Sim, vamos. Pois quem é que não sabia? Naquele domingo de eleição, houve gente literalmente chorando no balcão da Bamboletras. E tu estavas comemorando, Leite.
Tu fizeste campanha pro cara que matou desnecessariamente 450 mil brasileiros — o cálculo de mortos no país, se houvesse ação efetiva do governo, é de 150 mil. Inadvertidamente, mas por burrice, falta de visão e opção classista, foste parceiro em um genocídio, meu caro.
Em todos os governo eleitos, existe uma relação óbvia: quem os elegeu carrega responsabilidade por isso.
Agora que estamos no pior governo da história, fascista, burro, corrupto, grosseiro, os eleitores não querem assumir a parte que lhes cabe no genocídio. E mais: querem atribuir justamente a quem não votou em Bolsonaro, o resultado dessa merda toda.
Ora, Sr. Eduardo Leite, se você cravou 17 na urna em 2018, esse voto é seu, somente seu. Talvez, como menino branco, rico, mimado, o Sr. não tenha sido ensinado a lavar a privada onde caga, mas isso não quer dizer que foi outra pessoa que cagou. Assumir a própria merda seria um bom sinal de que deixou de ser o filhinho de papai e se tornou, sei lá, adulto, que é requisito pra se candidatar, aliás.
O futebol como representação da vida política e da vida em geral.
Explico para quem não entendeu: Na primeira foto, o árbitro Jean Pierre Lima vê este incrível pênalti (fora da área, houve um beliscão do jogador colorado no calção do gremista, que caiu desmaiado). Depois, vitorioso, Renato Portaluppi agradece a graça recebida.
O Inter negou-se a pegar a taça e as medalhas de vice-campeão. Correto. Se não tiverem bom valor no Mercado Livre, melhor deixar na FGF.
A causa a que devotei boa parte da minha vida não prosperou. Eu espero que isto me tenha transformado em um historiador melhor, já que a melhor história é escrita por aqueles que perderam algo. Os vencedores pensam que a história terminou bem porque eles estavam certos, ao passo que os perdedores perguntam por que tudo foi diferente, e esta é uma questão muito mais relevante.
ERIC HOBSBAWN na contracapa do livro “Pessoas Extraordinárias”
Então, o que é um texto de qualidade? É o que sempre foi: ou seja, enfiar a cabeça no escuro, saber saltar no vazio, sabendo que a literatura é basicamente uma profissão perigosa. É correr ao longo da beira do precipício: de um lado do abismo sem fundo, de outro, os rostos que você ama, os rostos sorridentes que você quer ver, e livros, e amigos, e comida. É aceitar essa evidência, embora, por vezes, pese mais a laje que cobre os restos dos escritores mortos. A literatura, como diria um andaluz, é um perigo.
ROBERTO BOLAÑO
O futebol é a última representação sacra de nosso tempo. No fundo é um ritual, mesmo que seja um passatempo. Enquanto outras representações sacras, até a missa, estão em declínio, o futebol é a única que nos restou. O futebol é o espetáculo que substituiu o teatro.
PIER PAOLO PASOLINI
Abaixo, um “.gif” de Pasolini jogando futebol e uma foto de sua squadra:
Pasolini é o primeiro em pé, à esquerda. O time é o do Casarta, de sua cidade natal, de mesmo nome, na região Friuli.
Eu não tive a sorte de ser seu amigo, mas, como você sabe, considero-me seu devoto discípulo. Ambas as vezes em que nos encontramos, uma em Buenos Aires, outra em Lima, cumprimentamo-nos calorosamente, e outras vezes o Sr. me enviou saudações, das quais me orgulho, por outros meios. Mas o que é mais importante para mim é o fato de ter lido quase toda a sua obra com prazer e paixão. Mais: como professor de graduação e pós-graduação, eu sempre dou aulas sobre seus romances, ao menos uma por ano — em 2016 eu abordei Os Filhotes — e sempre retorno a suas palestras sobre Flaubert e Arguedas.
Desde logo vou dizendo que não concordo com nenhuma de suas idéias políticas, mas até agora optei por não contradizê-lo, apenas lamentando silenciosamente várias de suas declarações. Toda vez que eu lhe vi na TV, mudei imediatamente de canal em tributo à qualidade de sua prosa, de sua poética e de seus personagens. Mesmo quando se armou um protesto em 2012, aqui em Buenos Aires, porque o Sr. iria inaugurar a Feira do Livro, escrevi neste jornal que seu Prêmio Nobel foi “irrepreensível por premiar uma estética literária moderna, inovadora, original e escrita à margem da civilização imperial”. E eu também escrevi que “para além do grande narrador, é também um cruzado neoliberal, destes que se espantam com qualquer gesto equivocado kirchnerista, mas que tolera ver Menem rifar o país, o petróleo, as ferrovias, os portos marítimos, etc.”. E chegamos a 2015, quando você fez campanha eleitoral dizendo que, “se fosse argentino, votaria em Macri”. Neste caso, também mantive silêncio, apesar de que me doía vê-lo manifestar-se.
Mas, embora eu jamais tenha retrucado as suas opiniões nem muito menos contra-atacado — e não farei isto agora –, quero lhe dizer que fiquei estupefato com o diálogo que você manteve em Madrid, nesta semana, com o presidente de meu país. Ao ver você aceitar e celebrar tanta mentira não literária, concluí que meu silêncio já era demasiado.
O governo liderado pelo Sr. Macri é um governo de bandidos, em primeiro lugar, porque chegaram ao poder prometendo o que o povo argentino queria e precisava ouvir, mas determinados — desde o primeiro momento — a trair cada uma dessas promessas.
Em segundo lugar, é um governo de facínoras insensíveis, de canalhas que, ao longo de quatro décadas, e em todos os seus governos, depositaram aproximadamente 350 bilhões de dólares em paraísos fiscais. Por isso, o primeiro ato do Sr. Macri foi o de legalizar essas fortunas, que supostamente retornariam ao país.
O Sr. Macri é hoje considerado — não no mundo da América Espanhola, é claro — um dos cinco governos mais corruptos do planeta. E o repertório de escândalos que os grandes jornais e o sistema de televisão argentino omite é chocante. Sabe-se que existem mais de 40 empresas ligadas ao Grupo Socma, de propriedade da “Famiglia” Macri. E são públicos os repetidos “perdões de dívidas” e favorecimentos, como nos casos de Correo Argentino (de seu pai) e Ferrocarril Sarmiento (de seu cunhado).
Claro que fico pasmo por vê-lo celebrar Macri, ignorando tudo isso. O gabinete argentino se assemelha ao do Dr. Caligari, com mais de 50 membros processados (incluindo o presidente e seu vice) e com vínculos perversos com a empresa brasileira Odebrecht, cuja diretoria é grande parceira do presidente.
Você deve saber, com certeza, que a atuação do Supremo Tribunal Federal foi alterada através de decreto e que agora o país é governado por “decretaços” como fizeram há décadas os militares aqui e os ditadores no Peru. E com certeza está ciente dos favores obscenos a latifundiários e a alvoroçados empresários, que puseram milhões de trabalhadores na rua, destruindo não somente empregos, mas educação, famílias e sonhos. Em pouco mais de um ano, foram fechadas 7000 fábricas e empresas produtivas, o ensino público está em estado terminal e, nestes 14 meses, nossa dívida externa aumentou ad infinitum, para algo que nunca vamos pagar.
Custa-me crer que você, meu Mestre, com a sua acuidade proverbial, preste-se a esta farsa. Pergunto, então: são tão grandes os negócios que nos preparam na Espanha que justifique uma recolonização? São tão grandes esses interesses a ponto de você descartar uma grande carreira literária e favorecer um arruaceiro que se assemelha tanto a seu compatriota Fujimori?
Minha lealdade de discípulo e a consciência de minha pequenez literária não me impedem de ver, com dor, o triste papel encarnado por você na televisão ao discursar platitudes com a finalidade de criticar o presidente venezuelano. Dói-me ouvir suas falas cheias de conotações racistas e classistas.
Me deu muita pena do Sr., Don Mario, ao vê-lo tão generoso e dócil na frente do lamentável governante desta terra que lê e gosta de seus livros. Eu senti dor e um certo embaraço por ser seu admirador.
Sim, sem dúvida, vou continuar admirando sua obra literária, mas que enorme vergonha senti de vê-lo agora, em idade avançada, desempenhando um papel como Zavalita perguntando: “Em que momento se fudeu a Argentina?”.
Seguirei devoto de sua grandeza literária. Mas apenas dela.
Aos 88 anos, o filósofo e ensaísta denuncia que a má educação ameaça o futuro dos jovens
Primeiro foi um fax. Ninguém respondeu à arqueológica tentativa. Depois, uma carta postal (sim, aquelas relíquias que consistem em um papel escrito colocado em um envelope). “Não responderá, está doente”, avisou alguém que lhe conhece bem. Poucos dias depois, chegou a resposta. Carta por avião com o selo do Royal Mail e o perfil da Rainha da Inglaterra. No cabeçalho, estava escrito: Churchill College. Cambridge.
O breve texto dizia assim:
Prezado senhor,
O ano 88º e uma saúde incerta. Mas sua visita seria uma honra.
Com meus melhores votos.
George Steiner.
O professor de literatura comparada, o leitor de latim e grego, a eminência de Princeton, Stanford, Genebra e Cambridge; o filho de judeus vienenses que fugiram dos nazistas, primeiro a Paris e, em seguida, a Nova York; o filósofo das coisas do ontem, do hoje e do amanhã; o Prêmio Príncipe de Astúrias de Comunicação e Humanidades em 2001; o polemista e mitólogo poliglota e autor de livros vitais do pensamento moderno, da história e da semiótica, como Errata — Revisões de Uma Vida, Nostalgia do Absoluto, A Ideia de Europa, Tolstoi ouDostoievski ou A Poesia do Pensamento, abriu as portas de sua linda casinha de Barrow Road.
O pretexto: os dois livros que a editora Siruela publicou recentemente em espanhol. De um lado, Fragmentos, um minúsculo, ainda que denso compêndio de algumas das questões que obcecam o autor, como a morte e a eutanásia, a amizade e o amor, a religião e seus perigos, o poder do dinheiro ou as difusas fronteiras entre o bem e o mal. De outro, Un Largo Sábado, um inebriante livro de conversas entre Steiner e a jornalista e filóloga francesa Laure Adler.
O motivo real: falar sobre o que fosse surgindo.
É uma manhã chuvosa no interior de Cambridge. Zara, a encantadora esposa de George Steiner (Paris, 1929), traz café e bolos. O professor e seus 12.000 livros olham o visitante de frente.
Pergunta. Professor Steiner, a primeira pergunta é como está sua saúde.
Resposta. Ah, muito ruim, infelizmente. Já tenho 88 anos, e a coisa não vai bem, mas não tem problema. Tive e tenho muita sorte na vida, e agora a coisa vai mal, embora ainda tenha alguns dias bons.
P. Quando alguém se sente mal… é inevitável sentir nostalgia dos dias felizes? O senhor foge da nostalgia ou pode ser um refúgio?
R. Não, a impressão que se tem é de ter deixado de fazer muitas coisas importantes na vida. E de não ter compreendido totalmente até que ponto a velhice é um problema, esse enfraquecimento progressivo. O que mais me perturba é o medo da demência. Ao nosso redor, o Alzheimer faz estragos. Então, para lutar contra isso, faço todos os dias exercícios de memória e atenção.
P. E como são?
R. Você vai se divertir com o que vou contar. Eu me levanto, vou para o meu pequeno estúdio de trabalho e escolho um livro, não importa qual, aleatoriamente, e traduzo uma passagem para os meus quatro idiomas. Faço isso principalmente para manter a segurança de que conservo meu caráter poliglota, que é para mim o mais importante, o que define a minha trajetória e meu trabalho. Tento fazer isso todos os dias… e certamente parece ajudar.
P. Inglês, francês, alemão e italiano…
R. Isso mesmo.
P. Continua lendo Parmênides todas as manhãs?
R. Parmênides, claro… bem, ou outro filósofo. Ou um poeta. A poesia me ajuda a concentrar, porque ajuda a memorizar, e eu, sempre, como professor, defendi a memorização. Eu adoro. Carrego dentro de mim muita poesia; é, como dizer, as outras vidas da minha vida.
P. A poesia vive… ou melhor, no mundo de hoje sobrevive. Alguns a consideram quase suspeita.
R. Estou enojado com a educação escolar de hoje, que é uma fábrica de incultos e que não respeita a memória. E que não faz nada para que as crianças aprendam as coisas com a memorização. O poema que vive em nós, vive conosco, muda conosco e tem a ver com uma função muito mais profunda do que a do cérebro. Representa a sensibilidade, a personalidade.
P. É otimista em relação ao futuro da poesia?
R. Extremamente otimista. Vivemos uma grande época de poesia, especialmente entre os jovens. E escute uma coisa: muito lentamente, os meios eletrônicos estão começando a retroceder. O livro tradicional retorna, as pessoas o preferem ao kindle… Preferem pegar um bom livro de poesia em papel, tocá-lo, cheirá-lo, lê-lo. Mas há algo que me preocupa: os jovens já não têm tempo… De ter tempo. Nunca a aceleração quase mecânica das rotinas vitais tem sido tão forte como hoje. E é preciso ter tempo para buscar tempo. E outra coisa: não há que ter medo do silêncio. O medo das crianças ao silêncio me dá medo. Apenas o silêncio nos ensina a encontrar o essencial em nós.
P. O barulho e a pressa… Não acha que vivemos com muita pressa? Como se a vida fosse uma corrida de velocidade e não uma corrida de fundo… Não estamos educando nossos filhos com muita pressa?
R. Deixe-me ampliar esta questão e dizer-lhe algo: estamos matando os sonhos de nossos filhos. Quando eu era criança, existia a possibilidade de cometer grandes erros. O ser humano os cometeu: o fascismo, o nazismo, o comunismo… Mas, se você não pode cometer erros quando jovem, nunca se tornará um ser humano completo e puro. Os erros e esperanças desfeitas nos ajudam a completar o estágio adulto. Nós erramos em tudo, no fascismo e no comunismo e, na minha opinião, também no sionismo. Mas é muito mais importante cometer erros do que tentar entender tudo desde o início e de uma vez só. É dramático ter claro aos 18 anos o que você tem que fazer e o que não.
P. O senhor fala da utopia e de seu oposto, da ditadura da certeza…
R. Muitos dizem que as utopias são idiotices. Mas, em qualquer caso, serão idiotices vitais. Um professor que não deixa seus alunos pensar em utopias e errar é um péssimo professor.
P. Não está claro por que o erro tem uma fama tão ruim, mas o fato é que essas sociedades extremamente utilitaristas e competitivas possuem essa imagem negativa.
R. O erro é o ponto de partida da criação. Se temos medo de cometer erros, nunca podemos assumir os grandes desafios, os riscos. É que o erro retornará? É possível, é possível, existem alguns sinais. Mas ser jovem hoje em dia não é fácil. O que estamos deixando a eles? Nada. Incluindo a Europa, que já não tem mais nada para lhes oferecer. O dinheiro nunca falou tão alto quanto agora. O cheiro do dinheiro nos sufoca, e isso não tem nada a ver com o capitalismo ou o marxismo. Quando eu estudava, as pessoas queriam ser membros do Parlamento, funcionários públicos, professores… Hoje mesmo a criança cheira o dinheiro, e o único objetivo já parece querer ser rico. E a isso se soma o enorme desprezo dos políticos em relação aos que não têm dinheiro. Para eles, somos apenas uns pobres idiotas. E isso Karl Marx viu com bastante antecedência. No entanto, nem Freud nem a psicanálise, com toda sua capacidade de análise dos traços patológicos, foram capazes de compreender nada disso.
P. O senhor não se simpatiza muito com a psicanálise… É o que dá a entender.
R. A psicanálise é um luxo da burguesia. Para mim, a dignidade humana consiste em ter segredos, e a ideia de pagar alguém para ouvir seus segredos e intimidades me enoja. É como a confissão, mas com um cheque. É o segredo que nos torna fortes, por isso todos meus trabalhos sobre Antígona, que diz: “Posso estar errada, mas continuo sendo eu”. De qualquer forma, a psicanálise está em plena crise. Lembre-se das palavras magníficas de Karl Kraus, o satirista vienense: “A psicanálise é a única cura que inventou sua doença”.
P. E Sigmund Freud?
R. Freud é um dos maiores mitólogos da história. Mas se trata de ficção. Era um romancista excepcional.
Neste momento, George Steiner se levanta, avança lentamente em direção à sua imensa biblioteca e tira de dentro de um velho volume um cartão de visita amarelado escrito à mão em alemão: é um cumprimento de Sigmund Freud aos pais se Steiner por ocasião de seu casamento. “Meu pai o conheceu, eles passeavam juntos na beira do rio”.
P. Retomemos a questão do poder do dinheiro. O senhor tem alguma explicação válida, de um ponto de vista filosófico, de por que os eleitores da Itália, em um determinado momento, e atualmente os da Espanha, decidiram alçar ao poder partidos políticos enfiados até o pescoço na corrupção?
R. Porque existe uma gigantesca abdicação da política. A política tem perdido terreno no mundo todo, as pessoas já não acreditam nela, e isso é muito perigoso. É Aristóteles quem diz: “Se você não quer entrar na política, na ágora pública, e prefere ficar em sua vida privada, então não venha se queixar depois de que são os bandidos que governam”.
P. A velha e tão atual figura da idiotice aristotélica…
R. Exatamente. Uma figura muito atual. Bem, pois eu sinto vergonha de ter gozado desse luxo privado de poder estudar e escrever e não ter querido entrar para a ágora. Eu me pergunto o que ocorrerá com o fenômeno das estruturas políticas em si mesmas. Por todos os lados, triunfam o regionalismo, o localismo, o nacionalismo…é o retorno dos vilarejos. Quando se vê alguém como Donald Trump ser levado a sério pela democracia mais complexa do mundo, tudo é possível.
P. Como o senhor enxerga uma eventual vitória de Trump?
R. Isso não vai acontecer. Hillary irá ganhar. Mas será uma vitória triste, porque essa mulher está esgotada, triturada interiormente. E Putin, então? A violência de uma pessoa como ele parece acalmar as pessoas que não acreditam mais na política, elas os reconforta. Por isso é que o despotismo é o contrário da política.
P. E a relação entre política e cultura? Como vê isso? Outra pergunta: o senhor compartilha a sensação —muito pessoal e subjetiva, por outro lado— de que a cultura, no sentido das “artes”, está estancada, ao contrário dos avanços científicos, que não param de acontecer?
R. É delicado falar sobre isso. Estamos, eu e você, em uma pequena cidade inglesa como Cambridge, onde, desde o século XII, cada geração produziu gigantes da ciência. Hoje em dia, há 11 prêmios Nobel por aqui. Daqui saíram Newton, Darwin, Hawking… Para mim, o símbolo do avanço irrefreável da ciência é Stephen Hawking. Mal consegue mover uma parte de suas sobrancelhas, mas a sua mente nos levou à extremidade do universo. Nenhum romancista, dramaturgo, poeta ou artista, nem mesmo Shakespeare, teria ousado inventar um personagem como Stephen Hawking. Bem. Se você e eu fôssemos cientistas, o tom da nossa conversa seria outro, seria muito mais otimista, pois hoje, toda semana a ciência descobre alguma coisa nova que não conhecíamos na semana passada. Em contrapartida – e isso que lhe digo é totalmente irracional, e espero estar enganado –, o instinto me diz que não teremos amanhã nenhum novo Shakespeare, um novo Mozart ou Beethoven, nem um Michelangelo, um Dante ou um Cervantes. Mas eu sei que teremos um novo Newton, um novo Einstein, um novo Darwin… Sem dúvida alguma. Isso me assusta, porque uma cultura desprovida de grandes obras estéticas é uma cultura pobre. Estamos muito distantes dos gigantes do passado. Espero estar enganado e que o próximo Proust ou Joyce esteja nascendo na casa aqui na frente!
P. O senhor diferencia a “alta” cultura e a “baixa” cultura, como fazem alguns intelectuais de renome, visivelmente incomodados com formas da cultura popular como os quadrinhos, a arte urbana, o pop ou o rock, para as quais se chegou a criar o rótulo de “civilização do espetáculo”?
R. Vou lhe dizer uma coisa: Shakespeare teria adorado a televisão. Ele escreveria para a televisão. E não, eu não faço esse tipo de distinção. O que realmente me entristece é que as pequenas livrarias, os teatros de bairro e as lojas de discos estejam fechando. Por outro lado, os museus estão cada vez mais cheios, as multidões lotam as grandes exposições, as salas de concerto estão cheias… Portanto, cuidado, porque esses processos são muito complexos e diversificados para se querer fazer julgamentos generalizantes. O senhor Muhammed Ali era também um fenômeno estético. Como um deus grego. Homero teria entendido perfeitamente Muhammed Ali.
P. Acredita que veremos a morte da cultura como portadora de formas clássicas já batidas, com sua substituição por outras formas novas?
R. Talvez. Talvez a cultura clássica de caráter patriarcal esteja morrendo e que estejam surgindo formas novas, intermediárias, como uma cultura hermafrodita, bissexual, transexual, e para a qual a mulher contribuirá de uma forma muito especial no sentido de se resgatarem os sonhos e as utopias… Por falar em transexuais e bissexuais, certamente Freud não os viu chegar!
P. O senhor disse certa vez que se arrependia de não ter se arriscado no mundo da criação. Isso é uma espinha travada na garganta?
R. É verdade. Fiz poesia, mas logo me dei conta de que o que estava fazendo eram versos, e o verso é o maior inimigo da poesia. E eu disse também — e há quem jamais tenha me perdoado por isso — que o maior dos críticos é minúsculo diante de um criador. Portanto, vamos deixar claro, e não vamos nos iludir. Eu sou apenas um carteiro, eu sou O Carteiro [referência ao filme O Carteiro e o Poeta]. E me sinto muito orgulhoso disso, de ter entregue as cartas muito bem a tantos e tantos alunos. Mas não tenhamos ilusões.
P. Quem não o perdoou por isso? Colegas seus da universidade?
R. Sim. O que acontece é que existe na universidade uma vaidade descomunal. E cai mal, para eles, que alguém lhes diga claramente que eles são uns parasitas. Parasitas na juba do leão.
P. O crescente desprezo político pelas humanidades é algo desolador. Pelo menos na Espanha. A filosofia, a literatura, ou a história são cada vez mais marginalizadas nos planos educacionais.
R. Isso também acontece na Inglaterra, embora ainda existam algumas exceções em escolas particulares de elite. Mas o próprio conceito de elite já é inaceitável no discurso democrático. Se você soubesse como era a educação nas escolas inglesas antes de 1914… Ocorre que, entre agosto de 1914 e abril de 1945, cerca de 72 milhões de homens, mulheres e crianças foram massacrados na Europa e no oeste da Rússia. É um milagre que a Europa ainda exista! E vou lhe dizer uma coisa em relação a isso: uma civilização que extermina os seus judeus nunca mais conseguirá recuperar aquilo que ela foi antes. Sei que irritarei alguns antissemitas, mas a vida universitária alemã nunca mais foi a mesma sem esses judeus. Uma civilização que mata os seus judeus está matando o seu próprio futuro. Mas, bem, hoje existem 13 milhões de judeus no mundo, mais do que antes do Holocausto.
P. Isso é incrível.
R. Escandaloso! Um escândalo gigantesco!
P. Como o senhor vê o futuro do ser humano? É otimista ou pessimista?
R. O futuro… Não sei. Toda profecia é apenas memória ativa, não se pode prever nada, apenas olhar no retrovisor da história e contar para nós mesmos histórias sobre o futuro. Com certeza haverá duas ou três grandes novas descobertas científicas no campo da genética que introduzirão problemas de ordem moral terrivelmente complexos. Por exemplo: permitiremos que se manipulem as células de um feto?
P. Colocar um freio no avanço científico será também um problema moral…
R. Exatamente. Que direito nós temos? Eu, por exemplo, sou um partidário muito firme da eutanásia. Nós, os velhos, muitas vezes acabamos destruindo a vida dos mais novos, que têm de ficar nos carregando nas costas. Eu adoraria ter o direito de dizer “Obrigado, foi maravilhoso, mas agora chega”. Esse dia ainda vai chegar. Na Holanda e na Escandinávia, já está quase aprovado… Não temos mais recursos para manter vivas tantas pessoas senis ou mesmo dementes. Isso vai de encontro à felicidade de muita gente. Não é justo.
P. Quais momentos ou fatos acha que mais forjaram a sua forma de ser? Entendo que ter que fugir do nazismo junto com seus pais e viajar de Paris a Nova York – magistralmente lembrado em seu livro Errata – é um dos fundamentais, levando em conta que…
R. Direi algo que vai causar impacto. Eu devo tudo a Hitler. Minhas escolas, meus idiomas, minhas leituras, minhas viagens… tudo. Em todos os lugares e situações há coisas a aprender. Nenhum lugar é chato se me dão uma mesa, bom café e alguns livros. Isso é uma pátria. “Nada humano me é alheio”. Por que Heidegger é tão importante para mim? Porque nos ensina que somos os convidados da vida. E temos que aprender a sermos bons convidados. E, como judeu, ter sempre a mala pronta, e se tiver que partir, partir. E não se queixar.
O que vimos ontem foi simplesmente a Democracia Brasileira atuar. Não foi um atentado à democracia porque aqueles caras ali foram colocados lá por nosso povo ignorante. No espetáculo deprimente e despudorado de ontem à noite, ficou claro como este Congresso eleito caga para a sociedade. Era todo mundo pensando apenas em si, num nível impar de vulgaridade e deselegância. O que era aquele “Tchau, querida”? Lá no Congresso, não chegou o feminismo e nem nada que seja moderno, com raras e honrosas exceções.
Há anos eu digo que o maior e mais nefasto dos movimentos sociais é o das igrejas neopentecostais. Acostumadas à corrupção de pastores hábeis em extirpar dinheiro da ignorância, tendo o conservadorismo e o (falso) moralismo no DNA e adubadas pelos governos — inclusive por este — vão levar esse país a um retrocesso abissal. Pobre Brasil, na mão desses caras.
Um país que não educa acaba somando ignorância a analfabetismo político, como bem disse Jean Wyllys. Infelizmente, o Congresso é a nossa cara. A cara de um país de baixo nível educacional. E estamos entregando o país a uma quadrilha chefiada pelo pilantra Eduardo Cunha. Qual é a primeira coisa que deve ser destruída pelo novo governo? Teus direitos trabalhistas, meu amigo. Sim, estes mesmo que foram conquistados palmo a palmo durante anos.
Alguém fez uma busca no registro escrito da sessão da Câmara dos Deputados de ontem, levando em consideração apenas as falas durante a votação. Foram encontrados os seguintes termos:
Deus: 61 citações
Família: 307 citações
Crime de responsabilidade: 29 citações
Pedaladas: 6 citações
Lei de Responsabilidade Fiscal: 1 ocorrência
Pois é. É hora de respirar, tentar manter a calma e pensar em como ir organizadamente para a rua, pois o Congresso está dominado por um bando de hipócritas que só falam em Deus e na família. E não pensem que amo o Governo Dilma, por favor.
A crise política deverá ser seguida por um longo período de domínio da direita, diz Idelber Avelar, professor na Universidade Tulane (EUA), à BBC Brasil.
Nesse cenário, ele afirma que a esquerda e os movimentos sociais podem levar anos para se reagrupar.
Brasileiro, Avelar leciona literatura latino-americana e estudos culturais nos Estados Unidos desde 1999, mas se tornou conhecido entre muitos compatriotas por seus posicionamentos políticos nas mídias sociais.
Crítico do PT, ele não vê razões para se associar aos grupos que defendem a permanência de Dilma Rousseff na Presidência e rejeita a descrição do cenário político brasileiro como uma “briga de duas torcidas ante a qual você tem de se posicionar ao lado de uma delas”.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
BBC Brasil – Com a crise houve alguma mudança na forma como o Brasil é encarado nos EUA?
Idelber Avelar – Cinco anos atrás o Brasil era o modelo de como crescer com instituições democráticas fortes e reduzindo a desigualdade. Neste momento perdemos as três coisas: não estamos crescendo, não estamos reduzindo desigualdade e as instituições democráticas estão em perigo, pelo menos.
Chama atenção a rapidez com que se desmoronou esse modelo. Há um cenário político marcado por tremenda instabilidade, com uma classe política na situação e oposição completamente desmoralizada, e não há perspectiva de transformação desse quadro em longo prazo. Vivemos uma grave crise econômica, institucional, política e ambiental.
BBC Brasil – Por que ambiental?
Avelar – Uma das características essenciais dos governos petistas tem sido o desenvolvimentismo arrasa quarteirão. Ambientalistas, lideranças indígenas e ribeirinhas na Amazônia dizem que o PT foi pior para a região que o PSDB. O PSDB implantou aquele modelo de estado mínimo, deixando que a iniciativa privada resolvesse.
O governo petista apostou num modelo através do qual o Estado gera mecanismos para que as grandes construtoras realizem negócios e (em troca) financiem campanhas eleitorais.
Sou a favor de que se estabeleça algum tipo de requisito dentro do nosso aparato educacional para que pessoas do Sul e Sudeste possam visitar a Amazônia e ver o que aconteceu no Xingu com a construção da usina de Belo Monte, o que aconteceu no rio Madeira, para ver o que é a expansão da soja.
Isso lhes daria uma leitura diferente da realidade e desmontaria uma noção de crescimento que muita gente da esquerda fetichiza.
BBC Brasil – Não é inviável se opor ao crescimento num momento em que o Brasil enfrenta uma grave crise econômica, com crescente desemprego?
Avelar – Não existe possibilidade lógica de crescimento infinito num planeta com recursos finitos. Poderíamos estar numa sociedade em que optássemos por um crescimento zero, há até marxistas falando nisso.
É um debate difícil, porque há uma mentalidade que associa a redução da desigualdade ao crescimento do PIB. Mas não há relação automática entre as duas coisas: pode haver crescimento extremo sem redução de desigualdade e pode haver redução de desigualdade sem ritmo frenético de crescimento.
Claro que para isso teríamos mexer em políticas redistributivas, na dívida pública, no sistema bancário, numa série de vespeiros em que nosso sistema político não está pronto para mexer, mas é uma conversa urgente.
BBC Brasil – A Lava Jato põe em xeque o modelo de relação entre o Estado e empreiteiras?
Avelar – A Lava Jato tem consequências que fogem ao controle inclusive dos procuradores e juízes envolvidos. Não acredito que haja limpeza completa da política brasileira, mas também não acredito que ela vá simplesmente decapitar algumas lideranças do PT, derrubar o governo da Dilma para depois se restabelecer tudo como era antes.
Existe uma nova geração de procuradores imbuída de um espírito que pode ser criticado como meio salvacionista ou messiânico, mas esse grupo claramente não está interessado em pegar lideranças de um só partido político. Alguma coisa se quebrou no pacto oligárquico. Ele vai ser restabelecido, mas em outras bases.
BBC Brasil – Embora milite à esquerda, você não tem apoiado as manifestações em favor da manutenção de Dilma na Presidência. Por quê?
Avelar – A descrição do quadro político brasileiro como uma briga de duas torcidas ante a qual você tem de se posicionar ao lado de uma delas é um quadro não apenas simplista, mas chantagista.
Não cedo à chantagem de que a direita vai tomar poder se não nos alinharmos com a defesa do governo. Em primeiro lugar, porque a direita já está no poder num país em que Kátia Abreu controla o Ministério da Agricultura, em que cargos são regularmente loteados ao PMDB. Há uma coalizão que implementa cotidianamente políticas de direita.
Não bato bumbo pelo impeachment. Acredito que a melhor saída seria a renúncia da Dilma. A situação de descalabro não é só produto da Lava Jato, mas de uma série de fatores, incluindo a inépcia dela em dialogar com a própria base no Congresso.
BBC Brasil – Há uma ofensiva do Judiciário contra o governo do PT?
Avelar – O Judiciário sempre teve a natureza oligárquica e punitivista que está se revelando agora, mas o governismo não se preocupou quando manifestantes contra a Copa ou líderes ambientalistas foram criminalizados, nem com as prisões arbitrárias feitas a rodo nas manifestações de 2013.
O governo não ficou neutro nestas histórias. Ele foi partícipe dessas operações. A draconiana lei antiterrorismo sancionada recentemente foi enviada ao Congresso pelo Executivo, é uma lei da Dilma. Quando alguns desses mecanismos se voltam contra o PT, o governismo grita, mas o PT fortaleceu esses mecanismos ao longo da última década.
BBC Brasil – Diante da fragilização do PT, há margem para a articulação de uma nova frente de esquerda?
Avelar – Sou bastante pessimista. Houve nos últimos 14 anos uma cooptação brutal dos movimentos sociais. O único partido consistentemente à esquerda do PT e com alguma presença no cenário nacional, o PSOL, tem funcionado mais como linha auxiliar do governo do que como alternativa a ele.
Temos algumas faíscas do que poderia ser a esquerda pós-PT, mas acho que vai demorar muito tempo para que ela se reagrupe e faça a crítica necessária da experiência petista. Acho mais provável que a direita clássica volte ao poder e a gente tenha um longo e tenebroso inverno.
Não se foge à religião no Brasil. Aqui, a fé é ela própria uma divindade de direito próprio: omnipresente. A velar o turismo carioca no topo do Corcovado; no Brás, distrito industrial paulistano onde a Igreja Universal do Reino de Deus construiu recentemente uma enorme réplica do primeiro templo citado na Bíblia, o Templo de Salomão; nas intersecções obscuras da mata atlântica que se adentra pelas cidades, com o candomblé baiano; nos media; no Congresso.
Falar de laicismo parece por isso mais um exercício de republicanismo teórico do que um debate sobre uma característica fundamental dos Estados modernos. Nas urnas, as escolhas do povo estão longe de reflectir essa necessidade. O que tolhe as elites e aumenta o poder das várias igrejas que pululam pelo país, em particular as evangélicas. É nesse contexto, e em absoluta contracorrente, que nasceu a Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (ATEA).
Daniel Sottomaior é o fundador (2008), presidente e principal rosto da ATEA, que está a tomar em mãos o que ele próprio, com ironia, designa como “luta de David contra Golias”: travar a promiscuidade entre o Estado e as religiões. Na Justiça. Um caso de cada vez. Conversámos numa pequena empadaria do centro de São Paulo, onde pouco depois da entrevista um pregador fortuito num altar de cartão nos diz na rua: “Deus continua existindo!”
Quantos ateus estimam que existam no Brasil?
Todas as pesquisas indicam de 1% a 3%. Não dá para saber exactamente quanto, porque a margem de erro é perto de 1%.
Em números absolutos são…
Se pensarmos em 2%, são quatro milhões de pessoas.
Como são tratadas num país tão religioso?
Uma imensa parte muito mal. Costumo dizer que somos os párias oficiais. Se olhar o que aconteceu na evolução do movimento negro ou do movimento LGBT, por exemplo, houve no Brasil uma progressiva judicialização dos casos de preconceito e discriminação – o que é um sinal de progresso. Hoje em dia, se uma pessoa xinga um negro de macaco, sabe que pode ser preso. Se faz o mesmo com um ateu, a expectativa é completamente diferente.
Por exemplo.
Há um tempo uma moça fez um tweet preconceituoso contra os nordestinos (os imigrantes magrebinos na França são os “imigrantes” nordestinos em São Paulo, é a mesma coisa) e houve comoção nacional, investigação no Ministério Público, manchetes… Óptimo. Muito bom. Agora, quando se falam as mesmas coisas para os ateus [o tweet: “Nordestino não é gente, faça um favor a SP, mate um nordestino afogado”] ou pior, nunca dá manchete, acção das autoridades, ninguém vai preso, é investigado, nada. Xingar os ateus é a mais perfeita normalidade institucional. Ninguém fica indignado. É a mais pura expressão da cultura local.
Acontece ao contrário: ateus a insultar crentes?
É possível, mas não tenho notícia de ateus dizendo que os cristãos – ou seja quem for – são criminosos, que não merecem viver, que têm que ser segregados da sociedade, que têm que ir embora, que merecem o inferno… Não vejo os ateus dizendo isso de ninguém.
Qual é o papel da ATEA?
São muitos. Tentamos focar-nos em dois mais importantes: diminuir o preconceito e lutar pela laicidade do Estado.
A que tipo de acções se dedicam mais?
Ao activismo judicial. Com a imprensa, podemos contar relativamente pouco. O poder público – o executivo e o legislativo – depende de votos. E ninguém que dependa de votos é louco de se associar com os ateus. Sabe o que acontece. Por eliminação, sobra o judiciário. E, ainda assim, aos trancos e barrancos.
Mas que acções são essas?
A mais recente: no final do mês [de Março] a Cúria Metropolitana vai fazer uma procissão pedindo chuva. É a dança da chuva moderna. A diferença é que agora se sentem no direito de usar o carro do corpo de bombeiros – um serviço público essencial – para carregar a imagem pela cidade. E os bombeiros, obviamente, também não vêem nenhum problema. A ATEA vai tentar impedir que isso aconteça – ou, se não for impedido, que os cofres públicos sejam ressarcidos.
E campanhas de sensibilização?
Já fizemos duas, mas isso é eventual. O dia-a-dia é ir à Justiça, ir ao Ministério Público, e pedir providências.
Quantos associados têm?
Cerca de 14 mil, por todo o país.
Como assistiu às últimas presidenciais, tão marcadas pela religião, em particular pela candidatura de Marina Silva?
Não só as presidenciais: para governador, prefeito, vereador, deputado estadual… Todas as eleições são dominadas pela questão religiosa. É uma tragédia anunciada. Os evangélicos se começaram a expandir no Brasil pela TV, há 20 ou 30 anos. Têm muitos fiéis com baixa escolaridade, vítimas fáceis destes predadores, que conseguem amealhar vastas fortunas – um deles é Edir Macedo [fundador da Igreja Universal do Reino de Deus], que está até na lista Forbes entre os mais ricos. Óbvia e literalmente, o dinheiro não cai do céu. Sai dos bolsos dos fiéis. Uma parte vai parar em propaganda porque rende (se desse prejuízo, parariam). E essas pessoas, como noutros países, elegem o melhor representante que o dinheiro pode comprar.
Têm interlocutores habituais? Partidos políticos, poderes locais, estaduais, federal…
Ninguém é louco. [risos]
Ainda assim, há algum partido em particular mais apto a incluir as reivindicações da ATEA no seu programa político?
Quanto mais à esquerda, maior é a tendência de haver uma certa afinidade. São esses os partidos que vejo a poder defender os direitos das minorias e a laicidade do Estado. Mas não sei se posso apontar algum em particular – tanto que isso não aconteceu até hoje.
Em 2009, endereçaram uma carta aberta ao Presidente Lula da Silva, apontando-lhe contradições no que diz respeito à laicidade. Como é que Dilma Rousseff está a tratar esta questão?
A acção é sempre ambígua. Tende mais para o religioso do que para o laico. Um dado interessante: ela é agnóstica. Um pouco antes de ser candidata, numa entrevista famosa, disse [sobre a existência de Deus]: “Eu me equilibro nessa questão. Será que há? Será que não há?” Podemos interpretar isso como sendo a confissão de uma agnóstica, ou de uma ateia que está só abrindo a portinha do armário. Meses depois, miraculosamente, se converteu. Virou uma beata, como se o fosse desde a infância – e assim permanece.
Isso é só curiosidade. Em termos da laicidade em si, ela prefere ceder às pressões dos evangélicos, dos religiosos, sempre que haja um conflito. Seja na questão do aborto, na questão dos direitos das mulheres, casais homossexuais… Dilma sabe qual é o poder da bancada [parlamentar] evangélica. Teve um caso emblemático do chamado “kit gay”, uma iniciativa do Ministério da Educação para incluir em material didáctico uma espécie de cartilha sobre diversidade sexual – a importância e o preconceito. A bancada evangélica disse que o Governo estava tentando influenciar as crianças a serem homossexuais e conseguiu barrar a iniciativa. Isso, obviamente, com o aval da Presidente.
É possível uma associação tão pequena fazer frente a forças tão poderosas? Igrejas com tanto dinheiro, acesso a canais de televisão, que se impõem nas cidades com grandes templos…
É uma luta de David contra Golias. [risos] No que diz respeito ao Brasil, a organização deles chegou com 500 anos de antecedência em relação à nossa. É natural que estejam na frente. Não temos a perspectiva de ficar num embate equilibrado de forças em pouco tempo. Temos de ser realistas: estamos só começando. Já fizemos progressos monstruosos: os media já reconhecem a ATEA como uma liderança. A quantidade de associados é enorme, mesmo para um país com 200 milhões de pessoas. No Facebook, caminhamos para os 400 mil seguidores. Para uma página em português, que só fala de ateísmo e achincalha todas as religiões, é um número extremamente expressivo. Temos muitas acções na Justiça, já conseguimos movimentar uma pequeníssima quantidade de dinheiro… Há dez anos, antes de começar a ATEA, jamais imaginaria que teríamos tantas vitórias assim em pouco tempo.
Têm algum apoio do Estado, enquanto associação cívica?
O Estado quer que a gente morra! Tudo o que fazemos é contra o Estado. O violador é sempre um agente do Estado. E, frequentemente, alguém do alto da pirâmide: o presidente da câmara que diz que tem que deixar o crucifixo na câmara; o magistrado que beneficia religiosos; ou o Congresso, que aprova a Concordata com o Vaticano concedendo à Igreja Católica direitos que ninguém mais tem. Todas as decisões para preservar a laicidade, num país religioso, com a religiosidade tacanha que tem aqui, são impopulares.
Recebem muitas reacções de crentes?
O amor cristão sempre nos é expresso nos termos mais chulos e mais violentos: “um dia, todo o joelho se dobrará a Jesus”, ou que nós arderemos no fogo do Inferno, que vamos todos morrer de cancro, que somos pessoas infelizes, que não temos mais nada para fazer, que temos que deixar [em paz] a maioria cristã… Bastante!
No ano passado, sentiram necessidade de sair em defesa do colectivo Porta dos Fundos. Porquê?
O Porta dos Fundos tem vários ateus. Mas isso não seria relevante, não fosse o facto de que eles fazem muitos vídeos ridicularizando muito abertamente a religião. E eles foram várias vezes atacados. Salvaguardando as devidas proporções, foi um pouco como aconteceu com o Charlie Hebdo: qual é direito que eles têm para falar coisas daquelas? O nosso apoio foi para lembrar que o sagrado só o é para os religiosos, que não podem obrigar os outros a seguir as mesmas regras que eles, inclusive as regras da sexualidade.
Um jornal como o Charlie Hebdo poderia singrar no Brasil, ou seria rechaçado?
Tem espaço para a Porta dos Fundos… O único problema é o espaço para osmedia impressos, que hoje em dia atravessam dificuldades sérias. Fora isso, assim como na França [o Charlie Hebdo] só vai vender um milhão de cópias por causa da tragédia, aqui também: iria vender 5 mil cópias, que seriam os seus fiéis… leitores.
Correcção: os estudos indicam que os ateus correspondem a 1% a 3% da população brasileira e não a 1% a 6%, como estava erradamente transcrito na resposta à primeira pergunta.
Dia desses, tomei uma mijada por escrever posts tão pessoais quanto este. Levei bastante a sério a advertência — em geral, costumo receber bem as críticas — porque vinha de um querido amigo, mas não vou permitir mais autocensura.
No meu blog, eu me coleciono, para o bem e para o mal. Como isso aqui é uma especie de retrato meu, não consigo levá-lo tão a sério. Publico o que me dá na veneta, sendo às vezes muito pessoal. Ou seja, os posts de foro íntimo seguirão. E a vida já está difícil, o gênero confessional já foi a regra deste blog. Os posts em que falava sobre meu umbigo já foram muito mais numerosos e vão continuar aqui e ali. Acho que já convivo com demasiada autocensura. Sabem onde há autocensura? Vou tentar explicar abaixo.
Como um dos editores do Sul21, não me sinto mais com toda aquela liberdade do passado. Não posso tirar sarro de forma escrachada de alguém que vamos entrevistar um dia, por exemplo. Os repórteres reclamariam de mim: Pô, Milton, o cara estava de má vontade por tua causa. Os assuntos políticos também ficaram mais raros, claro, pois há alguns assuntos que evito. Por exemplo, sabem que eu paguei R$ 11.257,00 para a Mônica Leal em 2014, por conta de uma publicação e de um juiz de direita? Isso intimida e gera mais autocensura. Tive de pagar porque era a única forma abrir o inventário de minha mãe. Só não pedi ressarcimento pelo Catarse porque uma amiga me prometeu fazer voltar cada centavo a meu bolso quando vencer outra ação.
Não gostaria de agregar mais autocensura e deixo para meu amigo dois poemas nos quais pensei enquanto escrevia.
Um de Drummond (os primeiros versos de Mundo Grande):
Não, meu coração não é maior que o mundo.
É muito menor.
Nele não cabem nem as minhas dores.
Por isso gosto tanto de me contar.
Por isso me dispo, por isso me grito,
por isso frequento os jornais, me exponho cruamente nas livrarias:
preciso de todos.
E outro de Chico Buarque (esse uma óbvia vingança por ter sido ameaçado de não poder falar de meu amor por Elena). É o final de Juca::
Juca ficou desapontado
Declarou ao delegado
Não saber se amor é crime
Ou se samba é pecado
Em legítima defesa
Batucou assim na mesa
O delegado é bamba
Na delegacia
Mas nunca fez samba
Nunca viu Maria [leia-se Elena].
O maior castigo para aqueles que não se interessam por política, é que serão governados pelos que se interessam.
ARNOLD TOYNBEE
Arnold, no Brasil é mais democrático ser obrigatório… Mas vejamos:
Primeiro, um mapa mundi.
Países com voto obrigatório:
Argentina
Austrália
Bélgica
Bolívia (sem sanções se não votar)
Brasil (facultativo entre 16 e 18 anos, para os maiores de 70 anos e para os analfabetos)
Congo
Costa Rica
Chipre
Equador
Egito (sem sanções se não votar, obrigatório somente para homens)
Fiji
Grécia
Guatemala
Honduras
Líbano (somente homens)
Líbia (sem sanções se não votar, obrigatório somente para homens)
Luxemburgo
México (sem sanções se não votar)
Nauru
Panamá
Paraguai (acima de 75 anos, voto facultativo) (sem sanções se não votar)
Partes da Suíça
Peru (acima de 70 anos, voto facultativo)
República Dominicana
Singapura
Tailândia
Turquia (sem sanções se não votar)
Uruguai
Países que possuíam voto obrigatório mas que o aboliram:
Áustria (gradualmente entre 1982 e 2004)
Chile (2011)
Países Baixos (1917-1970)
Venezuela (1993)
“Eis aqui um sinal do Brasil profundo: 30% dos eleitores brasileiros já se esqueceram o nome do candidato a deputado federal para o qual deram o voto – a menos de 20 dias.
Os dados são de pesquisa Datafolha realizada em todo o país nos dia 14 e 15 de outubro.
A situação é igualmente desoladora no caso do Senado: 28% dos eleitores já não se lembram em quem votaram para pelo menos uma das vagas de senador (havia duas em disputa)”.
Na maior parte das democracias, o voto é um direito: o eleitor vota se quiser, se achar que algum candidato de fato o representa, ou se achar que é necessário que sua opinião seja representada.
No Brasil, ao contrario, temos o que os juristas e cientistas políticos chamam de direito-obrigação: o cidadão não tem apenas o direito de votar: também tem a obrigação de fazê-lo. Se não o fizer, sofrerá as sanções legais (por exemplo, não pode inscrever-se em concurso ou tomar posse de cargo público, não pode inscrever-se ou renovar matrícula em faculdade pública, não pode tirar carteira de identidade ou passaporte, não pode tomar empréstimos em bancos públicos, etc). Ele só voltará a poder exercer esses direito civis-políticos depois que regularizar sua situação com a justiça eleitoral, pagando a multa imposta pelo juiz eleitoral (a multa varia entre 3% e 10% de uma UFIR, ou seja, entre R$ 1,06 e R$ 3,51 atualmente, podendo ser multiplicada por até 10 – R$ 35,10 – dependendo da condição econômica do eleitor).
Embora a multa seja pequena, a consequência mais séria da obrigatoriedade do voto é que a parte do eleitorado que o faz apenas para não sofrer as consequências legais por sua ausência, acaba não se engajando no processo de seleção dos candidatos de uma forma ativa. Para esses eleitores, a eleição não representa nada mais do que uma obrigação e, por isso mesmo, não há um processo de seleção criterioso de seus candidatos.
Essa situação, aliás, coloca o Brasil em uma posição única entre as grandes economias do mundo. Entre as 15 maiores economias do mundo (e todas com um PIB acima de US$1 trilhão), o Brasil (que figura em nono lugar) é o único país no qual o voto é obrigatório.
Por outro lado, o voto é obrigatório em vários países da América Latina. Aliás, dos 24 países que segundo a CIA estabelecem o voto compulsório, nada menos do que 13 estão na América Latina (Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Costa Rica, Equador, Honduras, México, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana e Uruguai) e outros 7 são também países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento (República Democrática do Congo, Egito, Grécia, Líbano, Líbia, Nauru e Tailândia), e apenas 4 são desenvolvidos, sendo dois cidades-estados (Bélgica, Austrália, Luxemburgo e Singapura).
Além disso, todas as nossas constituições, desde 1946, têm determinado que o voto seja obrigatório. É mais democrático, sabem?
O filme Diário de um Jornalista Bêbado reúne algumas importantes celebridades. A primeira é o autor do livro que deu origem ao filme, Hunter S. Thompson (1937-2005). Thompson não é apenas o autor do livro The Rum Diary, mas também um dos jornalistas que criou o gonzo. O jornalismo gonzo é um estilo de narrativa jornalística ou cinematográfica onde o autor abandona a objetividade ou o distanciamento, misturando-se à ação, argumentação ou enredo. Além de Thompson, o diretor Bruce Robinson é uma dupla ou tripla celebridade. Diretor de cinema de mão cheia, roteirista e dramaturgo de sucesso, Robinson também é ator – muitos devem lembrar-se dele como o ator principal do clássico A História de Adèle H., de François Truffaut. Como artista de múltiplos talentos, Robinson é competente porém bissexto em tudo o que faz, tanto que dirigiu apenas quatro filmes nos últimos 25 anos. E a terceira celebridade é o ator que encarna Thompson, Johnny Depp, que dispensa apresentações e que acumula em si o fato de ter sido amigo pessoal do jornalista. Em 1998, Depp atuou na adaptação de outro livro de Thompson, Medo e delírio (Fear end loathing in Las Vegas), lisérgico filme de Terry Gilliam.
Para além do jornalista e escritor, Thompson ficou conhecido pelo consumo intensivo de bebidas alcoólicas, LSD, mescalina e cocaína, entre outras substâncias. Também era sobejamente conhecido seu amor às armas de fogo, 0 ódio a Richard Nixon e o constante combate ao autoritarismo. Sofrendo graves problemas de saúde, cometeu suicídio em 2005, aos 67 anos.
O termo “gonzo” foi criado por Bill Cardoso, repórter do Boston Sunday Globe, para se referir a um artigo de Thompson. Segundo Cardoso, a palavra seria uma gíria irlandesa do sul de Boston para designar o último homem em pé após uma bebedeira generalizada. Por exemplo, a reportagem Fear and Loathing in Las Vegas — lançado em livro no Brasil em 1984 como Las Vegas na Cabeça – , era planejado como uma matéria sobre uma corrida no deserto, a Mint 400, que fora encomendada pela revista Rolling Stone. Porém Thompson gastou todo o dinheiro com drogas e álcool, fez dívidas, destruiu quartos e fugiu sem pagar. Em lugar da matéria que deveria escrever — sobre um evento esportivo — , o resultado foi a descrição de um ambiente, digamos, bastante distorcido pelo original ponto de vista do autor.
O jornalismo gonzo costuma favorecer o estilo em detrimento da realidade a fim de alcançar outro tipo de precisão, ou de imprecisão, permeada pelas experiências pessoais e as emoções do autor, fornecendo um contexto parcial — apesar de profundo — do evento ou tema que está sendo coberto. O equilíbrio e equidistância da edição são deixadas de lado em favor de uma abordagem participativa. A personalidade e a opinião do autor interagem com o tema e o uso de citações, sarcasmo, humor e palavrões é comum.
Thompson baseou seus trabalhos no conceito de William Faulkner de que “a ficção é frequentemente o melhor fato”. Apesar de Thompson não ter criado ficção, ele sempre fazia uso da sátira e do exagero em seus textos. O termo “gonzo” também é muitas vezes utilizado pejorativamente para descrever uma espécie de fluxo de consciência nada joyceano, regido menos pela erudição do que pelo álcool e as drogas. Na verdade, o New Journalism proposto por Thompson é uma radicalização do já existente jornalismo literário, uma abordagem que se utiliza da literatura, da arte e do humor negro a fim de afrontar o senso comum americano.
Tom Wolfe afirmou em entrevista que a cena jornalística entre os anos 60 e 70 estava cheia de literatos em busca de escrever “o grande romance”. O emprego numa redação era algo passageiro, algo que lhes daria inspiração para este texto seminal. Wolfe descreve aquele ambiente como “um enxame de fantasias fervendo, proliferando no húmus do ego da América”. Foi neste contexto que prosperou o talento de Thompson.
Obviamente, as tentativas de Thompson seriam ignoradas se ele fosse um escritor menor. Não era o caso. De escrita exagerada e sempre imerso no ambiente da notícia, Thompson era dotado de uma visão artística dos fatos que se aliava a um notável talento descritivo. Recorria muitas vezes às hipérboles, como dissemos. Thompson costumava fazer-se acompanhar não de um fotógrafo, mas de um ilustrador. Uma lente seria realista demais. Então, o desenhista Ralph Steadman dava-lhe um gênero de apoio que nenhum fotógrafo obteria, o de adaptar-se perfeitamente ao texto, vendo os acontecimentos sob a perspectiva dos exageros e da literatura do autor. Seus textos giravam basicamente sobre sexo, drogas, política e esportes – raramente saía deste quarteto – e habitualmente eram iniciados por uma citação literária, fruto de uma memória digna de outro grande jornalista que consumia toneladas de álcool, Christopher Hitchens. Ele também não recusava as aspas e travessões para explicitar diálogos. Como um romance.
O filme de Bruce Robinson é consistente e bastante fiel ao livro e à personalidade de Thompson. Paul Kemp é evidentemente um alter ego do autor. Assim como Kemp, Thompson foi a Porto Rico no começo dos anos 60 para trabalhar como jornalista num periódico que logo fechou. De início é complicado ver em Johnny Depp, de 48 anos, um jovem jornalista de menos de 30 anos, mas sua atuação é tão convincente que esquecemos rapidamente do fato. Vendo vídeos de Thompson no YouTube, notamos o quanto não são casuais os tiques nervosos de Deep no filme de Robinson. Deep era efetivamente íntimo do jornalista, tanto que foi ele quem incentivou a publicação de The Rum Diary, escrito nos anos 60 e só publicado em 1998.
A história é simples: Paul Kemp candidata-se a uma vaga num jornal de San Juan, Porto Rico. Sempre bêbado e provavelmente com o mercado fechado para ele nos EUA, Kemp é admitido, recebendo a missão de escrever a coluna de horóscopo. Então, é convidado por um investidor americano para auxiliar em um grande e abusivo empreendimento imobiliário. Ele escreveria textos que levariam a opinião pública a simpatizar com a mega-construção. Assim, ele passa a viver entre o trabalho, o frila, a péssima moradia que arranja, o interesse na mulher do investidor e o rum, principalmente o último. Várias cenas com seus colegas Sala e Moberg (Michael Rispoli e Giovanni Ribisi) são hilariantes, tanto pelas bebedeiras quanto pelas situações em que se metem. Como trata-se de um texto de juventude, Thompson ainda gira em torno do rum, sem experimentar as drogas presentes em Medo e Delírio, livro posterior e filme mais antigo.
Mas há uma cena que liga Medo e Delírio ao Diário. É quando Kemp experimenta ácido e, sob sua influência, vê o amigo Sala sob um formato delirante e engraçadíssimo. Se Medo e Delírio levava isso ao extremo, Diário de um Jornalista Bêbado encaminha o gonzo com maior sutileza, mas nunca sem defini-lo ou demonstrá-lo.
A entrevista é de maio deste ano, durante a prisão domiciliar de Assange em Londres. Hoje, Assange está na Embaixada do Equador em Londres, pede asilo político para evitar uma inacreditável extradição para a Suécia, onde acusado de “abuso sexual”. Temos sérias dúvidas… A polícia inglesa já afirmou que o prenderá assim que sair da Embaixada, impedindo-o de ir ao Equador.
O final da entrevista revela dois homens que temem ser assassinados.
Vivemos numa democracia.
Numa democracia se governa para todos.
Para se ter um governo democrático de sucesso se deve fazer alianças.
O PP já faz parte da base do governo federal desde o inicio do governo Lula.
O PP resolveu apoiar o PT também em SP, o Maluf é um quadro do PP.
O Maluf é um ladrão FDP.
Os paulistas (que são muito burros) acham que o Maluf foi um ótimo prefeito.
O Maluf se elegeu deputado por SP com uma ótima votação.
SP está, desde o inicio dos governos tucanos, crescendo abaixo do que cresce o Brasil.
Os paulistas (que são muito burros, meeeeeesmo) continuam votando nos Tucanos.
Os Tucanos são aqueles políticos neo-liberais nada “tolinhos”, que quase venderam todo o Brasil.
Nos quais a maioria da juventude burguesa e mimada — com carros pagos pelos pais e camisas lavadas pelas mães – vota.
Essa mesma juventude que ocupava praticamente todas as vagas públicas das universidades brasileiras antes da existência das cotas.
O PT faz o melhor governo que o Brasil já teve.
O Lula quer estender para SP as políticas adotadas pelo PT.
O PT pratica a realpolitik desde que resolveu jogar em pé de igualdade com a direita. Realpolitik (do alemão real “realístico”, e Politik, “política”) refere-se à política baseada em considerações práticas.
O PSTU é 100% coerente.
O PSTU não aceita a realpolitik.
O PSTU nunca vai ganhar uma eleição para colocar em prática parcelas do seu programa.
O sonho da direita é que o PT fosse o PSTU.
O PT não é o PSTU!!!
E a direita tomou…
Buenas… Não farei a rima óbvia.
-=-=-=-
Não nego que a foto abaixo me irrita. Mas a irritação não sobrevive a um pouco de raciocínio. Preferia que Maluf fosse tão idiota quanto um antipetista do gênero Reinaldo de Azevedo e tantos outros, mas ele não é.
Não sou nada original: sou mais uma pessoa que não acredita no politicamente correto. Principalmente no âmbito artístico, é algo que não funciona. Fico pensando no que seria uma versão politicamente correta do Monty Python… É possível? Sim, mas perderia toda a graça. O politicamente correto acaba com o humor e muitas vezes destrói a arte. Por exemplo, dois recentes filmes dramáticos, ambos candidatos ao Oscar, viram uma criancice em suas cenas finais em razão do politicamente correto: Tudo pelo Poder, onde a “consciência” do malvadinho recebe uma chamada na última cena, e Os Descendentes, onde os adúlteros são punidos. Esses filmes poderiam até ser muito bons se mantivessem algum ponto de contato com a realidade. Na realidade, sabemos, quase sempre os bons se ralam, dando lugar aos arrivistas. Fico imaginando a versão PC de Lolita, mas deixa pra lá.
Karl Kraus (1874-1936) não pisa na linha que separa o correto e o incorreto, Kraus vive dentro do incorreto de tal maneira que até este comentarista fica meio sem jeito. Os primeiros aforismos deste volume — que tem excelente tradução de Renato Zwick e luxuosa edição da Arquipélago — são um quase só de ataques à mulher. No início, a gente estranha, depois acha engraçada a misoginia de Kraus. Não se trata de hipérboles, ou seja, de intensificar algo até o inconcebível. É uma misoginia tão pensada, inteligente, antiquada e terrível que apenas pode ser suportada da mesma forma com que se admira Nelson Rodrigues e tantos outros autores que viviam em sociedades que aceitavam a misoginia e o machismo. Para a contemporaneidade, a genialidade de Kraus vem logo a seguir, quando ataca todo e qualquer ser humano e intelectual e jornalista e político. O mau humor de Kraus manifesta-se principalmente contra seu país de adoção, a Áustria. Aliás, a Áustria também é objeto do ódio de outro gênio indiscutível do século XX, o grande Thomas Bernhard. Com efeito, deve ser um país habitado por um povo repugnante, mas produz bons artistas. Kraus, obviamente, era um colecionador de inimigos.
Os aforismos do livro da Arquipélago foram selecionados em três coletâneas que Kraus publicou em vida: Ditos e Contraditos (1909), Pro Domo et Mundo (1912) e De Noite (1919). As coletâneas tiveram origem na virulência que o autor demonstrava nas páginas do Die Fackel (“A Tocha”) — revista que fundou e da qual foi praticamente o único redator durante quarenta anos. Paradoxalmente, Kraus, um dos maiores escritores satíricos em língua alemã do século XX, trabalhava na imprensa, apesar de odiá-la minuciosamente. Odiava como ninguém a estupidez e a ignorância dos jornalistas de seu tempo. Seus temas são a política, a filosofia, a imprensa e o papel do artista na sociedade.
São pequenos textos e frases furibundas e geniais. Seu autor insiste que todos os aforismos devem ser lidos mais de um vez. É horrível ter que dar razão a alguém tão arrogante, mas o fato é que na segunda leitura cada um dos aforismos ganha significado duplo ou triplo. Fazer o quê? Há muito que aprender com as frases curtas de exatidão milimétrica e múltiplo sentido de Kraus.
A seguir, alguns petiscos:
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A relação dos jornais com a vida é mais ou menos a mesma das cartomantes com a metafísica.
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A expressão “laços de família” tem um ressaibo de verdade.
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A vida de família é uma invasão da vida privada.
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Muitos têm o desejo de me matar. Muitos, o desejo de ter dois dedos de prosa comigo. Daqueles a lei me protege.
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As penas servem para intimidar aqueles que não querem cometer crimes.
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Não há criatura mais infeliz sob o sol do que um fetichista que anseia por um sapato feminino e precisa se contentar com uma mulher inteira.
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Eles tratam a mulher como se fosse um refresco. No entanto, não admitem o fato de as mulheres sentirem sede.
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Formação é aquilo que a maioria recebe, muitos passam adiante e poucos possuem.
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Propostas para que essa cidade volte a conquistar minha simpatia: mudança de dialeto e proibição de reprodução.
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Não ter pensamentos e ser capaz de expressá-los — eis um jornalista.
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Preciso estar outra vez entre os seres humanos. Pois neste verão, em meio às abelhas e aos dentes-de-leão, minha misantropia degenerou gravemente.
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Muitos talentos conservam sua precocidade até idade avançada.
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Não tenho mais colaboradores. Eu tinha inveja deles. Eles afastam os leitores que eu mesmo quero perder.
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O que distingue Berlim e Viena ao primeiro olhar é a observação de que lá se consegue um efeito ilusório com o material mais desprovido de valor, enquanto que aqui, na produção do kitsch, se emprega apenaas material autêntico.
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Quando o pecado se atreve a avançar, ele é proibido pela polícia. Quando se esconde, recebe um alvará.
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A ética cristã conseguiu transformar heteras em freiras. Infelizmente, ela também conseguiu transformar filósofos em libertinos. E graças a Deus, a primeira metamorfose não é assim tão confiável.
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A sexualidade mal recalcada causou perturbações em muitas casas; a bem recalcada, no entanto, perturbou a ordem do universo.
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Ao sadio basta a mulher. Ao erotista basta a meia para chegar à mulher. Ao doente basta a meia.
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“Não se permitir mais ilusões”: é então que elas começam.
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Devemos ler todos os escritores duas vezes, os bons e os ruins. Uns serão reconhecidos, e ou outros, desmascarados.
O El País proporcionou um chat de seus leitores com Pilar del Río. Eu achei interessante. Poderia corrigir os erros de digitação dos leitores e de Pilar, mas apenas acertei os mais evidentes. Admiro seu feminismo duro e articulado, se me entendem.
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Leitor do El País: Hola Pilar, te escribo desde Euskadi. Un par de preguntas: ¿cuando dejaras de ser para los medios la viuda de José Saramago y pasarás a ser la Presidenta de la Fundación José Saramago (tengo el recuerdo del pie de foto del 50 aniversario de Santillana)?. Es conocido tu cariño y preocupación por la situación en Euskadi. ¿Cómo la ves en este momento? Pacto PSE-PP, tregua de ETA, movimientos de la izquierda abertzale… Gracias.
Pilar del Río: Fermín, no me dejan hacer un ensayo en esta sección… Espero que los medios de comunicación dejen de llamarme ‘La viuda de Saramago’ ya porque soy la mujer de Saramago o la novia de Saramago y desde luego soy la presidenta de la Fundación Saramago, cosa que no sé si por machismo o por frivolidad, algunos prefieren ignorar. En cuanto a lo de la paz en Euskadi y los pactos, hijo, a ver si os ponéis de acuerdo, lo solucionáis de una vez por todas que estamos hartitos todos de vuestros problemas y de vuestros sufrimientos. Solidarios, pero también hartitos. Vamos a hacer el futuro y a dejar de pensar en el pasado. El de Franco y el que no hemos sabido solucionar los que hemos venido después de Franco.
Leitor do El País: ¿Cómo recordará Saramago a Castril?
Pilar del Río: ¿No será mejor cómo recordará Castril a Saramago? ¿Se darán cuenta en el pueblo de mi madre que tuvieron el privilegio de compartir momentos de belleza y de intimidad, como nuestra boda en España, con uno de los hombres que más ha dignificado el siglo XX?
Leitor do El País: ¿Con qué cosas (actividades) se divertía más don José? ¿Qué cosas le causaban risa?
Pilar del Río: Todos los días se reía con el programa de El Gran Wyoming (‘El intermedio’). Le divertía el buen cine (Fellini o Bergman o Almodóvar, por ejemplo), las buenas series de televisión, vimos ‘El ala oeste de la Casa Blanca’ de principio a fin, le gustaban lo libros de ciencia ficción, la buena literatura también, nuestros perros, los solitarios, la música:sus últimos días, cuando ya no podía casi seguir una película veía y oía ópera en la sala de proyección que tenemos en nuestra casa. La belleza de Mozart y de Beethoven le dieron refugio en esos malos momentos.
Leitor do El País: ¿De qué manera cree que los años vividos en Lanzarote han influído en la obra y en la forma de ver la vida de su marido? Gracias
Pilar del Río: Sí. El dijo que hasta ‘El evangelio según Jesucristo’, había tratado de describir la estatua, que tal vez influído por la aridez de Lanzarote ahora lo que le interesaba era la piedra de la que estaba hecha la estatua.
Leitor do El País: He leido una hermosa entrevista suya al Subcomandante Marcos. ¿Sigue escribiendo?
Pilar del Río: No. No tengo medio donde publicar.
Leitor do El País: ¿Qué opinas de la reciente victoria de Cavaco Silva en Portugal?
Pilar del Río: Prefiero opinar del 53% de abstención. ¿Qué tipo de sociedad estamos haciendo para que el 53% de las personas se queden en su casa y no se tomen la molestia en emitir un voto que a su vez es una opinión?
Leitor do El País: En Cuadernos de Lanzarote, Saramago escribe sobre las intromisiones de EEUU en Portugal. ¿Que podríamos haber leido en el Cuaderno de Saramago acerca de Wikileaks? Un abrazo, y mi admiración por Saramago.
Pilar del Río: Nunca me atrevería a interpretar a Saramago. Lo siento, no puedo contestar a esta pregunta.
Leitor do El País: ¿Quiénes eran los escritores de cabecera de Saramago, los que más le marcaron?
Pilar del Río: Kafka, en el siglo XX, Borges y Pessoa. Cervantes, Gogol y el padre Vieiras, un jesuíta portugués, parecido a nuestro Bartolomé de las Casas, del que Saramago decía que nunca el portugués sonó tan bello y tan armonioso de como él lo escribió.
Leitor do El País: Por qué está exhibición de su vida personal que no interesa, o no debería interesar? Yo que José Saramago ha dejado una obra maravillosa que no necesita de esta publicidad como si se tratara de Angelina y Brad Pitt….
Pilar del Río: Me parece bien que a usted no le interese la vida de José Saramago, yo daría lo que no tengo por ver una película así de Cortazar, Proust, Borges… He visto ‘La última estación’ de Tolstoi emocionada y eso que Tolstoi estaba interpretado por un actor. Hay personas a las que sí nos interesan los autores que escriben los libros. Saramago abrió su casa en un gesto de generosidad, no su intimidad, sí su cotidianidad. Es una película para los amigos de Saramago. Simplemente.
Leitor do El País: He leido y visto en la pagina de la Fundacion Saramago q todos los 18 de cada mes se hace un homenaje hasta el noveno mes. ¿Que significado tiene eso? Gracias
Pilar del Río: Saramago decía que una persona no está muerta del todo hasta pasado nueve meses, como los nueve meses primeros no está vida del todo, por eso los días 18 de estos 9 meses nos reunimos amigos en distintos continentes y de distintas maneras pero siempre para brindar por la vida de Saramago. Hay música, hay lecturas de textos, se cuentan experiencias, y siempre, siempre, terminamos brindando por la vida de Saramago. El reunirnos con Saramago los 18 está sacado de una complicidad entre Pessoa y Ricardo Reis que Saramago cuenta en ‘El año de la muerte de Ricardo Reis’.
Leitor do El País: Hola Pilar! Pude ver el estreno del documental en el Maestranza. Sólo puedo decirte que me emocionasteis. No decaigas, que no te vengan los momentos de desánimo, que la palabra de José no puede caer en el silencio. Gracias a tí y a José.
Pilar del Río: ¡Qué bien que entendieras la película! Porque es una película de amor, el amor que se proyecta desde la pantalla y que abarca a los espectadores y el amor de los espectadores hacia Saramago. En todas las sesiones en las que he estado he sentido la emoción a parte de las muchas risas y alguno que otro sollozo contenido.
Leitor do El País: En mi opinión la obra de José Saramago, de la que soy un ávido lector y admirador, tiene una fuerte influencia del Quijote, especialmente podría decir en El Evangelio según Jesucristo, La intermitencias de la muerte o Caín. En ellas alcanza una maestría y una libertad en la escritura admirables, pero también un juego en la estructura, así del papel del que me recuerdan a la gran novela de Cervantes. Cuál es su criterio al respecto? gracias. Saludos Pilar, como si se dijera agua.
Pilar del Río: Lázaro Carreter, que fue presidente de la RAE, escribió un día que Saramago era el escritor más ‘cervantiano’ que existía en estos momentos. Es más, dijo que ‘La balsa de piedra’ era como un ‘El Quijote’ de ahora, esos personajes recorriendo La Mancha que es España, luchando con molinos de viento, llendo hacia América como Don Quijote iba hacia Dulcinea. Yo solo soy una periodista de provincias, nunca diría que Lázaro Carreter estaba equivocado.
Leitor do El País: Pilar , era Saramago feminista ????, Te seguía en tus ideas feministas que las percibo en la pelicula ???He visto la película y además de descubrir a Saramago que a través de sus libros lo intuía , te he descubierto a ti , una gran mujer .Que buena respuesta en Portugal , cuando te preguntan por la legalización del matrimonio entre parejas del mismo sexo , y el peligro de la familia ,y que grande tu respuesta en contra de la homofobia ……Saludos Y felicidades por la película .
Pilar del Río: Respondo a un periodista portugués que la legalización de los matrimonios homosexuales era la correción de un deficil democrático. Lo creo firmemente. En cuanto a si Saramago era feminista, respóndame usted. Mire como son los personajes femeninos en su obra. Y ya me dirá. En cuanto a la discusión sobre Hillary Clinton no deja de ser una anécdota. De la que, por cierto, no me apeo.
Leitor do El País: Siempre Saramago. Hola Pilar. Al final de su vida José apoyo pronunciadamente al juez Baltasar Garzón. ¿Cómo veía él lo que le está ocurriendo al juez?
Pilar del Río: El último artículo que José Saramago escribió en su vida fue sobre Baltazar Garzón y decía que ese juez era de los que demostraban que la justicia no ha muerto. El penúltimo artículo que José Saramago dictó porque ya no podía escribir fue viendo en el Telediario salir a Baltasar Garzón de la Audiencia Nacional expulsado por sus pares. Entonces dijo: “Las lágrimas de Baltasar Garzón son mis lágrimas.” Era un amigo, en Argentina consolaron juntos a las madres que les habían matado a sus hijos, en España recibieron juntos a los nietos que buscaban a sus abuelos para enterrarlos juntos a sus abuelas. Le respetaba y le quería. Garzón me acompañó la primera vez que entré en casa ya sin Saramago y ese gesto de amistad no lo olvidaré nunca. Quiero añadir también que lo último que Saramago dictó fue el 2 de junio, el murió el 18. Fueron solo dos palabras: “Gracias Mankell.” Cuando lo vio en la flotilla de la paz a la que Saramago estaba invitado pero que la enfermedad le impidió ir. Que un compañero de letras estuviera ahí le reconfortó en sus últimos días.
Leitor do El País: ¿Qué más le da fuerza para vivir hoy sin Saramago?
Pilar del Río: ¿Quién le ha dicho que vivo sin Saramago?
Leitor do El País: Esta pregunta va desde el cariño. Nunca he leido a José Saramago. Por favor, dígame una razón para ser su lector. Gracias.
Pilar del Río: Porque cuando acabe de leer a Saramago se sentirá más listo, más alto, más guapo, más rubio, más bueno. Porque se sentirá respetado como lector, porque tendrá que poner mucho de su parte para entender y se dará cuenta que usted es más sabio de lo que creía.
Leitor do El País: ¿Por qué ha pedido usted la nacionalidad portuguesa? Saramago es para nosotros algo más que un escritor ibérico, es “uno de los nuestros” sentimos mucho que se haya ido y ahora también nos apena que usted se vaya ¿Qué´va a ser del legado de Saramago en nuestro país? ¿No tendrá continuidad su obra? ¿No hay ninguna propuesta institucional para mantener su legado aquí?
Pilar del Río: No hay ninguna propuesta institucional para mantener el legado de Saramago en España, pero está mi firme voluntad de abrir la casa de José Saramago en Lanzarote el 18 de marzo para quien quiera entrar y respirar el aire de Saramago. Con toda la humildad que caracterizó Saramago y que nos caracteriza a su entorno pero con toda la ambición de quienes sabemos que solamente uniendo voluntades podremos conseguir objetivos grandes. He pedido la nacionalidad portuguesa, y ya me la han dado, porque era una forma de continuar a Saramago y porque quiero pertenecer al país que dio a un hombre tan cercano y tan maravilloso. Claro que todos somos ibéricos pero la tentación de ser portuguesa no me la he querido evitar.
Leitor do El País: Como periodista, ¿qué piensas de la profesión hoy en día?
Pilar del Río: Que la hemos prostituído entre todos. Las empresas convirtiéndose en negocio multimedia, los periodistas bajando la cabeza y siendo cínicos o sumisos. El periodismo ya difícilmente dará un García Márzquez o nos dará una satisfacción cívica tan grande como cuando a las seis de la tarde del 23F El País sacó una edición especial ‘El País con la democracia’. Hoy, todos los medios juegan con nosotros como si los ciudadanos fueran mercancían. No nos respetan y por ello venden menos.
Leitor do El País: Con todo lo que han viajado juntos, ¿qué han aprendido de nosotros, los humanos?
Pilar del Río: Hay una frase que Saramago repetía continuamente: “El otro es como yo y tiene derecho a decir yo.” Eso es lo más importante que he aprendido. Que todos somos iguales pertenezcamos al continente que sea, a la etnia que sea, a la clase social que sea, independientemente del nivel intelectual que tengamos. En cuanto personas, ningún tipo de Wall Street, ningún Presidente de Gobierno, ningún sabio, es más que el minusválido que está pidiendo limosna en la puerta de la FNAC.
Leitor do El País: ¿Eres atea, al igual que José Saramago?
Pilar del Río: Lamentablemente, no podría ser otra cosa que atea. Porque si pensara que existe un Dios tendría que llevarlo a los tribunales por permitir que pasen las cosas que pasan. Prefiero pensar que no existe a que sea tan malo.
Leitor do El País: Si el cielo no existe, tal y como comenta Saramago en el documental, ¿dónde está Saramago ahora?
Pilar del Río: En los libros, que el decía que cuidáramos cada libro que abrieramos porque contenía dentro a una persona, está en la música que oyó, en los cuadros que miró, en los libros que acarició y, con perdón, también está en mi cuerpo.
Leitor do El País: ¿Cómo logró el realizador llegar a ese nivel de complicidad con vosotros? ¡A veces parece que no existe la cámara!
Pilar del Río: Es que la cámara no existía. Hicimos un pacto: ellos no interferirían en nuestra vida y nosotros tampoco en la suya. Acabamos amigos pero cada uno en su casa.
Leitor do El País: Una de las escenas que más me impactó del documental es cuando José está rodeado de bailarines saltarines y de fotógrafos. Te busca con la mirada y grita tu nombre medio asustado. ¿Cuál es tu escena favorita de la película?
Pilar del Río: José me busca en esa escena porque estaba débil y sentía que las piernas le fallaban. Pero nadie se dio cuenta. Y yo esto ahora lo quiero compartir para que se vea el valor de ese hombre. A mí la escena que más me gusta es cuando estamos leyendo simultáneamente, él en portugués y yo en castellano, el fina del ‘El evangelio según Jesucristo’ y la Montaña Blanca de Lanzarote está al fondo…
Leitor do El País: En el documental, el verdadero descubrimiento eres tú Pilar. Me hiciste pensar en los personajes femeninos de Pedro Almodóvar. ¿Te molesta la comparación?
Pilar del Río: En absoluto, los personajes femeninos de Pedro Almodóvar son grandísimos personajes con más profundidad de la que pueden aparantar en una primera lectura. Son los que sostienen el mundo.
Leitor do El País: Tuvo alguna vez celos del otro gran amor de Saramago : la escritura?
Pilar del Río: Nunca he tenido celos de nada ni de nadie. Saramago y yo nos encontramos en la edad madura y sabíamos compartir admiraciones, afectos, pasiones… eramos cómplices. No había lugar para los celos.
Leitor do El País: ¿Le puedes decir algo a una mujer casada con un hombre veintisiete años mayor que ella, al que no solo ama, sino admira, comparte, etc. pero inexorablemente condenada a la diferencia biolóca/temporal? Gracias, contestes o no.
Pilar del Río: Que nadie tenemos el futuro escrito. Lo importante es vivir en cada momento la oportunidad que tenemos y que muchas veces las diferencias de edad están solamente en el carnet de identidad y no en la vida. Porque hay jóvenes mucho más viejos que algunas personas mayores.
Leitor do El País: En su crítica de hoy Javier Ocaña dice sobre el documental: “Perdón por verla, perdón por disfrutarla, maestro.” ¿Qué pensaría José de la película?
Pilar del Río: Que dijo: Que le gustó, que era una película sobre la vida, más interesante en el resultado final de lo que le iba pareciendo durante el rodaje. Que era una declaración de amor a la vida, a la persona con la que vivía. Lástima que el crítico de El País no se haya dado cuenta de esto y haya pensado que Saramago se dejaba llevar por una persona calculadora. Pilar del Rio era la que frenaba y Saramago es el que termina la película diciendo: “Quiero ir a Tokio, quiero ir a la India.”
Tenho a sorte de jamais ter passado fome. Não tenho preconceito contra quem já passou. Tenho a sorte de não conhecer o idiota dono deste carro. Não sou de opinião que o bolsa-família tenha sido tão decisivo, mas, se foi, tenho que respeitar quem votou com o estômago. Inclusive paranaenses e catarinenses. O incrível é que este imbecil faz dois gols contra: expõe seu preconceito e faz um elogio involuntário ao governo. Patético.