obras de não-ficção cuja construção textual vai além da simples função informativa. A boa literatura é aquela que transmite adequadamente o que procura transmitir. O raso ou o profundo dependem do leitor.

A literatura é um meio de comunicação, podendo ser poética, ficcional (plurissignificativa, subjetiva, etc.), técnica, especializada…

A literatura, assim como o futebol e a música, é uma das representações do real. Talvez a maior delas. Não, a literatura fica atrás — bem atrás — da música.

E o que não é literatura? O que é mal escrito? E como sabemos que está mal escrito? Ora, quando o texto ou o poema ou “a coisa” não transmitem adequadamente o que procuram transmitir. A transmissão pode ser rarefeita, mas isto não significa que será menos densa. Ops, melhor parar!

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Monica Bellucci – não quero travar relações com esta mulher

Vejam o que ela lê…

Meu mundo caiu.

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