Dmitri Shostakovich (VIII – Final)

Na primeira parte do último texto, escreverei uma pequena introdução sobre meu diletantismo radical de escolher um compositor para passar centenas de horas a lê-lo e ouvi-lo. Há muita coisa boa e muita porcaria publicada. Já as gravações são quase todas boas. Ele não é compositor para músicos diletantes…

Os piores textos vêm daquelas alas que atribuem ou buscam descobrir alguma posição política no homem e na obra. Tais posturas, encontráveis tanto à direita quanto à esquerda, com predominância daquela, servem apenas para mostrar a ideologia de quem escreve, o que, convenhamos, pouco interessa neste caso. Depois de muito ler, fica clara a grande e falsa exposição que Shostakovich obteve durante da Guerra Fria, no Oriente e no Ocidente. Ambos os lados o utilizaram como exemplo de suas teses. Ele e outros intelectuais soviéticos foram espécies de caixas pretas nas quais se podia adesivar as mais diversas opiniões e posições. Não, Shostakovich nem representava o governo soviético, nem esteve ao lado dos dissidentes Soljenítsin e Sakharov. Se teve inúmeras oportunidades de permanecer no Ocidente e não o fez (argumento da esquerda), também sofreu horrores com Jdanov, Stálin e mesmo depois (argumento da direita); se escreveu ironias ao estado soviético (Cantata Rayok, argumento da direita), também cantou o heroísmo da revolução em obras não encomendadas. Shostakovich parece-me ter sido alguém cujo pensamento político possuía pouca relevância e que agia sempre como artista e ponto. Só isso? Não, em minha opinião, ele era um comunista muito crítico e reto, com uma complexa relação de amor e ódio ao poder da URSS. Apenas Stálin era cem por cento abominado. Era um artista, não um político; não seguia as linhas tortuosas, às vezes indefensáveis, que os partidos frequentemente defendem. Utilizou-se de temas de sua época, porém a perspectiva sob a qual via o mundo era, curiosamente, sempre foi a dos mortos. Dos mortos pelos nazistas, pelos anti-semitas, pelos soviéticos, por Stálin ou pelo passar do tempo, como em toda sua obra final. Como escreveu Fernando Monteiro, toda grande obra gira em torno de três temas: Amor, Deus e Morte. Acho que Shostakovich, teve muito a dizer sobre todos, principalmente sobre os dois últimos temas; o primeiro pela inexistência, o segundo pela onipresença.

Aliás, com o passar do tempo — o qual tem o bom costume de fazer aparecer a verdade e o pouco recomendável hábito de fazer desaparecer nossos pobres corpos –, a discussão sobre o pensamento político de Shostakovich tornar-se-á ociosa e ficará o que interessa: o homem e o compositor; e este era um sujeito brilhante e produtivo, deprimido e eufórico, que torcia interminavelmente os dedos, como mostram os filmes soviéticos, sentado num trem olhando a chuva bater na janela; que homenageava a pureza de alguns revolucionários e criticava ou expelia seu amargor e sarcasmo aos governantes; que permanecia parado por horas em silêncio com os amigos de que gostava — e só com eles.

Por falar em gostar, o que gosto em Shostakovich é sua música. Ela é produto de um artista apaixonado e inacreditavelmente produtivo. A forma com que ele se relacionou com seu tempo serviu à sua música e não o contrário. Escrevia para ser compreendido e para expressar-se, mas não tinha ilusões de mudar seu país e o mundo, que é como parece pensar quem só vê política na arte de Shostakovich. Sua música, antiquada para os modernos e moderna para os anacrônicos (sem ofensas, sem ofensas…), consegue ser visceral e cerebral, e concordo com este artigo quando seu autor fala no quanto a audição de Shostakovich demandou-lhe subjetivamente. Não é música para ser assimilada nas primeiras abordagens e nem esquecida facilmente. São experiências oferecidas por alguém disposto a buscar tudo o que estivesse à mão para expressar o que desejava e que produziu uma obra séria, sarcástica, deprimente, divertida, inteligente, lúdica e extraordinária: às vezes, tudo ao mesmo tempo.

A seguir, comento as três últimas grandes obras de Shostakovich.

Quarteto de Cordas Nº 14, Op. 142 (1972-73)

Este é quase um quarteto para violoncelo solo e trio de cordas, tal é a proeminência dada àquele instrumento. É um quarteto inspiradíssimo, escrito em três movimentos (Allegretto – Adagio – Allegretto), e que tem seu centro dramático em um dilacerante adagio de 9 minutos. Não consigo imaginar uma audição deste quarteto sem a audição em seqüência do Nº 15. Eles, que costumam aparecer juntos, seja em vinil ou em CD, formam, em minha imaginação, uma só música.

Quarteto de Cordas Nº 15, Op. 144 (1974)

Este trabalho, assim como a sonata a seguir, são tidas como obras-primas e seriam os dois principais “réquiens privados” de Shostakovich. Concordo.

O que dizer de um obra escrita em seis movimentos, em que quatro deles são adagio e os outros dois são adagio molto, sendo que, destes dois últimos, um é uma marcha funeral e outro um epílogo…? Ora, no mínimo que é lenta. Porém, como estamos falando do Shostakovich final, estamos falando de uma obra que tem como fundo a morte. Há três movimentos realmente notáveis nesta música: a Serenata: Adagio, a Marcha Fúnebre – Adagio Molto e o musicalmente espetacular Epílogo – Adagio Molto. O Epílogo recebeu vários arranjos sinfônicos e costuma aparecer — separadamente ou não do resto do quarteto — em gravações orquestrais.

Sonata para Viola e piano, Op. 147 (1975) – A Última Composição

Esta é a última composição de Shostakovich e uma de minhas preferidas. Ele começou a escrevê-la em 25 de junho de 1975 e, apesar de ter sido hospitalizado por problemas no coração e nos pulmões neste ínterim, terminou a primeira versão rapidamente, em 6 de julho. Para piorar, os problemas ortopédicos voltaram: “Eu tinha dificuldades para escrever com minha mão direita, foi muito complicado, mas consegui terminar a Sonata para Viola e Piano”. Depois, passou um mês revisando o trabalho em meio aos novos episódios de ordem médica que o levaram a falecer em 9 de agosto.

Sentindo a proximidade da morte, Shostakovich escreveu que procurava repetir a postura estóica de Mussorgsky, que teria enfrentado o inevitável sem auto-comiseração. E, ao ouvirmos esta Sonata, parece que temos mesmo de volta alguma luz dentro da tristeza das últimas obras. A intenção era a de que o primeiro movimento fosse uma espécie de conto, o segundo um scherzo e o terceiro um adágio em homenagem a Beethoven. O resultado é arrasadoramente belo com o som encorpado da viola dominando a sonata.

Os primeiros compassos da Sonata ao Luar, de Beethoven, uma obra que Shostakovich frequentemente executava quando jovem pianista, é citada repetidamente no terceiro movimento, sempre de forma levemente transformada e arrepiante, ao menos no meu caso… O scherzo possui uma marcha e vários motivos dançantes, retirados de uma outra ópera baseada em Gógol — seria sua segunda ópera composta sobre histórias do ucraniano, pois, na sua juventude ele já escrevera O Nariz (1929) — que tinha sido abandonada há mais de trinta anos. Outras alusões são feitas nesta sonata. Há pequenas citações da 9ª Sinfonia (de Shostakovich), da 4ª de Tchaikovski, da 5ª de Beethoven, da Sonata Op.110 de Beethoven, de Stravinsky, Mahler e Brahms. E a abertura da Sonata utiliza trecho do Concerto para Violino de Alban Berg, também conhecido pelo nome de “À memória de um anjo”, o qual é dedicado à filha de Alma Mahler, Manon, morta aos 18 anos, com poliomielite.

Creio não ser apenas invenção deste ouvinte- – há uma constante interferência do inexorável nesta música, talvez sugerida pela intromissão de temas de outros compositores na partitura, talvez sugerida pela atmosfera melancólica da sonata, talvez por meu conhecimento de que ouço um réquiem. O fato é que Shostakovich estava aguardando.

Shostakovich morreu sem ouvir a sonata, que foi estreada num concerto privado no dia 25 de setembro de 1975, data em que faria 69 anos.

Dmitri Shostakovich (IV)

A maioria de minhas sinfonias são monumentos funerários. Gente demais, entre nós, morreu não se sabe onde. E ninguém sabe onde foram enterrados. Aconteceu a uma porção de amigos meus. Onde se pode erguer um monumento a eles? Somente a música pode fazê-lo. Estou disposto a dedicar uma obra a cada uma das vítimas. Infelizmente, é impossível. Dedico-lhes, então, toda a minha música.

DMITRI SHOSTAKOVICH

Seguimos nossa série iniciada aqui, continuada ali e ainda aqui.

Sinfonia Nº 10, Op. 93 (1953)

Este monumento da arte contemporânea mistura música absoluta, intensidade trágica, humor, ódio mortal, tranquilidade bucólica e paródia. Tem, ademais, uma história bastante particular.

Em março de 1953, quando da morte de Stalin, Shostakovich estava proibido de estrear novas obras e a execução das já publicadas estava sob censura, necessitando autorizações especiais para serem apresentadas. Tais autorizações eram, normalmente, negadas. Foi o período em que Shostakovich dedicou-se à música de câmara e a maior prova disto é a distância de oito anos que separa a nona sinfonia desta décima. Esta sinfonia, provavelmente escrita durante o período de censura, além de seus méritos musicais indiscutíveis, é considerada uma vingança contra Stalin. Primeiramente, ela parece inteiramente desligada de quaisquer dogmas estabelecidos pelo realismo socialista da época. Para afastar-se ainda mais, seu segundo movimento – um estranho no ninho, em completo contraste com o restante da obra – contém exatamente as ousadias sinfônicas que deixaram Shostakovich mal com o regime stalinista. Não são poucos os comentaristas consideram ser este movimento uma descrição musical de Stálin: breve, é absolutamente violento e brutal, enfurecido mesmo, e sua oposição ao restante da obra faz-nos pensar em alguma segunda intenção do compositor. Para completar o estranhamento, o movimento seguinte é pastoral e tranquilo, contendo o maior enigma musical do mestre: a orquestra para, dando espaço para a trompa executar o famoso tema baseado nas notas DSCH (ré, mi bemol, dó e si, em notação alemã) que é assinatura musical de Dmitri SCHostakovich, em grafia alemã. Para identificá-la, ouça o tema executado a capela pela trompa. Ele é repetido quatro vezes. Ouvindo a sinfonia, chega-nos sempre a certeza de que Shostakovich está dizendo insistentemente: Stalin está morto, Shostakovich, não. O mais notável da décima é o tratamento magistral em torno de temas que se transfiguram constantemente.

Milton Ribeiro adverte: não ouça o segundo movimento previamente irritado. Você e sua companhia poderão se machucar.

Quarteto de Cordas Nº 6, Op. 101 (1956)

Talvez apenas aficionados possam gostar deste esquisito quarteto. Ele tem quatro movimentos, dos quais três são decepcionantes ou descuidados. O intrigante nesta música é o extraordinário terceiro movimento Lento, uma passacaglia barroca que é anunciada solitariamente pelo violoncelo. É de se pensar na insistência que alguns grandes compositores, em seus anos maduros, adotam formas bachianas. Os últimos quartetos e sonatas para piano de Beethoven incluem fugas, Brahms compôs motetos no final de sua vida e Shostakovich não se livrou desta tendência de voltar ao passado comum de todos. Enfim, este quarteto vale por seu terceiro movimento e, com certa boa vontade, pelo Lento – Allegretto final.

Concerto Nº 2 para Piano e Orquestra, Op. 102 (1957)

Concerto dedicado ao filho pianista Maxim Shostakovich. É um autêntico presente de pai para filho. Alegre, brilhante e cheio de brincadeiras de caráter privado como a inacreditável inclusão — no terceiro movimento e totalmente inseridos na música — de exercícios que seu filho praticava quando era estudante do instrumento… E não se surpreenda, o primeiro movimento deste concerto é conhecido entre as crianças que veem desenhos da Disney. É a música que é executada durante o episódio do Soldadinho de Chumbo em Fantasia 2000. Quando ouço esta música em casa, sempre um de meus filhos vem me dizer “olha aí a música do Soldadinho de Chumbo”. É claro que a música não tem nada a ver com esta história infantil.  Shostakovich fez um belo concerto para seu filho, de atmosfera delicada e afetuosa. O primeiro movimento (Allegro) começa com uma rápida introdução orquestral em seguida à qual entra o piano. De acordo com a prática habitual de Shostakovich, o tema inicial é um pouco mais poético do que o segundo, de entonação mais vigorosa e rítmica.

Dois movimentos vivos e felizes cercam um melancólico, tocante e melodioso segundo movimento. A inspiração óbvia para este concerto foi o Concerto em Sol Maior (1931) de Ravel. Leonard Bernstein deu-se conta disto e gravou um de seus melhores discos em 1978, acumulando as funções de pianista e regente nos dois concertos. Se este concerto não arrancar algum sorriso do ouvinte, este necessitará de urgentemente de antidepressivos.

Sinfonia Nº 11, Op. 103 – O Ano de 1905 (1957)

Esta sinfonia talvez seja a maior obra programática já composta. Há grandes exemplos de músicas descritivas tais como As Quatro Estações de Vivaldi, a Sinfonia Pastoral de Beethoven , a Abertura 1812 de Tchaikovski, Quadros de uma Exposição de Mussorgski e tantas outras, mas nenhuma delas liga-se tão completa e perfeitamente ao fato descrito do que a décima primeira sinfonia de Shostakovich.

Alguns compositores que assumiram o papel de criadores de “coisas belas”, veem sua tarefa como a produção de obras tão agradáveis quanto o possível. Camille Saint-Saëns dizia que o artista “que não se sente feliz com a elegância, com um perfeito equilíbrio de cores ou com uma bela sucessão de harmonias não entende a arte”. Outra atitude é a tomada por Shostakovich, que encara vida e arte como se fosse uma coisa só, que vê a criação artística como um ato muito mais amplo e que inclui a possibilidade do artista expressar — ou procurar expressar — a verdade tal como ele a vê. Esta abordagem foi adotada por muitos escritores, pintores e músicos russos do século XIX e, para Shostakovich, a postura realista de seu ídolo Mussorgsky foi decisiva. A décima primeira sinfonia de Shostakovich tem feições inteiramente mussorgkianas e foi estreada em 1957, ano de muitas glórias além do quadragésimo aniversário da Revolução de Outubro. Contudo, ela se refere a eventos ocorridos antes, no dia 9 de janeiro de 1905, um domingo, quando tropas czaristas massacraram um grupo de trabalhadores que viera fazer um protesto pacífico e desarmado em frente ao Palácio de Inverno do Czar, em São Petersburgo. O protesto, feito após a missa e com a presença de muitas crianças, tinha a intenção de entregar uma petição — sim, um papel — ao czar, solicitando coisas como redução do horário de trabalho para oito horas diárias, assistência médica, melhor tratamento, liberdade de religião, etc. A resposta foi dada pela artilharia, que matou mais de cem trabalhadores e feriu outros trezentos.

O primeiro movimento descreve a caminhada dos trabalhadores até o Palácio de Inverno e a atmosfera soturna da praça em frente, coberta de neve. O tema dos trabalhadores aparecerá nos movimentos seguintes, porém, aqui, a música sugere uma calma opressiva.

O segundo movimento mostra a multidão abordar o Palácio para entregar a petição ao czar, mas este encontra-se ausente e as tropas começam a atirar. Shostakovich tira o que pode da orquestra num dos mais barulhentos movimentos sinfônicos que conheço.

O terceiro movimento, de caráter fúnebre, é baseado na belíssima marcha de origem polonesa Vocês caíram como mártires (Vy zhertvoyu pali) que foi cantada por Lênin e seus companheiros no exílio, quando souberam do acontecido em 9 de janeiro.

O final – utilizando um bordão da época – é a promessa da vitória final do socialismo e um aviso de que aquilo não ficaria sem punição.

Concerto Nº 1 para Violoncelo e Orquestra, Op. 107 (1959)

Shostakovich e o grande violoncelista Mstislav Rostropovich eram amigos tendo, muitas vezes, viajado juntos fazendo recitais que incluíam entre outras obras, a Sonata para violoncelo e piano, opus 40, já comentada nesta série. Desde que se conheceram, o compositor avisara a Rostropovich que ele não deveria pedir-lhe um concerto diretamente, que o concerto sairia ao natural. Saíram dois. Quando Shostakovich enviou a partitura do primeiro, dedicada ao amigo, este compareceu quatro dias depois na casa do compositor com a partitura decorada. (Bem diferente foi o caso do segundo concerto, que foi composto praticamente a quatro mãos. Shostakovich escrevia uma parte, e ia testá-la na casa de Rostropovich; lá, mostrava-lhe as alternativas, os rascunhos ao violoncelista, que sugeria alterações e melhorias. Amizade.)

Estilisticamente, este concerto deve muito à Sinfonia Concertante de Prokofiev – também dedicada a Rostropovich – e muito admirada pelos dois amigos. É curioso notar como os eslavos têm tradição em música grandiosa para o violoncelo. Dvorak tem um notável concerto, Tchaikovski escreveu as Variações sobre um tema rococó, Kodaly tem a sua espetacular Sonata para Cello Solo e Kabalevski também tem um belo concerto dedicado a Rostropovich. O de Shostakovich é um dos de um dos maiores concertos para violoncelo de todo o repertório erudito e minha preferência vai para a imensa Cadenza de cinco minutos (3º movimento) e para o brilhante colorido orquestral do Allegro com moto final.

Quarteto de Cordas Nº 7, Op. 108 (1960)

Mais um quarteto de Shostakovich com um lindíssimo movimento lento, desta vez baseado no monólogo de Boris Godunov (ópera de Mussorgski baseada em Puchkin), e mais um finale construído em forma de fuga, utilizando temas do primeiro movimento. Uma pequena e curiosa jóia de onze minutos.

Quarteto de Cordas Nº 8, Op. 110 e Sinfonia de Câmara, Op. 110a – Arranjo de Rudolf Barshai (1960)

Na minha opinião, o melhor quarteto de cordas de Shostakovich. Não surpreende que tenha recebido versões orquestrais. Trata-se de uma obra bastante longa para os padrões shostakovichianos de quarteto; tem cinco movimentos, com a duração total ficando entre os 20 minutos (na versão para quarteto de cordas) e 26 (na versão orquestral). O quarteto abre com um comovente Largo de intenso lirismo, o qual é seguido por um agitado Allegro molto, de inspiração folclórica e que fica muito mais seco na versão para quarteto. O terceiro movimento (Allegretto) é uma surpreendente valsinha sinistra a qual é respondida por outra valsa, muito mais lenta e com um acompanhamento curiosamente desmaiado. O quarteto é finalizado por dois belos temas ; o primeiro sendo pontuado por agressivamente por um motivo curto de três notas e o segundo formado por mais uma fuga a quatro vozes utilizando temas dos movimentos anteriores.

Bibliografia: quase tudo de memória, apoiado por algumas capas de CD.

Dmitri Shostakovich (I)

Pois hoje é o Dia Mundial da Música! Então inicio uma série sobre Dmitri Shostakovich que publicarei a cada sexta-feira, OK?

A música pode ser amarga, jamais pode ser cínica.

DMITRI SHOSTAKOVICH


Muitíssimas vezes, quando ouvimos Shostakovich (1906-1975), sentimos certa estranheza, notamos intenções ou um torna-se palpável uma enorma revolta e desconforto. Percebe-se que o drama e os contrastes apresentados referem-se a acontecimentos externos, sejam de ordem pessoal ou não. Em contato com essas obras firmemente assentadas sobre os ombros de Bach, Beethoven, Mahler, Tchaikovsky e Mussorgsky, somos, de alguma forma muito particular, solicitados a conhecer mais das circunstâncias em que foram compostas e da vida pessoal do compositor. Isto já pode ser notado desde a sua Sinfonia Nro. 1, composta antes dos vinte anos e que o deixou célebre internacionalmente antes mesmo de finalizar seus estudos.

Vamos começar esta série pela parte mais difícil: as relações do músico com o poder. Aqui há três pontos importantes para a compreensão de Shostakovich. O Ocidente costuma simplificar os fatos conferindo ao autor a condição simples de mártir e dissidente do regime. Tais “enganos” datam dos tempos da guerra fria e persistem até hoje. Aqui, procurarei equilibrar as coisas através de leituras mais recentes que fiz. Procurarei expor os fatos políticos e tomarei partido apenas da obra do compositor, a qual amo apaixonadamente.

O Comunista: Shostakovich foi, certamente, um comunista sincero, não obstante suas divergências com uma doutrina oficial que nem sempre seguiu um caminho retilíneo. Sem seu engajamento nítido em favor dos princípios originais que criaram a União Soviética, seria impossível inventar o sopro lírico e épico que atravessa algumas de suas composições. Mas há o verdadeiro e o forçado, ou o espontâneo e a encomenda, ou a alegria e  o sarcasmo. A segunda de suas sinfonias (A Revolução de Outubro, de 1927), apesar de fraca, pertence às obras autênticas, já a décima-segunda (À Memória de Lênin, de 1961) parece ter sido obra de um autor amargo, sarcástico e que  estava mandando provisoriamente sua obra às favas.  No início de sua carreira de compositor, Shoatakovich tinha aquele entusiasmo que foi próprio de uma geração de criadores que — como Eisenstein e Maiakovski — , em determinado momento, acreditou ser para amanhã o paraíso terrestre, antes de renunciarem a suas esperanças, às vezes de forma trágica. Não obstante o que era dito durante a Guerra Fria, Shostakovich não estava preso à União Soviética e teve inúmeras oportunidades de fugir. Quando sua doença começou a prejudicá-lo como intérprete, ele estava fora do país, também esteve algumas vezes com Britten na Inglaterra … Ou seja, Shostakovich teve numerosas oportunidades que o compositor teve para emigrar – não o fazendo nunca. Houve declarações anti-soviéticas? Mas é claro, ele foi massacrado por Stálin e depois, mas nunca foi o dissidente típico. Seus problemas eram relativos às arbitrariedades dos dirigentes do país e não com aquilo que a imprensa ocidental desejava.

A Morte: Após a doença, Shostakovich era obcecado pela idéia da morte. Não devemos colocar toda a sua psicologia na conta do geopolítico. Ele possuía muito daqueles niilistas russos do século XIX, tão bem retratados nos romances de Dostoiévski. Há algo de Kirilov nele… Confundir isso com as torturas morais causadas pelos comissários políticos soviéticos é aplainar a grandiosa obra do compositor e é fatal para quem queira compreendê-lo. Obras como o Trio Nº. 2, Op. 67, de 1944, a Sonata para viola e piano, Op. 147, de 1975 ou a Sinfonia Nº 15, de 1974, todas com suas “Canções da Morte”, são inequívocas, assim como a Sinfonia Nº 14. As trevas sem fim que emanam destas composições e a melancolia por vezes desesperada só podem surgir de uma personalidade permeável a pensamentos macabros. Porém, até hoje, costuma-se esquecer demais da história pessoal de Shostakovich e colocar todos os seus momentos de depressão numa conta do geopolítico…

O Artista: como os verdadeiros artistas e, principalmente, os músicos, Shostakovich pensava que o estatuto particular de sua arte desobrigava-o a seguir palavras de ordem como aquelas que eram impostas aos operários, aos mineiros ou aos camponeses da União Soviética. Sob este aspecto, era ele quem enganava-se. Os sucessivos dirigentes jamais esqueceram de intervir diretamente nas orientações estéticas a serem seguidas por pintores, escritores, cineastas e… músicos. Sempre esteve fora das cogitações governamentais a existência de uma vanguarda artística na União Soviética, pelo menos depois da morte de Lênin.

Shostakovich sofreu gravemente três vezes os efeitos de restrições a seus trabalhos. 1936 pode ter sido um ano péssimo para ele, porém, em minha opinião, os detalhes jocosos da primeira proibição superam em muito o que ela tem de funesto para sua carreira. Ele havia composto sua segunda e última ópera — a primeira fora O Nariz, baseada no conto de Gógol — quando Stálin foi assisti-la. Lady Macbeth de Mtsensk — baseada na esplêndida novela de Nikolai Leskov e só encontrável em espanhol (recomendo a leitura) — conta como uma mulher se tornou assassina por amor e demonstra que, se ela foi levada a cometer crimes, a causa estava no comportamento odioso de suas vítimas, na realidade autênticos carrascos. Sim, uma distorção pero no mucho do Macbeth original. Stálin, que era um grande apreciador de óperas e ouvinte de música erudita, detestou-a. Mostrou-se chocado com o erotismo de certas cenas, com a complicada escrita vocal, com o uso brincalhão e extravagante dos instrumentos e o ritmo esbaforido da música. Chamou Lady Macbeth de “pornofonia” — termo surpreendente em qualquer época — e baniu-a de todos os teatros soviéticos. Foi preciso esperar 27 anos para retornar à cena e, ainda assim, com a supressão do episódio orquestral que descrevia uma cena de sexo… É curioso que as eructações, flatulências e gargarejos de O Nariz nunca tenham sido alvo de censuras. Talvez Gógol imponha mais respeito que Leskov…

A segunda vez que Shostakovich entrou no index ocorreu independentemente de qualquer obra. Logo após a notoriedade internacional da Sinfonia Nº 7 — que descreve com pungência inalcançável o sofrimento passado pelo povo soviético durante o cerco de Leningrado — foi baixada uma resolução do Comitê Central do Partido Comunista Soviético que depois foi conhecida por “Relatório Jdanov”. Isto ocorreu em 10 de fevereiro de 1948 e colocou no mesmo saco Prokofiev, Khatchaturian, Shostakovich e quase todos os artistas do país. Shostakovich foi o mais atingido, pois negara-se a fazer de sua Sinfonia Nº 9 um elogio a Stálin e ao Exército Vermelho, publicando em seu lugar uma piada musical, que foi recebida com alegria e aplausos no Ocidente, tendo em Leonard Bernstein seu maior divulgador. O que Bernstein só soube depois é que a nona sinfonia deixara Stálin novamente furibundo com Shostakovich, ao ver suas ordens desobedecidas. Como resultado, suas peças sumiram do repertório.

Mas ele seguiu produzindo e, quando Stalin morreu, em 1953, Shostakovich tinha as gavetas lotadas de novidades. Havia, inclusive uma vingança contra o ditador.

O terceiro e maior desentendimento aconteceu em 1962. Neste ano, aparecia a Sinfonia Nro. 13, para solo de baixo, coro masculino e orquestra. Os textos cantados vinham do poema Babi Yar, de Evgueni Ievtuchenko e, em lugar de cantar o porvir, o poema denunciava os crimes nazistas cometidos naquela cidade perto de Kiev, onde 34 mil judeus foram assassinados. Denunciar os crimes nazistas não seria problema, mas o poema de Ievtuchenko fala sobre como os soviéticos insistiam em considerar russos e ucranianos os mortos, em vez de judeus. É claro que o motivo de suas mortes era a etnia judaica e não outro. É claro, que aquele foi um episódio meio obscuro, onde há indícios de colaboração. Ele e Ievtuchenko, celebridades internacionais, foram fortemente repreendidos pelas autoridades, que exigiram a substituição completa dos textos, sob pena de a música não vir a ser executada. A Sinfonia nunca foi alterada.

Bibliografia: grande parte das informações históricas foram obtidas em incontáveis discos, CDs e outras publicações, mas foram  um pouco sistematizadas pela leitura do texto de Philippe Olivier, dentro da História da Música Ocidental, Nova Fronteira, 1997, assim como de Shostakovich – Vida, Música, Tempo, de Lauro Machado Coelho, Perpectiva, 2006.

Últimos livros lidos

O tradutor americano deu o nome de In Concert Performance para este Em Ritmo de Concerto de Nikolai Dejnióv. Lendo o livro, vê-se que o americano saiu-se muito melhor. O inventivo e amalucado livro deste escritor e físico russo é mesmo aparentado a uma enorme improvisação. Vagamente inspirado no realismo mágico, o romance conta a história de Lucário, um anjo que volta à terra ao apaixonar-se por Ana, o que o impedirá de seguir seu caminho em direção à purificação total. Claro, nada de terrivelmente original, mas o livro é delicioso, anticlerical e anti-stalinista. Ah, por falar em Stálin, ele quase foi assassinado por Lúkin – o Lucário em terra. Quase.

Eu queria gostar deste livro emprestado por uma querida amiga, mas não foi possível. O Duelo de Batman contra a MTV, além de um título apelativo, é uma série de poemas de Sérgio Capparelli baseados na relação entre um pai e um filho. A estrutura é interessante, são cinco seções: na primeira o pai fala ao filho, depois temos o filho sozinho, seguido pelo que diz o filho ao pai e pelo solo do pai, terminando com uma espécie de homenagem aos que os antecederam. Sem dúvida, uma boa idéia, não fosse o fato dos poemas mostrarem-se muitas vezes fora do foco do livro, como se tivessem sido primeiro escritos para depois entrarem à fórceps na estrutura inventada. O leitor tem que ter muito boa vontade para entender que aquela voz é a do pai ou a do filho, pois elas são muito parecidas. Há raros momentos em que são mostradas as diferenças e pontos em comum entre pai e filho assim como as dificuldades ou não de comunicação entre eles. Não há profundidade nem drama sincero. Um pasmo: a mãe, que se bem me lembro morreu durante o parto do filho, não parece ser uma falta muito importante para nenhum dos dois. O filho não é um mamífero.

Os Novos, romance de Luiz Vilela, foi comprado num balaio da Feira do Livro do ano passado. O exemplar que levei já tinha até tomado banho, suas folhas têm aquelas ondas que denunciam muita água. Deve ter custado uns R$ 2,00, mas pela diversão vale muito mais. Pode-se dizer que a história dos amigos candidatos a escritores é datada, pode-se garantir que é obra de um Vilela iniciante, pode-se reclamar que os caras não param de beber cerveja, mas, por favor, os diálogos são maravilhosos, vivos, humanos. E aqui há, de forma muito intensa, o conflito entre gerações que faltou no livrinho aí de cima. Outro pasmo: por que o livro não foi censurado se os caras cagam sobre os milicos? Ora, certamente porque nenhum censor deu importância a um livro editado pela obscuríssima e carioca “Edições Gernasa” em 1971… Agora, é um mistério como ele, depois de tanta água, foi chegar a mim num balaio da Feira do Livro de 2006.

García Márquez e Fidel na última Bravo

A última Bravo! traz uma grande matéria de capa a respeito de um tema muito importante: “O Escritor e o Ditador — O Fascínio dos Intelectuais por Líderes Autoritários”. A matéria é centrada na relação Gabriel García Márquez com Fidel Castro. A amizade é não muito considerada e sim o fascínio, a obediência, o apoio incondicional. Está correto. Depois, o artigo avança na direção de outras relações de fascínio — o de Jorge Amado por Stálin, o de Ezra Pound por Mussolini e Mussolini , o de Camilo José Cela por Francisco Franco. Todos verdadeiramente escreveram odes a seus musos, algumas bastante constrangedoras. O autor do artigo, André Lahóz, procura manter um equilíbrio entre os políticos de direita e de esquerda, mas acho que perdeu uma bela oportunidade de falar no Brasil quando tocou levemente no tema da questão moral da complexa relação entre governantes e intelectuais. Também, coitado, Lahóz é editor-chefe da Exame…

Em nosso país de compadres, parece ser difícil falar nos escritores que buscam e buscaram cargos junto a governos ditatoriais. Mais importante do que o fascínio ou apoio que escritores destacados dão isolada e publicamente, talvez fosse analisar o mar de intelectuais que trabalham e trabalharam silenciosa e vergonhosamente para esses governos. No Brasil, meus caros, a coisa é disseminada até hoje. Eu mesmo conheço um importante escritor gaúcho que arranjou uma boquinha com a Yeda e, olhando mais para trás, quem não sabe que o ministro Gustavo Capanema tinha em seu time de assessores gente célebre e trabalhadora como Carlos Drummond de Andrade, Mário de Andrade, Cândido Portinari, Manuel Bandeira, Heitor Villa-Lobos e Vinícius de Morais, entre outros? Ora, isso ocorre até hoje, é só prometer um cargo que nossos intelectuais aceitam ou dobram-se com a maior facilidade. Sim, poucos morrem em revoluções no Brasil… Por isso, acho absolutamente sem sentido o final do artigo no qual Lahóz declara que, hoje, passados os dias dos seguidores de Marx e Lênin, abençoadamente substituídos pelo seguidores de John Stuart Mill e Alexis de Tocqueville — repito aqui o ato falho de Lahóz ao citar o Karl Marx da primeira dupla (a dos esquecidos) apenas pelo sobrenome, enquanto que a segunda (a dos triunfantes) pelo nome completo, como se fosse necessário esclarecer quem fossem esses “famosos faróis” — , então,como dizia, passados os dias do seguidores de Marx e Lênin, hoje seria complicado para Hugo Chavéz, Evo Morales ou Kirschner (?) laçarem escritores que os bajulem e legitimem (mas ele acha mesmo que GGM legitimou Castro?). O final foi 100% Veja. Viva o Admirável Mundo Neoliberal!

Mas vale a leitura.

Logo após o artigo de Lahóz, há outro de Sérgio Rodrigues. Este faz uma excelente resenha sobre o livro Gabriel García Márquez: Uma Vida, notável investimento de 17 anos do inglês Gerald Martin, a ser lançado no Brasil em março. A biografia, apesar de autorizada, não contorna fatos embaraçosos — dentre os quais Omar Torrijos e Andrés Pastrana seriam os maiores, em minha opinião… — que foram descritos pelo inglês, segundo Sérgio, com compreensiva economia de adjetivos. Porém Sérgio também comete um pecado crasso.

(Certa vez, li um longo ensaio sobre a história do maxixe. Lá pela metade, o autor escrevia en passant que Pixinguinha era o maior compositor brasileiro de todos os tempos. A curta afirmativa parecia prescindir de quaisquer argumentos, pois era matéria transcorrida em julgado, assim como dizer que a água molha… Ora, sugeri educadamente ao autor que retirasse aquela frase que forçava uma verdade não tão clara assim. Houve concordância.)

A historinha acima adequa-se a Sérgio Rodrigues quando ele dá a entender que o conceito ou a ideia de “esquerda”, na política, está morto. Sem maiores explicações, ele decide que GGM tem uma atuação pública de esquerda que “sobreviveu à própria ideia de esquerda” (as aspas são minhas). Ora, este é um falso truísmo (Def.: Verdade trivial, tão evidente que não é necessário ser enunciada). Agora mesmo, a fim de ver se a matéria já tinha transcorrido em julgada, consultei teses contemporâneas de Ciências Políticas e vi que a validade de tais conceitos é efetivamente debatida, só que a maioria das teses, mesmo as de direita, reafirma que são conceitos válidos e mais, sugerem que dizer isso é uma espécie de vezo da direita mais truculenta.

Não sei exatamente o que Lahóz e Rodrigues escreveram. Ás vezes vem um editor e altera o texto, sei disso. Mas penso que a ideologia da Veja está pegando fundo em toda a Editora Abril. Ou a ideologia da Abril pegou na Veja, deu lucro e agora está sendo repassada, sei lá.

Shostakovich: Sinfonia Nº 10 (2º Mvto: Allegro, 3º Mvto: Fragmento do Allegretto )

A grande imprensa brasileira parece proibida de tecer observações elogiosas a quaisquer aspectos da Venezuela, mas tal preconceito não é de nenhuma forma seguido pelos europeus. Lá, Hugo Chávez é apenas eventualmente o outro nome de Satanás e a Orquestra Jovem Simón Bolivar da Venezuela tem recebido enorme atenção de alemães, ingleses e espanhóis. Por exemplo, a filmagem acima ocorreu no Royal Albert Hall de Londres, no exato dia em que eu completava 50 anos, em 19 de agosto de 2007.

Mas aí você me pergunta: o que é esta orquestra, quem é o rapaz que a rege? A Simón Bolivar é a orquestra líder de outras 120 orquestras de jovens venezuelanos. Trata-se de um programa chamado El Sistema, criado em 1975 pelo maestro José Antonio Abreu e que viabiliza a educação musical às crianças mais pobres do país. Ou seja, há milhares de jovens em torno dos 150 músicos da Simón Bolivar. Mais exatamente 250.000. São pessoas que nunca saberiam da música que trazem em si não fora o El Sistema apoiado pelo diabo. Atualmente, a orquestra grava para a Deutsche Grammophon e já há venezuelanos vencendo concursos na Orquestra Filarmônica de Berlim e em outros conjuntos europeus. E Gustavo Dudamel? É um espetacular talento de 27 anos que Claudio Abbado saúda como o novo Bernstein. Ele acaba de ser contratado como regente titular da Filarmônica de Los Angeles, mas não abandonará a Simón Bolivar.

Ontem, Zero Hora publicou um artigo em seu Caderno de Cultura, porém esqueceu-se de Chávez. É estranho, pois trata-se de um projeto importantíssimo de inclusão cultural que é inteiramente bancado pelo governo da Venezuela. Se é mais antigo que Chávez, este soube avaliá-lo e acelerá-lo. E pasmem: será copiado na Inglaterra. ZH diz que o será também no Rio Grande do Sul… Na Venezuela, ele salva crianças a um custo de 30 milhões de dólares anuais. Uma bagatela. São 120 dólares por criança ao ano, 10 ao mês. Apenas R$ 25,00 por criança.

A música. A Sinfonia Nº 10 é a primeira que Dmitri Shostakovich escreveu logo após a morte de Stálin. O Allegro acima seria um retrato da violência do grande desafeto do compositor. Shosta nunca negou. O furacão Dudamel sai-se maravilhosamente. Já o Alegretto que o sucede (tela abaixo) é gentil e apresenta pela primeira vez uma assinatura do autor. Aos 3min35, há um solo de trompa — que, se não me engano, é repetido mais três vezes — cujas notas, em notação alemã, são D-S-C-H… (em alemão, Dmitri Schostakovich). Ou seja, Stálin morreu, mas eu estou vivo. É música de primeiríssima linha, cheia de alusões e intenções, muito complexa e inteiramente inadequada a uma orquestra despreparada.

Sigam com o início do Allegretto, 3º movimento da décima de Shostakovich. É coisa de gênio. O resto pode-se encontrar no Youtube ou em mp3: aqui na versão de Kondrashin e aqui na de Mravinsky.

Obs.: Quem tiver browsers rebeldes deve clicar aqui para assistir a primeira parte e aqui para a segunda.