Aprovado

Este é o cartaz do 65º Festival de Cannes. No próximo dia 5 de agosto, fará 50 anos da morte de Marilyn Monroe.

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O banco público não tem nada que reformar o Beira-Rio

Nunca me ufanei da Copa do Mundo no Beira-Rio e muito menos de quaisquer acordos com empreiteiras. Mas não sou daqueles que acham uma bobagem a Copa no Brasil. Reconheço a importância do campeonato, o quanto ele mobiliza o planeta e que o país respira futebol semanalmente. Reconheço também que a Copa deixa estádios e obras a quem souber fazer um bom planejamento e há que reconhecer — neste festival de reconhecimentos… — que seria muito mais lógico que a Copa, em Porto Alegre, fosse jogada na Arena do Grêmio, que estará nova e pronta em 2014.

O péssimo acordo do tricolor para construir seu novo estádio inclui o importante fato de ter sido um negócio que envolveu pouco ou nenhum dinheiro público. O negócio foi realizado, basicamente, entre OAS e Grêmio. Já a reforma do Beira-Rio está requerendo parceiras com órgãos públicos. Parcerias? Não, exatamente. Talvez a palavra melhor fosse mecenato público. A Andrade Gutierrez ou não tem o dinheiro (modo piada) ou não quer arriscar-se (modo realismo). Desta forma, passaria o risco para alguma estatal: primeiro houve as tentativas que não deram certo com as Fundações (fundos de pensão) Corsan e CEEE e agora o desejo é pegar dinheiro do Banrisul. Tudo bem, é função do banco emprestar dinheiro, só que a AG não deseja deixar nenhuma garantia. Quer só o dinheiro, como se fosse uma obrigação do banco para com o povo gaúcho… Sua estratégia é a de criar uma crise até que o dinheiro surja de algum banco público.

(Em 2010 a receita operacional bruta da AG foi de 18 BILHÕES DE REAIS e seu patrimonio líquido era de 8 BILHÕES DE REAIS. Ainda em seu relatório referente ao ano de 2010 podemos ver que, naquele momento, a AG possuia contratos de obras no equivalente a 22 BILHÕES DE REAIS. Sendo assim, a empresa não conseguiria oferecer garantias para 0,3 bilhão?).

Ora, se eu vou falar com um banco para pedir dinheiro, sei que o banco fará uma devassa em minha vida à procura de garantias. Então, acho que a posição do Banrisul de negar dinheiro à AG é muito digna e correta. Demonstra apenas que a instituição está sendo gerida com isonomia e seriedade. O fato do Corinthians estar praticamente ganhando um estádio novo não justifica a importação da corrupção e sim uma auditoria lá.

O que não entendo é porque se fala tão pouco em Vitório Píffero. O homem pôs abaixo 1/4 da arquibancada inferior do Beira-Rio, tornando-o uma espécie bem feia de Coliseu Colorado, acreditando que faria toda a reforma de quase R$ 300 milhões através da venda de camarotes… Agora estamos a 250 dias vendo a maravilha abaixo.

Foto: Anderson Vaz

A grana da venda dos Eucaliptos ainda existe? Ela paga a recolocação das arquibancadas derrubadas? Os conselheiros do clube respondem sim a ambas as perguntas, então façamos rapidamente isso e deixemos a Copa para a Arena. Já tivemos a Copa de 1950 nos Eucaliptos e nem por isso o Grêmio morreu.

.o0o.

Final: Por que não haveria um Copa aqui? É diversão? Sim. É lazer? Sim. Porém, ir para a praia também é e os gaúchos passam os meses de verão reclamando e pedindo das estradas… Eu vou pouco para a praia e acho um gasto inútil… Ou seja, é impossível atender a todos.

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Erland Josephson (1923-2012)

Dias atrás, em 15 de novembro, escrevi que, em minha opinião, Erland Josephson era o maior ator de todos os tempos. Por isso, dois dias de depois de sua morte, aos 88 anos, é natural que escreva algumas linhas sobre aquilo que me deixou triste anteontem.

Josephson — que foi também contista, dramaturgo, cineasta e poeta — foi a cara de Bergman, o alter ego do diretor em muitos filmes, o alter ego de Bergman até em filmes em que o diretor era apenas o roteirista, como Infiel, de Liv Ullmann. Ele protagonizou ou participou de uma impressionante sucessão de clássicos bergmanianos — O Rosto, A Hora do Lobo, A Paixão de Ana, A Hora do Amor, Gritos e Sussurros, Cenas de Um Casamento, A Flauta Mágica, Face a Face, Sonata de Outono, Fanny e Alexander, Na presença de um palhaço, Sarabanda, etc. Também foi dirigido por Andrei Tarkóvski em Nostagia e por Theo Angelopuolos em Um olhar a cada dia. Após a morte de Bergman, em 31 de julho de 2007, Josephson disse: “Eu era muito apegado a ele. Tivemos uma vida divertida, emocionante e interessante. Ele foi decisivo na minha carreira de ator”. Foi mesmo, assim como também o foi Liv Ullmann e como Mastroianni foi para Fellini durante certa época.

A face de Erland Josephson sempre foi, para mim, a cara do cinema. Sua presença em cena sempre me tranquilizou — sempre me transportou automaticamente para aquele clima único que apenas o cinema pode criar — e a impressão que tenho é a de que era um conhecido meu. Erland era um amigo que dava um selo de qualidade a qualquer produção. Esta sempre foi a minha fantasia. E ele, em si, tinha tais qualidades que de sua “circunscrição” estava garantida. Talvez, avançando decididamente o sinal, o considerasse um representante meu em cena. Quando, em Sarabanda, Bergman o colocou mergulhado de cabeça entre duas caixas de som, ouvindo uma sinfonia em volume altíssimo, a idenficação foi enorme. Eu faria aquilo diariamente.

Nos livros de Bergman, fica clara a enorme amizade e respeito que o unia a seu ator predileto. Bergman muitas vezes pediu desculpas a Josephson pelos papéis nem sempre dignos, o que acho no mínimo curioso. Da leitura, surge uma amizade que misturava profundo respeito e admiração com a maior intimidade.

Foi uma grande e prolífica vida a de Erland Josephson.

Grupaço: Ingmar Bergman, Sven Nykvist, Erland Josephson e Liv Ullmann

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Porque hoje é sábado, Luana Piovani

Ah, pois é, as brasileiras têm o problema de que sabemos demais delas,

dos namorados, dos casos, das declarações, das novelas, dos programas.

Não há mistério. O que não se sabe de alguém que vive nas manchetes?

Bem, eu sei pouca coisa.

Vivo num mundo paralelo sem Caras ou Vejas nem TV;

acho que sou mais feliz assim. Acho.

Vamos bater papo?

Um dia, uma leitora reclamou que as fotos do PHES passavam antes

pelo Photoshop. Grande novidade…

Fiquei pensando sobre quem seria mais burro. Se ela ao me contar tal “novidade”

ou se eu, que continuo olhando para fotos tratadas.

Um dia, perguntaram à Monica Bellucci qual era o segredo de sua eterna juventude,

ela respondeu que utilizava Photoshop diariamente.

Ora, precisamos de irrealidade nas fotos, nas leituras, nos filmes

e até dos mistérios de uma mulher inteiramente estranha,

que não seja a brasileira Luana Piovani — a qual é INDISCUTIVELMENTE BELÍSSIMA.

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Subestimar o outro não é o mesmo que se superestimar

Única alegria: Grêmio erra um passe e Inter empata o jogo em contra-ataque | Foto: Ramiro Furquim

O que alguns gremistas desejam hoje, após a indiscutível vitória no Gre-Nal de ontem, é que fique comprovado que o Inter não subestimou o Grêmio. Havia tal preocupação nas entrevistas de ontem depois do jogo e esta ainda permanece. A conversa ouvida no ônibus foi “e eles estavam lá com os titulares, para ganhar!”; a leitura de uma resenha escrita por um gremista sobre o jogo começa assim: “O Inter não subestimou o Grêmio. (…) O Grêmio foi, simplesmente, superior”. Sim, foi superior, e muito. Sobre a questão de subestimar ou não, creio que o erro começa pela palavra utilizada. Pois creio que o Inter encarou a partida de forma errada, jogou como se estivesse no Campeonato Gaúcho e não estava, estava num clássico. Aos 5 primeiros minutos de jogo, eu já dizia para minha companhia, “Dorival acha que vai ganhar o jogo só na banguela, como aconteceu contra o Caxias ou o Pelotas deve estar tranquilo, ignorando o Grêmio…”.

Pode parecer a mesma coisa, mas não é. O Inter não subestimou o Grêmio, o Inter seguiu superestimando sua própria capacidade de resolver os problemas de seus jogos. Queria jogar para o gasto, como tem feito sempre, independente de adversário. Acostumado a desequilibrar as partidas através da qualidade e alta efetividade de seus atacantes, enfrentava um adversário que sabia marcar. O Grêmio deu um narcótico para D`Alessandro, vigiou Oscar e Kléber e só teve problemas com Dagoberto. Apesar do placar apertado, foi um Gre-Nal extremamente fácil para os bananas. Parecia que os times tinham trocado de camisa. A qualidade do Inter só se fez presente no final, quando perdeu gols realmente incríveis.

Quando se entra com determinada postura, é muito complicado mudá-la. Não sei explicar, mas é. O Inter tentava engatar uma marcha, mas como fazê-lo se o Grêmio tinha a bola? Dizer que faltou esforço de nossa parte é bobagem. Como diz Andrade, justificando o Barcelona e o toque de bola do Flamengo dos anos 80 que tentava implantar em seus times, quem não tem a bola corre e cansa o dobro. O Inter correu muito, esforçou-se ao máximo, mas não engatou. A mobilização não dava resultados. Aos 10 minutos do primeiro tempo, minha companhia dizia “esse time precisa ouvir a palavra do vestiário” e dávamos risadas. Claro, sabíamos que haveria ainda 35 minutos de baile. Estávamos na mão do Grêmio e a coisa só melhoraria se eles afrouxassem. O pior é que empatamos o primeiro tempo e Dorival deve ter acreditado que, logo logo, alguém ia dar um jeito de fazer o segundo. Nada mudou depois do vestiário.

Bem, o fato é que tomamos um “arrodião” no Beira-Rio.

Três coisinhas para terminar:

1. O que gostaria de saber é o que Muriel e o treinador de goleiros pensam a respeito de espalmar as bolas para a frente. É um método de suicídio? Ele tem feito isso em TODOS os jogos.

2. Grande Roger. Acertou o time, escalou os melhores — livrando-se principalmente de Grolli — e entregou em paz o bastão para Luxemburgo. Um dia, não será mais um mero interino.

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Vai para a antologia

A rainha da Dinamarca estava oferecendo um jantar de gala em Copenhague. Mas Pentti Arajarvi, marido da presidente da Finlândia, Tarja Halonen, tinha outro apetite. Ele foi flagrado dando uma olhada no decote da princesa Mary, sentada ao lado. Ela percebeu o atrevimento e olhou de cara feia para Pentti, um jurista de 63 anos. O finlandês cara de pau disfarçou e fingiu estar reparando algo no teto. Nascida na Austrália, Mary Elizabeth Donaldson, de 39 anos, é casada com o príncipe herdeiro da Dinamarca, Frederik.

Texto e vídeo retirados daqui.

http://youtu.be/OESTjjODNOg

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Mais 4 dias na praia

Volto quarta, tá? Bom Carnaval a todos. O Porque Hoje é Sábado? Ah, no sábado vai haver umas mulheres desnudas na minha matéria alusiva à data no Sul21. Mas lá o esquema é mais família, mais sério. Pero no mucho, né? Vá lá e confira.

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Clique para ampliar, vale a pena



De André Dahmer, claro.

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Um caso entre mulheres

Ontem, estávamos falando sobre as disputas femininas e eu dizia que estas aconteciam de várias maneiras e que podiam até mesmo não ocorrer. Lembrei-me então de uma curiosidade sobre a qual não penso muito, mas que é digna de ser contada neste blog secreto. Quando me separei, fui morar um tempo na casa de minha mãe. Na primeira noite, ainda não estava deprimido — pensava estar com espírito objetivo e cheio de planos — e fui para o telefone a fim de resolver algumas coisas paralelas que não poderia resolver abertamente na casa em que antes residia. Era uma quarta-feira à noite e vários amigos, sabedores do que era aquela “a primeira noite”, tinham me convidado para sair, mas escolhi ficar em casa. A primeira coisa seria ligar para HC e encaminhar o final de nosso casinho; a segunda, falar com VK para nos encaminhar. As conversas foram bastante amenas, facilitadas pela longa amizade no caso da primeira e pelo bom humor no caso da segunda. VK nunca deu certo, mas ríamos bastante juntos. Lembro que a conversa com ela passou incontrolavelmente para nossos filhos, meus e dela. Era um difícil acerto entre duas mães.

Quando desliguei o telefone, finalizadas minhas pobres conversações galantes, o telefone tocou. Ora, pensei que era D. me perguntando se eu estava querendo me suicidar ou apenas dormir. Mas não, era uma amiga de minha ex que me telefonava. Ela conseguira o número da casa de minha mãe através de um colega meu de trabalho. Muito esforço, nossa. Nunca tinha falado com ela pelo telefone e, a meu ver, ela era casada. Obviamente, desliguei todas as intenções que manifestara nos outros telefonemas e passei ao modo de conversação simpática e asséptica. Afinal, conhecia de vista o marido da moça e tenho aquela coisa de lealdade correndo em meu sangue. Ou penso ter. Conversamos sobre o frio, sobre livros e a coisa estava agradável até que ela começou a tornar a conversa lenta, deixando-me meio sem respostas, sinal inequívoco de que desejava finalizar o papo ou mudar de assunto. Entrei no jogo dando um longo suspiro que seria utilizado pela vontade dela — ou como uma pausa que permitiria o tchau, ou como uma chance para entabular um novo assunto. Novo assunto.

Ela falou que eram foda os primeiros dias de qualquer separação. Mas não parecia penalizada. Depois finalmente entrou no assunto que parecia ser seu objetivo: começou a falar mal de minha ex como colega de trabalho. (Desculpem, nunca lembro do nome de minha ex; acho que seu nome é Pâmela ou Suélen, sei lá). Após várias referências à politicagem interna do Departamento delas na Universidade e do Hospital onde trabalhavam — não dei grande atenção àquilo que depois foi caracterizado por outra amiga como um “cesto de ofídeos” — , a nova amiga me disse que minha ex era “de plástico”, ou seja, que era fria e calculista. Como a interlocutora parecia ser tudo que Suélen não era, depreendi que o significado daquilo era “e eu sou de carne, quente e apaixonada”. Nunca fui um Paul Newman e a maioria das mulheres se aproximam de mim por me acharem legal, não para ir para a cama. Não é falsa modéstia, é a realidade. Na hora pensei que deveria convidá-la para sair naquele momento, talvez naquele dia, mas os feios que se acham inteligentes são também profiláticos. Desligamos com a coisa temporariamente suspensa.

No dia seguinte, uma ligação matinal para o meu trabalho. Vamos almoçar? Fomos.

Hoje, quando penso naqueles poucos dias, concluo que foi uma atitude de vingança. Não era para ter acontecido, mas era divertido ficar abraçado na cama falando mal de Pâmela, ainda mais que eu ainda ia nas sessões com a “terapeuta familiar” na companhia de Su. Eu parecia estar acentuando (ou resolvendo) um problema de relacionamento entre mulheres, mas era bom. Volta e meia, recebo ligações com atualizações das news do Departamento, mas estas estão cada vez mais raras.

Ah, e acho que tem tanta mulher naquele local da UFRGS que a amiga vai achar este post engraçado, se o ler. Ou será que terei que deletá-lo?

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Uma metáfora fora do lugar?

Quem sou eu para criticar Aleksandr Sokúrov, o novo mestre do cinema russo, continuador — segundo nove entre dez capas de DVDs — de Eisenstein e Tarkovski?, pergunta Milton Ribeiro antes de criticá-lo. Pois uma coisa em Sonata para Viola, filme que Sokúrov dedicou à memória e vida de Dmitri Shostakovich, me incomoda muito. Na cena final, o cineasta mostra alternadamente Leonard Bernstein e Yevgeny Mravinsky regendo o último movimento da 5ª Sinfonia de Shosta. A diferença é enorme. Bernstein dá um andamento rápido e literalmente se escabela, entusiasmado, frente à orquestra. A coisa toda é heróica. Já Mravinsky apenas indica o tempo, um tempo bem mais arrastado que o do americano. Parece, e é, fúnebre. O significado é óbvio: a liberdade e a alegria X a opressão e a tristeza. Porém, é justo aí que estão dois problemas: (1) Mravinsky é um regente tão grande quanto Bernstein foi e sua desqualificação artística é absolutamente imerecida e (2) Mravinsky interpreta o Allegro non troppo da 5ª Sinfonia rigorosamente dentro daquilo que foi solicitado por… Shostakovich, na época um amigo seu. Era música fúnebre mesmo. Claro que Sokúrov deve ter mil explicações para ter finalizado seu filme desta forma, mas, para mim, o grande problema de Sonata para Viola é sua metáfora final.

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Em silêncio, Brasil vê o mundo comemorar o bicentenário de Charles Dickens

Charles Dickens (1812-1870): poucas edições no Brasil

Popular e piegas, social e relevante, a obra de Charles Dickens (1812-1870) cumpre longa agonia no Brasil. É difícil estabelecer o que aconteceu primeiro: se as más traduções ou os poucos leitores. Porém, se pensarmos que as más traduções também perseguiram outros autores que têm sido sistematicamente retraduzidos — com a admissão de que a maioria das traduções de décadas passadas eram mesmo de baixa qualidade — e reeditados, talvez cheguemos à conclusão de que há algo em Dickens que não bate conosco. Contrariamente a nosso silêncio, o mundo comemorou na última terça-feira (7) o bicentenário de nascimento do autor. Até o Google alterou seu logotipo por 24 horas (imagem abaixo) a fim de homenagear o grande escritor.

Consideremos três grandes livros de Dickens: Os Pickwick Papers (1836), David Copperfield (1849-1850) e Grandes Esperanças (1860–1861). A última edição brasileira dos Pickwick Papers foi de 2004 pela Editora Globo e a tradução era ainda a da velha Livraria do Globo dos anos 50. David Copperfield não foi publicado neste século, apenas em versão recontada e o mesmo vale para o esplêndido Grandes Esperanças. Mas nossa intenção não é a de revelar aos sebos que Dickens, que ora completa 200 anos de nascimento, é uma raridade. Nossa intenção é a de demonstrar que Dickens foi um escritor importantíssimo e por quê.

Ilustração de uma edição inglesa de Oliver Twist (Clique para ampliar)

A historiadora Nikelen Witter considera Dickens um colega de trabalho: “Minha percepção de Dickens envolve muito o que o romance dele representou em sua época e quem ele foi como escritor. Minha leitura juvenil do autor, confesso, foi totalmente reestruturada pelo meu estudo da história do século XIX. Talvez meu gosto por ele seja menos em razão de seu texto do que pelas ferramentas que ele disponibiliza para entender o século XIX. Dickens está entre os autores que recomendo a meus alunos de História Contemporânea e minha intenção não é a de causar diabetes em ninguém. A descrição de Dickens das gangues infantis é bastante precisa, bem como da reprodução das estruturas de poder dos adultos nas crianças abandonadas. A lacrimosa saga de Copperfield abre espaço para uma série de questionamentos históricos sobre legitimidade, pátrio poder e escolaridade, além, é claro, da irresponsabilidade do agir das classes mais altas. Há em Dickens uma defesa da igualdade”.

Pip e um mendigo: ilustração para Grandes Esperanças, seu romance mais maduro e sofisticado (Clique para ampliar)

Não sem razão, Witter refere-se ao diabetes e à defesa da igualdade. Dickens era mesmo açucarado. Oliver Twist e David Copperfield são verdadeiras torrentes de lágrimas. A morte de personagens como a pequena Nell em The Old Curiosity Shop (O Armazém de Antiguidades) é algo de deixar sóbria qualquer novela mexicana. Witter discorda do termo “piegas” e justifica: “Os livros do Dickens e das irmãs Brönte que tematizavam as agruras dos órfãos e abandonados na Inglaterra chegaram a provocar o que foi chamado de Movimento pela Infância (que começa por volta dos anos 1840), o qual lutou contra o trabalho infantil e exigiu melhorias nos orfanatos. A burguesia e a classe média leitora sensibilizaram-se com textos que demonstravam o sofrimento envolto num realismo poético — à falta de palavra melhor e para não usar o termo piegas, que, creio, teve seu conceito inventado por esta época. O fato é que o texto de Dickens são de denúncia das mazelas provocadas pelo capitalismo, em especial quando atingia os mais fracos: os pobres e as crianças abandonadas. Não é à toa que o próprio Marx foi seu admirador”.

Dickens: açúcar e defesa da igualdade

Era uma abordagem nada indignada, mas muito ressentida e dolorida da pobreza e da infância. Afinal, aquilo tinha sido a infância de Dickens. Educado pela mãe, que lhe ensinou inglês e latim, ele dizia que não fora muito mimado e que passara muito tempo lendo as novelas picarescas e romances de Henry Fielding, Daniel Defoe, Jonathan Swift e de seus contemporâneos, assim como de Cervantes e “As Mil e uma Noites”. Durante um curto período, pôde frequentar uma escola particular. Contudo, a situação piorou quando tinha dez anos. Seu pai foi preso por dívidas após esgotar os parcos recursos da família no afã de manter uma posição social digna. Nesta época, a família mudou-se para o bairro popular de Camden Town em Londres, onde ocupavam quartos baratos. A biblioteca familiar que tinha feito as delícias do jovem Dickens foi vendida, os talheres empenhados e, com doze anos, Dickens já tinha a idade considerada necessária para trabalhar colando rótulos em frascos de graxa. Ou seja, quando Dickens falava e chorava os pobres da Revolução Industrial, não estava apenas representando ou fazendo tese.

Gravura da última leitura pública de Charles Dickens (Clique para ampliar)

A defesa da igualdade era implícita. Quando Bernard Shaw comparou Marx e Dickens e quando lemos sobre o profundo apreço de Hobsbawm pelo autor, damos-nos conta do Dickens político. Só que a tribuna de Dickens era outra. Para entender sua importância, é fundamental saber que o texto de Dickens era multiuso. Ele não se tornou o mais popular autor do século XIX casualmente: tinha extremo conhecimento de seu público e dava especial atenção às formas de divulgação de seus trabalhos. A primeira forma adotada por Dickens era testar seus textos lendo-os em voz alta. Isto era fundamental por dois motivos: primeiro pelas constantes leituras públicas que o autor fazia e que lhe deram celebridade, e também porque sabia que seria lido em reuniões familiares, hábito comum na época. (Depois, reforça a historiadora Nikelen Witter, “estes leitores debateriam o que foi lido e, especialmente, ouvido. E — desejo expresso de Dickens — olhariam sob outra forma os mendigos que se acumulavam nas estradas e arrabaldes das grandes cidades inglesas”). Em segundo lugar, as publicações vinham em folhetins, então o final de cada capítulo necessitava de uma alta temperatura emocional e de suficiente expectativa para justificar a compra do próximo. Seria totalmente inválida a caricatura de que os livros de Dickens seriam um Criança Esperança misturado com novela das oito?

Sam Weller e Mr.Pickwick num prato vitoriano

Só que com qualidade muitíssimo superior. Dickens era engraçadíssimo e seu Pickwick Papers é tão intensamente cômico que demonstra não apenas a genialidade de Dickens como também o fato de ter aprendido as lições de Fielding e Swift. Mesmo seus livros mais dramáticos contêm fartas doses de humor e, dentre os personagens secundários de seus romances, há tipos inesquecíveis. Personagens como Uriah Heep, Miss Havisham, a esposa do Sr. Micawber, Sam Weller e dezenas de outros povoam sua páginas em cenas absolutamente hilariantes. Quase sempre atuam com a mesma seriedade que um membro do Monty Python atuaria. Aliás, há algo de Dickens nos filmes do Monty Python, principalmente em O Sentido da Vida. A curiosa adjetivação das cenas cômicas é matéria de estudo e os tais personagens “secundários” são tão importantes que, quando Pickwick Papers foi lançado, a recepção do público não foi calorosa no início — Dickens era um estreante de 24 anos — , mas quando apareceu a personagem de Sam Weller, o criado de Pickwick que acompanha as aventuras de seu amo, as vendas do folhetim subiram de 400 exemplares para 40 000! Sam Weller é simplesmente impagável!

O Google mudou seu logotipo no dia dos 200 anos de Dickens em homenagem ao autor (Clique para ampliar)

Então, por que Dickens é tão famoso no mundo inteiro, mas não no Brasil, onde mal tem seus livros editados e traduzidos? Será pelos enredos inverossímeis, cheios de coincidências e reviravoltas? Bem, mas não é isso o que se vê em nossas novelas? Será que Dickens não esconderia demais sua crítica social? Será complicado concluir que o ingrediente base de Oliver Twist e Nicholas Nickleby é a denúncia da condição infantil e da situação de muitos estabelecimentos de ensino? Seria igualmente complexo notar que A Casa Soturna é um romance contra a corrupção e a ineficiência do sistema jurídico inglês, tal como A pequena Dorrit? Será este último lido apenas como a típica história do pobre que enriquece e não como uma violenta sátira ao judiciário da época? Ficam as perguntas. O fato é que Dickens, aos 200 anos de nascimento, é celebrado em grande parte do mundo enquanto agoniza no Brasil.

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François Truffaut, o homem que amava o cinema

Truffaut

Publicado sábado no Sul21.

Durante esta semana, François Truffaut (6 de Fevereiro de 1932) teria completado 80 anos. Em apenas 52 anos de vida – o cineasta faleceu em outubro de 1984, vítima de um tumor cerebral – e 25 de carreira, Truffaut deixou 26 filmes, muitos dos quais figuram de forma definitiva entre os clássicos da arte cinematográfica. Filmes como Jules e Jim (1962), A Noite Americana (1973), Fahrenheit 451 (1966), O homem que amava as mulheres (1977), A Idade da Inocência (1976), A História de Adèle H. (1975) e O Último Metrô (1980), além dos cinco que percorrem os anos de formação de Antoine Doinel, sempre vivido pelo alter ego de Truffaut, o ator Jean-Pierre Léaud – Os Incompreendidos (1959), O Amor aos Vinte Anos (1962), Beijos Proibidos (1968), Domicilio Conjugal (1970) e Amor em Fuga (1979) – , deveriam fazer parte de qualquer cinemateca que tente compreender a evolução do cinema como arte.

Jacqueline Bisset e Francois Truffaut em A Noite Americana, um dos filmes que Truffaut dirigiu e atuou

A seu modo, Truffaut foi um erudito, um estudioso, um sujeito absolutamente tarado por cinema. Vivendo de sala em sala, de cinemateca em cinemateca, afirmou em 1975, numa entrevista durante o lançamento de Adèle H., que vira 15.000 filmes (tinha 43 anos) em sua vida e que às vezes tinha a impressão de que seus trabalhos eram colagens do que fizeram antes outros cineastas. Pura modéstia. Autor sempre original, Truffaut esteve permanentemente na ponta de lança, mesmo que a partir dos anos 70 tenha recuado seu estilo para algo mais clássico, afastando-se da postura de seu amigo e colega Jean-Luc Godard. Anos depois, jovens americanos inspiraram-se em Truffaut não apenas ao ver filmes sem parar, mas fazendo arte e graça ao exporem suas também enormes culturas cinematográficas. Sim, falo de dois dos grandes fãs de Truffaut, Quentin Tarantino e Steven Spielberg.

Doinel na casa da mãe: solidão, cinema, literatura e roubos

Truffaut jamais conheceu seu pai biológico. Foi criado por seus avós maternos, já que a mãe o rejeitara. Aos 10 anos, perdeu a avó e foi morar com a mãe, que estava casada com Roland Truffaut. Este acabou registrando o garoto com seu sobrenome. Porém, rechaçado tanto pelo pai adotivo quanto pela mãe, era péssimo aluno e passava seu tempo vendo filmes e arranjando dinheiro através de pequenos furtos. O primeiro filme que conta a história de Antoine Doinel e seu primeiro longa como diretor, Os Incompreendidos, é a história da adolescência de Truffaut. Ali, na cena final, ao deixar Léaud, ainda um menino, caminhar sem rumo pela praia, o francês captura de forma inesquecível a angústia e as dúvidas do adolescente. Contextualizado, o olhar de Doinel para o espectador é uma surpresa e um questionamento como poucas vezes se vira antes no cinema. Trata-se de um pedido silencioso da mais alta carga emocional.

Esta estreia de Truffaut aos 27 anos ocorreu após alguns anos como crítico de cinema na revista Cahiers du cinéma, fundada por André Bazin. Bazin foi efetivamente o pai tardio de Truffaut. O futuro cineasta tornou-se secretário pessoal de Bazin aos 18 anos, quando obteve a emancipação legal dos pais. Bazin foi quem lhe orientou, introduzindo-o no Objectif 49, um seleto grupo de jovens estudiosos do novo cinema da época, leia-se, principalmente, Orson Welles e Roberto Rossellini. Mais tarde, integrariam o grupo nomes como Jean-Luc Godard e Suzanne Schiffman — roteirista de quase todos os filmes de Truffaut. Ele também participava do Ciné club du Quartier Latin, boletim sobre cinema coordenado por Eric Rohmer. Ali, daria seus primeiros passos como crítico.

trus

E que crítico! Estreou causando enorme polêmica ao atacar o velho cinema francês com sua “tradição de qualidade”. Une Certaine tendance du cinéma française (Uma certa tendência do cinema francês) era um manifesto contra aquela tal “tradição de qualidade”, na verdade um cinema literário muito pobre em termos de dramaturgia e… cinema. Como crítico, Truffaut desenvolveu a noção dos filmes autorais. Neste conceito, o filme é considerado uma produção individual, como uma canção ou um livro. Truffaut defendia que a responsabilidade sobre um filme dependia de uma única pessoa, o diretor. O grande representante de sua teoria era Alfred Hitchcock. Tal conceito foi a base para o surgimento de um movimento que revolucionaria o cinema francês. Criada por jovens cineastas franceses, a Nouvelle Vague (Nova Onda) defendia a produção autoral de filmes intimistas e de baixo custo. E a nova geração, formada principalmente por jovens críticos de publicações especializadas, comprovaram suas teorias através de filmes que se veem até hoje. O início não poderia ser mais espetacular. Os Incompreendidos e, logo depois, ainda em 1959, À bout de souffle (Acossado), dirigido por Godard sobre roteiro de François Truffaut.

Jean-Paul Belmondo e Jean Seberg em Acossado (1959)

Depois de mais dois filmes, Truffaut chegou ao leve e ousado, talvez discretamente indecente para a época, Jules e Jim. A produção, que recebeu o ridículo título de Uma Mulher para Dois no Brasil, é baseado num romance de Henri-Pierre Roché. Visto hoje, parece uma antologia de cenas clássicas, tanto que foi citado ou copiado por filmes mais recentes. Lembram por exemplo da célebre sequência de Butch Cassidy na qual Paul Newman e Katherine Ross andam de bicicleta ao som de Raindrops keep falling on my head? Está em Jules e Jim. É só procurar. O filme trata do triângulo amoroso entre Jules (Oskar Werner), Jim (Henri Serre) e Catherine (Jeanne Moreau, em magnífico trabalho).

Truffaut e Moreau conversam durante as filmagens de Jules e Jim

Durante as filmagens, aconteceu com Truffaut o que aconteceria com qualquer um: ele se apaixonou por Moreau, então casada com o estilista Pierre Cardin. Fez mais: apaixonou-se e deixou todos nós apaixonados por ela em diversas cenas, mas talvez especialmente naquela em que a faz correr travestida numa ponte. Abaixo, um dos muitos trailers do filme:

http://youtu.be/oPWTJsO89-M

Mais intimista e poético a cada trabalho, Truffaut afastava-se de Godard, que tornava seu cinema cada vez mais político, separando-se de Truffaut tanto em sua obra como pessoalmente. Brigaram. Porém, após dar sequência à saga autobiográfica de Antoine Doinel em 1962, com Amor aos 20 anos, ele paradoxalmente abriu uma exceção em 1966, quando foi à Inglaterra filmar Fahrenheit 451, pesadelo futurista baseado num romance de Ray Bradbury com Oskar Werner e Julie Christie nos papéis principais. É um filme sobre o amor aos livros num futuro totalitário em que eles são sistematicamente queimados. “Por que não popularizar, com a ajuda do cinema, bons títulos literários”, disse na época. Aliás, repassar livros para a linguagem cinematográfica era algo em que era mestre.

Cena de Fahrenheit 451

Outro grande filme foi A Noite Americana, de 1973. Talvez em função no título, é sua obra mais celebrada nos EUA. O título refere-se à técnica de iluminação para simular a noite em filmagens durante o dia. Recebeu o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 1974. É um filme sobre a realização de outro filme, Je Vous Presente Pamela, ou, melhor dizendo, há um filme dentro do filme. Além de mostrar os bastidores da produção, vemos o próprio diretor atuando. A história acompanha a produção e os problemas das vidas particulares de toda a equipe. É uma bela crônica de amor ao cinema e também sobre o descontrole de um artista sobre a obra. O diretor vivido por Truffaut só busca “salvar o filme”. Deliciosa e leve sem ser fútil, A Noite Americana, deixa-nos ainda mais apaixonados pelo cinema. Dos filmes metalinguísticos, que procuram refletir sobre o cinema através do cinema, A Noite Americana é o melhor exemplar. A alegria que o filme transmite pode ser entendida por uma resposta que Truffaut deu a um jornalista em 1970, falando sobre suas obras: “Eu sou da família de diretores para os quais o cinema é um prolongamento da juventude”.

http://youtu.be/ZnZ_8sjta3I

A elegância clássica e o apuro visual de A História de Adèle H. remete a um outro filme do próprio cineasta, As Duas Inglesas e o Amor. Ambos são fotografados por Nestor Almendros e, além de contar boas histórias, têm cenas que mais parecem quadros. Adèle H. narra o amor e a loucura de Adèle Hugo, a filha de Victor Hugo que persegue um militar pelo qual é apaixonada na França, Canadá e em Barbados. De quebra, apresenta Isabelle Adjani no papel trágico que tentou repetir sem sucesso durante toda sua carreira. Esta love story solitária, esta história de amor protagonizada por apenas um personagem que vai atrás de seu objetivo inatingível, é um dos mais belos estudos sobre o amor e a solidão.

A Idade da Inocência, de 1976, é totalmente diferente. Despojado, livre e improvisado, é metade documentário e metade ficção, da mesma forma que fez antes em O Garoto Selvagem. Aqui, Truffaut acompanha uma turma de adolescentes e pré-adolescentes, observando suas relações, casos amorosos, piadas e brincadeiras. São contadas muitas histórias de jovens de várias classes sociais. Como ensaiavam? “Ora, eu lhes dizia muito poucas palavras para explicar o que elas tinham que fazer e dizer. Queria que elas usassem suas próprias palavras e que fossem naturais em suas atitudes. Funcionou bem mas foi muito cansativo, elas falavam demais e, juntas, faziam muito barulho…”, disse Truffaut sobre o set de filmagens.

Truffaut e algumas das centenas de crianças que participam de "A Idade da Inocência"

1977 foi o ano de outro extraordinário filme, O homem que amava as mulheres. Charles Denner faz o papel de um Don Juan que procura e quase sempre consegue conquistar as mulheres que lhe interessam — quase todas. O filme começa com o funeral de Bertrand (Denner). Mais parece um exército de saias e saltos altos. A seguir, o filme é um catálogo de seduções. Cada mulher é abordada de uma forma diferente, a começar pela moça do serviço de despertador que lhe telefona todos os dias pela manhã e que é chamada de Aurora por Bertrand. “George Simenon afirmava ter ‘conhecido’ 10.000 mulheres… Meu personagem é um aprendiz perto dele. É um poeta que diz que ‘as pernas das mulheres são como hastes de compassos que cavalgam o globo terrestre em todos os sentidos, dando-lhe equilíbrio e harmonia’. Não sei como Simenon conseguia tantas mulheres, mas Bertrand não é alguém vulgar que pega mulheres nos corredores ou no chão. Ele joga o jogo da sedução”.

Para finalizar, destacamos O Último Metrô, que trata da ocupação de um teatro de Paris por parte dos nazistas. O teatro é dirigido por Lucas Steiner (Heinz Bennent), um bem sucedido diretor judeu que supostamente fugiu da França. Sua esposa Marion (Catherine Deneuve), faz de conta assumiu a direção do teatro e da nova peça. Ela contrata o ator Bernard Granger (Gerard Depardieu). Para dirigi-lo em cena, Marion se socorre das orientações de seu marido, que, na verdade, está escondido no porão do teatro. É mais um trio amoroso proposto por Truffaut. Com uma extraordinária trinca de atores nos papéis principais — os citados Deneuve, Depardieu e Bennent –, o filme funciona como poucos.

Catherine Deneuve e Heinz Bennent em cena de "O Último Metrô" (1980)

Truffaut manteve durante toda a sua carreira a marca da paixão: amava o cinema, os livros, as mulheres e sua produção demonstra como poucas o autor que há por trás dos filmes. Vale a pena conhecê-lo.

Abaixo, todos os longas do diretor:

1983 De Repente, Num Domingo (Vivement Dimanche!)
1981 A Mulher do Lado (La Femme d’à Côté)
1980 O último metrô (Le dernier metro)
1979 O amor em fuga (L’amour en fuite)
1978 O Quarto Verde (La chambre verte)
1977 O homem que amava as mulheres (L’homme qui aimait les femmes)
1976 Na idade da inocência (L’argente de poche)
1975 A História de Adèle H. (L’Histoire d’Adèle H.)
1973 A noite americana (La nuit americaine)
1972 Uma jovem tão bela como eu (Une belle fille comme moi)
1971 As duas inglesas e o amor (Les deux anglaises et le continent)
1970 Domicílio conjugal (Domicile conjugal)
1969 O Garoto Selvagem (L’Enfant Sauvage)
1969 A Sereia do Mississipi (La Sirène du Mississipi)
1968 Beijos Proibidos (Baisers Volés)
1967 A noiva estava de preto (La mariée etait en noir)
1966 Fahrenheit 451 (Fahrenheit 451)
1964 Um Só Pecado (La Peau Douce)
1962 Amor aos 20 anos (Antoine et Colette)
1962 Uma Mulher Para Dois (Jules et Jim)
1960 Atirem no Pianista (Tirez Sur le Pianiste)
1959 Os Incompreendidos (Les Quatre Cents Coups)

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Genial, genial — Carla Bley & Steve Swallow e depois a Big Band

A pianista, arranjadora, compositora, big band leader e genial Carla Bley (1936) diverte-se com o marido, o não menos e baixista Steve Swallow (1940). Prestem atenção à letra engraçadíssima. Presente enviado pelo twitter por Maurício Machado (@Mr_Machado). Espetáculo gravado em 2005.

E ora, ora meus amigos, aqui está uma daquelas montagens que alguém faz no YouTube, só que esta respeita o ateísmo e anticlericalismo de Bley. Ocorre que um dos concertos mais memoráveis de sua Big Band foi no Festival de Jazz da Umbria. Quando soube que teria de tocar numa igreja, Carla enlouqueceu. Compôs uma série de novos temas para fazer uso da acústica do local, que já conhecia. O resultado foi o habitual.

http://youtu.be/F9EXwR5XZX8

E aqui, a mesma música, Setting Calvin’s Waltz, só que em registro ao vivo, em Berlim, 1995.

http://youtu.be/ruCAzT1rUeQ

E já que é domingo, mais uma: Who Will Rescue You?

http://youtu.be/ntZ01QaKfUA

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Lendo Anna Kariênina (ainda não é uma resenha, é só paixão)

Li rapidamente um terço do livro de 814 páginas. Incrível como minha lembrança do romance era distorcida. É ainda melhor do que eu lembrava. Tolstói não é aquele estilista perfeito — usa estranhas pontuações e repete palavras tal como o tradutor Rubens Figueiredo (excelente) referiu no prefácio. Por exemplo, nas páginas 241-242 há um parágrafo de quase uma página onde a palavra “camponeses” aparece 15 vezes. Sem problemas, o homem sabe contar uma história como ninguém. Tais repetições não revelam descaso com o texto. Tolstói era um escritor cuidadoso, revisava muitas vezes seus textos que depois eram passados a limpo à noite por sua mulher. Ele usa as repetições em seu hábil discurso livre indireto, inserindo-se nas idiossincrasias e vícios de linguagem dos personagens.

Outra coisa é que as descrições nunca são contadas sem o filtro e a emoção de um personagem. Não são descrições mortas, sem ação, Tolstói integra tudo, fica lindo. Vemos a propriedade de Liêvin enquanto o mesmo sofre e trabalha nela. Nada para, tudo narra.

Esta tremenda obra de arte muito bem planejada é cheia de pequenos detalhes significativos. Há dois personagens principais, Liêvin e Anna. Em torno deles gira toda a ação, com apenas dois ou três pontos de contato mais claros, Kitty, Oblónski e sua mulher Dolly. Duas perspectivas da mesmíssima Rússia. Um painel? Sim, mas um painel de câmara, sem e com maior grandiosidade do que em Guerra e Paz.

Tal como na primeira leitura, que fiz aos 17 anos, o bovarismo de Anna me parece mais antipático do que o da heroína de Flaubert, mas sua impulsiva irreflexão é um dos pontos altos do romance. Uma coisa de que não lembrava era da ironia de frases que se contradizem em grande parte do romance. Às vezes umas contra as outras, às vezes internamente.

(Paixão de outros: estou num banco para falar com uma gélida gerente de contas. Ela se levanta para ver se um cartão está na agência. Quando volta, interrompe arregalada o ato de sentar. Fica suspensa olhando para o livro de Tolstói e me diz lenta e saborosamente: Anna Kariênina… eu simplesmente amo esse livro! Senta-se e começa a falar comigo com se fôssemos velhos amigos).

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O Google homenageou Dickens ontem

E ficou muito legal.

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Aforismos, de Karl Kraus

Não sou nada original: sou mais uma pessoa que não acredita no politicamente correto. Principalmente no âmbito artístico, é algo que não funciona. Fico pensando no que seria uma versão politicamente correta do Monty Python… É possível? Sim, mas perderia toda a graça. O politicamente correto acaba com o humor e muitas vezes destrói a arte. Por exemplo, dois recentes filmes dramáticos, ambos candidatos ao Oscar, viram uma criancice em suas cenas finais em razão do politicamente correto: Tudo pelo Poder, onde a “consciência” do malvadinho recebe uma chamada na última cena, e Os Descendentes, onde os adúlteros são punidos. Esses filmes poderiam até ser muito bons se mantivessem algum ponto de contato com a realidade. Na realidade, sabemos, quase sempre os bons se ralam, dando lugar aos arrivistas. Fico imaginando a versão PC de Lolita, mas deixa pra lá.

Karl Kraus (1874-1936) não pisa na linha que separa o correto e o incorreto, Kraus vive dentro do incorreto de tal maneira que até este comentarista fica meio sem jeito. Os primeiros aforismos deste volume — que tem excelente tradução de Renato Zwick e luxuosa edição da Arquipélago — são um quase só de ataques à mulher. No início, a gente estranha, depois acha engraçada a misoginia de Kraus. Não se trata de hipérboles, ou seja, de  intensificar algo até o inconcebível. É uma misoginia tão pensada, inteligente, antiquada e terrível que apenas pode ser suportada da mesma forma com que se admira Nelson Rodrigues e tantos outros autores que viviam em sociedades que aceitavam a misoginia e o machismo. Para a contemporaneidade, a genialidade de Kraus vem logo a seguir, quando ataca todo e qualquer ser humano e intelectual e jornalista e político. O mau humor de Kraus manifesta-se principalmente contra seu país de adoção, a Áustria. Aliás, a Áustria também é objeto do ódio de outro gênio indiscutível do século XX, o grande Thomas Bernhard. Com efeito, deve ser um país habitado por um povo repugnante, mas produz bons artistas. Kraus, obviamente, era um colecionador de inimigos.

Os aforismos do livro da Arquipélago foram selecionados em três coletâneas que Kraus publicou em vida: Ditos e Contraditos (1909), Pro Domo et Mundo (1912) e De Noite (1919). As coletâneas tiveram origem na virulência que o autor demonstrava nas páginas do Die Fackel (“A Tocha”) — revista que fundou e da qual foi praticamente o único redator durante quarenta anos. Paradoxalmente, Kraus, um dos maiores escritores satíricos em língua alemã do século XX, trabalhava na imprensa, apesar de odiá-la minuciosamente. Odiava como ninguém a estupidez e a ignorância dos jornalistas de seu tempo. Seus temas são a política, a filosofia, a imprensa e o papel do artista na sociedade.

São pequenos textos e frases furibundas e geniais. Seu autor insiste que todos os aforismos devem ser lidos mais de um vez. É horrível ter que dar razão a alguém tão arrogante, mas o fato é que na segunda leitura cada um dos aforismos ganha significado duplo ou triplo. Fazer o quê? Há muito que aprender com as frases curtas de exatidão milimétrica e múltiplo sentido de Kraus.

A seguir, alguns petiscos:

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A relação dos jornais com a vida é mais ou menos a mesma das cartomantes com a metafísica.

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A expressão “laços de família” tem um ressaibo de verdade.

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A vida de família é uma invasão da vida privada.

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Muitos têm o desejo de me matar. Muitos, o desejo de ter dois dedos de prosa comigo. Daqueles a lei me protege.

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As penas servem para intimidar aqueles que não querem cometer crimes.

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Não há criatura mais infeliz sob o sol do que um fetichista que anseia por um sapato feminino e precisa se contentar com uma mulher inteira.

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Eles tratam a mulher como se fosse um refresco. No entanto, não admitem o fato de as mulheres sentirem sede.

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Formação é aquilo que a maioria recebe, muitos passam adiante e poucos possuem.

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Propostas para que essa cidade volte a conquistar minha simpatia: mudança de dialeto e proibição de reprodução.

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Não ter pensamentos e ser capaz de expressá-los — eis um jornalista.

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Preciso estar outra vez entre os seres humanos. Pois neste verão, em meio às abelhas e aos dentes-de-leão, minha misantropia degenerou gravemente.

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Muitos talentos conservam sua precocidade até idade avançada.

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Não tenho mais colaboradores. Eu tinha inveja deles. Eles afastam os leitores que eu mesmo quero perder.

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O que distingue Berlim e Viena ao primeiro olhar é a observação de que lá se consegue um efeito ilusório com o material mais desprovido de valor, enquanto que aqui, na produção do kitsch, se emprega apenaas material autêntico.

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Quando o pecado se atreve a avançar, ele é proibido pela polícia. Quando se esconde, recebe um alvará.

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A ética cristã conseguiu transformar heteras em freiras. Infelizmente, ela também conseguiu transformar filósofos em libertinos. E graças a Deus, a primeira metamorfose não é assim tão confiável.

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A sexualidade mal recalcada causou perturbações em muitas casas; a bem recalcada, no entanto, perturbou a ordem do universo.

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Ao sadio basta a mulher. Ao erotista basta a meia para chegar à mulher. Ao doente basta a meia.

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“Não se permitir mais ilusões”: é então que elas começam.

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Devemos ler todos os escritores duas vezes, os bons e os ruins. Uns serão reconhecidos, e ou outros, desmascarados.

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De volta ao forno

Imagem enviada por Sérgio Gonçalves.

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4 diazinhos

De quinta-feira a domingo, o blog estará na praia, inútil, comendo frutos do mar e banhando-se ao final da tarde. Sim, é o melhor horário. Talvez, entre uma caipirinha e um camarão, escreva uma resenha sobre o belíssimo Ribamar, de José Castello, ou sobre os geniais Aforismos de Karl Kraus. Mas acho que deixarei para depois. O que é certo é pretendo começar a leitura da tradução de Rubens Figueiredo para Anna Kariênina. Durante a viagem, ouvirei Bruckner ou Bach no carro. Na boa, mereço. Na volta, só quero escrever matérias complicadas como essa.

Fui.

Ah, porra, esqueci. A fundamental matéria foi encontrada por Igor Natusch (sim, dois links).

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Anotações sobre Anton Tchékhov

Anton Tchekhov e Liev Tolstói

Publicado originalmente no Sul21 — É um texto antigo que foi bastante revisado para publicação no site

É curiosa a celebridade póstuma alcançada por Anton Tchékhov. Seja na Rússia ou em qualquer lugar do mundo, o escritor está cada vez mais próximo do nível de semideuses de Dostoiévski e Tolstói, só para ficar entre seus conterrâneos. É justo. Não há uma “grande obra” do autor, mas o numeroso mosaico formado por seus contos, peças teatrais e novelas merece lugar entre as maiores da literatura ocidental.

O fascínio de nossa contemporaneidade com o escritor russo não é casual: o realismo, a clareza, o humor, a leveza, a abordagem compreensiva dos personagens, a pouca ênfase a coisas que outros escreveriam cheios de exclamações — ele parece dizer: não te ajudarei, descubra sozinho o que há de importante aqui — , a imaginação para criar cenas e situações significantes, sua visão sem ilusões do amor e a total falta de preconceitos não apenas o permitia transitar por toda a sociedade russa do século XIX como permite que o mesmo aconteça entre os leitores de hoje. Talvez ele não fale a todos da mesma forma, mas há um fato comum citado por vários ensaístas: ele é uma leitura inteligente cuja presença e essência é amiga e irônica. Ou seja, ele vicia.

Tchékhov viveu apenas 44 anos e era médico. Até os 26 anos, publicou 300 histórias em jornais russos, quase todas cômicas. Vivendo em Moscou, era obscuro. Porém, sem que soubesse, estava tornando-se famoso em São Petersburgo, onde tinha numerosos leitores. Isto perdurou até o dia em que recebeu uma carta do severíssimo crítico Grigorovitch:

Os atributos variados de seu indiscutível talento, a verdade de suas análises psicológicas, a maestria de suas descrições (…) deram-me a convicção de que está destinado a criar obras admiráveis e verdadeiramente artísticas. E o senhor se tornará culpado de um grande pecado moral, se não corresponder a estas esperanças. O que lhe falta é estima por este talento, tão raramente conhecido por um ser humano. Pare de escrever depressa demais…

Tchékhov mudou e, sem perder a graça e a leveza mozartiana de seu texto, tornou-se realista. O novo estilo custou-lhe violentas críticas, que acusavam seu “mau gosto” e a utilização de “detalhes sujos e grosseiros”. Ele respondeu: “Pensar que a literatura tem como finalidade descobrir as pérolas e mostrá-las livres de qualquer impureza, equivale a rejeitá-la.”

Rubens Figueiredo, tradutor e prefaciador de O Assassinato e outras histórias faz importantes observações sobre Tchékhov:

No ambiente intelectual russo, o debate só parecia fazer sentido quando tomava formas extremadas. A fama crescente de Tchékhov e a expectativa em torno de seus textos obrigaram-no a defender-se dos mal-entendidos, cada vez mais numerosos.

Os leitores russos se haviam acostumado a tomar os escritores como campeões de credos políticos e religiosos mas, no caso de Tchékhov, esbarravam em textos obstinadamente inconclusivos. Mais grave ainda, suas entrelinhas pareciam indicar que tanto as grandes sínteses intelectuais quanto os padrões de pensamento herdados pelos costumes serviam antes para encobrir a realidade.

O desconcertante é que Tchékhov consegue munir sua prosa de uma sutileza capaz de sugerir outras camadas de experiência, como se a realidade nunca se esgotasse.

E, mais desconcertante para a época:

Para Tchékhov, a religião era moralmente indiferente. Ou seja, a crença, seus conceitos, seus símbolos e rituais eram ineficazes para deter a crueldade e o egoísmo, mas tampouco constituíam suas causas.

E o próprio Tchekhov escreveu, demonstrando uma posição absolutamente moderna, a do escritor que se nega a proferir “verdades”:

Não cabe ao escritor a solução de problemas como Deus ou o pessimismo; seu trabalho consiste em registrar quem, em que circunstâncias, disse ou pensou sobre Deus e o pessimismo.

Indicações de leitura

Há muitos livros de Tchékhov para serem indicados. Como ele era contista, novelista e dramaturgo, há muitas coletâneas e, nelas, muitos contos e novelas repetidas. Vamos começar pelas peças teatrais: As Três Irmãs, A Gaivota, Tio Vânia e O Jardim das Cerejeiras são tão extraordinárias que prescindem dos atores e podem ser lidas como uma novela de diálogos. O extraordinário A Enfermaria Nº 6 está em vários livros, assim como os contos Inimigos, A Dama do Cachorrinho e um conto clássico que os tradutores deveriam reunir-se a fim de estabelecer um nome, pois ele pode se chamar Queridinha aqui, O Coração de Olenka ali, Dô-doce (?) acolá, assim como Amorzinho ou qualquer outra coisa.

A novela A Estepe, curta e genial, narra a viagem de uma criança como uma metáfora da viagem que atravessamos sem saber porque e para quê. A impressão estranha que a novela causa é semelhante a causada pelo filme Olhos Negros de Nikita Mikhálkov, em que Mastroianni recorda “as névoas da Rússia num passeio de carruagem, na infância, há muito tempo”.

O melhor livro talvez seja uma tradução dos contos feita por Bóris Schnaidermann:

A Dama do Cachorrinho e outros contos. Editado primeiro pela Civilização Brasileira, depois pela Max Limonad e finalmentye para Editora 34.

Outros livros:

Contos e Novelas. Edições Ráduga (Moscou). 1987. Um primor de tradução para o português realizada por Andrei Melnikov.
O Assassinato e outras histórias. Cosac & Naify. 2002. Trad. de Rubens Figueiredo.
O Beijo e outras histórias. Círculo do Livro. 1978. Trad. de Bóris Schnaidermann.
A Enfermaria Nº 6 e outros contos. Editorial Verbo. 1972. Trad. de Maria Luísa Anahory.
Os mais brilhantes contos de Tchekhov. Edições de Ouro. 1978. Trad. de Tatiana Belinky.
Lenco Tchékhov. Ensaio e Contos. Ediouro. 2004. Trad.de Tatiana Belinky.

Filmes: há dois esplêndidos filmes de Nikita Mikhálkov baseados “em qualquer coisa de Tchékhov” (palavras do próprio diretor e roteirista): Peça Inacabada para Piano Mecânico (1977) e o famoso Olhos Negros (1987) com Marcello Mastroianni detonando no papel principal atrás da Dama do Cachorrinho.

A opinião de Tolstói

Os personagens de Tchékhov são cheios de boas intenções sobrecarregadas de estupidez, inatividade e finalidade. Tchekhov é moderno em sua concisão, pouca adjetivação e principalmente na recusa em explicar o mundo. Confrontado com as idéias de Tolstói — o qual em seus textos parece ter resolvido todos os impasses da humanidade — , Tchékhov era um apresentador de realidades complexas e insolúveis que habitam uma dentro da outra. Também defendia, uma novidade na época, os efeitos benéficos da ciência e do progresso. Porém, apesar de totalmente diferente, Tolstói apreciava muito sua obra.

Em vida, Anton Tchékhov era razoavelmente conhecido, mas não era uma celebridade. Após sua morte, Tolstói disse: “Creio que Tchékhov criou novas — absolutamente novas — formas de literatura que não encontrei em parte alguma. Deixando de lado falsas modéstias, afirmo que Tchékhov está muito acima de mim”.

Naquele tempo, os contemporâneos não deram atenção a esta opinião. Pensavam que o conde já idoso estava a superestimar o amigo, atribuindo-lhe características acima das que merecia. Passados cem anos, vemos agora que Tolstói não estava tão equivocado. Atualmente, na Rússia, Anton Tchékhov encontra-se ao lado dos grandes clássicos: Púchkin, Gogol, Dostoiévski e Tolstói. E, como dramaturgo, está entre os mais célebres e montados autores mundiais.

As mortes de Tchékhov

Anton Pavlovitch Tchekhov sentou-se na cama e de maneira significativa disse, em voz alta e em alemão: ´Ich sterbe´ – estou morrendo. Depois, segurou o copo, voltou-se para mim, sorriu seu maravilhoso sorriso e disse: ´Faz muito tempo que não bebo champanhe´. Bebeu todo o copo, estendeu-se em silêncio e, instantes depois, calou-se para sempre. E a pavorosa calma da noite foi apenas alterada por um estampido terrível: a rolha da garrafa não terminada voou longe.

Olga Knipper, esposa de Anton Tchékhov.

A morte de Tchékhov no balneário de Badenweiler é uma das mais recontadas da historia da literatura. Parece haver enorme sedução na cena do escritor moribundo, sua mulher, seu médico, o estudante que chegou para ajudar e a garrafa de champanhe. Quem pediu a bebida? O médico ou Tchékhov? A sedução é tanta que o grande Raymond Carver escreveu um conto, Três rosas amarelas, no qual narra a cena, só que cheia de detalhes inventados. Talvez isso tenha nascido da narrativa de Olga Knipper, atriz e mulher do escritor. Em seu relato, a cena é contada com tanto, mas tanto romantismo que não parece verdadeira. O cômico sobre sua morte é que a prórpia Olga narrou a morte do marido várias vezes. De forma sempre diversa…

Faz pouco mais de 100 anos que o fato narrado ocorreu. Tchékhov faleceu em 15 de julho de 1904 em Badenweiler, Alemanha. Tinha nascido em 29 de janeiro de 1860.

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Comentário de: PAULO TIMM | 29 de janeiro de 2012 | 16:29 |Editar

Suplico , por favor, a publicaçao do citado conto:
Raymond Carver -Três rosas amarelas
E, se for impossível, peço que me enviem por email. Fico morrendo de ansiedade para lê-lo. Aguardo [email protected]

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Comentário de: Celso | 29 de janeiro de 2012 | 17:50 |Editar

Além do Tchekhov, o escritor que está acima de todos, é fundamental conhecer o que pensava o homem Tchekhov. Sugiro 2 livrinhos imprescindíveis, ambos de 2007 e editados pela editora Martins (São Paulo): “UM BOM PAR DE SAPATOS E UM CADERNO DE ANOTAÇÕES – Como fazer uma reportagem” e “SEM TRAMA E SEM FINAL – 90 conselhos de escrita”, ambos baseados em correspondências de Anton Tchekhov.

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Comentário de: Jeferson | 30 de janeiro de 2012 | 0:22 |Editar

Estupenda apresentação. Parabéns. Vou só deixar uma discordância, a título de colaboração. Não concordo com a ideia de ler o teatro do Tchekhov como se fosse novela. Acho que o leitor ganha em salientar as diferentes tarefas dos dois gêneros e em compreender como o autor fez uso dessas diferenças.

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Comentário de: Jéferson Assumção | 30 de janeiro de 2012 | 9:33 |Editar

Parabéns, pelo texto. Sugiro colocar na lista Consejos a un Escritor, com as cartas entre ele e Olga. Há quatro anos, seis amigos me presentearam com os seis volumes dos contos completos de Tchecov. Maravilhoso!

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Karl Kraus dixit:

Formação é aquilo que a maioria recebe, muitos passam adiante e poucos possuem.

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