Ontem, estava saindo do Guion Cinemas, olhei para fora e vi toda aquela chuva com o reflexo das luzes no chão do Nova Olaria. Pensei num dia em que estava viajando com a Elena e ela não voltava e não voltava. Estávamos em Londres e chovia aquela chuva de lá, que raramente é forte. Poucos usam guarda-chuvas na capital britânica, mas a Elena detesta chuva e seria bem capaz de ficar esperando que passasse. Mas também poderia estar perdida ou refém de um comando terrorista. E eu no quarto do hotel, cada vez mais angustiado. Desci até a recepção e contei meu drama para o atendente. O cara achou graça e disse que ninguém se perdia em Londres. Então, pensei num mal súbito.
Sem aguentar esperar, dirigi-me até a frente do hotel e raciocinei sobre como deveria fazer para encontrá-la em seu caminho de volta, se ela não estivesse numa maca de hospital. E fui. Andei umas três quadras e a vi de longe, com seu andar calmo e deslizante de quem teve mãe bailarina. Fiquei com vergonha de minha histeria. E diminuí o ritmo dos passos para observá-la melhor. Roupa cinza, ela vinha com o casaco sobre a cabeça, protegendo-se da chuva fraca. Uma bonita figura. E lembrei de como ela não suportaria Macondo. Dias antes ela tinha me dito que seu livro preferido na juventude fora uma edição russa de Cem Anos de Solidão de um tal Márquez. Como ela disse só o último nome do autor, eu achei que ela falava em Marx. Aí eu expliquei que aqui se dizia García Márquez.
Mas não tive tempo de seguir conjeturando porque tive que abrir meus braços para ela.
Shostakovich amava o futebol e, quando podia, ia aos estádios para ver seu o Zenit, de São Petersburgo jogar. Na Suíte Russkaya reka (Rio Russo), Op. 66, há um movimento chamado Futebol, no qual ele tentou representar musicalmente nosso querido esporte bretão. O resultado é uma correria. Jamais deve ser esquecido que Shostakovich, quando jovem, no início do século passado, ganhava trocados atuando como pianista de cinema mudo.
Parabéns! Finalmente demitiste Argélico Fucks após manter por quase um ano este falso técnico de futebol, alguém que apenas retirou minuciosamente todo e qualquer padrão de jogo do teu time, alguém que não sabia como dar dinâmica, sincronismo e passes certos à equipe, que olhava sem reação os erros e que não sabia porque às vezes ganhava. Agora, o Sr. agora tem a chance de acertar.
Eu pensei que, depois de termos visto o Inter jogando horrivelmente no final do ano passado, o Sr. não entraria 2016 com Argélico. Mas entrou e hoje sabemos que a remontagem será MUITO complicada. Estamos há mais de um ano sem fazer uma partida decente e o novo técnico receberá apenas ruínas. Nada está montado, treinado. O Inter é uma bagunça só. Precisamos de um mágico. Mas não creio que ilusionismo funcione.
Ontem, Argel chegou ao clímax da incompetência. Depois de jogos onde fizemos 47 cruzamentos (Inter x Botafogo) para atacantes nanicos, tivemos um gigante como centroavante. E só demos chutões, pouquíssimos cruzamento… Eu dava risadas vendo o jogo, era de rir, meu caro Derrotório, de rir.
Para não cairmos para a segunda divisão, faço qualquer negócio. Aceito até Celso Roth em contrato até 31 de dezembro de 2016. Mas que venha um profissional que já fez trabalhos consistentes e com assinatura, nem que seja em times médios. E, por favor, não faça com que teu novo técnico entre 2017 adentro, meu caro Derrotório. Pois está na cara que tu não serás reeleito.
Boa sorte, querido. Pense na possibilidade de rebaixamento e acerte desta vez.
A Prêmio Nobel da Literatura 2015 foi a estrela da Festa Literária Internacional de Paraty. É uma mulher cansada das guerras e das tragédias e que encontrou um novo tema para o próximo livro: o amor.
“Sobre a guerra não vou conseguir escrever mais. Disso tenho a certeza”, atirou Svetlana Aleksiévitch do palco da Tenda dos Autores da Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP). Em resposta, ela ouviu o silêncio na plateia de 850 lugares que na noite de sábado abarrotava os assentos. Lá fora, uma multidão que não conseguiu bilhete juntou-se, sentada ou de pé, em frente ao telão gigante onde é transmitido gratuitamente o que se passa no palco principal: mais de 1800 pessoas, segundo números da organização. Ao mesmo tempo, decorria à porta da tenda uma manifestação contra a ausência de autores negros na FLIP e contra o presidente interino Michel Temer. Momentos antes, também um grupo de mulheres se passeara na sala, em silêncio, segurando lenços brancos onde se lia “Ana Cristina Cesar era gay”, em protesto contra a abordagem da FLIP à autora homenageada desta edição.
Em russo, com a sua voz pausada, o inconfundível cabelo ruivo, e enfiada num fato salmão, a Prêmio Nobel da Literatura de 2015 continuou a explicar, numa conversa conduzida pelo jornalista e editor da revista Serrote, do Instituto Moreira Salles, Paulo Roberto Pires, que “os homens não gostam muito de ter mulheres na guerra, principalmente mulheres que escrevem”.
A autora de A Guerra Não Tem Rosto de Mulher (Companhia das Letras) recordou que estava na guerra do Afeganistão a fazer o seu trabalho de jornalista, acompanhada por um coronel bem cínico, quando lhe mostraram uma arma que lhe pareceu muito bonita: “É horrível dizer isto, mas era mesmo uma arma bonita, moderna, via-se que quem a construiu passou bastante tempo a pensar na melhor maneira de matar outro homem.” O coronel olhou para ela de cima para baixo e respondeu-lhe que sempre que a dita arma era disparada era preciso depois raspar do asfalto, com uma colher, o corpo abatido.
Algum tempo mais tarde, num dia em que faziam mais de 40 graus, o mesmo coronel levou-a a um local onde a arma tinha sido utilizada para matar os seus soldados, dos quais tentavam recuperar os corpos para enviar alguma coisa às famílias. “Eu tenho cultura russa, acredito que temos de ser verdadeiros até ao fim. Mas não sou uma super-mulher, sou um ser humano normal. Quando lá cheguei com aquele calor e vi aqueles pedacinhos de corpos espalhados pelo chão, desmaiei. Mas ao mesmo tempo tinha de voltar para casa e escrever aquilo tudo. E depois alguém vai perguntar: como é que sobreviveu no Afeganistão?”.
Pausa para respirar fundo antes de continuar: “É muito difícil responder. Não sei como sobrevivi a essas experiências, sofri muito, não consigo sequer visitar lares de crianças abandonadas. Antigamente eu ia para os hospitais onde havia homens sem braços, sem pernas, hoje em dia não consigo. Mas sei que o me salvava, o que me salvou: é que eu amo a vida. Temos a que nos apegar.”
O amor, “a única saída”
A Nobel bielorrussa, agora com 68 anos, sabe que nunca mais voltará a esses lugares. “Não fui à Tchechênia porque não podia ver mais um ser humano assassinado por outro ser humano que não gostou do que ele pensava, não conseguia sequer imaginar ver um corpo morto. Tudo o que quis dizer a respeito das guerras já o disse nos meus livros, e como autoproteção estou à procura de novas ideias.”
O novo livro que está a escrever, revelou, tem por tema o amor. “Mas também há uma certa guerra nisto, não posso dizer que esse assunto é muito fácil de tratar.”
Apesar de ter no seu currículo livros como Vozes de Tchernóbil, Svetlana diz que não coleciona tragédias. “Na verdade há muitas tragédias, mas ao mesmo tempo há crianças, flores, amor, pôr-do-sol… Na vida, há momentos em que se consegue ganhar força e continuar a enfrentar as dificuldades. Acho que tenho de passar, naquilo que faço, essa beleza. Os meus livros, mesmo convivendo com a tragédia, falam de amor, que é a única saída para nós.”
Além de Tchernóbil, Paulo Roberto Pires lembrou também a tragédia de Mariana, no Brasil, onde a ruptura de duas barragens operadas pela empresa mineira Samarco provocou um desastre ambiental. Réplica de Svetlana: “A humanidade ocupou o lugar errado dentro da natureza. É muita ingenuidade usar a força contra ela. Os índios no Brasil conhecem melhor a natureza do que nós, hoje em dia, com todas as tecnologias. O mundo precisa de uma nova filosofia de vida, se não esse progresso vai levar à nossa autodestruição.” E ainda: “Não acredito que o homem venha a ser salvo pelo homem racional, mas por um homem que venha a ter uma visão ampla e não veja só o progresso. Na nossa civilização só temos o homem-consumo. Daqui a alguns séculos, vão dizer o quanto éramos primitivos.”
A literatura de Svetlana Aleksiévitch é muito singular. Ao mesmo tempo que é documental, tem altíssima qualidade, fenômeno mais comum em ficcionistas. Aliás, a produção da escritora bielorrussa é única. Como boa jornalista que é, ela entrevista e abre aspas. Na verdade só faz isso, mas unifica os discursos sob um rigoroso filtro literário que dá forma e unidade a seus livros. Há anos divido com estudiosos a convicção de que a ficção é a única forma narrativa que roça a realidade. Aleksiévitch abala tal convicção. Talvez fosse melhor dizer que o texto literário — jornalístico ou não — é o único gênero de escritura que arranha os fatos. O resto são dados, contextualizações, circunstâncias, mas não é informação real. O habitat desta, desculpem, é o bom texto. E a diferença da escritora bielorrussa para seus pares é que seu texto não é apenas bom, é de um virtuosismo arrebatador.
Aleksiévitch não é uma escritora de eventos comuns nem de análise política, é uma historiadora de emoções. O que ela nos oferece é todo um mundo emocional. Vozes de Tchernóbil é uma obra coral. São centenas de depoimentos, um enorme painel de vozes reais, cada uma delas peça de um mosaico estarrecedor. É uma espécie de romance coletivo ou romance de evidências. As pessoas falam de si mesmas formando um contexto de pesadelo onde a radiação paira invisível, como um deus terrível, implacável. Vozes é uma montanha de pequenas histórias que recria a grande história, provando que a verdade está distribuída entre seus vários participantes e que a vida individual é mesmo algo ininteligível.
Para mim, é muito difícil escrever uma resenha que não seja gonzo. Tenho que participar dela, pois minha mulher conhece pessoalmente alguns dos entrevistados. Ela me trouxe fotos de uma delas, uma professora da Escola de Arte e Cultura de Moguilióv. Ou seja, vi fotos de minha Elena, de sua mãe e de uma pessoa “de Tchernóbil” tiradas poucos anos antes da explosão do reator. Mais: nestas vozes do povo bielorrusso reconheço várias posturas e piadas — sem nenhuma relação com a tragédia — que noto na casa onde moro hoje e onde amo ficar.
(Aliás, paralelamente, neste blog, tenho enorme vontade de acrescentar uma voz ao relato de Aleksiévitch).
A literatura da bielorrussa dialoga em vários níveis com a música. Há polifonia nos “corais” e, como na música, o mesmo tema é retomado diversas vezes sob diferentes abordagens. Lendo Vozes, pensei várias vezes nas Variações Goldberg de Bach, onde o tema é criativamente explorado de todas as formas possíveis. Cada voz que entra tem uma visão diferente, de onde só podemos concluir que há 7 bilhões de diversas perspectivas (ou cegueiras) em nosso planeta. Mas a união de todas elas parece tornar inequívocos os fatos e suas consequências pessoais… Olha, só lendo.
Aleksiévitch escreveu sobre Tchernóbil, sobre a Guerra do Afeganistão, sobre as mulheres remanescentes da 2ª Guerra Mundial e sobre o fim do homem soviético. É claro que é muito combatida em seu país e na Rússia, pois seus temas são sempre as pessoas comuns sofrendo sob o Leviatã. Mas não é surpreendente que agora vá escrever sobre o amor, porque o afeto, além da radiação, é onipresente como pano de fundo de Vozes.
Recomendo fortemente e nem precisaria. Afinal, sei de nove amigos que estão lendo o livro nestes dias. Svetlana Aleksiévitch diz que sua pátria é a Bielorrússia, terra de seu pai e onde viveu toda sua vida, mas que também é ucraniana, onde ela e sua mãe nasceram. Só que sua verdadeira pátria é a grande cultura russa, da qual autenticamente faz parte .
Já se passaram mais de três dias e eu ainda não desci. O recital de Mônica Salmasoe André Mehmari no StudioClio tirou-nos do chão de tal forma que ainda estou flutuando em perfeito conforto eufônico. Escrevo ainda com alguns centímetros a mais. Na saída do recital, ficamos conversando com Mônica e Mehmari como se não houvesse amanhã. Mônica pediu um Suco de Coruja, isto é, a cerveja Baca, da Coruja, e Mehmari disse que nunca a tinha visto com um copo daqueles na mão. Fotografou-a. Então, achamos — eu, Elena Romanov, Catia Nunes, Norberto Flach, Rovena e Francisco Marshall — que tínhamos realmente presenciado algo inédito.
Engano. Esta é a quarta vez que assisto um show de Mônica e foi sempre assim: voz linda, cheia de insuspeitados timbres, afinação perfeita, impecável senso de estilo e uma escolha de repertório de extremo bom gosto. E sempre com diferentes canções. Artista na mais gloriosa acepção do termo, ela sempre consegue criar um clima de tal eletricidade no ar que a gente sai da sala cuidadosamente para que nada estrague a sensação. Com simplicidade, ela se autodenomina uma “carola da canção”. Quando termina, nada mais natural do que aproximar-se de Mônica para garantir que não foi imaginação e que a moça que nos leva às alturas é mesmo de verdade. E conhecemos uma pessoa acessível e muito disposta a conversar — justo com a gente!
Haverá mais oportunidades para ver Mônica. Afinal, é só aqui no nosso Mercado Público que tem a rapadura preparada com melado enrolada em palha de milho que a avó dela ama.
E, para não esquecer, aí está a lista de canções do show:
Camisa Amarela (Ary Barroso)
Acaçá (Dorival Caymmi)
Tonada da Luna Llena (Simon Diaz)
Milagre (Dorival Caymmi)
Senhorinha (Guinga / Paulo C. Pinheiro)
Doce na Feira (Jair do Cavaquinho)
Pra que discutir com madame (Janet Almeida / Haroldo Barbosa)
Insensatez (Tom Jobim / Vinicius de Moraes)
Saruê (Sérgio Santos / Paulo Cesar Pinheiro)
Sinhá (Chico Buarque/João Bosco)
Pés no chão (Mario Laginha/Maria João)
Morro Velho (Milton Nascimento)
Modular Paixões (André Mehmari/Luiz Tatit)
Espelho (André Mehmari)
Tentar dormir (André Mehmari/Luiz Tatit)
Casamiento de negros (Rec. adap.Violeta Parra)
Baião de Quatro Toques(José Miguel Wisnik)
Canoeiro (Dorival Caymmi)
P.S. — O StudioClio é perfeito para este tipo de artista. Sala aconchegante e de boa acústica, a melhor de Porto Alegre.
Aos 88 anos, o filósofo e ensaísta denuncia que a má educação ameaça o futuro dos jovens
Primeiro foi um fax. Ninguém respondeu à arqueológica tentativa. Depois, uma carta postal (sim, aquelas relíquias que consistem em um papel escrito colocado em um envelope). “Não responderá, está doente”, avisou alguém que lhe conhece bem. Poucos dias depois, chegou a resposta. Carta por avião com o selo do Royal Mail e o perfil da Rainha da Inglaterra. No cabeçalho, estava escrito: Churchill College. Cambridge.
O breve texto dizia assim:
Prezado senhor,
O ano 88º e uma saúde incerta. Mas sua visita seria uma honra.
Com meus melhores votos.
George Steiner.
O professor de literatura comparada, o leitor de latim e grego, a eminência de Princeton, Stanford, Genebra e Cambridge; o filho de judeus vienenses que fugiram dos nazistas, primeiro a Paris e, em seguida, a Nova York; o filósofo das coisas do ontem, do hoje e do amanhã; o Prêmio Príncipe de Astúrias de Comunicação e Humanidades em 2001; o polemista e mitólogo poliglota e autor de livros vitais do pensamento moderno, da história e da semiótica, como Errata — Revisões de Uma Vida, Nostalgia do Absoluto, A Ideia de Europa, Tolstoi ouDostoievski ou A Poesia do Pensamento, abriu as portas de sua linda casinha de Barrow Road.
O pretexto: os dois livros que a editora Siruela publicou recentemente em espanhol. De um lado, Fragmentos, um minúsculo, ainda que denso compêndio de algumas das questões que obcecam o autor, como a morte e a eutanásia, a amizade e o amor, a religião e seus perigos, o poder do dinheiro ou as difusas fronteiras entre o bem e o mal. De outro, Un Largo Sábado, um inebriante livro de conversas entre Steiner e a jornalista e filóloga francesa Laure Adler.
O motivo real: falar sobre o que fosse surgindo.
É uma manhã chuvosa no interior de Cambridge. Zara, a encantadora esposa de George Steiner (Paris, 1929), traz café e bolos. O professor e seus 12.000 livros olham o visitante de frente.
Pergunta. Professor Steiner, a primeira pergunta é como está sua saúde.
Resposta. Ah, muito ruim, infelizmente. Já tenho 88 anos, e a coisa não vai bem, mas não tem problema. Tive e tenho muita sorte na vida, e agora a coisa vai mal, embora ainda tenha alguns dias bons.
P. Quando alguém se sente mal… é inevitável sentir nostalgia dos dias felizes? O senhor foge da nostalgia ou pode ser um refúgio?
R. Não, a impressão que se tem é de ter deixado de fazer muitas coisas importantes na vida. E de não ter compreendido totalmente até que ponto a velhice é um problema, esse enfraquecimento progressivo. O que mais me perturba é o medo da demência. Ao nosso redor, o Alzheimer faz estragos. Então, para lutar contra isso, faço todos os dias exercícios de memória e atenção.
P. E como são?
R. Você vai se divertir com o que vou contar. Eu me levanto, vou para o meu pequeno estúdio de trabalho e escolho um livro, não importa qual, aleatoriamente, e traduzo uma passagem para os meus quatro idiomas. Faço isso principalmente para manter a segurança de que conservo meu caráter poliglota, que é para mim o mais importante, o que define a minha trajetória e meu trabalho. Tento fazer isso todos os dias… e certamente parece ajudar.
P. Inglês, francês, alemão e italiano…
R. Isso mesmo.
P. Continua lendo Parmênides todas as manhãs?
R. Parmênides, claro… bem, ou outro filósofo. Ou um poeta. A poesia me ajuda a concentrar, porque ajuda a memorizar, e eu, sempre, como professor, defendi a memorização. Eu adoro. Carrego dentro de mim muita poesia; é, como dizer, as outras vidas da minha vida.
P. A poesia vive… ou melhor, no mundo de hoje sobrevive. Alguns a consideram quase suspeita.
R. Estou enojado com a educação escolar de hoje, que é uma fábrica de incultos e que não respeita a memória. E que não faz nada para que as crianças aprendam as coisas com a memorização. O poema que vive em nós, vive conosco, muda conosco e tem a ver com uma função muito mais profunda do que a do cérebro. Representa a sensibilidade, a personalidade.
P. É otimista em relação ao futuro da poesia?
R. Extremamente otimista. Vivemos uma grande época de poesia, especialmente entre os jovens. E escute uma coisa: muito lentamente, os meios eletrônicos estão começando a retroceder. O livro tradicional retorna, as pessoas o preferem ao kindle… Preferem pegar um bom livro de poesia em papel, tocá-lo, cheirá-lo, lê-lo. Mas há algo que me preocupa: os jovens já não têm tempo… De ter tempo. Nunca a aceleração quase mecânica das rotinas vitais tem sido tão forte como hoje. E é preciso ter tempo para buscar tempo. E outra coisa: não há que ter medo do silêncio. O medo das crianças ao silêncio me dá medo. Apenas o silêncio nos ensina a encontrar o essencial em nós.
P. O barulho e a pressa… Não acha que vivemos com muita pressa? Como se a vida fosse uma corrida de velocidade e não uma corrida de fundo… Não estamos educando nossos filhos com muita pressa?
R. Deixe-me ampliar esta questão e dizer-lhe algo: estamos matando os sonhos de nossos filhos. Quando eu era criança, existia a possibilidade de cometer grandes erros. O ser humano os cometeu: o fascismo, o nazismo, o comunismo… Mas, se você não pode cometer erros quando jovem, nunca se tornará um ser humano completo e puro. Os erros e esperanças desfeitas nos ajudam a completar o estágio adulto. Nós erramos em tudo, no fascismo e no comunismo e, na minha opinião, também no sionismo. Mas é muito mais importante cometer erros do que tentar entender tudo desde o início e de uma vez só. É dramático ter claro aos 18 anos o que você tem que fazer e o que não.
P. O senhor fala da utopia e de seu oposto, da ditadura da certeza…
R. Muitos dizem que as utopias são idiotices. Mas, em qualquer caso, serão idiotices vitais. Um professor que não deixa seus alunos pensar em utopias e errar é um péssimo professor.
P. Não está claro por que o erro tem uma fama tão ruim, mas o fato é que essas sociedades extremamente utilitaristas e competitivas possuem essa imagem negativa.
R. O erro é o ponto de partida da criação. Se temos medo de cometer erros, nunca podemos assumir os grandes desafios, os riscos. É que o erro retornará? É possível, é possível, existem alguns sinais. Mas ser jovem hoje em dia não é fácil. O que estamos deixando a eles? Nada. Incluindo a Europa, que já não tem mais nada para lhes oferecer. O dinheiro nunca falou tão alto quanto agora. O cheiro do dinheiro nos sufoca, e isso não tem nada a ver com o capitalismo ou o marxismo. Quando eu estudava, as pessoas queriam ser membros do Parlamento, funcionários públicos, professores… Hoje mesmo a criança cheira o dinheiro, e o único objetivo já parece querer ser rico. E a isso se soma o enorme desprezo dos políticos em relação aos que não têm dinheiro. Para eles, somos apenas uns pobres idiotas. E isso Karl Marx viu com bastante antecedência. No entanto, nem Freud nem a psicanálise, com toda sua capacidade de análise dos traços patológicos, foram capazes de compreender nada disso.
P. O senhor não se simpatiza muito com a psicanálise… É o que dá a entender.
R. A psicanálise é um luxo da burguesia. Para mim, a dignidade humana consiste em ter segredos, e a ideia de pagar alguém para ouvir seus segredos e intimidades me enoja. É como a confissão, mas com um cheque. É o segredo que nos torna fortes, por isso todos meus trabalhos sobre Antígona, que diz: “Posso estar errada, mas continuo sendo eu”. De qualquer forma, a psicanálise está em plena crise. Lembre-se das palavras magníficas de Karl Kraus, o satirista vienense: “A psicanálise é a única cura que inventou sua doença”.
P. E Sigmund Freud?
R. Freud é um dos maiores mitólogos da história. Mas se trata de ficção. Era um romancista excepcional.
Neste momento, George Steiner se levanta, avança lentamente em direção à sua imensa biblioteca e tira de dentro de um velho volume um cartão de visita amarelado escrito à mão em alemão: é um cumprimento de Sigmund Freud aos pais se Steiner por ocasião de seu casamento. “Meu pai o conheceu, eles passeavam juntos na beira do rio”.
P. Retomemos a questão do poder do dinheiro. O senhor tem alguma explicação válida, de um ponto de vista filosófico, de por que os eleitores da Itália, em um determinado momento, e atualmente os da Espanha, decidiram alçar ao poder partidos políticos enfiados até o pescoço na corrupção?
R. Porque existe uma gigantesca abdicação da política. A política tem perdido terreno no mundo todo, as pessoas já não acreditam nela, e isso é muito perigoso. É Aristóteles quem diz: “Se você não quer entrar na política, na ágora pública, e prefere ficar em sua vida privada, então não venha se queixar depois de que são os bandidos que governam”.
P. A velha e tão atual figura da idiotice aristotélica…
R. Exatamente. Uma figura muito atual. Bem, pois eu sinto vergonha de ter gozado desse luxo privado de poder estudar e escrever e não ter querido entrar para a ágora. Eu me pergunto o que ocorrerá com o fenômeno das estruturas políticas em si mesmas. Por todos os lados, triunfam o regionalismo, o localismo, o nacionalismo…é o retorno dos vilarejos. Quando se vê alguém como Donald Trump ser levado a sério pela democracia mais complexa do mundo, tudo é possível.
P. Como o senhor enxerga uma eventual vitória de Trump?
R. Isso não vai acontecer. Hillary irá ganhar. Mas será uma vitória triste, porque essa mulher está esgotada, triturada interiormente. E Putin, então? A violência de uma pessoa como ele parece acalmar as pessoas que não acreditam mais na política, elas os reconforta. Por isso é que o despotismo é o contrário da política.
P. E a relação entre política e cultura? Como vê isso? Outra pergunta: o senhor compartilha a sensação —muito pessoal e subjetiva, por outro lado— de que a cultura, no sentido das “artes”, está estancada, ao contrário dos avanços científicos, que não param de acontecer?
R. É delicado falar sobre isso. Estamos, eu e você, em uma pequena cidade inglesa como Cambridge, onde, desde o século XII, cada geração produziu gigantes da ciência. Hoje em dia, há 11 prêmios Nobel por aqui. Daqui saíram Newton, Darwin, Hawking… Para mim, o símbolo do avanço irrefreável da ciência é Stephen Hawking. Mal consegue mover uma parte de suas sobrancelhas, mas a sua mente nos levou à extremidade do universo. Nenhum romancista, dramaturgo, poeta ou artista, nem mesmo Shakespeare, teria ousado inventar um personagem como Stephen Hawking. Bem. Se você e eu fôssemos cientistas, o tom da nossa conversa seria outro, seria muito mais otimista, pois hoje, toda semana a ciência descobre alguma coisa nova que não conhecíamos na semana passada. Em contrapartida – e isso que lhe digo é totalmente irracional, e espero estar enganado –, o instinto me diz que não teremos amanhã nenhum novo Shakespeare, um novo Mozart ou Beethoven, nem um Michelangelo, um Dante ou um Cervantes. Mas eu sei que teremos um novo Newton, um novo Einstein, um novo Darwin… Sem dúvida alguma. Isso me assusta, porque uma cultura desprovida de grandes obras estéticas é uma cultura pobre. Estamos muito distantes dos gigantes do passado. Espero estar enganado e que o próximo Proust ou Joyce esteja nascendo na casa aqui na frente!
P. O senhor diferencia a “alta” cultura e a “baixa” cultura, como fazem alguns intelectuais de renome, visivelmente incomodados com formas da cultura popular como os quadrinhos, a arte urbana, o pop ou o rock, para as quais se chegou a criar o rótulo de “civilização do espetáculo”?
R. Vou lhe dizer uma coisa: Shakespeare teria adorado a televisão. Ele escreveria para a televisão. E não, eu não faço esse tipo de distinção. O que realmente me entristece é que as pequenas livrarias, os teatros de bairro e as lojas de discos estejam fechando. Por outro lado, os museus estão cada vez mais cheios, as multidões lotam as grandes exposições, as salas de concerto estão cheias… Portanto, cuidado, porque esses processos são muito complexos e diversificados para se querer fazer julgamentos generalizantes. O senhor Muhammed Ali era também um fenômeno estético. Como um deus grego. Homero teria entendido perfeitamente Muhammed Ali.
P. Acredita que veremos a morte da cultura como portadora de formas clássicas já batidas, com sua substituição por outras formas novas?
R. Talvez. Talvez a cultura clássica de caráter patriarcal esteja morrendo e que estejam surgindo formas novas, intermediárias, como uma cultura hermafrodita, bissexual, transexual, e para a qual a mulher contribuirá de uma forma muito especial no sentido de se resgatarem os sonhos e as utopias… Por falar em transexuais e bissexuais, certamente Freud não os viu chegar!
P. O senhor disse certa vez que se arrependia de não ter se arriscado no mundo da criação. Isso é uma espinha travada na garganta?
R. É verdade. Fiz poesia, mas logo me dei conta de que o que estava fazendo eram versos, e o verso é o maior inimigo da poesia. E eu disse também — e há quem jamais tenha me perdoado por isso — que o maior dos críticos é minúsculo diante de um criador. Portanto, vamos deixar claro, e não vamos nos iludir. Eu sou apenas um carteiro, eu sou O Carteiro [referência ao filme O Carteiro e o Poeta]. E me sinto muito orgulhoso disso, de ter entregue as cartas muito bem a tantos e tantos alunos. Mas não tenhamos ilusões.
P. Quem não o perdoou por isso? Colegas seus da universidade?
R. Sim. O que acontece é que existe na universidade uma vaidade descomunal. E cai mal, para eles, que alguém lhes diga claramente que eles são uns parasitas. Parasitas na juba do leão.
P. O crescente desprezo político pelas humanidades é algo desolador. Pelo menos na Espanha. A filosofia, a literatura, ou a história são cada vez mais marginalizadas nos planos educacionais.
R. Isso também acontece na Inglaterra, embora ainda existam algumas exceções em escolas particulares de elite. Mas o próprio conceito de elite já é inaceitável no discurso democrático. Se você soubesse como era a educação nas escolas inglesas antes de 1914… Ocorre que, entre agosto de 1914 e abril de 1945, cerca de 72 milhões de homens, mulheres e crianças foram massacrados na Europa e no oeste da Rússia. É um milagre que a Europa ainda exista! E vou lhe dizer uma coisa em relação a isso: uma civilização que extermina os seus judeus nunca mais conseguirá recuperar aquilo que ela foi antes. Sei que irritarei alguns antissemitas, mas a vida universitária alemã nunca mais foi a mesma sem esses judeus. Uma civilização que mata os seus judeus está matando o seu próprio futuro. Mas, bem, hoje existem 13 milhões de judeus no mundo, mais do que antes do Holocausto.
P. Isso é incrível.
R. Escandaloso! Um escândalo gigantesco!
P. Como o senhor vê o futuro do ser humano? É otimista ou pessimista?
R. O futuro… Não sei. Toda profecia é apenas memória ativa, não se pode prever nada, apenas olhar no retrovisor da história e contar para nós mesmos histórias sobre o futuro. Com certeza haverá duas ou três grandes novas descobertas científicas no campo da genética que introduzirão problemas de ordem moral terrivelmente complexos. Por exemplo: permitiremos que se manipulem as células de um feto?
P. Colocar um freio no avanço científico será também um problema moral…
R. Exatamente. Que direito nós temos? Eu, por exemplo, sou um partidário muito firme da eutanásia. Nós, os velhos, muitas vezes acabamos destruindo a vida dos mais novos, que têm de ficar nos carregando nas costas. Eu adoraria ter o direito de dizer “Obrigado, foi maravilhoso, mas agora chega”. Esse dia ainda vai chegar. Na Holanda e na Escandinávia, já está quase aprovado… Não temos mais recursos para manter vivas tantas pessoas senis ou mesmo dementes. Isso vai de encontro à felicidade de muita gente. Não é justo.
P. Quais momentos ou fatos acha que mais forjaram a sua forma de ser? Entendo que ter que fugir do nazismo junto com seus pais e viajar de Paris a Nova York – magistralmente lembrado em seu livro Errata – é um dos fundamentais, levando em conta que…
R. Direi algo que vai causar impacto. Eu devo tudo a Hitler. Minhas escolas, meus idiomas, minhas leituras, minhas viagens… tudo. Em todos os lugares e situações há coisas a aprender. Nenhum lugar é chato se me dão uma mesa, bom café e alguns livros. Isso é uma pátria. “Nada humano me é alheio”. Por que Heidegger é tão importante para mim? Porque nos ensina que somos os convidados da vida. E temos que aprender a sermos bons convidados. E, como judeu, ter sempre a mala pronta, e se tiver que partir, partir. E não se queixar.
Out/2014 – Vitório Piffero quer trazer Tite para o Inter em 2015 e diz que Abel (técnico na época) é Plano B.
Dez/2014 – Vitório Píffero é o novo presidente do Internacional.
Dez/2014 – Abel Braga não é mais o técnico do Inter: “Projeto não passa por mim”.
Dez/2014 – Tite é o novo técnico do Corinthians.
Dez/2014 – Sem Tite, Inter volta a vasculhar mercado em busca de técnico. Principais nomes são: Jorge Sampaoli, Alejandro Sabella, Mano Menezes, Cuca e Argel Fucks.
Dez/2014 – Mano Menezes admite contato com o Inter.
Dez/2014 – Vitório Píffero: “Mano Menezes não é treinador para o Internacional.”
Dez/2014 – Diego Aguirre é o novo técnico do Inter.
Jan/2015 – Piffero toma posse no Inter e prepara pacotão de reforços.
Jan/2015 – Inter está perto de contratar De Arrascaeta.
Jan/2015 – De Arrascaeta é o novo meia do Cruzeiro.
Jan/2015 – Inter anuncia contratação do zagueiro Réver.
Jan/2015 – Inter anuncia contratação do lateral direito Léo, ex-Flamengo.
Fev/2015 – Inter anuncia a contratação do meia Anderson, que vai custar R$ 28 milhões por 4 anos.
Mar/2015 – Diego Aguirre está pronto para se demitido.
Jul/2015 – Inter perde para o Tigres e está fora da Libertadores.
Jul/2015 – Inter anuncia Carlos Pellegrini como novo vice de futebol. Píffero acumulava a função desde a morte de Luis Fernando Costa em JANEIRO.
Ago/2015 – Diego Aguirre é demitido a 3 dias do clássico.
Ago/2015 – Píffero diz que demissão vai criar um “fato novo” e acredita no time.
Ago/2015 – Inter leva goleada histórica no grenal.
Ago/2015 – Inter vai atrás de Jorge Sampaoli para o comando do time.
Ago/2015 – Chile frustra colorados e renova com Sampaoli.
Ago/2015 – Mano Menezes surge como principal alternativa no Inter.
Ago/2015 – Mano Menezes é categórico: não trabalha no Inter com Vitorio Piffero.
Ago/2015 – Presidente do Inter promete ‘técnico de peso’ e para longo prazo.
Ago/2015 – Argel Fucks é o novo técnico do Inter.
Nov/2015 – Piffero garante Gauchão como prioridade em 2016.
Dez/2015 – Clube chinês faz proposta de R$ 25 milhões por meia Anderson.
Dez/2015 – Inter recusa proposta de clube chinês por Anderson. “É pouco”, diz Píffero.
Dez/2015 – Chineses desistem que ter Anderson.
Dez/2015 – Inter contrata o Lateral Paulo Cezar Magalhães.
Dez/2015 – Inter vende o Goleiro Alisson.
Jan/2016 – Internacional anuncia acerto com Marquinhos por três temporadas.
Fev/2016 – D’alessandro é emprestado ao River Plate.
Fev/2016 – Inter pode escolher jogadores do River em troca de D’ale.
Mar/2016 – Presidente do Inter cogita até cinco reforços e espera anúncio na semana.
Mar/2016 – Inter contrata o colombiano Juan Quintero. Veja o vídeo..
Abr/2016 – Reviravolta! Inter não contrata Quintero, mas espera anunciar contratação até fim da janela.
Abr/2016 – Inter prepara pacote estrangeiro com dois meias e um atacante para o Brasileirão.
Abr/2016 – Inter anuncia a contratação do meia Seijas, mas jogador só se apresenta no final do Junho.
Abr/2016 – Inter ganha o Gauchão, ufa!
Mai/2016 – Inter faz nova proposta por Nico López
Mai/2016 – Inter anuncia a contratação do volante Anselmo.
Mai/2016 – Eliminação do Nacional pode facilitar investida do Inter por Nico López.
Mai/2016 – Vice do Inter, sobre Nico López: ‘Se vier, chega para solucionar um problema’
Jun/2016 – Inter anuncia contratação do atacante Ariel.
Jun/2015 – Piffero diz ser “impossível” Inter contratar atacante Nico López.
Fui ao jogo acompanhado do amigo atleticano Idelber Avelar que, ao sair do estádio, escreveu no Facebook: Algum douto boleiro me explique como a dupla Gre-Nal está no G-4 do Brasileirão? Céus, como são ruins!
São realmente péssimos, mas o Inter é pior. É inacreditável que Argélico esteja nosso técnico há quase um ano. Mas vamos ao jogo.
O primeiro tempo não teve nenhuma chance de gol do Inter — um time sem armadores, dependente de chutões, de seu bom preparo físico e da sorte — e teve uma do Grêmio, nascida depois de Sasha jogar-se ao chão sem ter sido tocado. No contra-ataque, um chute à queima-roupa bateu no peito de tábua de Muriel e sobrou para Douglas marcar. Depois do gol do Grêmio, Argélico tratou de queimar mais um, desta vez Fernando Bob, colocando Gustavo Ferrareis. Não há muito mais o que dizer além daquilo que repetimos há meses. Não temos toque de bola, padrão de jogo, tomamos contra-ataques atuando com três volantes, reforços duvidosos estão chegando após passar 1/3 do Brasileiro, etc.
E assim o time vai se encaminhando para o seu lugar habitual, algo entre o 8º e o 12º lugares. É uma vida no limbo. Espero apenas que não caia mais.
No segundo tempo, fizemos uma pressão. Pressãozinha, bem entendido. Perdemos gols claros com Paulão, Anderson e Vitinho, mas de resto fomos controlados com tranquilidade por nosso medíocre adversário, que não apareceu mais no ataque.
As entrevistas dos dirigentes do Inter após as vitórias — sim, faz tempo — são mais claras que as das derrotas. E o incrível é que a Comissão Técnica parece efetivamente não saber o motivo pelo qual estava ganhando, comportando-se como ufanistas vazios. Devem estar muito desconcertados pelo fato do time ter passado a perder e perder.
Não temos meio-de-campo, apenas uma boa defesa e um ataque que não funciona devido ao meio. A história nos mostra que técnicos motivadores têm data de validade curta e a de Argel já está pra de vencida. Só Derrotório Piffero não vê.
Este meio de semana sem jogos seria boa para trocar de técnico. É sempre complicado decidir uma troca, mas o que temos é um zero à esquerda e mundo e a bola estavam gritando que iríamos dar com os burros n`água imediatamente. Se não estavam vendo o mercado, mais uma mancada. Se nossa direção tivesse alguma… direção, Marcelo Oliveira estaria em nosso banco ontem, mas este o Galo do Idelber já pegou.
Vermeer deixou sua casa em Delft para passar catorze dias em Haia. Lá ficaram seus filhos e as mulheres da casa. Estas escreviam para ele. Foram seis cartas de sua esposa, Catherine Bolnes, seis cartas de sua sogra, Maria Thins, e seis cartas de sua modelo, Saskia de Vries. Tratam de arranjos domésticos, das variadas atividades das crianças, de planos de casamento, acidentes domésticos, mas, acima de tudo, escrevem pedindo para ele voltar logo. Eles sentem sua falta e afeto.
Enquanto Vermeer está ausente, as mulheres defendem a casa contra as ameaças de cinco líquidos: as tintas que podem acabar ou secar, os vernizes que ameaçam as crianças, o leite que a criada insiste em derramar, o sangue da violência política e a água, tão presente no caminho de 10 Km entre Delft e Haia e que, pensam elas, podem varrê-lo.
O libreto e a montagem são de Peter Greenaway e a música de Louis Andriessen.
Se algum de meus sete leitores estiver estiver em Delft no dia 10 de julho, poderá ver o filme baseado na ópera. Basta fazer a reserva. É gratuito. Se não poderem ir, ao menos ficarão sabendo que Escrevendo para Vermeer existe!
Em 21 de novembro de 1811, Heinrich von Kleist, nascido em 1777, suicidou-se. Tinha 34 anos. Era pobre, estava endividado, sentia-se fracassado. Após sua morte, transformou-se em lenda, aclamado como gênio. Na novela Michael Kohlhaas, Kleist antecipou a seu modo o que seria Kafka. Um século depois, Kafka fazia leituras públicas de trechos da novela.
A história deste livrinho — Kohlhaas tem aproximadamente 105 páginas — tão difícil de encontrar no Brasil é simples. Michael Kohlhaas é um negociante de cavalos que necessita passar pela propriedade do junker von Tronka com alguns animais. Mas lhe pedem um salvo-conduto para que possa atravessá-la.
Kohlhaas, pessoa de indiscutível retidão e obediência às leis, desconfia de uma invencionice, mas deixa dois animais como garantia. Dias depois, ao retornar a fim de retirar seus cavalos, vê que estes estão magros e maltratados. Indignado, decide que só os aceitará de volta quando estiverem nas condições em que os deixou. A partir da negativa de von Tronka em alimentar os animais, Kohlhaas passa a perseguir obsessivamente um único objetivo: fazer com que seus animais sejam devolvidos no estado em que foram deixados. A grandiosidade do texto e de suas implicações religiosas, de direito e de poder, além da discussão filosófica e metafísica, é impossível de abarcar uma simples resenha. (Não esqueçam do link acima).
A solidão de Kohlhaas e sua necessidade interna de justiça são avassaladoras. Mesmo utilizando fundamentos jurídicos simples, justos e perfeitamente claros, Kohlhaas vê-se cada vez mais impossibilitado de chegar à lei em razão das negativas e das amizades de von Tronka, das oscilações do direito e das relações do poder. Então, procura fazer justiça por si mesmo. Arma uma espécie de grupo guerrilheiro versão século XVI; invade cidades em busca de von Tronka e da justiça; desafia governos; chega ao ponto de entrar nos aposentos de Martinho Lutero a fim de discutir o caso. O diálogo de ambos é brilhante. Kohlhaas afirma que desistirá do caso se Martinho Lutero assim o desejar. Lutero chama-o de louco mas desiste de pedir a Kohlhaas que pare após ouvir seus argumentos. Para Kohlhaas é fundamental viver numa terra onde seus direitos estejam assegurados.
Não pensem que a novela restringe-se ao social. Ela é sociológica e ontológica. A psicologia e as justificativas de Kohlhaas para punir com as armas quem se interponha entre ele e a lei são esmiuçadas por Kleist. Em certos momentos, desejamos auxiliar o criminoso a encontrar o desonesto von Tronka e minuciosamente matá-lo… A vingança é desproporcional? Kohlhaas poderia muito bem alimentar seus cavalos e esquecer o pleito? Pois é.
Pelo amor exacerbado à lei, torna-se ladrão e assassino. Este livro — que deveria constar nos Cursos de Direito — me fala muito de perto e talvez este sentimento possa ser compartilhado por vários de vocês. A narrativa de Kleist é vertiginosa e guarda pouca relação com o verboso romantismo. É romântica pelo idealismo, nunca pelo palavreado inútil. A narrativa tem a obsessão e o ritmo de Kohlhaas. Kleist conta a história em linha reta, sem tergiversões ou divagações. É um legítimo pré-Kafka. Agora, por que há tão poucas edições no Brasil? Ah, meu amigo…