Os 50 maiores livros (uma antologia pessoal): VIII – Uma Confraria de Tolos, de John Kennedy Toole

Como os que aqui me antecederam, também vou negar o título da coluna. Não se trata do melhor livro que li até hoje, mas certamente o colocaria numa lista de dez melhores. Pois Uma Confraria de Tolos é uma obra-prima absoluta, uma obra-prima total e injustificadamente pouco lida em nosso país.  Duvida? Procure no Google críticas a respeito de A Confederacy of Dunces para conferir que não estou nada sozinho em minha avaliação.

Tenho uma velha edição dos anos 80 da Record, que relançou o livro recentemente na coleção BestBolso. Certa vez, ao citar o livro em meu blog, recebi um comentário de uma leitora que morava no interior da Paraíba. Ela me contou que antes morava em São Paulo, onde lera a Confraria nos anos 80. O livro ficara por lá, mas agora tinha um filho que era um grande leitor e ela PRECISAVA apresentar o livro a ele.

Não sou uma pessoa que mereça a canonização, mas sei reconhecer alguém que precisa de auxílio. Fiquei comovido com o pedido, pois sei a falta que a leitura da Confraria faz a alguém que conheça o livro. Como a Estante Virtual ainda não existia, empreendi uma busca entre os sebos de Porto Alegre. Encontrei o livro e o mandei para a leitora aflita. Ela me agradeceu dizendo que me amava, adorava e que intercederia por mim nem que fosse no juízo final, coisa na qual ela não acreditava, mas que enfim, daria um jeito de interceder.

O tamanho do erro de negligenciar Uma Confraria de Tolos é difícil de caracterizar, mas vamos lá. Começarei pelo título. John Kennedy Toole devia estar consciente da qualidade de seu romance, senão não basearia o título de seu romance de estreia numa citação clássica de um dos maiores escritores de todos os tempos, Jonathan Swift: “Quando um verdadeiro gênio aparece no mundo, você vai reconhecê-lo por um sinal: todos os tolos se juntam contra ele”. Outro motivo de buscar inspiração em Swift é que Toole escreve um romance como eram as histórias do inglês: hilariante de cabo a rabo.

Mas também é muito triste, muito sério, louco, amargo e especialmente inteligente. Uma genial tragicomédia.

Seu protagonista, o hoje célebre — fora do Brasil — Ignatius J. Reilly, é um ser excêntrico, às vezes repugnante. Ele está por seus 30 anos, é um glutão obeso e mal-humorado que mora com a mãe e vive amaldiçoando o mundo moderno. Ignatius leva a frase de Swift a sério: ele é um anti-herói nascido na época errada, que se considera sempre perseguido por idiotas.

Uma Confraria de Tolos se passa em New Orleans nos anos 60. Como o romance Dom Quixote, é picaresco. E, se o personagem de Cervantes ia atrás de aventuras, Reilly é um preguiçoso, excêntrico e idealista atrás de emprego. Durante suas caminhadas, às quais foi atirado pela mãe, que não o suporta mais em casa — e que o acusa de encher a atmosfera de gases intestinais — , ele vocifera contra tudo e contra todo o tipo de modernidade. Walker Percy, em seu prefácio para o livro, descreve Ignatius como um “pateta genial”. Trata-se de um passadista jovem. Desdenha a cultura da modernidade, especialmente o pop. Tal desprezo torna-se sua obsessão: por exemplo, ele vai ao cinema a fim de zombar dos filmes e expressar sua indignação com a falta de “teologia e geometria” (?) do mundo contemporâneo.

Ele prefere a filosofia escolástica da Idade Média, em geral, e a filosofia de Boécio, em particular. No entanto, aprecia muitos dos confortos e conveniências modernas, enquanto observa o funcionamento de sua válvula pilórica, que reage fortemente a todos os incidentes.

Os outros personagens principais do livro, Myrna Minkoff e Irene Reilly, são esplendidamente construídos e, se é difícil dizer mais, explico o motivo: Uma Confraria de Tolos é o mais engraçado dos livros e não devo contar suas piadas neste espaço. Por exemplo, seus encontros com a polícia… Não, melhor não ir adiante.

Reilly tem muito de Toole. O autor também sofreu com uma mãe dominadora e tinha uma visão pessimista de um mundo que não entendia.

Sem encontrar uma editora para publicar o livro e sofrendo de graves crises de depressão, Toole cometeu suicídio em 1969, aos 31 anos. Sua mãe encontrou uma cópia do manuscrito entre os papéis do filho e lutou por muitos anos para conseguir uma editora. Uma Confraria de Tolos foi finalmente publicado nos Estados Unidos em 1980. No ano seguinte, Toole ganhou um Pulitzer póstumo. Nada mais merecido.

Durante o verão passado, minha filha de 17 anos pegou casualmente o livro em nossa biblioteca. Dias depois, ela voltou com uma pequena e significativa frase: “Pai, foi o melhor livro que li até hoje”.

Eu não disse?

Ospa: um novo (e equivocado) conceito de Concerto para a Juventude

Thiago Santos: sabendo que lugar de regente é ao lado da orquestra

Ontem, não teve concerto da Ospa. Porém, no último domingo, às 11h da manhã, minha mulher me acordou cheia de carinhos. Ela estava me enganando, porque não queria nada comigo: sua real intenção era a de me arrastar ao Salão de Atos da UFRGS. O programa não se parecia nem um pouco com aqueles dos Concertos para a Juventude do passado. Nada de programinhas simples, divertidos e dominicais para as famílias que estavam ou que iriam depois ao Parque da Redenção ali ao lado. Nada de programas pré-prandiais. O programa era totalmente adulto, destinado a… Bem, não sei a quem.

O que sei é que o horário e a discutível grife “Concerto para a Juventude” têm sido usados como escoadouro para que os vencedores dos Concursos Jovens Solistas possam enfim apresentar-se. Deste modo, o Concerto para a Juventude vê-se transformado em Concerto DA Juventude. Gostei mais da atuação sóbria do regente Thiago Santos do que de sua escolha da lastimável Abertura da Ópera Oberon, de Carl Maria von Weber para iniciar o concerto. Não chega a ser surpreendente que esta ópera tenha sido um rotundo fracasso. A Abertura já recomenda a fuga. É a música de um alemão que tenta ser italiano. Não dá certo.

Apesar da excelente performance do violista Gabriel Polycarpo — magérrimo e engraçado como só os pós-adolescentes conseguem ser, com um casaco grande demais para o cabide, tendo ficado cada vez mais torto durante a execução — , pô, convenhamos, o Concerto para Viola, Op. 1 de Carl Stamitz deve ser exigência de professor. Talvez seja muito bom para desenvolver a técnica do violista e o guri saiu-se bem demais, mas que musiquinha sem graça!

Thomas Pires: Alongamentos para o pescoço e bons solos

Já Thomas Konig Pires entrou nervoso, fazendo execícios para um pescoço certamente tenso. Coçou também as costas, impulso incontrolável em pessoas brilhantes e cheias de conteúdo (explico: tenho a mesma mania, coço as costas quando falo em público; então Thomas é um gênio). Então, ocorreu a mágica. Logo na primeira intervenção viu-se que o moço sabia o que tinha vindo fazer. O que eu antecipava como uma série de solos nervosos deu lugar a uma série de solos percussivos de alta qualidade. Eram as Tres Danzas Concertantes, do cubano Leo Brouwer, outra escolha meio estranha, mas vá lá.

A melhor obra da manhã foi Tributo a Portinari, de César Guerra-Peixe, certamente uma escolha de Thiago Santos, um bom jovem regente que tem a característica de saber receber os aplausos — fora do estrado, ao lado e ao nível dos músicos, demonstrando uma falsa vontade de ser como eles, como diria o Lebrecht. Mas é educado fazer isso!

Gabriel Polycarpo: Excelente violista formado na Escola da Ospa

É óbvio que a Ospa deve arranjar outro horário para seus Concertos da Juventude, mantendo os antigos Concertos para a Juventude com seus repertórios simples de trechos de obras do gênero João Carlos Martins, só que com que alguém mais barato, talvez um neobelardi inventado. Lembro da época em que a Ospa apresentava seus jovens solistas em concertos noturnos, muito mais adequados ao tipo de repertório normalmente escolhido. E lembro do tempo da Escola de Música da Ospa, onde estudou este ótimo Gabriel Polycarpo. Mistura de programa social e produção de material humano qualifica para as orquestras, a Escola está paralisada, prejudicando o aparecimento de novos gabriéis e deixando ociosos músicos que deveriam repassar sua experiência e conhecimento. Mas vou parar por aqui a fim de não me irritar, OK?

Um passo-a-passo para você se livrar da turma de Giovanni Luigi Calvário pela internet e receber a Scarlett Johansson em casa

Colorado,

No dia 15 de dezembro acontecerá a eleição do Inter. Apesar do presidente já ter sido eleito em 1° turno, é muito importante que você vote para o Conselho Deliberativo, elegendo os conselheiros que irão fiscalizar o trabalho da diretoria e em 2014 decidirão se haverá ou não 2° turno. Por isso da importância de votar na Chapa 3 do Convergência Colorada.

Se você, por exemplo, mora no interior ou prefere votar pela internet, ATENÇÃO: é necessário ativar sua opção de voto pela internet até o dia 18 de novembro (domingo). Faça sua confirmação o quanto antes. Para isso, acesse: https://www.votainternacional.com.br/votacao

Caso não tenha ou não lembre da sua senha de acesso, recupere-a em seu e-mail:

http://www.internacional.com.br/socios/lembrar_senha.php

Siga os 3 passos para: 1) optar pelo voto na internet; 2) confirmar dados pessoais e,  3) receber e-mail de confirmação. Clique no 1° link da mensagem de e-mail recebida e guarde a mensagem para votar dia 15/12/2012 pelo 2° link da mesma mensagem.

Quem pode votar

Pode votar quem se associou até o dia 31 de dezembro de 2010, estiverem em dia com suas mensalidades até o dia 31 de outubro de 2012, maior de 16 anos completados até o dia da eleição (15/12/2012), nas categorias Beneméritos, Remido, Patrimonial, Paraninfo, Contribuinte e adquirentes de título patrimonial não remido do Parque Gigante, admitidos antes de 13 de novembro de 1990.

Mais informações, dúvida ou qualquer problema, ligue para o CAS – Central de Atendimento ao Sócio: (51) 3230-4600

Siga o passo-a-passo:

No site do Inter, clique na barra “Eleições 2012”:

Ou acesse direto o site http://www.votainternacional.com.br. Lá, vá na opção “Como votar”:

Leia as instruções e acesse https://www.votainternacional.com.br/votacao:

Digite seu número de matrícula (só os números, sem pontuação) e senha. Caso não lembre a senha, clique em “Lembrar senha“, para recuperá-la por e-mail:

Já logado no site, opte pelo voto na internet:

Confira e confirme seus dados pessoais:

Uma instrução avisará que foi enviada confirmação ao seu e-mail:

Acesse seu e-mail. Na mensagem do Inter, clique no 1° link para finalmente ativar seu voto. E guarde a mensagem para acessar a votação no dia 15/12 (no endereço do 2° link):

Fonte: Blog da Convergência Colorada

Depois receba a Scarlett Johansson em casa:

Para os homofóbicos pensarem sobre a amplitude das "anormalidades"

Pinguins homossexuais se tornam pais

Eles receberam um ovo rejeitado por uma fêmea – o filhote nasceu saudável e está sendo cuidado pelos novos papais

Os famosos pinguins homossexuais do zoológico Odense, na Dinamarca, agora são papais. Após expressarem a vontade de terem um filhote (seus veterinários contam que o casal tentava roubar ovos de outros pinguins), eles receberam um ovo para chamar de seu.

Os pais biológicos do ovo doado haviam rejeitado, já que a fêmea havia botado dois ovos – e os pinguins cuidam de apenas um por vez. Como os pinguins homossexuais já haviam praticado a incubação com um ovo artificial, doado pelos veterinários, eles receberam o ovo de verdade e o incubaram com sucesso.

Agora, os papais já cuidam de seu filhote recém-nascido. O sexo do pinguinzinho ainda não pode ser determinado (é possível saber apenas após os primeiros 9 meses de vida).

Essa espécie é conhecida como Pinguim-Imperador. Eles são os maiores pinguins conhecidos, podendo medir até 1,20 metro. Vivem na região da Antártida.

Confira as imagens da mais nova família do Zoo Odense (fotos de Ard Joungsma / Odense ZOO):

A migração dos cinemas de Porto Alegre (Final)

Finalizamos aqui nossas visitas aos antigos cinemas de Porto Alegre. Não obtivemos todas as fotos necessárias para se façam as comparações entre o então e o agora de cada endereço, mas acreditamos ter feito um bom levantamento acerca da situação daqueles prédios, alguns deles derrubados, outros reformados, reaproveitados ou abandonados.

Sabemos que faltaram algumas salas. O principal motivo é que não encontramos registros fotográficos de alguns cinemas. Em outros casos, havia dúvidas até acerca de seus endereços.

Como curiosidade, vale informar que, para a edição de hoje, nosso fotógrafo estagiário, Bernardo Ribeiro, percorreu, de cinema fantasma em cinema fantasma, exatos 41,5 Km em sua bicicleta.

Leia e veja mais:

— A migração dos cinemas de Porto Alegre (Parte 1 – Centro)
— A migração dos cinemas de Porto Alegre (Parte 2 – alguns bairros)

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O cinema Marrocos ficava na Av. Getúlio Vargas, no bairro Menino Deus, quase esquina com José de Alencar.

Verdadeiramente imenso, azul e absolutamente frio durante o inverno, foi inaugurado em 26 de setembro de 1953. Fechou em 30 de junho de 1994.

Hoje é uma garagem, como vemos abaixo, na foto de nosso leitor Fernando Guimarães.

Além da garagem, há uma farmácia, pequenas lojas e, sobre o velho cinema, um restaurante.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

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O Coliseu é de 1915 e ficava na Av. Voluntários da Pátria, esquina com a Pinto Bandeira, junto à Praça Osvaldo Cruz.

Esse prédio lindíssimo era um cinema para 3000 lugares

Hoje abriga a loja Du Pé, além de outras casas e salas comerciais.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

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Em 24 de junho de 1914 surgiu o Colombo, na Av. Cristóvão Colombo, nº 1370.

Nada mais resta dele.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

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Em 1952, foi aberto cinema Miramar na rua Aparício Borges, nº 2730, quase esquina com av. Bento Gonçalves, bairro Partenon.

O Miramar em 1978
O Miramar em 1978

 Hoje é uma loja da Piccadilly.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

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Em 16 de dezembro de 1957, é inaugurado o Pirajá, na Av. Bento Gonçalves. Fomos informados que ficava na  esquina com a rua Teixeira de Freitas, no bairro Partenon e que lá haveria hoje uma loja de ferragens.

Observando a foto abaixo, concluímos que o prédio não ficava exatamente na esquina, mas era o segundo. Aquele cuja foto abaixo só mostra parcialmente, à esquerda. Durante a semana substituiremos a foto.

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O cinema Rey abriu em 26 de junho de 1954, na av. Assis Brasil, nº 1894, na Volta do Guerino, bairro Passo D’Areia.

O cinema deixou de funcionar em agosto de 1980. No seu lugar foi construída a loja Empo.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

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O cinema Teresópolis é de 1953. Ficava na Av. Teresópolis, 3235.

Em seu lugar, hoje há uma agência da Caixa Econômica Federal.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

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Mesmo depois de muitas tentativas, não conseguimos fotos do valente, artístico e sofisticado Palermo, sala do centro da cidade, na Av. Sete de Setembro.  O cinema é de 1953 e não sabemos quando foi fechado. Hoje, temos em seu lugar a Garagem Ceres.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

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O Mônaco foi efêmero. Iniciou suas atividades em 1958 com Corações em Angústia e fechou em 1960. Não encontramos imagens antigas do Mônaco.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

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O Brasil era de 1943 e não há fotos suas. Ficava na Av. Bento Gonçalves, 1960, esquina Cel. Vilagran Cabrita, no Partenon.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

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O brioso e duradouro Gioconda permaneceu em atividade entre os anos de 1925 e 1972. Abriu com o pouco comercial nome do bairro: era o Cine Tristeza. Ganhou o nome da obra de da Vinci em 1934. Ficava nas proximidades da rua Armando Barbedo. Inclusive há ali uma rua chamada “Beco do Cinema Gioconda”.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

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Finalizamos com o pequeno Tamoio. Nasceu em 1957 no número 2129 da Av. Cavalhada. Casa para 600 lugares, hoje abriga os vazios e as picanhas da boa Churrascaria Kasarão”. Quem entra na churrascaria, logo nota o cinema que ali havia.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

Os atuais donos projetam imagens de TV na antiga tela.

Foto: Milton Ribeiro / Sul21

Os loureiros estão cortados, de Édouard Dujardin

O belíssimo livro da editora Brejo

Édouard Dujardin é o inventor do monólogo interior, também chamado de fluxo de consciência. A técnica, cuja invenção e utilização são normalmente atribuídas a Joyce, foi creditada pelo irlandês a Dujardim (1861-1949), assim como também parte de sua inspiração para escrever Ulysses. E paramos por aí, pois o livro do simbolista francês não tem nada a ver com uma leitura de Joyce. Apesar de ser bem mais que um tuíte, o livro de Dujardin está mais para a curiosidade histórica ou para uma aula de como tudo isso começou. Publicado em 1888, Os loureiros estão cortados (Brejo Editora; 2005; 117 páginas) acompanha os pensamentos de um jovem que, durante seis horas, caminha por Paris à espera de sua amante. A história é interessante, pois o homem morre de medo da bela mulher que o suga financeiramente.

É um bom livro, simples, fácil de ler, mas é arqueologia literária, trampolim para escritores maiores, como Woolf, Faulkner, Joyce e meio mundo. O engraçado é que o autor francês definiu seu achado:

Discurso sem interlocutor e não pronunciado através do qual um personagem exprime seus pensamentos mais íntimos, mais próximos do inconsciente, anteriores a qualquer organização lógica, isto é, no seu estado original, por meio de frases diretas reduzidas à sintaxe mínima, de maneira a dar a impressão de não terem sido elaboradas.

Menos, Dujardin, menos. Quem conseguiu foram outros. Teu texto parece prosa poética. Menos.

P.S. — Ah, a capa do livrinho é linda!

Esquina maldita, de Paulo César Teixeira

Delicioso relato sobre uma das mais frutíferas esquinas de Porto Alegre. No encontro entre as avenidas Osvaldo Aranha e Sarmento Leite, havia quatro bares que eram frequentados por universitários e intelectuais durante as décadas de 60 e 70. Dentre eles, havia um jovem homônimo que por ali esteve em incontáveis noites entre os anos de 1975 e 1982, sempre fiel ao Alaska e a seu garçom Isake, todos abençoados pelo seu Alfredo, que comandava tudo lá do fundo. Esquina Maldita (Libretos, 2012, 215 páginas) analisa cada um dos bares, suas histórias, características e personagens. Considerando o que é hoje a vida cultural de Porto Alegre, pode-se dizer sem exageros que quase todo mundo que hoje tem entre 50 e 70 anos formou-se na Esquina, mais exatamente no Alaska. Como escreve o autor Paulo César Teixeira, havia dois grandes grupos naqueles bares: o dos que pretendiam transformar o mundo e o dos que propunham revolucionar a própria vida. Diria que havia um terceiro, o dos agentes da ditadura, que nos visitavam, revisitavam e revistavam-nos com enorme frequência. Foi uma época da qual não me arrependo.

Minha memória conta que eu ficava entre os dois grupos descritos pelo Paulo. Estava encantado pela recém descoberta liberdade sexual e mobilizado pela necessidade de mudar o país. Muitos de meus parceiros de mesa foram para a luta armada; outros não. O jornalista Carlos Leonam inventou um termo genial para caracterizar “o meu tipinho”: eu fazia parte da esquerda festiva — estudantes, artistas e intelectuais que davam palpites sobre tudo e brigavam com aqueles que tomavam parte em ações contra o regime militar, defendendo outros gêneros de mobilizações. Hoje, ânimo serenado, admito que preferia derrubar o governo em bares e festas, às vezes aos cochichos para que os possíveis ratos não ouvissem, às vezes em brindes ruidosos. Depois, com os anos, as mulheres começaram a aparecer por lá e a expressão de Leonam deveria ser de alguma forma ampliada.

Sim, tergiverso. Afinal, estou aqui é para dizer que Esquina Maldita é uma belíssima crônica de uma época que mudou a cara de Porto Alegre. Talvez isso sirva como espantalho para meus sete leitores, mas confessarei: fui entrevistado durante a pesquisa de Paulo César e estou lá em três trechos.

(Acho que aprendi a falar sobre literatura dentro do Alaska. Saía de lá quase todas as noites discutindo alguma coisa pela Osvaldo Aranha. Lembro de observar, bêbado, as palmeiras ao vento, iluminadas. Lembro de muito mais. Inclusive de discutir Faulkner com uma menina loira nos anos 70. Eu era razoavelmente efetivo porém tímido — ou enrolado. Quando chegamos à aquele ponto onde a Osvaldo Aranha entorta, próximo da Garibaldi, ela me disse para eu parar de falar de Luz em Agosto e de O Som e a Fúria. Em seguida, perguntou quando nós iríamos para “as vias de fato”. Assim era a Esquina Maldita).

Ontem foi a noite de autógrafos do livro — estive lá. Hoje, há o complemento necessário: um pós-lançamento no Bar do Marinho (Sarmento Leite, 964). O evento está recebendo o nome de Confraternização e Homenagem ao Isake, o genial e memorioso garçom do Alaska.

Senhores Conselheiros: não soneguem aos sócios a oportunidade da manifestação democrática

Por Bruno Zortea
Advogado e sócio colorado Nº 545.022, matrícula 087125.00

Estamos nos aproximando de uma decisão importantíssima para o Sport Club Internacional. Contudo, esta não passa pelo gramado, nem pelas hoje quase ausentes arquibancadas. Amanhã, quinta-feira (8), os rumos do clube serão decididos nas entranhas do Conselho Deliberativo, onde se dará a disputa entre as três chapas postulantes ao comando do clube no próximo biênio.

O evento de amanhã deveria ser apenas o prólogo da eleição real, aquela em que os associados do clube do povo decidem quem serão os merecedores de conduzirem sua paixão pelos dois anos seguintes. Porém, e há sempre um porém em tudo, corremos o seríssimo risco de vermos este inalienável e sagrado direito de escolha retirado de nós por questão burocrática. Com efeito, a previsão da chamada cláusula de barreira — a qual só dá acesso ao segundo turno a dois candidatos com mais de 25% dos votos no Conselho — visa evitar a participação no pleito final de algum “aventureiro” ou “cabeça-de-bagre” que pretenda apenas aparecer, tumultuar e dificultar a escolha do associado. Por falar em “cabeça-de-bagre”, lembramos que dirigente ruim é como jogador ruim, uma hora acabará jogando e comprometendo.

Entretanto, a meu juízo, não é o que se verifica entre os três postulantes ao cargo máximo do Colorado, vez que são pessoas sabidamente comprometidas com seus projetos para com o Internacional há muitos anos e que representam correntes consolidadas dentro do clube.

A grande questão é a possibilidade de apenas um dos candidatos romper a tal barreira e redundar numa patética eleição indireta, totalmente à revelia das bases democráticas de uma instituição que conta com mais de 100 mil sócios. Ou devemos considerar que o associado é tão somente uma massa de manobra que deve apenas pagar a mensalidade, torcer para que o conselho acerte na escolha e ser posteriormente convocado a apoiar o time de forma incondicional, até quando é derrotado por “rebaixatários” dentro do Beira-Rio?

Contra isso eu me ergo, como devem se insurgir todos os associados, sem procurar desafetos. Não podemos admitir que os escolhidos para o comando do glorioso Internacional não passem pelo crivo do voto direto. Essa eleição precisa ser decidida no pátio. Vivemos uma fase de transição e a próxima direção não pode iniciar a necessária reformulação no elenco sem o respaldo da torcida.

É inegável que muitíssimos erros foram cometidos, que este foi um ano perdido, mas se os dois próximos também o forem, só teremos outra oportunidade de mudar o presidente após a Copa de 2014! O grande problema que viceja no Internacional hoje parece ser uma deletéria mistura de ressaca, continuísmo e conformismo, na expectativa de que alguma solução mágica nos recoloque na senda de vitórias.

Não acredito que o atual modelo de gestão se encontre ultrapassado ou esgotado — pelo contrário, estratégias semelhantes se mostram altamente eficazes em outros clubes — , a questão é que os atuais mandatários não souberam ou não puderam traduzir seus atos e investimentos em um time. Alguém se aventura a lembrar a ultima atuação convincente do Internacional? Estamos tão saturados com o conformismo que já sabemos de antemão as desculpas para os constantes reveses. Ninguém mais aguenta o “pensar jogo a jogo”, as lesões, as convocações, a defesa dos atletas “com biografia”, etc.

As últimas notícias, por exemplo, confirmam a total falta de rumo no comando do futebol: um atleta que há pouco tempo foi nosso capitão (vai entender), hoje se especula que será dispensado; outro que também foi nosso capitão e que estava totalmente fora dos planos — talvez por decisão própria — deve jogar no próximo domingo. Cadê a convicção, onde está a política de futebol? Daqui a pouco deverão começar a falar em grupos dentro do vestiário. Da mesma forma, o modo como foi tratada a questão com a Andrade Gutierrez traduziu-se em meses de angústia da torcida, corneta e exposição negativa de nossa imagem.

Resumindo, a torcida colorada merece, após este ano medíocre, o direito de ir às urnas e indicar por quem pretende torcer, vaiar ou cornetear nos próximos dois anos. O momento é sim de união, mas não entre os diversos movimentos políticos do clube e sim entre este e a sua apaixonada torcida. É preciso que a próxima gestão possua legitimidade, e esta, convenhamos, não advém dos salões acarpetados do conselho, e sim do primitivo cimento do pátio, irmão da arquibancada, onde a torcida tantas vezes se somou ao time em suas conquistas.

Senhores Conselheiros, da mesma forma que não vamos a campo pelos jogadores e sim pela camisa, não iremos às urnas pelos senhores, mas sim pelo glorioso Sport Club Internacional.

Por favor, não nos soneguem a oportunidade desta importante manifestação democrática. Não aprontem mais essa. Segundo turno já!

Elliott Carter (1908-2012)

Elliot Carter

Faleceu ontem em Nova Iorque o compositor americano Elliot Carter poucos dias antes de completar o seu 104º aniversário. Carter é alguém muito particular: conseguia ser totalmente atonal e manter grande lirismo.

Ele foi extremamente produtivo em seus últimos anos. Publicou  mais de 40 obras, entre seus 90 e 100 anos e mais de 14  depois que ele fez 100 em 2008, sem baixar a qualidade. Nas entrevistas abaixo, Carter nos ensina um monte de coisas.

http://youtu.be/Zzs8Ov2p-Rc

Discurso de Thomas Bernhard ao receber o Prêmio Nacional Austríaco de Literatura

(Trecho de Meus Prêmios – Companhia das Letras, 111 págs. Nada como um agradecimento, digamos, emocionado…):

“Ilustre senhor ministro, ilustres presentes,

Não há nada a louvar, nada a amaldiçoar, nada a condenar, mas muito há de ridículo; tudo é ridículo quando se pensa na morte.

Vai-se pela vida, perturbado, imperturbado, atravessa-se a cena, tudo é intercambiável, escolado em maior ou menor grau no Estado feito de adereços: um equívoco! Compreende-se: um povo sem noção de nada, um belo país – são pais mortos ou de uma conscienciosa inconsciência, gente simplória e vil, com a pobreza de suas necessidades… É tudo uma história pregressa altamente filosófica e insuportável. As épocas são imbecis; o demoníaco em nós, um cárcere pátrio permanente, no qual os elementos da burrice e da falta de consideração se transformaram em necessidade básica cotidiana. O Estado é uma construção condenada para todo o sempre ao fracasso; o povo, à infâmia e à fraqueza mental ininterruptas. A vida é desesperança, na qual se apoiam as filosofias, um desespero que, em última instância, conduz todos à loucura.

Nós somos austríacos, somos apáticos; somos a vida sob a forma de um desinteresse abjeto na vida, somos, no processo da natureza, a megalomania sob a forma de futuro.

Tudo que temos a relatar é que somos deploráveis, presas, pela força da imaginação, de uma monotonia filosófico-econômico-mecanicista.

Um meio cujo fim é o declínio, criaturas da agonia; se algo se explica, não entendemos. Povoamos um trauma, temos medo, temos o direito de ter medo, porque logo vemos, ainda que ao fundo, sem nitidez, os gigantes do medo.

Tudo que pensamos foi pensado depois; o que sentimos é caótico; o que somos não está claro.

Não precisamos nos envergonhar, mas afinal não somos nada e não merecemos nada além do caos.

Em meu nome e em nome dos demais agraciados, agradeço ao júri e, expressamente, a todos os presentes.”

via

A morte de minha mãe e a eutanásia ausente

Minha mãe em 2007.

Este blog serve para várias coisas. Há as resenhas, as mulheres, o futebol, o cinema, as provocações e piadas, alguns comentários objetivos, mas quem tem um blog sempre acaba fazendo textos pessoais ou deixando escapar opiniões que jamais externaria em um meio mais formal, como, por exemplo, um jornal. Como minha mãe morreu na quarta-feira passada, 31/10, é natural que faça comentários sobre isso em meu espaço. Quanto mais não seja pela simples razão de que,  obviamente, é um dos assuntos mais presentes em meus pensamentos nestes dias.

A morte de minha mãe veio após longa doença e acredito que seu sofrimento deveria ter sido mais curto, ou seja, deveria ter sido dada à família a opção da eutanásia. Ela faleceu aos 85 anos e sofria, desde 2004, de uma doença muito parecida e irmã do Mal de Alzheimer: a Demência por Corpos de Lewy. Vários amigos que tiveram casos de Alzheimer ou de Lewy me alertavam para eu me preparar. Em fevereiro de 2007 — após uma queda em casa — ela passou a não mais caminhar. Também deixou de construir uma frase de mais de quatro palavras, raramente com sentido. Certa vez, chamei-a aqui de “minha bobinha feliz”. Ela vivia uma vida de total dependência, mas parecia satisfeita. Sua grande alegria era comer e nisto não se diferenciava muito de mim… Só que a doença seguia seu devastador curso e ela passou a simplesmente não interagir com as pessoas, até comer comia de olhos fechados. E, a partir de maio de 2011 — um ano e meio atrás — foi-lhe tirada sua única alegria.

Como ela não se dava conta mais de mastigar e engolir, parte do alimento ficava por muito tempo em sua boca e acabava indo para o pulmão. Este passou a funcionar muito mal. A asma eventual que ela sempre teve passou a ser regra. Eram várias nebulizações por dia, mas isso é apenas uma parte do problema. Foi-lhe colocada uma sonda. A comida passou a vir de uma garrafa plástica que ficava no alto de sua cadeira ou da cama e a ela ganhou um tubo de oxigênio para poder respirar.

Ou seja, minha mãe não interagia — foram meses e meses de visitas em que ela ficava de olhos fechados e, quando os abria, não acompanhava as pessoas, nem quando dirigíamos a palavra a ela — , não sentia o gosto de sua derradeira alegria — a comida — e respirava com auxílio de aparelhos. Uma mulher que era um furacão, como escreveu minha mulher no post abaixo, perdera toda a dignidade. Como se não bastasse, volta e meia agitava-se muito e confusamente, pois, apesar do oxigênio auxiliar, tinha fortes  crises asmáticas. Seu estado variava entre a completa apatia e zero de interação — suas maiores reações eram à temperatura da água durante o banho — e o sofrimento visível. Tinha a impressão de que ela gostava de ser beijada nas bochechas e na testa, mas é claro que nisto havia muito de desejo meu.

Digam-me, por favor, para que tudo isso? Por que minha mãe teve que sofrer tanto? Sei que não é permitida a eutanásia em nosso país, mas passei os últimos 18 meses querendo que ela fosse sedada e que fosse permitida à natureza agir. Era de opinião que deveriam cessar todas as ações que tivessem como objetivo prolongar sua vida. Todos trabalhavam em torno dela como se ela fosse se recuperar, mas só havia sofrimento naquela pessoa que mal parecia ser a Maria Luiza que conhecíamos. Durante o período, ela foi extremamente bem tratada. O pessoal da Villa Argento fez um trabalho magnífico. Ela passava todo o tempo deitada ou sentada, amarrada para não cair. Apesar disso, recebia tais cuidados que nunca teve escaras ou quaisquer sinais de mau tratamento. Minha irmã e eu sempre concordamos em lhe dar o mesmo que ela sempre nos deu, ou seja, tudo o que fosse possível, mas nunca imaginei aquele cenário. Este era o do sofrimento diário e confuso. Ela devia não entender de onde via a dor, o desconforto e a impossibilidade de respirar.

Para que meus sete leitores tenham uma ideia: na última visita que fiz a ela, acompanhado de minha filha e de minha mulher, ambas saíram de lá chorando. E, na minha opinião, ela estava muito bem naquele dia, respirava sem muito ruído e, bem, era um corpo tranquilo. Só. Como estava acostumado a coisas muito piores — grande agitação e forte asma — estava saindo de lá quase feliz, o que é um conformismo absurdo. Através de minhas acompanhantes, vi o estado de minha mãe.

Mas lhes digo uma coisa: toda vez que ia lá — não ia todos os dias — , mesmo que parecesse normal, acabava o dia em frangalhos. Alguma coisa do que via lá acabava penetrando em mim de tal forma que ia dormir mais cedo. Com certa indignação misturada à ironia (sou assim e não vou mudar), pensava: “hoje fui ver minha plantinha e fiquei desse jeito. Que merda”.

Passei meses desejando que alguém pudesse realizar NÃO um ato que provocasse a morte, mas nenhum que a impedisse. Porém, é claro, a Dra. Maria Luiza foi até o último dia segundo as regras da “ética” vigente. Tal fato tornou seu fim muito mais longo e sofrido para todos, principalmente para ela.