Penetras na Sala São Paulo

Penetras na Sala São Paulo
Os penetras Mateus Rosada, Milton Ribeiro e Elena Romanov | Foto: Mateus Rosada
Os penetras Mateus Rosada, Milton Ribeiro e Elena Romanov | Foto: Mateus Rosada

Ontem, ao dar de cara com mais uma segunda-feira, parecia que voltava de férias. Mas não, tinha saído do trabalho na sexta-feira anterior, no horário de sempre. É que o fim de semana tinha sido tão cheio e aventuresco que parecia terem se passado mais de dois dias. Eu e Elena fomos a São Paulo. Ela para rever amigos seus que hoje tocam na Filarmônica de Israel, eu para me reunir com o pessoal do PQP Bach.

A primeira missão era complexa. Não tínhamos adquirido ingressos para a Sala São Paulo, pois o concerto estava esgotado há muitas semanas. Então, fizemos todo um plano com membros da orquestra para entrar junto com eles na Sala, mais de duas horas antes do concerto. Fomos cheirados, examinados e nosso potencial explosivo foi avaliado. O sotaque da Elena funcionou positivamente. Mas sempre vinha alguém perguntar quem éramos. Os amigos da orquestra trataram de nos defender, dizendo que Elena era uma amiga de infância. Não mentiam.

(Depois, queriam saber onde se servia caipirinha em São Paulo. Lembrem que a cachaça já é vendida no mundo inteiro, mas que o açúcar é de beterraba e o limão é outro em Israel).

Resolvido o problema, vimos o indiano Zubin Mehta entrar no palco para um último e curto ensaio. Ele mais falou do que ensaiou. Mas quando os primeiros acordes do Hino Nacional Brasileiro foram tocados, justificou-se todo o nosso esforço. Estávamos realmente frente a uma orquestra extraordinária. As cordas tocavam como se fossem uma só pessoa, os sopros eram claros, tudo era audível e bonito desde nossa posição privilegiada na Sala São Paulo. Depois, Mehta pediu para repassarem partes escolhidas de Daphnis e Chloe e Vida de Herói.

Suas instruções cuidavam apenas da beleza do som, nada quanto aos andamentos. A delicadeza não vinha do “vamos tocar mais baixo”, mas dos timbres. Ouvíamos seus gritos de “Beautiful sound, beautiful sound”… No meio de uma parte especialmente complexa do Ravel, com um fantástico solo de flauta, Mehta, de 80 anos, parou tudo para perguntar. “Ei, vocês sabem que este será o último concerto de nosso colega contrabaixista X? Ele está se aposentando!”. Todos aplaudiram e cumprimentaram um senhor sorridente e surpreso.

Dentre os trompetistas da orquestra, estava Elieser Ribeiro, primeiro trompete da Ospa. Ele foi membro da Filarmônica de Israel há alguns anos, mas voltou para o Brasil por razões familiares. Normalmente, quando a orquestra viaja para a América do Sul, Elieser é convidado por Mehta.

Foto: Mateus Rosada
Zubin Mehta: mais papo do que ensaio | Foto: Mateus Rosada

Aliás, a atmosfera era realmente divertida. Quase todas as observações do maestro eram recebidas com risadas. Ele também deu todos os avisos sobre o final da excursão, sobre o bis e as próximas viagens. Chamou minha atenção que Mehta disse que orquestra priorizaria turnês pela Europa e América Latina, sendo aplaudido pelos músicos. Nos intervalos, solicitava trechos escolhidos das obras que seriam tocadas no concerto.

Eu e Elena sempre brincamos que nossas viagens são de turismo sinfônico. A do último fim de semana foi rápida. Ficamos na casa de nosso querido amigo Mateus Rosada que estava conosco na Sala São Paulo. Acho que essas viagens funcionam como a leitura de um bom livro, daqueles que limpam nossa cabeça, mostrando que o mundo é não feito só de senadores como Ana Amélia e Lasier Martins, que pode ser mais inteligente, lógico, generoso, afinado e bonito. É renovador ver algo como vimos. E as horas do fim de semana pareceram esticar-se, demonstrando que fazer coisas desinteressantes é apenas jogar fora nossa curta vida.

Eu, Elena e o violinista bielorusso Vitaly Remeniuk | Foto: Mateus Rosada
Eu, Elena e o violinista bielorusso Vitaly Remeniuk | Foto: Mateus Rosada

Marin Alsop na OSESP

No ano passado, assisti tardiamente a OSESP na sala São Paulo. No programa havia Sibelius, Janacek, Debussy e Pärt. Foi um dos grandes momentos de 2010, talvez até o maior deles num ano de poucas emoções artísticas.

Fiquei feliz quando soube que Marin Alsop assumirá a regência titular da OSESP. E fiquei surpreso ao saber que se tratava de uma mulher. Achava que seu nome derivava do nome masculino francês Marin (diz-se Marrã), como Marin Marais, e que vestisse cuecas como eu. Mas não. Aquele regente admirável de tantas gravações da Naxos é uma mulher, o que, se não a melhora, ao menos surpreende num mundo ainda dominado pelos homens.

Alsop, nascida em 1956, assinou por cinco anos a partir de 2012 e deverá ficar dez semanas por ano em São Paulo, além de turnês e gravações. Está bem, se considerarmos que a regra atual é a troca contínua do ocupante do pódio.

O primeiro ocupante do posto no período da Sala São Paulo, John Neschling, ficou bastante nervoso e foi deselegante aqui (final) e aqui. Seu livro é muito bom, mas em seu blog ele se permite um pouco de truculência: colocar o nome de Fernando Henrique Cardoso ao lado do de Marin Alsop é o mesmo que ofendê-la. E ela veio cheia de bom senso:

“Eu sempre ouço conselhos, mas raramente os sigo. Disseram-me para evitar a Naxos, que é uma gravadora de discos baratos, mas olhe o resultado: eles viraram o principal selo clássico do mundo! Bem, mas talvez meus CDs estejam fazendo sucesso porque eu sou mulher. Não é engraçado?”.

Em Baltimore, além das atividades artísticas, ela realizou programas de educação musical envolvendo a população carente. “Você tem de tentar ser relevante e isso é difícil quando lida com gente morta, que criou cem anos atrás”.

“A tendência inicial e imediata seria o repertório brasileiro, latino-americano, mas isso parece muito óbvio. Talvez fosse divertido fazer mais compositores contemporâneos que mesclam popular e erudito. Todo mundo sente que essa é uma cidade contemporânea e isso tem que se refletir no repertório. Além de Mahler, Brahms e Beethoven, temos que trazer a música de hoje. Sou muito interessada na música nova brasileira, e tenho que me educar nisso.”

A Sra. Alsop sabe o que faz. Será que vamos ter mesmo de comprar passagens baratas com antecedência, ficar hospedado naquele hotelzinho ali perto da Sala São Paulo para ouvir música de primeira qualidade? Não me incomodo, mas e Porto Alegre?