Os impostos da cachaça

Foto: Lili Callegari
Ah, Parati | Foto: Lili Callegari

Leio surpreso que a cachaça é o produto campeão de impostos. No preço de cada garrafa comprada, 82% são impostos. Em segundo lugar vem o cigarro com 80% e em terceiro os perfumes importados, com 78%. O uísque paga 61% e o espumante 59%. A cerveja 55 e o vinho, 53.

Os impostos da cachaça artesanal são maiores do que os da industrial. É que os pequenos produtores foram retirados do Simples — regime tributário com alíquota menor voltado justamente para os micro e pequenos empresários. A cachaça é considerada  supérflua — e é mesmo –, fato que faz com que sua alíquota do ICMS seja mais alta. Mas o uísque também é supérfluo, não? E por que os alambiques pagam mais? Read More

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O mundo é um lugar muito perigoso

O mundo é um lugar muito perigoso

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Sessão de Terapia

No deserto de boas opções brasileiras na TV, merece especial atenção a série do GNT Sessão de Terapia, versão brasileira do original israelense Be Tipul e que já foi adaptada em 30 países. A ideia é simples: a série ficcional acompanha o psicólogo Theo Cecatto (Zécarlos Machado) em sua interação diversos pacientes. Então, exibidos diariamente, cada episódio foca-se na história de um deles e de seus efeitos na avaliação do terapeuta, realizada por sua supervisora Dora (Selma Egrei). A direção é de Selton Mello.

Não sei — e talvez não interesse saber — o que há de Mello e o que há de original na série, mas creio que os grandes trunfos começam pelos bons atores, bons diálogos, pela direção segura de Mello e pela curiosa fotografia esmaecida, a qual não promete emoção e ornamenta com grande elegância ao conjunto. Os pacientes são a médica anestesista Júlia (Maria Fernanda Cândido), apaixonada por Theo; Breno (Sergio Guizé), um policial atirador de elite; Nina (Bianca Muller), uma ginasta ainda menina e com tendências suicidas; o problemático casal Ana (Mariana Lima) e João (André Frateschi) e acho que é só. A supervisora que atende Theo também faz uma terapia de casal entre ele e sua mulher Clarice (Maria Luísa Mendonça). Afinal, Theo confessa-se apaixonado por Julia — fato natural por tratar-se apenas de Maria Fernanda Cândido! … Bem, esqueçam a entusiasmada última observação.

Comecemos pelas críticas. É claro que os tons escuros e a câmera dirigida ao rosto dos atores lembra imediatamente alguns filmes de Bergman, mas há diferenças. Aqui, há muito mais nervosismo. Não há os longos planos bergmanianos em que um personagem diz algo e depois ouve a resposta, muitas vezes alterando radicalmente sua expressão sob o efeito das palavras do outro. Não, a coisa não é tão artística e profunda, mas funciona bem. Outro fato que corta a relação com o sueco é o ponto fraco da série: as sequências de imaginação, sonho e pesadelo, que não são nada sufocantes e que me arrancaram alguns tsc, tsc, tsc, coisa inimaginável nos filmes do sufocante diretor sueco.

Outra coisa de que não gosto é a tomada da voz de Theo. Zécarlos Machado tem a voz muito anasalada e, como está numa terapia, fala baixo. Ele também tem um defeito em comum comigo — não costuma abrir muito a boca para falar e, assim, sua pronúncia fica muito prejudicada. Acho que se o microfone do terapeuta ficasse mais alto ou se ele abrisse mais a boca para emitir palavras mais claras ficaria bem melhor.

São detalhes, pois o restante é muito bom. Mesmo com minhas críticas a sua pronúncia, a série apoia-se firmemente nele e reconheço o excelente trabalho de Zécarlos Machado. É claro que gosto mais de algumas terapias do que de outras. Minha atenção voa quando a sessão era com o policial — ele fez bem em morrer — , coisa que não acontece quando estamos no caso de Julia, Nina e do casal, cuja história cresceu muito nos últimos capítulos. Mas o filé mesmo são os encontros com a supervisora. Lembrava de Selma Egrei como atriz de pornochanchadas e pensava que ela seria, provavelmente, uma atriz muito limitada. Engano, ela está perfeitamente à vontade como uma analista algo irônica que é constantemente desafiada por Theo.

Não é teatro na TV, de forma nenhuma. A única coisa em comum com o teatro são os dois cenários, o de Theo e o de Dora, praticamente fixos. Na verdade, é cinema na TV. A enorme proximidade, o desejo de explorar rostos e expressões, jogam as analogias de  para outro lado. Mas é, antes de tudo, boa TV. E assim os sete leitores deste blog recebem sua primeira indicação televisiva, a série Sessão de Terapia, no GNT.

O terapeuta Theo ainda não comeu ninguém. Talvez por isso seus cabelos estejam tão arrepiados
Mas a tentação é alta, magra e belíssima
Selma Egrei, quem diria, o passado de pornochanchadas escondia uma excelente atriz
A cara de Cazuza de Sergio Guizé, o atirador de elite
A ginasta. Ah, como Zécarlos Machado cresce nos episódio com ela! Ignoro o motivo.
Será que ele perdoará a traição? Tchan, tchan, tchan, tchan…

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Vai para o trono ou não vai?

Publicado em 30 de junho de 2012 no Sul21

O Velho Guerreiro em ação num de seus programas

José Abelardo Barbosa de Medeiros, o Chacrinha, deixou de balançar a pança em 30 de junho de 1988, após anos comandando a massa e dando as ordens no terreiro dos anos 50 aos 80. Mas certamente o terreiro de Chacrinha era bem menos organizado que os de umbamba. Porém, antes de avançar, talvez seja melhor começar fazendo a apresentação do Velho Guerreiro aos jovens. Chacrinha foi um famoso apresentador de programas de auditório. Eram basicamente de programas de calouros. O candidato a cantor se inscrevia e ia ao programa mostrar seu potencial. Se cantasse bem era aplaudido e até poderia voltar e ficar famoso e fazer carreira; se cantasse mal, o apresentador acionava uma buzina e interrompia o cantor ou cantora, que era simplesmente defenestrado e às vezes humilhado. Isto seria impossível nos dias de hoje, haveria processos por danos morais. Quem era buzinado recebia o Troféu Abacaxi, o qual consistia num abacaxi.

Durante seus programas, Chacrinha vestia-se como o mais estranho dos palhaços — algo efetivamente esdrúxulo — e não parava um segundo de caminhar. Ignorava os câmaras que o perseguiam em um palco com mulheres dançando sem muita sincronia, pessoas que simplesmente estavam por ali e técnicos. Pessoas passavam na frente da câmara e Chacrinha os afastava como podia. Seus programas eram uma zona. Quando não sabia o que dizer, largava seus bordões. Chamava “Teresinhááááááá”, afirmava que “Quem não se comunica se trumbica” e, quando acusado de copiar ideias de outros apresentadores, dizia que “Na televisão nada se cria, tudo se copia”.

Com Raul Seixas nos camarins de “A Buzina do Chacrinha”

Chacrinha revelou nomes como Roberto Carlos, Wando, Agnaldo Timóteo, Odair José, Nelson Ned e Raul Seixas, o que é um verdadeiro milagre quando se vê filmes onde o apresentador simplesmente seguia falando durante as apresentações. Quando o calouro chegava, ouvia a primeira pergunta – “Como vai, vai bem? Veio a pé ou veio de trem?”. Quando era bom, às vezes era colocado num trono. O que decidia eram os aplausos e os gritos do auditório após mais um bordão berrado por Chacrinha em voz forte e muito rouca: “Vai para o trono ou não vai?”. E, quando se confundia com as atrações do programa ou com o horário dos comerciais dizia outro de seus célebres bordões: “Eu vim para confundir, não para explicar!”. Nada mais verdadeiro.

Seus programas eram “A Buzina do Chacrinha” e “A Discoteca do Chacrinha”. A “Buzina” era para calouros e a “Discoteca” apresentava os sucessos musicais do momento. Depois ficou complicado identificar um e outro e eles acabaram fundidos em um só: “O Cassino do Chacrinha”.

Elke Maravilha pontificando como jurada

Também havia a figura dos jurados, os quais destilavam seus estilos e teses no programa. Na verdade, faziam personagens, tipos que auxiliavam o clima de farsa e carnaval perpétuos: Carlos Imperial fazia o cafajeste; Aracy de Almeida utilizava seu real conhecimento musical para avaliar calouros e dizer absurdos; havia também o travesti Rogéria – uma novidade para a época (não o travesti, mas a aparição na TV) – ; mais Elke Maravilha, espécie de Chacrinha de saias; e o mal humorado bastião da moral: Pedro de Lara. Os jurados eram vaiados pela plateia enlouquecida quando descascava os calouros, enquanto os que estavam na primeira fila esfregavam o cabelo dele com as mãos. Outro elemento fundamental dos programas eram as Chacretes, as dançarinas. No início eram conhecidas como as Vitaminas da Chacrinha e faziam coreografias bastante simples. Recebiam nomes exóticos como o da mais famosa delas, Rita Cadillac. Também havia a Índia Amazonense, a Fernanda Terremoto e a Suely Pingo de Ouro, dentre outras.

Em pose especial com suas Chacretes

Certo dia, quando o bacalhau encalhou nas Casas da Banha, patrocinadora de seu programa na TV Tupi, Chacrinha reverteu a situação facilmente. Durante um programa, por vezes virava-se de surpresa para o auditório com postas de bacalhau na mão: “Vocês querem bacalhau?”, e atirava o peixe para o auditório, onde a plateia disputava a tapa o produto. No dia seguinte, faltou bacalhau nas Casas da Banha. Deviam ter previsto. Chacrinha passou a distribuir bacalhau em seus programas, claro.

E o playback rolava enquanto cantores os distribuíam beijos em mulheres da platéia — magicamente seguiam cantando — e os “jurados” conversavam com o microfone ligado. Tudo assumidamente kitsch.

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Anos 50: recebendo um prêmio, com Cely Campello

Chacrinha nasceu em 1917 em Pernambuco, na pequena Surubim. Aos 17 anos, foi estudar no Recife. Começou a cursar faculdade de Medicina em 1936, aos 19 anos, e em 1937 teve o seu primeiro contato com o rádio na rádio Clube de Pernambuco ao dar uma palestra sobre alcoolismo. Era percussionista do grupo Bando Acadêmico e, aos 21 anos, viajou como músico no navio Bagé rumo à Alemanha. Porém, naquele exato dia estourou a Segunda Guerra Mundial e o jovem Abelardo acabou desembarcando no Rio de Janeiro com seu grupo. Foi tocar no rádio e acabou como sendo aceito como locutor na Rádio Tupi. Em 1943, criou na Rádio Fluminense um programa de músicas de Carnaval chamado Rei Momo na Chacrinha. Fez enorme sucesso a passou a chamado de Abelardo “Chacrinha” Barbosa. Nos anos 50, comandaria o Cassino do Chacrinha, ainda no rádio, no qual lançou vários sucessos da música brasileira, como Estúpido Cupido, de Celly Campelo, e Coração de Luto, de Teixeirinha. No programa, inauguro o estilo de misturar tudo a ruídos e conversas, como se estivesse no meio de uma festa.

As Chacretes nos anos 60: discrição das Vitaminas do Chacrinha

Em 1956, estreou na televisão com o programa Rancho Alegre, na TV Tupi, na qual começou a fazer também a Discoteca do Chacrinha. Em seguida foi para a TV Rio e, em 1970, foi contratado pela Rede Globo. Chegou a fazer dois programas semanais: os citados Buzina do Chacrinha — com seus abacaxis e “Vai para o trono ou não vai? — e Discoteca do Chacrinha, de lançamentos. Chacrinha foi fundamental para consolidar a audiência da Globo junto às classes mais baixas da população. Quando a Globo adotou o glamour como padrão, a assepsia de suas produções acabou por expulsar Chacrinha. Ele foi para a Tupi e depois para a Bandeirantes — sempre com seu público. Retornou à Globo em 1982, onde ocorreu a fusão de seus dois programas num só, apresentado aos sábados à tarde.

Coroando o Rei

Quem vê um programa do Chacrinha hoje, deverá chegar à conclusão de que se tratava de um comunicador e humorista absolutamente sensacionais. Porém, o espectador tiver tempo de ligar seu senso crítico, verá também um apresentador de humor cáustico que ria de tudo, mas principalmente do público que o adorava. Tudo bem, era um caso de amor. Porém, por incrível que pareça, mesmo o apresentador de um programa tão apolítico e non-sense foi incomodado pela censura. O conteúdo desta carta, escrita por Chacrinha em 1980, revela alguma coisa: “Já há um ano, a Censura de São Paulo vem tratando os meus dois programas de TV, Buzina Discoteca do Chacrinha, com arbitrariedades censórias para as quais não encontro explicações razoáveis. Essas arbitrariedades começaram de certa feita, quando um censor paulista ligou para os estúdios reclamando das roupas das chacretes e de algumas tomadas de detalhes anatômicos.”  O destinatário da mensagem era o presidente do Conselho Superior de Censura (CSC), Octaciano Nogueira.

Coamandando a massa já no final da carreira

“Comandando a massa” em plena ditadura militar, Chacrinha ocupava uma posição curiosa no cenário político da época. A esquerda o acusava de promover a “alienação do povo”. Por outro lado, era vigiado pelos censores do mesmo regime, que o perseguiam não somente em razão das chacretes como pelas piadas “imorais e de duplo sentido”. (Outra de suas frases: “A melhor lua pra se plantar mandioca é a lua-de-mel”). Ou seja, para os militares, Chacrinha era suspeito por promover pornografia e atentar contra a moral; para a esquerda, promovia um entretenimento de massa que em nada contribuía para mudar a situação política do país.

Porém, o fato é que antes da ditadura, Chacrinha atirava bacalhau para a platéia, tocava a buzina para os calouros e provocava os jurados. Durante a ditadura, ele passou a atirar bacalhau para a platéia, a tocar a buzina para os calouros e a provocar os jurados.

Em outubro de 1987 recebeu título de “doutor honoris causa” da Faculdade da Cidade, no Rio.

Seu aniversário de 70 anos foi comemorado em setembro de 1987 com um jantar oferecido em sua homenagem pelo então Presidente da República, José Sarney.

Quando o programa acabava, dizia com ar sério: “Graças a Deus o programa acabou”.

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Selecionamos vídeos de alguns artistas nos programas do Chacrinha. A variação de estilos era intensa:

O clima geral desde a abertura do programa.

http://youtu.be/qNyxA2InL6g

Com Wando…

Gretchen…

Raul Seixas…

E Gilberto Gil cantando Aquele Abraço.

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Manifesto em Defesa do Barulho das Crianças

Crianças não causam poluição sonora

Enviado por um de nossos sete leitores, que assina apenas Evandro. Aliás, como disse nos comentários ao post sobre a atitude intempestiva de Cíntia Moscovich, os carros são MESMO a maior fonte de ruído.

A propósito, clique antes aqui.

O Grupo de Pesquisa Identidade e Território (GPIT), ligado à Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), vem por meio deste manifestar a preocupação de seus pesquisadores no campo do Planejamento Urbano e Regional com a recente decisão do desembargador Carlos Marchionatti, motivada por ação de uma escritora, que alegou prejuízo profissional de atividades realizadas em sua residência em função do ruído produzido por crianças de 18 meses a seis anos de idade, no pátio de uma escola vizinha, localizada no bairro Moinhos de Vento, em Porto Alegre. A decisão, vencida em primeiro grau e confirmada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), coloca algumas questões importantes e urgentes sobre as quais a sociedade brasileira precisa refletir.

Nos estudos urbanos ainda carecemos de maior volume de investigações a respeito das relações entre sons e cidade, no entanto o tema tem estado presente em trabalhos acadêmicos em todo o mundo, inclusive os realizados e debatidos no interior do GPIT. Não temos dúvidas sobre a importância dos sons como delimitadores de territorializações na experiência espacial, especialmente no espaço urbano. Sirenes, badalar de sinos, vozerio das multidões ou saudosos sons dos vendedores de jornais e afiadores de faca não apenas situam um tempo-espaço como também acabam por expressar ou mesmo regular a convivência. Locus da modernidade, o urbano é o lugar de encontro das diferenças e de convívio com imagens sonoras, as mais diversas. Viver em cidade é acolher a diversidade e experimentar a diferença. Escolas são importantes equipamentos urbanos que articulam a vida dos bairros, orientando inclusive a escolha da moradia por famílias que desejam viver em proximidade com esses espaços. Do ponto de vista da legislação urbana, inclusive não há impedimento de atividades escolares no Moinhos de Vento e, por princípio, escolas devem estar situadas em áreas de alta densidade.

Entendemos que a decisão da Justiça do Rio Grande do Sul pode estimular a intolerância, ao invés de promover soluções apaziguadoras, como a adoção de tecnologias de conforto acústico e uma série de outros recursos e medidas que minimizem a propagação sonora tanto na escola quanto na residência. A mediação de conflitos neste campo não pode mais se dar apenas baseando-se na medição física do fenômeno acústico, dada a importância social de muitas das atividades que se configuram como fontes emissoras. Estudos apontam que o tráfego automotor, por exemplo, é responsável pela maior parte do que é considerado poluição sonora em nossas cidades hoje, levando inclusive a transtornos psíquicos, mas não se tem apontado para a proibição da circulação de automóveis como solução desse problema. No caso dos espaços reservados à vivência das crianças em nossas cidades, o que propomos aqui não é que se deixe de observar os direitos que assistem o cidadão, mas que possamos pensar e colocar em prática alternativas que não se traduzam no distanciamento – ou silenciamento – de grupos ou sujeitos, pois é exatamente o relacionamento entre eles que fortalece a civilidade.


Grupo de Pesquisa Identidade e Território – GPIT/CNPq
Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS
www.ufrgs.br/gpit

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Você ainda sabe escrever com caneta?

Minha letra sempre foi péssima e eu achava impossível que ela pudesse piorar. Sempre me envergonhei dela — achava que era uma representação equivocada de mim mesmo, algo que em verdade deveria sair da mão de um semi-letrado. Sua simples existência era um duro golpe em minha vaidade, a qual posso garantir que não é de grandes proporções. Pois bem, afirmo que minha letra, que nasceu e viveu permanentemente no fundo do poço, nos últimos anos passou a cavar.

Hoje, os recados que deixo em casa saem da impressora. Rabisco apenas meus livros e listas de tarefas ou recadinhos “de mim para eu mesmo”. Cheguei ao ponto de achar que mesmo minha cônjuge não merece entrar em contato com meus registros rupestres. Ainda tomo notas em reuniões, mas, como Bartleby, preferia não fazê-lo. Hoje, o simples fato de pensar em encher páginas e páginas de papel almaço com anotações ou respondendo a provas — como fazia da faculdade — me apavora. Certamente ficaria cansado. Hoje, minhas canetas duram muito e costumo perdê-las antes de seu fim.

Então, mesmo a parca habilidade que tinha foi para o saco, não me considero mais inteligível por esta forma de comunicação, a não ser faça letras enormes e bem desenhadas. Acho que tal piora está acontecendo com quase todos nós. Será que a boa caligrafia vai acabar na próxima geração, vitimada por seres cada vez mais acostumados aos computadores? Será que tudo será digitado e que todas as assinaturas se tornarão senhas?

Li uma crítica para o ensaio The Missing Ink — The Lost Art of Handwritingdo nostálgico ficcionista inglês Philip Hensher. Nela, o resenhista onde compara a involução de sua própria letra em muitos anos. Era um sujeito que gostava de canetas-tinteiro e que se orgulhava de sua caligrafia, atualmente uma merda, como ele demonstra após digitalizá-la.

E eu pergunto: quando foi que você recebeu sua última uma carta por escrito, registrada num papel que foi efetivamente trabalhado pelas mãos do seu correspondente? Eu sei que recebi uma carta de minha prima Vera Luiza há alguns anos. Uma carta isolada. Lembro de tê-la achado muito estranha. Penso que atualmente cultivar uma bela letra é como saber tricotar com virtuosismo e que logo nenhuma criança será cobrada por uma bela letra. E quando as redações no vestibular passarão a ser digitadas?

Hensher conclui seu livro com um apelo para manter a escrita viva. Ele acha que a desnecessidade de escrever diminuiu nossa humanidade. Porém, eu fico feliz e prefiro escolher temas sobre os quais escrever do que de me ufanar de minha notável inabilidade com as Bics ou as tinteiros da vida.

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Escritora entra na justiça contra escola maternal barulhenta e vence

Cíntia Moscovich: enfim, silêncio

Há quatro anos, a escritora Cíntia Moscovich, que reside em Porto Alegre na Rua Marquês do Pombal, entrou na Justiça contra a escolinha do Grêmio Náutico União. Esta teria o pátio muito próximo de suas janelas e atrapalharia seu processo criativo. Afinal, eram 60 crianças brincando diariamente. O primeiro fato que me surpreende, antes mesmo de comentar a decisão da Justa, é que Cíntia é casada e mora com o também escritor Luiz Paulo Faccioli. Por que os dois não entraram juntos nessa furada? Pô, Luiz Paulo, que falta de solidariedade! Bem, estou brincando, cada casal é de um jeito. Conheço e gosto do casal, apesar não concordar em nada com a ação ganha. Pois é, de fato a escritora venceu e as crianças não podem mais sair para o pátio, a não ser que sejam antes caladas. Se alguém der o primo canto, pronto, a escola terá que pagar R$ 5 mil de multa.

O fato inusitado deu à escritora uma celebridade nunca antes fruída por ela — toda a cidade e todo o Facebook só fala disso. Nunca li um livro de Cíntia, apenas suas colunas, e acho que ela tem o direito de trabalhar em silêncio dentro de sua casa. A minha opinião é torta e a Justiça não gosta de complexidade: se o barulho fosse gerado por um maluco com um rádio tocando música perecível, este seria digno de um processo, mas 60 (sessenta) crianças não. Cíntia não apenas escreve como também dá aulas em casa. Mais um motivo para diminuir as interferências da rua com o isolamento acústico. Por que a escritora não optou pelo isolamento acústico e um ar condicionado? Custa certamente menos do que contratar um advogado.

Numa entrevista concedida por Cíntia, ela dizia que absorvia “mais a interferência do cotidiano doméstico, fracionando sua atenção entre os sons que vêm do pátio, da rua e dos bichos, e estava produzido melhor de madrugada”. Agora, trabalhará de dia.

A opinião de Cíntia é a opinião de Cíntia, o problema maior é a Justiça ter embarcado na insistência dela. Lembro de quando era estudante e achava que tinha que me livrar dos sons da vida para conseguir aprender alguma coisa. Olha, foi a melhor das épocas. Eu ia para a Biblioteca Pública. OK, OK, isso sou eu. Se fosse a Cíntia, um tratamento acústico me bastaria. Pois, pensemos, a escola terá de fechar por causa da profissão e das exigências da escritora? E as crianças? É uma questão numérica: 60 x 1 ou 60 x 2 com o Luiz Paulo. Mas a Justiça é burra como uma anta. Os caras foram lá, mediram o barulho e disseram que estava acima do permitido. Só que não era um motor, uma festa, o DOPS ou um rádio, eram crianças.

Se um dia eu for atropelado, vou lembrar de não gritar. Tenho Unimed, mas não R$ 5 mil disponíveis. Vou dizer um ai bem baixinho e pedir ajuda educadamente.

Ah, — lembra um amigo — Proust fez isolamento acústico. E era Marcel Proust.

E volto para minhas férias.

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A escritora Cíntia Moscovich publicou na tarde de hoje um comentário sobre a ação que moveu (e venceu em duas instâncias) contra o Grêmio Náutico União.

Leiam o que a escritora publicou:

“Vamos aos fatos: a escola União Criança costumava estar localizada dentro do clube, em um espaço amplo, bem diferente do espaço em que se encontra hoje. A mudança ocorreu porque o clube resolveu construir um estacionamento onde antes ficava a escola. Estacionamentos são um negócio bem mais rentável que a educação. Todos sabem disso. No fim das contas, a escola foi transferida para uma casinha na Rua Marquês do Herval. De um lado dessa casinha mora a vizinha que entrou na justiça e que acabou sendo tratada como vilã da história, mesmo sem ser. Do outro lado, moro eu e minha família há 25 anos. A janela do meu quarto, aliás, dá exatamente para o pátio da escola. Estão dizendo por aí que o processo todo é um absurdo, que representa a vontade de uma pessoa contra a vontade de todos. Vontade de todos? Peraí! Quer dizer que a vizinhança do Grêmio Náutico União não faz parte desse todo? Desde que moro aqui (minha vida inteira!) o ruído oriundo do clube sempre foi um pé no saco. E tenho certeza de que não falo só por mim. Tanto que existe outro processo, movido por outros vizinhos, que reclamam justamente do barulho descomunal gerado pelo clube. Barulho esse que, diga-se de passagem, não tem dia nem hora pra acontecer, já que a sede Moinhos de Vento é “pioneira no oferecimento de serviços 24 horas”.

Mas voltemos à escola: se o barulho já era ruim antes, ficou ainda pior. Na realidade, o volume de emissão sonora da escola é cinco vezes superior ao permitido por Lei. Isso foi atestado por perícia realizada a mando do TJ. Se é natural que crianças façam barulho, não é natural – muito menos saudável – que alguém esteja sujeito a esse barulho doze horas por dia. Imagina que tu quer falar ao telefone quando vinte crianças estão no pátio. Não dá. Agora imagina que tu quer ler. Também não dá. Imagina que tu quer estudar. Desiste, chapa. Agora imagina que tu depende justamente disso tudo pra sobreviver. Imagina que teu sustento está baseado em algum tipo de atividade que exige o mínimo de concentração. Esse é o caso da vizinha que moveu o processo, e esse é também o meu caso. Nos últimos cinco anos, tenho sido obrigado a ajustar a minha rotina à rotina da escola. Nesse tempo, compartilhei minha frustração com muita gente. É triste não conseguir fazer o que se tem vontade dentro da própria casa. Se alguém duvida que a situação seja essa, as portas estão abertas. Empresto o quarto pra quem quiser trabalhar uma tarde aqui. Se conseguir fazê-lo, ganha um doce. Salvem a União Criança, sim, mas salvem-na da negligência da administração do clube. E vamos ser mais criteriosos pra não difundir bobagens por aqui.”

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A migração dos cinemas de Porto Alegre (Parte 1 – Centro)

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

Anarene é a pequena cidade retratada pelo diretor Peter Bogdanovich no clássico A última sessão de cinema, de 1971. O filme é melancólico e utiliza de forma muito hábil a fragilidade do cinema frente a televisão naquela cidade onde tudo parece estar acabando, à exceção dos olhares vigilantes da vizinhança. No filme, o encerramento das atividades de um certo cinema Royal representa a tristeza e a situação da cidade decadente e de seus habitantes. Naquele tempo, era apenas a TV. Hoje, também temos a internet e a violência, porém, se formos realistas, só podemos reclamar do fim dos cinemas nas cidades pequenas. Enquanto elas ficaram quase sem salas e o governo cria  projetos como o Projeto Cinema da Cidade para incentivá-las a uma reação, o ano de 2011 bateu o recorde de vendas de ingressos. Nas grandes cidades, não houve o fim dos cinemas, mas uma migração deles cinemas em direção aos shoppings, Casas de Cultura, Sindicatos, etc.

O Sul21 não pretende fazer uma matéria triste ou apocalíptica, mas um pouco de nostalgia é inevitável, pois vamos mostrar como estão os locais onde antes havia cinemas. Vamos começar por 18 cinemas do Centro de Porto Alegre. Havia mais alguns ainda mais antigos, em clubes e até em circos. Vamos repassar os mais conhecidos.

As fotos antigas foram retiradas de diversos, sites, blogs e do Facebook, normalmente sem o autor da foto. Talvez haja direitos reservados e esperamos ser avisados se tal fato ocorrer. As fotos dos locais atuais são de Bernardo Jardim Ribeiro.

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Victória, na esquina da Andrade Neves com a Borges de Medeiros, foi fundado em 1940 com o nome de Vera Cruz. Tornou-se Victória após uma reforma realizada em 1952. Em 1957, foi o primeiro cinema de Porto Alegre a receber “Ar Condicionado Perfeito”.

A foto abaixo é do final dos anos 50. Jovem, bonita e sonhadora, Sarita Montiel cantava para distrair seus fregueses. Até que um dia, sua voz encantadora chama a atenção de um jovem e rico aristocrata. Era La Violetera.

Abaixo, uma bela foto do início dos anos 60. Estava passando Psicose, de Alfred Hitchcock.

As calças boca de sino mostram que chegamos aos anos 70, vez de passar Tubarão (1975), de Steven Spielberg. Havia uma fila imensa e carros subindo a Borges desde o Mercado Público. O Victória gostava de artigos, tanto que chama o filme de O Tubarão.

Hoje, há a Casa das Lâmpadas na esquina.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

Alguns não sabem, mas o Victória ainda existe. Sua enorme sala foi dividida em duas. A entrada é logo ali, descendo um pouquinho a Borges.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

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O Capitólio, na esquina da Borges de Medeiros com Demétrio Ribeiro,  foi inaugurado em 1928. No final dos anos 60, o prédio passou por uma reforma e mudou de nome para Premier. No início nos anos 80, sofreu outra remodelação e voltou a se chamar Capitólio. Com este nome encerrou as atividades em 1994.

O Capitólio em 1928.

Na virada do século, após o fechamento.

O prédio foi tombado pelo IPHAE em 2006, após solicitação do Instituto Estadual de Cinema. O objetivo é o de reunir ali grande parte do acervo audiovisual do Rio Grande do Sul. Porém, apesar do patrocínio da Petrobras, o projeto caminha lentamente. O Capitólio hoje.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

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O Cacique é de 1957 e era localizado na Rua da Praia. O Scala foi construído em 1969 a partir do mezanino do Cacique. Ficava, portanto, no andar de cima.

Era imenso e tinha pinturas de inspiração indígena em suas paredes. Era o Cacique, claro.

Hoje não se vê quase nada dele.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

Fechado desde 1994 e sem as pinturas, parcialmente destruídas por um incêndio em 1996, o Cacique é hoje uma garagem. O restaurante Per Tutti ocupa o ex-Scala. Com alguma imaginação, estando lá dentro, pode-se “montar” o ex-cinema, com sua tela e cadeiras.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

Para se chegar ao restaurante, a escadaria do Scala ainda é utilizada.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

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O Carlos Gomes da Rua Vigário José Inácio é de 1923. Por décadas, foi o local do cinema erótico em Porto Alegre.  Tinha sessões contínuas que iniciavam pela manhã e adentravam a noite.

Atualmente, abriga uma filial das Lojas Pompéia.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

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O São João ficava na mesma Vigário José Inácio, fazendo esquina com a Salgado Filho. Nasceu luxuosamente em 1968 para morrer em 1994.

Hoje é uma agência do Banco do Brasil.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

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O Rex foi inaugurado em 1936 e tem história muito mais longa. Nasceu na Rua da Praia, quase na esquina com a Rua da Ladeira, atual Gal. Câmara.

Então, em 1960, foi posto abaixo para dar lugar à Galeria Di Primio Beck, que está no local até hoje com seu Banco Itaú.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

Mas não morreu. Transferiu-se para a Sete de Setembro (clique na imagem abaixo para ampliar).

De onde foi retirado para dar lugar… a outra agência do Itaú. A página ao lado foi retirada do blog de Emílio Pacheco e mostra a Folha da Tarde anunciando a possibilidade de uma segunda reabertura em “qualquer ponto da cidade” ao mesmo tempo que ostenta, ao lado, um anúncio de Tubarão (sem o artigo), no Cine Victória. O jornalista recebera a informação de outra garagem ou galeria. Não contava com o Itaú. É uma bela e longa agência. O cinema pode ser pressentido em cada canto.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

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O Imperial e o Guarani ficavam lado a lado na Andradas em frente a Praça da Alfândega e têm belas fotos. Nos anos 50.

Nos 60.

O Guarani é de 1913 e era muito bonito (prédio à esquerda na foto).

Sua arquitetura era utilizada para promover os filmes, como fez com o grandioso Os Dez Mandamentos..

O edifício do Guarani ainda está lá, belíssimo. O prédio foi vendido nos anos 1980 para o Banco Safra. A velha fachada está restaurada. A construção menor, ao lado, é a das Farmácia Carvalho.

Banco Safra – Divulgação

Em sua longa decadência, o Imperial (1931) programou filmes de gosto duvidoso.

Em 1987, o Guarani foi reaberto no mezanino do Imperial. O novo Guarani morreu em 2005, assim como o colega. Ambos aguardam de forma muito feia e paciente um Centro Cultural da Caixa Econômica Federal, em fase de segunda licitação. A primeira foi anulada em razão da lentidão das obras.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

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O Lido da Borges de Medeiros, é o ex-Continente, de 1956. Assim como o Carlos Gomes, teve um final de vida pontuado pelo erotismo.

Hoje está em obras. Abriga várias pequenas lojas.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

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Não conseguimos fotos do Marabá, enorme casa para 1800 lugares, mas de seu antecessor, o Palácio, de 1920.  O Marabá foi inaugurado em 1947 e nada tinha ver com o prédio do Palácio.

Local propenso à destruição, hoje ostenta um prédio moderno.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

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Não sabemos quando nasceu o pornográfico Apolo da Av. Voluntários da Pátria, mas sabemos que fechou em 2009.

Dando lugar à loja Gallego.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

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O Áurea fica na Av. Júlio de Castilhos e é um irmão sobrevivente do pequeno Apolo. Abaixo, em 2009.

E hoje.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

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A Júlio de Castilhos também abriga o Atlas, que era bem simples em 2009. Como diferencial, a casa misturava filmes com sexo ao vivo.

Ainda mistura. E parece ter crescido com a fórmula.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

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Os cinemas novos: a Sala Paulo Amorim dentro da Casa de Cultura Mario Quintana.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

A Sala Eduardo Hirtz, no mesmo local.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

E, ainda no mesmo prédio, mas de frente para a Rua da Praia, a Sala Norberto Lubisco.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

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Há também o Cine Santander Cultural, dentro do Centro Cultural de mesmo nome.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

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O charmoso CineBancários.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

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Os dois cinemas do Shopping Rua da Praia, os Arcoíris 1 e 2.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

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A briosa Sala P.F. Gastal, dentro da Usina do Gasômetro.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

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E já quase fora do centro da cidade, a Sala Redenção do Campus Centro da UFRGS.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

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Na próxima semana, pretendemos visitar os bairros. Utilizamos várias fontes, as principais estão listadas abaixo:

http://cinemasportoalegre.blogspot.com.br/
http://lealevalerosa.blogspot.com.br/2010/05/outros-angulos-de-porto-alegre.html
http://ronaldofotografia.blogspot.com.br/2011/02/cinema-imperial.html

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Não tem essa de me dar carona!

Mentira. Pois quando me oferecem sempre pego na hora. Porém, hoje, evitei receber o convite quando meu vizinho saiu de casa na mesma hora que eu. Ele é muito educado e solidário, vai de carro e me faz ganhar quinze minutos. Mas hoje eu acelerei o passo e segui meu caminho para a parada. Passei reto por um simples motivo — queria ler meu livro no ônibus. Atualmente, quase só leio nos ônibus e lotações. Dá uma hora por dia. Em casa, sempre há algo solicitando minha atenção. Um saco, um saco. Mas poderia haver outro motivo. Desde há muito comecei a me deslocar sozinho para o Centro da cidade. Na verdade, desde os 9 ou 10 anos de idade. Quando conseguia sentar, aqueles eram momentos felizes nos quais divagava à vontade, como se não pudesse fazer melhor noutro lugar. Talvez a entrada e saída de pessoas desse maior criatividade aos pensamentos. O fato é sempre houve um traço poético em ser levado dentro de um coletivo. Não sei bem por quê: pode ser o balançar do ônibus, pode ser as caras das pessoas que me fazem adivinhar-lhes as histórias. É um momento de pura indireção, em que não há nada de objetivo que possa ser resolvido e me irrito muito se o celular toca. É muito bom. Então, sempre achei prazerosa a coisa dos ônibus. Ademais, há a discutível certeza de estar colaborando com a humanidade ao não estar andando sozinho dentro de um carro. Foi um boa decisão a de ter ficado com um só carro em casa, acho.

Quando criança, preferia os bondes. Afinal, eles andavam sobre trilhos e nunca poderiam alterar seus caminhos. Eu morria de medo que os ônibus saíssem por aí livremente pela fantasia de um motorista alucinado. Achava que todos os adultos conheciam a cidade. Eu não. E era muito tímido para perguntar como voltar pra casa. Então, os trilhos eram minha segurança. Hoje, nem olho muito as caras das pessoas. Entro, dou bom dia para o motorista e sento para ler. Já me falaram na possibilidade de descolamento da retina. Francamente, que descole.

(O umbiguismo voltou com tudo hoje. Acontece).

Imagem retirada do Blog de Rafael Corrêa.

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Duas grandes homenagens ao Índio

Sempre ao lado das minorias e buscando vencer a barreira do conservadorismo da sociedade brasileira, este blog tem defendido sem tréguas o indígena do Brasil. Devemos sempre lembrar que os índios já habitavam nosso país quando os portugueses aqui chegaram em 1500. Desde aquela data, o que vimos foi o desrespeito e a diminuição das populações indígenas. Este processo ainda ocorre, pois com a mineração e a exploração dos recursos naturais, muitos povos indígenas ainda estão perdendo suas terras. Desta forma, deixamos duas imagens cuja pujança e emotividade conquistará os visitantes deste pequeno órgão.

Baita cocar de uma mulher Seioux.
Feliz Dia do Índio!

* A segunda imagem foi roubada de José Luiz Rosa Filho, no Facebook. A primeira veio de nosso banco de imagens particular.

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Cris Kirchner, a MILF preferida da redação

MILF é uma sigla criada sabe-se lá onde que significa “Mom I’d Like To Fuck” (“Mãe que eu gostaria de foder”), e refere-se, obviamente, ao sexo com mulheres de idade suficiente para serem mães de seus parceiros. O pessoal aqui na redação é jovem e tem certa admiração pela viúva e presidente argentina Cristina Kirchner, 59. Principalmente pela viúva.

Hoje pela manhã, vi a jornalista Miriam Leitão, non-MILF, se rasgando de ódio pela nacionalização da petrolífera YPF. Era engraçado, muito engraçado e eu ri, pois até parecia que ela tinha alguma participação societária no Clarín, tal o ódio e ironia que destilava. Alguns jornalistas are overacting — desculpem, não me ocorreu nada melhor — seus patrões. Era por demais engraçado e agora, quando fui tomar café, lembrei da jornalista se rasgando. A forma escolhida por Miriam foi a de desqualificar Cris K dizendo que ela era dominada por seu filho “preferido” Maximo, 34, que trouxe para o governo  uma equipe de economistas ligada ao vice-ministro da economia, Axel Kicillof, 40. Seriam  um bando de malucos perigosos, ladrões e estatizantes, reunidos sob o nome de “La Campora”.

Olha, estou neste mundo há 54 anos e passei boa parte deles estudando as mulheres com relativo insucesso. Acho que posso dizer, assim de longe, que Cris é uma mulher que ouve, mas faz o que acha melhor, sem deixar-se dominar por ninguém, nem pelos os rapazes da redação, que são homenageados a seguir:

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Gostar de coisas ruins

Eu não entendo, por exemplo, quem ouve e conhece a música popular dos anos 80 por apenas para criticá-la, por achá-la ruim. Nem quem se diverte com a breguice dos outros. Muitas vezes, o brega é cômico e serve como diversão passageira, mas minha opinião é a de que, quem está sempre procurando novas ruindades para ridicularizá-las, na verdade gosta mesmo é daquilo. O erro da insistência em achar (ou ver) graça no ruim é a imensa quantidade do que há de bom e interessante. Não há vida que abarque todos os excelentes livros, músicas e filmes que há para serem lidos, ouvidos, vistos e divulgados. Então, fico meio desesperado quando vejo alguém vibrar com a ruindade alheia, conhecendo-a a fundo. Será que encarar o que é bom dá trabalho? Talvez.

Indo numa via paralela, digo que tenho para mim que a pior pessoa é aquela que só vê objeções, sem conseguir construir nada. Em minhas relações, pouco a pouco tendo a me irritar e automaticamente deixo de considerar as opiniões daqueles que apenas têm coisas a criticar e nada a sugerir. E sempre penso que estes são parentes daqueles, os das coisas bregas. A gente não está aqui só para ter contato com merda. Nós merecemos um pouco mais de dignidade para efetivamente poder parar em pé. Quem me conhece um pouquinho mais, sabe que eu, de minha modesta plataforma, tento polinizar alguma coisa por aí.

E mais não devo dizer. A não ser que estou irritado com as exposições de conhecimento brega que andei tendo por aí. Não sou nada perfeito, mas fico feliz por nunca ter ouvido Michel Teló — só conheço aquele estribilho por ouvir pessoas cantando — e de ter descoberto há pouco que Sandy Junior não era uma pessoa só, mas um casal chamado Sandy & Junior. Estou louco para continuar mais um pouco, mas acho que não devo.

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A morte da Artemis no campus da UFRGS

A cadela pitbull Artemis foi morta a tiros e boa parte da sociedade gaúcha, principalmente aquela que costuma frequentar minha trincheira, ficou escandalizada, defendendo o animal. Sou um cachorreiro de carteirinha — sempre tive cães, até em apartamentos; dou banhos pessoalmente nos meus porque gosto de interagir com eles; cuido das vacinas; acompanho os adestradores em todas as “aulas”; me preocupo; enfim, trato-os muito bem. E gostaria de dar alguns pitacos a respeito.

Artemis foi morta a tiros por um vigilante de uma empresa de segurança que estava no Campus da UFRGS, local cheio de cães que são mantidos pelos universitários. Aconteceu num feriado e o vigilante disse que ela o teria atacado. Olha, duvido muito. Em primeiro lugar porque o bicho estava acostumado à convivência com pessoas e, em segundo lugar, porque haveria uma enorme chance de ela atacar alguém desarmado em vez dele. Ele foi lá encher o saco dela, claro, e talvez ela nem o tenha atacado, mas tenha vindo brincar. Creio que posso afirmar com grande chance de acerto que ela foi atraída por um cara armado que morre de medo da raça, o que acho perfeitamente compreensível e louco.

Uma vez, por motivo extra cinófilo, estava na casa de uma pessoa que têm cães pitbull. Ela se orgulha deles e até fiz carinho nos filhotes de uma ninhada de 4 meses. Tinha vendido alguns e sobraram dois machos e uma fêmea. Passada meia hora, ouviu-se repentinamente um choro altíssimo e rosnares alucinados dos filhotes. Estavam brigando no pátio. Quando olhei pela janela, vi os dois machos matando a irmã. Um puxava de um lado e outro do outro, enquanto se formava uma poça de sangue. A explicação não foi uma explicação: “Ah, da vez passada também fizeram isso, são pitbulls mesmo!!!”, exclamou para meu pasmo, entre assustada e encantada.

Olha, entendo perfeitamente aqueles que desejam a extinção da raça. Na Inglaterra e na França a criação de pitbulls e assemelhados foi proibida por lei. Esterilizaram todos e em quinze anos não havia mais nenhum. E os ingleses e franceses amam os cães.

Um site de amor aos pitbulls diz: Esses cães possuem facilidade para aprenderem a serem ferozes e agressivos, porém, se o dono não ensinar tal coisa e criá-lo com muito amor, carinho, dedicação e respeito, o pitbull jamais irá agir de outra forma que não seja a que aprendeu. Ele será um cão carinhoso e super companheiro, basta você ser assim com ele também. Depois o site sugere que os pitbulls estranham os estranhos… OK.

Na boa, fico com os meus pastores alemães e vira-latas. Além do mais, noto que alguns donos de cães pibtull que vejo na rua se parecem com seus mascotes, dando a letra de que têm também certo desvio de comportamento instalado… Eu fora!

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Exclusivo: ninguém morreu no Titanic

Capa do The Evening Sun de 15 de abril de 1912.

E a insistência, claro:

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Eu não vou prantear Chico Anysio

A Salomé de Chico Anysio: linha direta com a ditadura

O que posso fazer? Sempre achei o cara um saco, chato mesmo, o rei do humor rasteiro. Quando era criança e ainda via a Globo, gostava mais de Jô Soares. Chico Anysio era… cansativo, extremamente cansativo naquela eterna criação de tipos que logo se esgotavam e que acabavam repetidos ad nauseam. Criou 200 personagens, cada um com uma piada.

Lembro de algumas coisas, mas principalmente de minha opinião sobre a personagem Salomé, a velhinha que falava ao telefone com o presidente Figueiredo, tratando-o por João Batista e deixando o equino mandatário mais deglutível à população. Lembro como ele parecia bem acomodado durante o regime militar na Globo, mas não sei de maiores detalhes. Lembro também de seu ressentimento contra os novos humoristas como a turma do Casseta & Planeta. OK, eles não eram grande coisa, mas Chico ficou muito puto quando foi encostado pela Globo em favor dos meninos liderados por Bussunda. Mais cômico e estranho foi seu casamento com a ex-ministra de Collor Zélia Cardoso de Mello.

Aliás, há um episódio muito repugnante, ocorrido durante a campanha Collor X Lula. Ele tinha um espaço de stand-up no Fantástico. Então, em pleno calor da campanha, lá foi ele ajudar Collor: contou que D Marisa não poderia ser primeira dama porque o Planalto tinha muitas janelas de vidro e ela não resistiria a limpá-las todas. A Globo o adorava, claro. Era o retrógrado engraçado, o conservador popular. Como os textos que aprovava não eram suficientemente cômicos — pois humor à favor é complicado de aguentar — ,  Anysio passou superfetar novos personagens sob o filtro de seu talento de ator e, principalmente vocal. A propósito, Chico tinha excelente voz e sabia como usá-la. Era o que tinha de melhor.

Acho estranho que toda essa gurizada o esteja chamando de grande mestre do humor, etc. Na verdade, tiveram a sorte de vê-lo quando eram crianças. Todo mundo tem saudades da infância. Na minha opinião, Chico Anysio é um subproduto do monopólio da Globo. Ela era o humor que havia disponível. O ídolo poderia ser outro, mas ele teve sorte de estar lá no momento certo.

Infelizmente, não descansará em paz. Quem vê TV deverá ser invadido por homenagens ao grande homem. Estou fora dessa, ainda bem.

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Um caso entre mulheres

Ontem, estávamos falando sobre as disputas femininas e eu dizia que estas aconteciam de várias maneiras e que podiam até mesmo não ocorrer. Lembrei-me então de uma curiosidade sobre a qual não penso muito, mas que é digna de ser contada neste blog secreto. Quando me separei, fui morar um tempo na casa de minha mãe. Na primeira noite, ainda não estava deprimido — pensava estar com espírito objetivo e cheio de planos — e fui para o telefone a fim de resolver algumas coisas paralelas que não poderia resolver abertamente na casa em que antes residia. Era uma quarta-feira à noite e vários amigos, sabedores do que era aquela “a primeira noite”, tinham me convidado para sair, mas escolhi ficar em casa. A primeira coisa seria ligar para HC e encaminhar o final de nosso casinho; a segunda, falar com VK para nos encaminhar. As conversas foram bastante amenas, facilitadas pela longa amizade no caso da primeira e pelo bom humor no caso da segunda. VK nunca deu certo, mas ríamos bastante juntos. Lembro que a conversa com ela passou incontrolavelmente para nossos filhos, meus e dela. Era um difícil acerto entre duas mães.

Quando desliguei o telefone, finalizadas minhas pobres conversações galantes, o telefone tocou. Ora, pensei que era D. me perguntando se eu estava querendo me suicidar ou apenas dormir. Mas não, era uma amiga de minha ex que me telefonava. Ela conseguira o número da casa de minha mãe através de um colega meu de trabalho. Muito esforço, nossa. Nunca tinha falado com ela pelo telefone e, a meu ver, ela era casada. Obviamente, desliguei todas as intenções que manifestara nos outros telefonemas e passei ao modo de conversação simpática e asséptica. Afinal, conhecia de vista o marido da moça e tenho aquela coisa de lealdade correndo em meu sangue. Ou penso ter. Conversamos sobre o frio, sobre livros e a coisa estava agradável até que ela começou a tornar a conversa lenta, deixando-me meio sem respostas, sinal inequívoco de que desejava finalizar o papo ou mudar de assunto. Entrei no jogo dando um longo suspiro que seria utilizado pela vontade dela — ou como uma pausa que permitiria o tchau, ou como uma chance para entabular um novo assunto. Novo assunto.

Ela falou que eram foda os primeiros dias de qualquer separação. Mas não parecia penalizada. Depois finalmente entrou no assunto que parecia ser seu objetivo: começou a falar mal de minha ex como colega de trabalho. (Desculpem, nunca lembro do nome de minha ex; acho que seu nome é Pâmela ou Suélen, sei lá). Após várias referências à politicagem interna do Departamento delas na Universidade e do Hospital onde trabalhavam — não dei grande atenção àquilo que depois foi caracterizado por outra amiga como um “cesto de ofídeos” — , a nova amiga me disse que minha ex era “de plástico”, ou seja, que era fria e calculista. Como a interlocutora parecia ser tudo que Suélen não era, depreendi que o significado daquilo era “e eu sou de carne, quente e apaixonada”. Nunca fui um Paul Newman e a maioria das mulheres se aproximam de mim por me acharem legal, não para ir para a cama. Não é falsa modéstia, é a realidade. Na hora pensei que deveria convidá-la para sair naquele momento, talvez naquele dia, mas os feios que se acham inteligentes são também profiláticos. Desligamos com a coisa temporariamente suspensa.

No dia seguinte, uma ligação matinal para o meu trabalho. Vamos almoçar? Fomos.

Hoje, quando penso naqueles poucos dias, concluo que foi uma atitude de vingança. Não era para ter acontecido, mas era divertido ficar abraçado na cama falando mal de Pâmela, ainda mais que eu ainda ia nas sessões com a “terapeuta familiar” na companhia de Su. Eu parecia estar acentuando (ou resolvendo) um problema de relacionamento entre mulheres, mas era bom. Volta e meia, recebo ligações com atualizações das news do Departamento, mas estas estão cada vez mais raras.

Ah, e acho que tem tanta mulher naquele local da UFRGS que a amiga vai achar este post engraçado, se o ler. Ou será que terei que deletá-lo?

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Estilo Zaffari radical

Depois do almoço, fui ao Zaffari da Otto Niemeyer comprar umas coisinhas. Gosto de ir lá. Era um início de tarde quente e pachorrento e as pessoas pareciam com vontade de ir logo para casa tirar uma sesta. Mas vá saber o que se passa nas almas torturadas dos porto-alegrenses? Estava no caixa quando vi duas moças a dois metros de mim — caixas ou empacotadoras do super-mercado, devidamente uniformizadas — pegarem-se a tapas, arranhões e puxões de cabelo. A luta, travada em rigoroso Estilo Zaffari radical, era silenciosa, quase elegante, e só pude ouvir um “o que tu tá pensando” proferido baixinho, quase uma confissão íntima de como “eu te odeio, sua vaca”.

Levei uns dois ou três segundos para me dar conta de que uma desejava a total eliminação física da outra e que deveria ter a hombridade de tentar separá-las. Durante a rápida refrega, nenhuma delas estabeleceu uma vantagem digna de encerrar a luta e um juiz isento teria que se decidir pelo empate. Bem, me meti na coisa e quase sobrou pra mim. Tomei um tapa na clavícula, de cima para baixo. Não machucou, mas a moça era forte. Logo vieram dois outros empacotadores ou fiscais ou superiores e agarraram as lutadoras. Rixa, litígio, querela, inimizade ou paixão? Foi quando uma delas, a menor e mais lisa, a que não bateu em mim, soltou-se de seu guarda e correu em direção à outra. Estava inconformada com o empate. Nada feito, nós a impedimos.

Uma cena certamente lamentável, porém, quando olhei para os lados, todos olhavam o caso deliciados, sorridentes, inclusive os colegas das contendoras. O ser humano não presta mesmo. Eu? Ora, vocês querem que eu narre e ainda exponha meus sentimentos?

Foi, como diria aquele jornal, mais um drama gaúcho.

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Amy Winehouse nunca terá substituta, nem Janis Joplin

Eu realmente me divirto com essas coisas. Há alguns artigos musicais ingleses e americanos que falam, cada vez com maior seriedade e veemência, na possibilidade e na necessidade do surgimento “da próxima Amy Winehouse”. Li também dois sítios brasileiros falando “na substituta”. Não duvido sobre a necessidade de uma nova Amy para a indústria ou para os fãs, porém as conversas que me intrigam são sobre a formação, a criação e a escolha de nomes, acompanhadas de clipes no YouTube. Mas antes podemos recuar um pouco no tempo?

Em 2007, Gilliam Reagan e James Salon escreveram no New York Observer: Amy Winehouse vai morrer jovem. Parece inevitável, dada a combinação de juventude, ousadia, abuso de drogas, talento e má escolha de homens. Parece que vai ficar em boa companhia no céu do rock ‘n’ roll. Ficará com Janis Joplin, Jimi Hendrix, etc.

Ah, as previsões irresponsáveis da imprensa… Bem, OK, digamos que o cenário já estava pronto e as coisas encaminhadas, apesar da maldade de expor a cantora para a observação e decomposição pública, mas o que me interessa é o lado B dos fatos. Sim, pois tal prognóstico desnuda o enorme apetite de autodestruição de Amy, como também uma postura de entrega absoluta, que é bastante rara nos artistas que são o resultado da maquiagem, do recondicionamento e da hidratação de produtores atrás de grana. Pouco sei de Hendrix, Cobain ou Jim Morrison, mas a existência de Joplin — sabiam que o nome da mãe de Amy é Janis? — também me parece ter sido a de alguém que acelerava em direção ao muro sem procurar vicinais. A tragédia pessoal e a decisão de ir fundo estava plasmada nos rostos e na trajetória das duas cantoras. Por isso, quando leio alguém escrever que esta ou aquela cantora irá substituir uma das duas, procuro logo saber qual é o grau de desvio de comportamento que apresenta.

Se a candidata é bem comportada, esqueça. Pois pensar que alguém possa ter uma carreira semelhante sem um anormal grau de entrega é uma bobagem. Se tiver comportamento convencional pode ser melhor ou pior, mas não será a lenda de que tanto precisa a combalida indústria fonográfica. Winehouse e Joplin foram como foram porque colocaram sua paixão e vida em tudo. Ambas faziam altos investimentos de angústia na música, nos homens, nas drogas, na escolha do vestido, do penteado e também no momento de passar a faca na manteiga e a manteiga no pão. Para que renasçam é necessária uma nova tragédia. Mas isso fica escondido nos textos.

Pois ambas eram um comportamento inteiro, pacotes distintos de uma só sinceridade. Ninguém vai compor boas músicas sobre reabilitação se não estiver envolvido, ninguém vai cantar com aquela garra e franqueza se estiver preocupado com o contrato, com o carro ou o próximo show. Para o gênero de artistas que elas foram, esta inteireza pode ou deve ser autocentrada e em faixa própria. Eram pessoas cujos conceitos e posturas estavam sempre presentes em apoio ao descontrole.

Pois Amy Winehouse não subia ao palco apenas para mostrar seu trabalho. Ela usava a arte para gritar, vivia o que cantava. E seus admiradores sabiam claramente ou intuíam que aquilo sim era unir arte e vida. Suas composições e a expressiva voz de contralto persuadiam que ali não havia apenas o “fazer artístico”. Talvez involuntariamente, talvez por personalidade, Winehouse atirou-se em sua Paixão — no sentido mais exacerbado e patológico do termo — baseada num referencial próprio de dor e entrega.

Então, quando aparece uma gordinha normalzinha ou uma magrinha com cara de modelo como novas Joplins ou Winehouses, esqueçam. A nova Joplin virá arrebentando e será facilmente reconhecida, terá nome e luz próprias como Amy tinha e ninguém vai ter tempo para muitas comparações.

Janis Joplin "estragula" Grace Slick em 1967

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Anotação sobre a defesa do politicamente correto

Eu acho que as reações do pessoal de nossa trincheira política à Rafinha Bastos são equivocadas no sentido de defender o politicamente correto. Claro, o cara é um imbecil e não pretendo de forma alguma justificá-lo — nem saberia como. Mas, por exemplo, acho que este elogio ao politicamente correto, que está sendo repassado, copiado e recopiado em muitos blogs de esquerda, ainda vai causar arrependimento. Ali, o politicamente incorreto aparece limitado a gente que ataca líderes LGBTs, defende homofóbicos e racistas, aplica bullying, ri dos outros por seus defeitos e defende a criminalização do aborto e a Igreja Católica (???). Sei não.

Eu concordo com o artigo quando ele ataca alguém tão desqualificado quanto o “humorista” gaúcho, mas sigo achando o politicamente correto burro. O politicamente correto, se ler atentamente Graciliano Ramos, acabará qualificando-o de alguma coisa qualquer da mesma forma como acusou Monteiro Lobato no Brasil e Mark Twain nos EUA de racistas. Em minha sacrofobia, não livro Lobato de racismo, mas daí a censurá-lo, emendá-lo ou deletá-lo vai alguma distância. Acho legal manter a complexidade das coisas. Os leitores e os professores que interpretem e expliquem Emília, por que não?  O politicamente correto deveria submeter-se à Segunda Lei de Milton: Toda qualidade que possamos ter transforma-se em defeito quando algum fato externo a leva ao paroxismo.

Voltando a Rafinha. Sei que os movimentos sociais usam tais seres — refiro-me a Rafinha — como mote, base e exemplo para suas teses e têm razão nisso, mas, porra, como foi dado espaço para o cara! Eu, nesta anotação quase pessoal, digo que nunca vi o CQC e só conheço o cara de fotos. E não li ainda ninguém falando mal da  TV e de sua indústria de celebridades. Caberia.

Mas as piadas são boas. Ricardo Cabral escreveu ontem no Facebook:

Projeto de lei: A partir do meio-dia de 03-10-2011, aquele que em alguma queixa, comentário, crítica, desabafo e afins mencionar as expressões “politicamente correto” e/ou “politicamente incorreto” terá o seu acesso à internet bloqueado por seis meses e deverá ficar no canto da sala, ajoelhado no milho, durante duas horas seguidas. (Maiores de 65 anos sofrerão penas alternativas.) Ficam excluídos destas medidas penas apenas os que fizerem análises mais aprofundadas sobre o uso dessas expressões.

E a resposta de Fernando Monteiro:

Acho politicamente incorreto exibir assim um tom de tanta autoridade imaginária.


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