Dois anos e meio

Dois anos e meio

Eu nunca pensei que um amor daqueles bons fosse algo espontâneo ou fácil de ocorrer, mas achei que entre nós dois haveria grandes chances. Lembro que quando anunciamos nosso “relacionamento sério” no Facebook, reclamei que a expressão correta deveria ser “relacionamento divertido”. Pois as risadas insistem conosco. Mesmo quando as circunstâncias não ajudam, arranjamos lugar para elas. E, nossa, como os problemas do mundo exterior vieram e incomodaram! Mas fomos despachando um por um. Lá no começo, a gente improvisava com poucos temas, mas hoje temos um vasto repertório que foi sendo aprendido.

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O amor é complicado porque não é só saltar em cima. Quero dizer, também é saltar em cima ou ficar por baixo, mas é também uma série de cuidados e acordos tácitos que vão facilitando seu crescimento. É ver que a vida e as escolhas do outro são tão importantes como as nossas e respeitar. É o famoso amar se aprende amando do Drummond. Para quem acha que amor apenas acontece como criacionismo, invoco Paracelso, que era moderninho já no século XVI: Quem nada conhece, nada ama. Quem nada pode fazer e nada compreende, nada vale. Mas quem observa e compreende — ama. Quanto mais conhecimento, tanto maior o amor”.

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Tudo isso parece muito científico, mas estou no trabalho e a ciência e as citações são um bom refúgio, porque a verdade é que estou começando a querer muito te beijar, Elena.

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Fotos de Augusto Maurer, pra variar

O making of de uma foto familiar

O making of de uma foto familiar

Era uma festa para o Bernardo carinhosamente preparada pela Astrid Müller e o Augusto Maurer. Ele voltou da Alemanha na semana passada e vai passar uns 40 dias por aqui. Então, fomos tirar uma foto com um instrumento que minha irmã Iracema disse possuir. E ela tirou da bolsa um pau de selfie… Fomos experimentá-lo, claro.

O resultado da preparação foi esta foto com a Elena, eu, Iracema, Bernardo — que passou todo o tempo boicotando a coisa — e a Bárbara.

Elena Milton Iracema Bernardo BárbaraPor alguma razão, fomos um sucesso no Facebook… O Augusto registrou toda a preparação. Acho curiosa.

001002003004005Abaixo, o momento da foto.

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Rascunho de meu pai

Rascunho de meu pai

Ele não pertencia ao Departamento de Preocupações e frequentemente licenciava-se do de Sustento. Em nossa casa e em todos os lugares onde ia, suas funções estavam mais ligadas ao Ministério do Lazer, Jogos e Cultura, sem esquecer as Relações Públicas. Não posso imaginar coisa melhor para uma criança do que um pai sempre presente, brincalhão e meio irresponsável. Desde muito pequeno tive contato com os dois lados do Dr. Milton Cardoso Ribeiro — o pai adorável e o apostador do turfe. Meu pai e minha mãe eram dentistas numa época em que os bons profissionais desta área faturavam o que todos nós deveríamos faturar sempre. Só que meu pai direcionava grande parte de seus ganhos para o Jockey Club. Minha mãe ficava maluca com isto, mas para mim, que não conhecia outra família, era algo tão normal que suas reclamações eram como a música incidental sob a qual vivíamos tranquilamente. E esta trilha não poderia ser mesmo muito tonitruante, pois meu pai era alguém tão doce que era difícil brigar com ele.

Ele nasceu há 89 anos, em 17 de fevereiro de 1927 e morreu em 11 de dezembro de 1993, um sábado, aos 66 anos. No dia anterior, dera-me um encontrão por trás no super-mercado — outra tradição nossa — e comentáramos sobre um monte de coisas. Estava muito bem, porém, no dia seguinte, sofreu um ataque cardíaco. Sinto enormemente sua falta. Ele certamente ficaria encantado com esta novidade tecnológica onde que você me lê e que o faria saber de tudo rapidamente. Sua Internet eram os muitos jornais dos quais não se separava e o chatíssimo rádio de pilha que usava sempre para ouvir notícias e a meteorologia. Algumas vezes suas manias tornavam-se incontroláveis, como naquele caso ocorrido em pleno casamento de minha irmã: durante a festa, organizada num dos hotéis mais chiques de Porto Alegre, um amigo da Iracema chegou-se para dizer-lhe que um convidado — certamente desinteressado na festa — estava escondido no recinto da privada, ouvindo os páreos num radinho de pilha. Minha irmã voltou-se rindo para o amigo e disse-lhe: “Deve ser meu pai!”.

Não lembro de grandes brigas ou discussões com ele. Lembro é das disputas. Seu perfil de apostador adequava-se perfeitamente a elas. Eu e ele tínhamos um jogo que durou de minha adolescência até sua morte. Toda a vez que ligávamos na Rádio da Universidade — especializada em música erudita –, tratávamos de identificar o mais rapidamente possível qual era a música que estava sendo executada. Isto podia acontecer várias vezes ao dia. Com isto, sou, até hoje, supertreinado em descobrir tudo o que de clássico toca no rádio. Hoje mesmo liguei o rádio e disse rapidamente, para mim mesmo: “Sarabanda da Suite Nº 2 da Música Aquática de Handel”.

Quando eu tinha menos de 13 anos, nos dedicávamos — sempre antes de dormir — à atividade de imaginar histórias para a música que estivéssemos ouvindo. Lembro dos numerosos tuaregues que acompanhavam o Bolero de Ravel… Dos prelúdios líquidos e cheios de peixes de Chopin… Dos concertos atléticos de Bach… das histórias de terror que acompanhavam o Concerto Nº 1 para piano e orquestra de Brahms… É desnecessário dizer que meu pai amava a música. Qualquer música. Colocava Mozart e Noel no mesmo patamar e misturava na mesma noite eruditos e populares. Como pianista amador, chegou a compor e a dedicar a valsa Férias de Julho a mim e minha irmã.

Acho que meus pais se amavam. Lembro de gestos de carinho num e noutro sentido. Minha mãe refere-se a ele como um homem que só tinha um só defeito (o já citado) e, quando ele morreu, disse-me com um olhar perdido que estava arrependida por ter recebido muito mais amor do que dera.

Boa parte das boas lembranças da infância e da juventude estão associadas a meu pai. Ele era um piadista, um cara engraçado e bem humorado que participava de tudo e era moderno o suficiente para não estabelecer distâncias. Sempre me senti seu par, um igual. Assistimos a centenas de jogos do Inter juntos e, no dia que fomos Campeões Brasileiros pela primeira vez, em 75, quando Figueroa fez o gol da vitória, ele, em vez de vibrar, sentou-se na arquibancada com as mãos na cabeça. Eu não estava presente, ficara estudando para o Vestibular. Ele me contou que se sentiu meio tonto e que não precisava de tanta emoção: “Há pouco tempo, eu não gostava mais de futebol e nem ia mais aos estádios. Tu me fizeste voltar e agora toda essa coisa”.

Meu filho Bernardo, eu e meu pai em 1993.
Meu filho Bernardo, eu e meu pai em 1993.

Ele conheceu meu primeiro filho, Bernardo. As fotos comprovam — ele não saía de perto do menino que tinha quase três anos quando o avô morreu. E como desejava uma neta! E ela veio somente um ano após sua morte. Conhecendo os dois, sei que se adorariam e não desgrudariam. Até hoje conto para ela histórias de seu avô. Céus, como sinto falta dele.

Aniversário de 15 anos de meu pai, em 1942
Aniversário de 15 anos de meu pai, em 1942. Ele é o que está sentado na cabeceira da mesa. Não sei de onde surgiu toda essa portuguesada. Deviam ser amigos, pois minha família é diminuta. Importante notar o distintivo do Inter na parede.
Meu pai e minha mãe em 1951
Meu pai e minha mãe em 195o dando um rolê por Porto Alegre
Pais e filhos num desses dias do século XX
Pais e filhos num desses dias do século XX

Texto revisado hoje, com fotos “novas”, etc. Quem me influenciou a republicá-lo foi a Elena, que disse que, se comemoramos as datas de nascimento e morte de grandes autores do passado, por que não comemoramos a data de nascimento de alguém próximo e querido que já foi?

Pequena viagem virtual à cidade onde Elena nasceu

Pequena viagem virtual à cidade onde Elena nasceu

De vez em quando, eu viajo pela cidade onde Elena nasceu. Hoje, ela quase só tem amigos na cidade. Sua família emigrou depois do fim da URSS, quando a vida ficou ainda mais difícil. Esta é a praça central de Moguilióv, na Bielorrússia, cidade de 360 mil habitantes. Ao fundo, o rio Dnieper.

Mogilev_2007_7Este é o mosteiro de São Nicolau.

mosteiro de São NicolauE este, à esquerda, é um Clube de Cultura. Estes Clubes eram a casa da Elena e de muitos jovens. Cada instituição ou fábrica tinha um Clube de Cultura onde os funcionários e jovens — seus filhos ou não — se reuniam, dançavam, cantavam, liam, faziam teatro, etc., tudo gratuito. Ela tocou lá. À direita, a Ratusha, local mais alto da cidade velha. É do século XVI. Antes era de madeira e incendiou. No século XVII, fizeram-na de pedra e segue-se uma longa história.

mogilev RatushaOs fundos do Teatro Dramático de Moguilióv. Aqui, só peças de teatro, nada de música.

Mogilev Drama TheatreO mesmo teatro, agora de frente.

Mogilev Drama Theatre frenteA estação de trem.

estação de trem MogilevOutra da estação de trem.

Outra da estação de tremSua escola de primeiro grau.

escola MogilevSua escola de segundo grau já traz um violino.

escola segundo grauOutra parte do colégio do segundo grau.

escola segundo grau outra parteMuseu de nome impronunciável. Ela também deu concertos lá e disse que, mais de um século antes, Pushkin tomou a maior bebedeira no local.

Museu MogilevO estádio do Spartak.

estádio do SpartakO Monumento aos Mortos da 2ª Guerra.

Monumento aos mortos da 2ª GuerraIgreja de Boris e Gleb. Ela não entrava lá porque era soviética! Depois entrou. Intacta, a igreja sobreviveu à guerra.

Igreja de Boris e GlebEsta é a Elena (aos 13 anos, à direita) no dia da inauguração da praça que encabeça este post.

elena 13 anosA catedral. Na época soviética era um clube.

catedral Mogilev

Como a praia nos ensinou a gostar de música sertaneja…

Como a praia nos ensinou a gostar de música sertaneja…

A Elena quer que eu conte como a praia nos ensinou a gostar de música sertaneja. Foi um fenômeno súbito. Nós frequentemente íamos a uma pastelaria na Rua Rio Tapajós, a principal de Zimbros.

Acontece que bem na frente da pastelaria havia uma igreja cfe. foto abaixo. A cantora da igreja pegava o microfone e cantava, puxando a pequena congregação. Olha, só estando muito necessitado para aguentar aquilo. A pobre moça berrava, alcançando muito raramente a nota procurada. Para que seus erros não ficassem plasmados, ela procurava demonstrar “pegada”. É um vício de maus músicos e cantores. Como não sabem tocar ou cantar, saracoteiam, fazem cara de inspirados ou de extremo esforço e tocam e cantam alto, errando tudo, mas com “garra”. Certo público e a torcida do Grêmio deixam-se enganar pelo esforço, vão esforço.

Até o dono da pastelaria dizia que as músicas da igreja doíam nos ouvidos. E, bem…

Em contraposição, dentro da pastelaria havia uma TV alimentada por um DVD que passava shows de duplas, trios e solos de música sertaneja. Que maravilha… Eles acertavam um pouco mais no tom, e sua música e temas ainda tinham algum sentido. Pouco, mas tinham. Soube que a ideologia deles é a de ser solteiro, beber muito, dançar e pegar e ser pegado por mulher. É um mundo de péssimo gosto, porém hedonista e mais eufônico do que o das igrejas evangélicas. Por isso, eu passei a amar um pouquinho os sertanojos.

Elena Romanov Zimbros

P.S. — Mais da metade das músicas da pastelaria eram assim mesmo. O cara chegava cansado em casa, mas tinha marcada uma festa com mulher, música e muita bebida. Ou o cara tirava sarro do amigo que tinha que ir ao cinema porque estava namorando e, assim, perdia o menu de mulheres das festas. Ou era a respeito de mulheres poderosas que pegavam um cara por noite e não tavam nem aí. As letras são deste tipo.

Minha aparição nas páginas policiais de Zero Hora

Minha aparição nas páginas policiais de Zero Hora
Legenda: ‘Em 18/11 quase foi atropelado. O carro travou em cima dele. Este é o exemplo da família!’

Meu tio João, irmão de minha mãe, era jogo duro. Eu, aos 11 anos, sabia que devia temê-lo um pouquinho, não muito. Vagamente, estava consciente de que não era adequado fazer brincadeiras com ele. O tio, na falta de seu pai, meu avô, àquela época muito doente, às vezes tentava substituí-lo, assumindo o cargo de reserva moral da família. Era maçom e aquilo tinha alguma importância naquela época. Só que ele vivia em Cruz Alta e nós em Porto Alegre, bem longe.

Um dia, recebemos um recorte de jornal. Era da Zero Hora. Nele, estava estampada uma fotografia minha: eu aparecia tranquilo, pronto a receber uma bola vinda da cobrança de um lateral pelo Batista (João Batista Carneiro Borges, meu melhor amigo da infância); em minha direção, além da bola, vinha o Cesare (Cesare Arturo Domenico Bianchini, onde andará?) correndo como um louco assassino, mais ou menos como o Guiñazu faz. Mas o craque, com segurança e completo domínio da situação, permanecia impassível… Tal lance ocorreu em 16 de novembro de 1968, quase dois meses após meus 11 anos.

O AI-5 logo ali e eu jogando bola feito um alienado…

Mas… Lembro bem. Almoçava quando minha mãe entrou na cozinha brandindo um envelope. Parecia pronta para uma briga. Logo soube que era uma carta do temido tio João. E contra mim!

— Milton Luiz, que forma de estrear nos jornais! Que vergonha!

Ela me entregou a foto e a carta, que não me interessou. Fiquei encantado com a foto; afinal, aparecer no jornal não era para qualquer um e nem minha irmã — a perfeita — havia conseguido aquilo. Meu pai entrou atrás, dizendo que aquilo era um absurdo. Só que senti que eles estavam bem humorados e logo meu pai perguntou se eu tinha visto o fotógrafo.

— O tio João escreveu meu nome errado, é com “z”.
— Responde à minha pergunta, por favor.
— Sim, vi. Ele falou conosco.
— E o que ele disse?
— Nada. Só que queria uma fotos de nós jogando bola.

Minha mãe revirou os olhos e olhou para minha irmã, visivelmente deliciada com o caso que demonstrava pela enésima vez que eu era um hooligan com um futuro de prisões e perseguições.

— Da próxima vez, não te deixa fotografar!!! — disse minha mãe.

Acho que meus pais sabiam que, trabalhando todo o dia fora — ambos eram dentistas –, não podiam cuidar muito de nós. Talvez até tivessem confiança em mim, sei lá. Ou sabiam que o futebol na Av. João Pessoa ou na Praça Piratini era inevitável. Uma horda de meninos passava a tarde jogando bola. Como evitar que eu fizesse o mesmo? Prendendo-me em casa? Minha mãe me advertiu frouxamente para cuidar com os carros ao buscar a bola. Perguntou sobre o tal carro que freara “em cima de mim”.

— Nunca, mãe. Pode perguntar pro Batista.

Naquele momento, tive algo como uma revelação. Os adultos não pensavam em bloco, a dureza de meu tio era amenizada pelos meus pais, que não me deram castigo nenhum e eu esqueci completamente da frase de meu tio “Este é o exemplo da família”.

Ontem, recebi por carta o recorte. Estava sem a carta de meu tio. Lembrei de tudo, inclusive do fato de que minha mãe o mostrava a seus clientes como um troféu… Olha como este guri é incontrolável, agitado e moleque! Só que, quando apresentava a prova de minha molecagem, seu cliente lia a frase ofensiva de meu tio, que era sistematicamente ignorada por ela.

Realmente, meu tio morava longe.

Zimbros, um encontro inesperado

Zimbros, um encontro inesperado

Por algum motivo, estamos sem o Facebook em nossa pousada. Mal consigo ver meu perfil. Então, esta postagem estilo rede social veio para cá.

Na verdade, eu deveria mudar meu número, pois é incrível como me ligam para me vender produtos bancários, TVs a cabo, imóveis, o diabo. Por algum motivo muito equivocado, todos pensam que sou rico. Então, eu recebo telefonemas em Zimbros, olho para o celular e só atendo aqueles de pessoas cadastradas dentre meus contatos. Só que meu sobrinho Filipe Gonçalves raramente me telefona. Estranho. Ele estava de férias em Ganchos, atravessara a baía de mais ou menos 15 quilômetros com seu Jet Ski e estava com a noiva-esposa Laura Blaya no Berro d`Água, melhor restaurante de Zimbros.

Como estamos numa pousada próxima, fomos até lá encontrá-los. Infelizmente, já tínhamos almoçado. Então, ficamos bebendo e comendo as batatas fritas sobrantes, enquanto víamos as pessoas posarem para fotos na frente no novo jet ski vermelho co Filipe. Elena, que viveu alguns anos em Manaus, explicou as propriedades do óleo de andiroba, um repelente natural que salva as pessoas dos insetos estilo porta-aviões do Amazonas, assim como dos nossos, muito menores. É que em Ganchos a coisa é inóspita e se vive entre os mosquitos. É como eu digo sempre, classe média sofre.

Abaixo, algumas fotenhas.

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Acima, Filipe, Laura, Elena e este que vos escreve.  A Laura vai ficar irritada porque publiquei sua foto com um olho fechado.

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E aqui a Elena vai me detestar por ter saído com jeitinho de desmaio.

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E agora, começando pela foto acima, uma sequência com a saída dos visitantes.

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Zimbros, a sombrinha vermelha

Zimbros, a sombrinha vermelha

Eu dei uma linda sombrinha em estilo japonês para a Elena. No primeiro passeio em Porto Alegre, todos os que passavam por nós sorriam. Algumas mulheres perguntavam onde ela tinha comprado aquela maravilha tão delicada. Hoje, tivemos a repetição do fato em Zimbros. Aconteceu um pequeno problema odontológico, então vestimos roupas de cidade e fomos resolvê-lo. Muitos, mas muitos sorrisos e uma pergunta de um homem: “Onde você comprou?”. Meu presente vermelho é um sucesso.

Sombrinha Elena

11 de dezembro

11 de dezembro

O 11 de dezembro de 1993 é para eu lamentar. Era um sábado. O sábado em que meu pai morreu inesperadamente. No dia anterior, eu tinha me encontrado casualmente com ele num supermercado e tínhamos conversado animadamente sobre a música de Schubert. Jamais imaginaria que aquela fosse nossa despedida. Na manhã seguinte, minha mãe telefonou e encontrei-o deitado no chão do banheiro, cercado por ela, minha irmã e equipe médica.

A saudade é imensa e isso não é somente uma frase chavão. Comecei a senti-la quando vi que seu corpo estava frio e que todas as memórias que ele guardava de mim tinham se dissipado naquele ataque cardíaco. Eu tinha 36 anos e senti uma solidão de um gênero desconhecido, sem saída. É claro que esta sensação quase não existe 22 anos depois. Mas ela fica me ameaçando a cada 11 de dezembro.

A única foto que tenho dele aqui no trabalho é esta aí, com o neto Bernardo. Infelizmente, ele não conheceu a Bárbara.

Meu filho Bernardo, eu e meu pai em 1993.
Meu filho Bernardo, eu e meu pai em 1993.

Um texto bem bobo como o amor

Um texto bem bobo como o amor

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O dia 25 de setembro — assim como o 4 de janeiro, Bernardo — é uma superdata. É a data de nascimento de minha filha Bárbara. Sou um sujeito como quase todo mundo, então tenho um amor incondicional e oceânico por meus filhos. Mas meus contatos com eles foram drasticamente reduzidos nos últimos meses. O Bernardo está em Berlim e meus encontros pessoais com ele em 2015 ficaram reduzido quase a zero. O Skype não vale. A Bárbara hoje não mora mais comigo e entrou naquela idade maluca em que se trabalha mais do que os pais. Há a faculdade, o estágio, o namorado, as festas, o mundo e o tempo que sobra é pequeno. É a prova de que, mesmo que a biologia pense diferentemente, não fazemos os filhos para nós. Mas creio que o vínculo amoroso permaneça intacto.

Que eu lembre, nunca comentamos a respeito, mas, quando morávamos juntos, éramos uma dupla bastante original. Temos tendência a permanecermos silenciosos e assim ficávamos por horas. Lembro de passarmos finais de semana na mesma casa, apenas conversando na hora das refeições. E era tudo muito leve e agradável. Lembro de nossa viagem para a Europa. Passamos 20 dias juntos sem nenhuma altercação, desentendimento, nada. É claro que não foi por ficarmos quietos. Conversamos muito e recordo do momento em que chegamos a Camden Town, Londres, e eu caí inteiramente no ritmo dela, entrando onde ela queria entrar e fazendo o que ela desejava. Ela subitamente virou-se para mim e disse que estava curtindo muito, mas que a viagem não era só dela, era minha também. Eu assenti em silêncio, feliz, mas segui pensando que a viagem era dela. E era.

2013 foi um grande ano para mim. Além de ter sido o ano em que a Elena entrou na minha vida, foi o ano desta coisa que eu sugiro a todo pai fazer: uma longa viagem com um filho(a). Pode ser para qualquer lugar, não precisa ser necessariamente para paraísos caros. Bem, se a relação for tensa, talvez seja melhor esquecer. Eu e Bárbara aproveitamos aquela que talvez tenha sido nossa última chance. Com os 18 anos que ela tinha em fevereiro de 2013, ainda era possível. Agora, em dezembro, ela voltará à Europa numa viagem que envolve o irmão, mas também o namorado, um calendário mais apertado, etc. Enfim, acho que aquela foi a última oportunidade de pai e filha viajarem sozinhos.

Monumento à Franz Kafka, próximo à rua Dušní em Praga, em frente à Sinagoga Espanhola
Monumento à Franz Kafka, próximo à rua Dušní em Praga, em frente à Sinagoga Espanhola | Foto: Milton Ribeiro

Tenho uma lembrança bobíssima, que certamente só eu acho emocionante. Num dia de nossa viagem, a gente estava mais ou menos próximo do monumento acima, na entrada do Josefov, o bairro judaico de Praga. O Monumento à Franz Kafka foi inspirado em um dos contos de Kafka, Descrição de uma Luta. É Kafka nos ombros de um gigante destituído de cabeça e mãos, representação de uma das cenas da história. No bairro há um monte de sinagogas. Tem a Sinagoga Pinkas, a Velha Nova Sinagoga, a Alta Sinagoga, a Prefeitura judaica, o Antigo Cemitério judaico, etc. E precisávamos comprar ingressos para ver tudo isso. Fui comprá-los e notei que a atendente estava olhando para alguma coisa às minhas costas. Pedi nossos ingressos e a senhora nem me ouviu, continuou olhando. Fui ver o que estava acontecendo e observei que Bárbara girava lentamente sobre si mesma, olhando para o alto e sorrindo. Na hora achei estranho, ela não costuma deslumbrar-se facilmente, que ataque era aquele? O que não sabia é que aquela imagem ficaria gravada tão fortemente em meu cérebro.

A senhora voltou a me dar atenção e me disse em inglês, sorrindo:

— Ela nunca viu a neve… De onde vocês são?

Só então me dei conta de que (1) tinha começado a nevar e (2) que a Bárbara nunca tinha visto aquilo e estava encantada.

Foto: Milton Ribeiro
Foto: Milton Ribeiro

Por alguma razão, toda vez que lembro de minha filha e certamente quando lembro daquela viagem, me vem a imagem da Babi girando. Não tirei fotos daquele momento. Se o fizesse, talvez não lembrasse tão bem. Depois veio mais neve.

Foto: Milton Ribeiro
Foto: Milton Ribeiro

e muito mais neve.

Foto: Milton Ribeiro
Foto: Milton Ribeiro

E veio a zombeteira.

Coisa amada | Foto: Milton Ribeiro
Coisa amada | Foto: Milton Ribeiro

Antes que me torne sentimental e aborrecido, é melhor parar. Feliz aniversário, Babi! Dizem que a gente é parecido, mas eu te acho parecida é com minha irmã. Quando tu te irritas ou logo que acordas, bá, ficas igual. É aquela coisinha intratável. Até bem pouco tempo, eu te acordava com um Nescau no quarto, mas tu ficavas louca da vida quando eu entrava cantando romanticamente Moon river. Então eu mudei para o estribilho de Geni e o Zeppelin. Também sei que não podes ouvir outra canção do Chico Buarque, Cala a boca, Bárbara, música com a qual eu te ninava quando eras bebê. Sim, acho que fui um pai insuportável, mas o resultado comprova que não fui tão mal assim, ao menos te passei metade de uma carga genética bem legalzinha. Por dentro e por fora. (Vê-se e sente-se que a outra metade também é muito boa).

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E jamais esqueça que hoje é também o aniversário de meus ídolos Dmitri Dmitrievich Shostakovich e William Faulkner. Naquele domingo à tarde, tudo foi preparado para que nascesses em boa companhia, viu?

O dia em que meu avô enfrentou a ditadura

O dia em que meu avô enfrentou a ditadura
Quartel Militar de Cruz Alta

Para meus filhos Bárbara e Bernardo Ribeiro

Da minha perspectiva, meu avô João Cunha, pai de minha mãe, sempre foi um homem muito velho. Nascido em 1888, tornou-se pai de minha progenitora em idade madura, aos 39 anos. Eu, por exemplo, já tinha dois filhos aos 39. Quando nasci, ele já ia pelos 69. Viveu até os 81 anos, idade suficiente para que eu mantivesse bastante contato com seu Mal de Alzheimer. Porém, em 1º de abril de 1964, aos 76 anos, o velho João Nepomuceno Cunha teve uma dessas janelas de lucidez que ocorrem aos que não estão no estágio terminal da doença. Naquele dia, ele compreendeu perfeitamente que o país fora vítima de um Golpe Militar. E resolveu agir para impedi-lo.

Vestido de pijamas, saiu de casa sem que minha vó notasse e dirigiu-se ao quartel mais próximo. Importante dizer que a família de minha mãe é de Cruz Alta e que, a algumas quadras da casa de meus avós, havia um enorme quartel, ao menos na minha ótica infantil. Para lá foi meu avô. Então, com gestos enérgicos, iniciou aos berros um violento discurso. Chamou os militares à ordem com as palavras fortes que fazem parte do folclore familiar e que iniciavam assim:

— Parasitas da nação!

E depois passou a desafiar os milicos, sempre aos gritos. O pessoal do quartel ficou em dúvida se deveria prender meu avô. Na verdade, prendê-lo era complicado. Em primeiro lugar, por ser um velho doente; depois, por ser uma figura muito conhecida e respeitada na cidade. Além de ser o construtor de muitíssimas das casas de açorianos da cidade, ele fora um importante maçom, tendo chegado ao mais alto grau na organização. E, na época, ser maçom era dispor de uma inesgotável reserva moral…

O comandante do quartel resolveu ligar para meu tio João Cunha Filho, dando-lhe um ultimato.

— O seu pai está aqui na frente do quartel acusando os militares de quererem entregar o país aos americanos e outras bobagens.

— Como? O Sr. tem certeza que é ele?

— Sim, ele está vestindo pijamas e já tem uma plateia de imbecis ouvindo, aplaudindo e rindo de nós. Nós teremos que tomar providências, a menos que o Sr. venha AGORA a fim de levá-lo para casa.

E lá foi meu tio, em pânico, salvar seu velho pai das garras dos militares. Enfiou-o em seu carro sob vaias dos populares que queriam ver e ouvir mais. Foi um momento de glória para toda nossa família.

Antes de mergulhar nas brumas definitivas da doença, ele ainda alternou bons e maus momentos. Nos bons, sentava-se em sua cadeira de balanço para recitar de memória poesias de Casimiro e Machado. Eu achava aquilo muito estranho, mas notava a beleza. Nos maus, ele me perseguia com pedras na mão pelo quintal do pátio. Depois, era advertido aos berros por minha avó e literalmente chorava, dizendo que não reconhecera seu neto.

Após um luto tranquilo e cheio de boas lembranças

Após um luto tranquilo e cheio de boas lembranças

Venho de uma família absolutamente convencional e média em todos os quesitos. Porém, há um fato para o qual só dei atenção na vida adulta. Dizem que minha mãe foi uma das primeiras dentistas do Rio Grande do Sul (formada em 1948, aos 21 anos). E ela nunca foi “do lar”, sempre esteve batalhando e sustentando a casa parelho com meu pai.

Quando dei-me conta disto lá pelos anos 70 e falei-lhe a respeito. Ela respondeu que muita gente se admirava que uma “mulher de dentista” trabalhasse ou “fosse obrigada a trabalhar”, conforme o dizer da época. Era como se meu pai não fosse o marido de uma dentista, mas um explorador de seu trabalho. Ela não concordava, apesar de que sua participação fosse efetivamente fundamental no orçamento familiar. Trabalhou a vida inteira e só parou aos 72 anos.

Essa mulher, que sempre achou muito natural o fato de ser independente, faria 88 anos hoje. A Dra. Maria Luiza morreu há quase três anos e mereceria uma festa daqueles que a conheceram. Infelizmente, este não é um hábito em nosso país. Mas vou dar um jeito de, privadamente, fazer-lhe um brinde hoje à noite. Merece.

Minha mãe e minha filha Bárbara em 2003
Minha mãe e minha filha Bárbara em 2003

Meu primeiro toque retal

Meu primeiro toque retal

toque retalPisando a linha do vulgar, sem jamais ultrapassá-la.

Foi no início dos anos 90. Repentinamente, eu passei a sentir fortes dores. Não conseguia sentar direito, era obrigado a sentar de lado, levantar da cama exigia um esforço de rolamento especial, qualquer caminhada de uma quadra era difícil e ir aos pés era algo indizivelmente desagradável e penoso. O alívio só vinha mesmo se eu ficasse deitado de bruços.

Meu pai logo fez o diagnóstico: era uma crise hemorroidária. Vocês sabiam que por culpa de suas hemorróidas Napoleão ficou impedido de montar em seu cavalo e que, para aliviar as dores, ele teria ficado por horas e horas em posição fetal, ou genupeitoral, perdendo com isso tempo precioso para aplicar sua estratégia militar em Waterloo? Vocês sabiam que essa posição acabou conhecida como “a posição em que Napoleão perdeu a guerra”? Vocês sabiam que tal posição apenas agrava o problema? Pois é. Resolvi marcar uma hora no proctologista. Perguntei a uma amiga médica o nome de um. Ela me disse:

— Vai no Ignácio Mallmann. É muito bom.

Confesso que queria evitar, mas a dor era violenta e persistente.

— Sabe qual é o apelido do Ignácio?

— Não — respondi.

— É tala larga… Ele tem mãos grandes!

Arrã. Engraçadinha. Fui perguntar para minha irmã, que também é médica e ela confirmou que Ignácio era excelente médico.

— Diziam que ele era apaixonado pela M., mas não deu certo.

Eu não estava nada preocupado com a vida sexual do Dr. Ignácio… Ou deveria?

— Ele é muito hábil. O apelido dele é Paganini.

Sempre foi assim, sempre estive cercado de piadistas que não me levam a sério nem quando caminho todo torto, de lado, tentando não movimentar as pernas.

— Ah, é?

— Sim, ele é bom com dedos, além de acromegálico.

— Que interessante!

— Ele tem as mãos, os pés, o nariz e todas as extremidades gigantescas!

Ri de minha adorável irmã e marquei hora com o já lendário Ignácio. Devo ter chegado lá com ar de súplica. Contei para ele a desgraça enquanto media seus dedos. Não eram nada excepcionais e só naquele momento dei-me conta de que deveria ter ido numa doutora tamanho mignon, de delicadas e diminutas mãos. Se fosse um pouquinho inteligente, nunca escolheria um homem. Ele era simpático e eu nem por sonho falaria na sua paixão adolescente por minha amiga M. Imagina se ele pensasse nela durante o exame? Seria empalado.

Depois daquela conversinha que para mim assemelhava-se àqueles acertos que alguns fazem com as putas na janela de seus carros. Entrei no car…, digo, fui para uma salinha auxiliar onde havia uma espécie de poleiro de formato ameaçador. Logo imaginei a posição que ficaria, já a tinha visto no Kama Sutra. Olhei em volta procurando correntes, roupas de látex, chicotes ou algemas, mas era mesmo só o poleiro.

Deveria ter pedido um mordedor, mas nem pensei nisso. Tirei a roupa e fui para o poleiro ouvindo vozes do filme A Vida de Brian.

Crucifixion?

Yes, please.

Good!

Ignácio começou a rir. Eu recém tinha me empoleirado, de pernas abertas, mostrando com toda a clareza o problema para ele. Mas ele estava rindo de pena.

— Nossa, deve estar doendo muito. É aparente e está muito inchada. Dá para ver daqui.

Não sei a quantos metros ele estava de mim, mas achei que, já que era visível a olho nu, podíamos encerrar sem utilizar a luneta. Mas vocês conhecem os médicos. Como eu não estava ali pelo SUS, ele faria o serviço completo. Senti algo. Olha, a coisa doía tanto que não vou negar que a luva úmida e gelada do médico foi até agradável. O local parecia queimar. Ele disse que não era grave. Limpeza local e uns quinze meses de antiinflamatório resolveriam. Não, nada a ver com comida. Era constitucional, ou seja, a culpa era minha. Em três dias eu estaria bem.

Seu discurso era tranquilizador e eu ia pouco a pouco relaxando, entrando no clima. No clima de Waterloo. Olha, conversamos muito. Eu na posição napoleônica, ele na do Duque de Wellington. Mal sabia eu que aquelas eram as preliminares, pois, sem maior aviso, enquanto eu sustentava uma opinião qualquer, ele subitamente pontificou com tudo, ao mesmo tempo que dizia animadamente

— vamos aproveitar para dar uma olhada na tua próstata!

Não lembro se doeu muito ou não, só sei que pensei

— que merda, esse cara está me enrabando!

E acho que pus as mãos no rosto em gesto de absoluto pasmo. Minha honra, meu reto antes inexpugnável! Ele ainda falava, agora dizendo maravilhas de minha próstata, tão pequenininha em comparação a seu dedo. Eu devia ser muito bonito por dentro pois seu entusiasmo era realmente contagiante, se houvesse por ali alguém a fim de contágio. O exame finalizou como finalizamos qualquer ato sexual, com a retirada do dito cujo.

Após a curra, podia vestir-me, mas havia um problema. Eu ficara sem graça, meu rosto deixara de se mexer e a fala tornara-se monocórdica. Passei a responder a tudo sem sorrir, pensando porque diabos M. não curara aquele tarado em seus dias de juventude. Saí de lá direto para meu trabalho na Hewlett Packard. Sentei na minha mesa. Nem sentia mais dor. Ou não me importava mais. Foda-se… quero dizer… Ah, sei lá. Olhei para o lado e disse para o Dario:

— Porra, Dario, fui enrabado!

Quase vinte anos depois, no ano de 2007, durante a festa de aniversário do Dario, estávamos numa situação em que faríamos qualquer bafômetro acender a luz vermelha a cinqüenta metros. E ainda havia aquele narguilé… Bom, o fato é que tínhamos nadado num mar de espumante da melhor qualidade. Repentinamente, o Dario olhou para mim e deu uma trovejante gargalhada. Não sei por quê, adivinhei na hora o motivo. E ele começou a contar para TODOS minha reação ao Dr. Ignácio Mallmann e, pior, confessou que rira alto quando fizera seu primeiro exame de toque retal. Por quê?

Ora, porque lembrara de minha cara ao chegar na HP.

Podemos, todos nós, fazer suposições sobre o que o médico dele pensa de uma pessoa que dá risadas durante o ato, digo, exame, mas não explicito as minhas em respeito a um grande amigo.

Dedicado ao Dario. Abaixo, uma foto muito bonita de seu casamento.

Obs.: Ignácio Mallmann é excelente médico e espero que, se ele vier um dia aqui, perdoe-me a brincadeira. Afinal, o primeiro a gente nunca esquece.

Feliz aniversário, Elena

Feliz aniversário, Elena
Elena e eu
Elena e eu

Hoje a Elena está de aniversário. Cioran disse que a arte de amar — é meu caso em relação a ela — é saber unir o temperamento de um vampiro à discrição de uma anêmona. Hum… É verdade. Neste belo tempo em que estamos juntos a gente fez e cumpriu planos, ficou doente e se recuperou, rimos tanto de nós e dos outros que deveria ser proibido agir tão bobamente assim, fizemos tantos passeios juntos que talvez já tenhamos ido a pé a Bielorrússia, entendemos na prática que só se é feliz dentro da liberdade e fizemos tantas declarações de amor um para o outro que fomos muito, mas muito ridículos. E Cioran, é claro, tem toda a razão, porque faz parte.

Só que me perdi. É ela que está de aniversário, não nós! Milton burro.

Feliz aniversário, Elena. Te desejo muitas alegrias e disposição para me aguentar neste novo ano que se abre. Acho que estaremos juntos por muitos deles, sempre como amadores.

Gremista por um dia: sim, me aconteceu

Gremista por um dia: sim, me aconteceu
O vô Manuel
O vô Manuel

Eu era muito pequeno, tinha uns 4 anos. Meu avô faleceu quando eu tinha cinco. Eu adorava o velho Manuel que, hoje sei, não podia ser mais típico. Era chamado Manuel, dono de uma padaria chamada Lisboa, na Av. Azenha. Ele só seria mais típico se tivesse ficado no Rio de Janeiro. Chegara da região de Aveiro, fora primeiro estivador no porto, era brincalhão, tinha inesgotável paciência comigo e habitava um lugar cheio daquelas maravilhas às quais meus pais dificultavam o acesso — balas, refrigerantes, doces, sonhos e pães, os pães que amo até hoje.

Hoje sei o que significa a palavra que minha mãe dizia a respeito dele, a palavra terrível. Ele era mulherengo. Com enorme sucesso, fazia graça para as moças atrás do balcão. A mãe dizia que minha vó Maria era uma santa para aguentar tudo aquilo do marido.

Um dia cheguei com meu pai à padaria e ele pediu para que eu contasse a última novidade para meu avô.

— Vô, sou gremista!

Ele ficou imediatamente sério e tudo o que eu não queria era deixá-lo assim. Devia ter uns 4 anos de idade e era assustador decepcionar o velho. Logo pensei: toda nossa família é colorada, será que é muito errado ser gremista?

— Milton Luiz — eu era Milton Luiz e meu pai, Milton –, sinto-me no dever de fazer-te ver a verdade.

E, cada vez mais sério, seguiu:

— Ser do Inter em Porto Alegre e do Benfica em Lisboa é estar perto da verdade, do absoluto. O Grêmio é uma mentira.

— Mas meus amigos são gremistas fanáticos e o Grêmio ganha tudo!

Estávamos nos anos 60 e, realmente, a superioridade do Grêmio era o que nunca foi depois.

— Saltar do Inter para o Grêmio é como ir de Eça de Queiróz para Cardoso Filho.

Cardoso Filho era um parente nosso que era escritor no Rio de Janeiro. Escrevia uns livros melodramáticos, xaroposos mesmo. Meu pai saiu da padaria, rindo. Não entendi. Como meu avô parecesse cada vez mais contrafeito, eu estava em pânico, confuso, louco para correr atrás do pai, mas não ousava.

— Mas eu gosto…

— OLHA LÁ RAPAZINHO, TU NÃO SABES TER UMA CONVERSA SEM PÔR A PATA NA POÇA? Além do mais, associado ao nome Internacional, há coisas sagradas, coisas da vida, da política! O vermelho é o povo, o vermelho é a cor de quem está do nosso lado!

Era grave mesmo. Melhor recuar. Comecei a chorar. Onde estava o pai? Acontece que no dia anterior, a família do meu melhor amigo, João Batista, tinha me convencido a aderir ao Grêmio. Eram vencedores, triunfantes. Mas não podia viver como um proscrito, detestado pela própria família. E virei a casaca pela segunda vez em dois dias.

***

Com este tipo de pressão, acabei herdando do velho Manuel o amor pelo Inter e pelo Benfica. Alguns dias depois, ele me disse que havia uma coisa que unia os clubes de forma umbilical:

— A tendência à tragicomédia.

Como aquele assunto o deixava brabo e ele parava de brincar, achei melhor fingir que tinha entendido. Repetia para mim mesmo suas últimas expressões: “Somos radicalmente tragicômicos”.

Por favor, que não o sejamos hoje!

Nosso encontro com João Bez Batti

Nosso encontro com João Bez Batti

Eu estava recém separado quando resolvi pegar as crianças e tirar uns dias num hotel fazenda. Escolhi a pousada da Don Giovanni. Nunca tinha ido lá e deixei meu filho Bernardo ser nosso navegador. Perdemo-nos várias vezes, dávamos risadas, mas chegamos. Lugar lindo, acomodações perfeitas. Era uma quarta-feira gelada de inverno, quase zero grau. Ficaríamos até o domingo seguinte. No primeiro passeio, descobrimos algo que me pareceu do outro mundo. O escultor João Bez Batti tinha seu atelier numa casa dentro da fazenda. Já conhecia alguns de seus trabalhos. Havia algumas peças em exposição e fomos examinar cada uma delas quando o escultor chegou-se a nós timidamente, ouvindo e sorrindo do que dizíamos, principalmente do que diziam Bárbara e Bernardo. Ele puxou conversa com as crianças enquanto crescia em mim aquela conhecida dúvida de pai: estaríamos ou não incomodando?

bez battiMais um pouco e fomos embora. Depois do almoço, fui babar no travesseiro, mas depois soube que os dois tinham voltado ao atelier e, mais, que passaram horas com o João. No dia seguinte, ele veio me comunicar que tinha comprado pão, leite, nescau, bolachas, sucos naturais, iogurtes para eles e comida para a Bárbara dar para seus gatos. Queria que os guris se sentissem “mais em casa”. No hotel, houve certo pasmo. Bez Batti não costumava disponibilizar seu tempo tão generosamente, ainda mais para crianças. Enchi-os de recomendações e eles foram para o atelier. Às vezes eu conferia a bagunça e era sempre a mesma coisa. João estava seduzido pela Bárbara, que brincava com os gatos e comia (sempre perguntando para o João rir: “Eu sou magra de ruim, né?”), enquanto o Bernardo contava histórias — sempre foi insuperável neste quesito — e fazia perguntas sobre as pedras. Eles também levavam centenas de girinos do lago ao lado para o escultor observar… Voltavam para o hotel molhadíssimos e eu colocava as roupas cheias de barro no secador de toalhas do quarto. Guardei uma muda de roupa limpa e o resto era para encher de terra. A mãe deles que depois lavasse. Só ia chamá-los para o almoço ou algum passeio; a maior parte do tempo eles ficavam com o João. Ficamos amigos, claro.

Nos últimos dias, eu também permanecia no atelier. Passamos a falar sobre pedagogia e literatura. Tínhamos concepções “muito iguais” sobre como criar e acompanhar os filhos. Ríamos a respeito de ambos sermos pais-problema. Ríamos ainda mais porque ambos tínhamos, como ex-mulheres, ex-militantes de esquerda que se tornaram competitivas amantes do dinheiro. Na literatura, João descrevia uma vivência inteiramente diferente da minha. Tinha referências sempre muito interessantes sobre o ambiente dos livros. A cidade, os espaços, os quartos dos personagens, o campo. Ele foi capaz de descrever os ambientes das cenas principais de vários romances, coisa absolutamente distinta de minhas impressões, muito mais factuais e psicológicas. Era um outro gênero de sensibilidade e eu pensava que tudo o que ele me dizia era tão original e estranho que tinha certeza de sua absoluta inutilidade para mim. Mas nunca esqueci o quarto de Raskolnikov de que ele falava, os navios — cada um deles — de Somerset Maugham, as cenas em praças abertas, na rua ou em ambiente fechado. Tudo muito diferente do que lia. Em sua opinião, o bom escritor evita as longas descrições, pois são sempre decepcionantes e limitadoras. Bastava duas ou três coisas e o resto o leitor criava através da experiência. Tem que deixar para a gente, dizia.

Domingo, logo após o almoço, fomos procurá-lo para nos despedir. As crianças já estavam emocionadas e saudosas por antecipação, procurando o João para exporem sua confusão, provavelmente na forma de lágrimas. Eu sabia que a cena seria dramática. Só que não o encontramos. Porém, no momento em que pus o carro em movimento, o grande João Bez Batti veio correndo aos gritos atrás de nós, com uma pequena escultura em cada mão. Parei e saímos. Ele entregou os objetos, um para a Bárbara, outro para o Bernardo. O dono da pousada e os funcionários ficaram novamente pasmos. Nunca antes ocorrera algo assim. Notei que João represava alguma coisa em seus olhos e despediu-se rapidamente. Então voltou, deu-me um abraço e, com dificuldade, falou em meu ouvido direito: “Milton, não me estraga esses guris. Não quero me despedir deles porque tenho que manter minha fama de durão, tá?”.

João, acho que atentei contra tua fama hoje.

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Penso que as obras abaixo, com exceção de Operária, estavam no atelier durante nossas visitas:


O Visionário


Operária


Pomba Várzea


Rio das Antas


Cabeça cubista


Caminho das águas

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Hoje, João Bez Batti reside e trabalha na Casa Gilmar Cantelli (três links diferentes), a qual restaurou em 2002.

Ele segue realizando trabalhos em basalto. Em sua nova casa, também estão expostos os trabalhos em pintura e cerâmica de Diego Bez Batti, filho que ele certamente não “estragou”.

Eu e a Márcia, minha babá, na feira

Eu e a Márcia, minha babá, na feira

No entardecer de sábado, eu estava na feira da Vasco quando um sujeito bateu no meu ombro perguntando se eu era o Milton Ribeiro. Ele se apresentou rapidamente como Jacó, filho da Márcia. Disse mais algumas coisas, mas nem precisava, pois a Márcia é a Márcia e só houve uma em minha vida. A Márcia foi a minha babá, ora. Ela é a responsável por boa parte desta peste que vos escreve. O que me surpreendeu foi o que ele disse logo a seguir: “Ela está conosco aqui na feira”.

Foto: Elena Romanov

E fui na direção daquela diminuta e respeitável senhora de 90 anos que, apoiada numa bengala, caminhava rapidamente olhando frutas e verduras. Uma onda de carinho me invadiu. Eu não a via há algumas décadas. Faz poucos anos, o mesmo Jacó tinha me ligado e eu anotei todos os dados da Márcia na última página de um livro. Pretendia visitá-la, mas… perdi o livro. Volta e meia vinha-me à mente o que ele pensaria de mim. Afinal, tinha prometido entrar em contato e simplesmente…

Minha família diz que fui uma criança agitadíssima, complicada de suportar. Porém, para a Márcia, eu sempre fui um amor, tudo o que eu fazia era maravilhoso e ela, na feira, me contou que me dava comida e depois não conseguia se alimentar, porque eu ficava na volta dela dizendo, “Dá, dá, dá” com o espírito pantagruélico de sempre.

Ela sabe muito mais de mim do que eu dela. Sei que minha mãe sempre foi só elogios para a Márcia. Repetia que eu fora uma criança privilegiada, cuidadíssima, amadíssima. Dá para notar o mesmo espelhado no filho advogado, no cuidado que tem com a mãe. E algo da Márcia certamente está presente no ser grudentinho que me tornei e na forma com que criei os guris, sempre com interesse, atenção e amor incondicionais. Como dizia, lembro de pouca coisa consistente da época de minha infância, o que sei é de ouvir minha mãe contar de sua paciência e amor. Minha mãe trabalhava muito e, sempre que reclamava de mim, a Márcia contra-argumentava a meu favor. Só ela sabia que eu era perfeito…

Não sei quantos anos ela ficou lá em casa. Depois casou, teve o Jacó. Algumas vezes ela veio nos visitar pois tornara-se amiga de minha mãe e eu sentia uma estranha necessidade de tratar muito bem aquela mulher, isto justo numa época em que ainda não dava aos adultos a contrapartida de amor e atenção que recebia. (Aprendi a fazê-lo mais tarde, ainda a tempo de fazer declarações de amor aos meus pais). Mas a Márcia sempre foi diferente. Ela tinha uma coisa tão francamente afetuosa em relação a mim que eu só podia responder da mesma forma. Eu sentia que ela me adorava e que era uma coisa muito verdadeira.

A Elena observou que as pessoas sempre se referem a meus pais como muito especiais, com emoção. Talvez eu nunca os tenha valorizado como os outros. Ao saber que minha mãe tinha falecido em 2012, a Márcia falou muito bem do casal e afirmou algo que eu já sabia: que a morte do meu pai fez um mal enorme à Maria Luiza. Quando falam bem dos meus pais, o peito aperta e começam a me vir lágrimas. Fiquei assim depois dos cinquenta. Então, quando a Márcia começou a falar deles, tive que me controlar e não sei se me saí lá muito bem.

Mas tergiverso. O que interessa é que fiquei muito feliz em vê-la bem aos 90 anos. Estava com seu filho nora e netos, recebendo deles o que me dera. Uma história feliz. Curioso, ela que me conheceu com menos cabelo do que ela e viu o mesmo acontecer novamente agora! Mas o que interessa é que tiramos uma foto juntos — ideia da Elena, realização do Jacó — e o este me escreveu no Facebook:

Puxa, eu que agradeço pelo momento de felicidade que proporcionaste para a minha mãe. Tu não imaginas o que este reencontro rendeu de conversa para ela…

(Tenho um romance quase pronto e parado há anos. Na história tem uma babá e, sim, vocês já sabem o nome dela).

Palmeiras sem Raízes e Gatos Voadores

Palmeiras sem Raízes e Gatos Voadores

Apertado ao lado de minha mãe na poltrona marrom, eu a ouvia dizer que as árvores tinham profundas raízes e que se alimentavam da terra, da água e da luz. Ficava imaginando as raízes penetrando lentamente na terra. O que seria mais comprido – a árvore do chão até a última folha balançando ao vento ou a árvore do chão até a mais solitária raiz que tivesse penetrado, talvez inadvertidamente, mais fundo na terra? Como a raiz encontraria seu caminho sem ver nada, na escuridão onde também seríamos enterrados? E se a terra fosse muito dura? E como era aquele negócio de se alimentar de luz? Minha mãe me explicou inutilmente a fotossíntese, a produção de oxigênio durante o dia e de alguma coisa ruim à noite, mas eu, como quase não saía de casa depois que o sol se punha, não achei aquilo digno de preocupação. O que eu entendi perfeitamente foi a questão da água: quando chovia, as raízes bebiam tudo. Dava para notar porque as poças d`água não duravam muito tempo. Era óbvio que as árvores chupavam tudo.

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Certo dia, estava chegando em casa com meu pai e dei-me conta de que tinha que conversar tudo de novo com minha mãe. Acontece que nossa rua, a Av. João Pessoa, atravessava o Arroio Dilúvio através de uma ponte não muito bonita. Claro que eu sempre soubera que havia palmeiras sobre a ponte, mas como não dispunha de tanta informação sobre as árvores, nunca pensara no problema das raízes. Concluí que tinha que informar minha mãe que nem todas as árvores precisavam delas e que as da nossa ponte viviam apenas de luz e água.

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Falei com ela. Estranho, sua reação esteve longe de ser uma admissão de seu erro. Antes ficou assustada com as palmeiras: afinal, elas poderiam cair durante uma ventania e eu e meus amigos costumávamos brincar pelas redondezas. Os adultos eram mesmo desatentos -– será que ela nunca vira as palmeiras sobre a ponte e nunca pensara no perigo? E ela morava ali desde 1951!

Mais vivas que o time do Palmeiras
Mais vivas do que o time do Palmeiras

Comentei o assunto com meus amigos, mas logo esquecemos daquelas coisas arbóreas que, comparadas com nossas novas descobertas, não tinham nenhum atrativo. Descobrimos que a ponte era uma tremenda diversão. Dava para descer por suas laterais e caminhar sob ela! A brincadeira de esconde-esconde logo mudou muito. Todos queriam se ocultar ali e, muitas vezes, vi meninos negociando se era permitido ou não se esconder debaixo da ponte. Quem estava procurando tinha pouca chance. O cara descia por um lado e nós, vendo sua sombra, fugíamos a toda velocidade, subindo pelo outro lado.

E a ponte logo despertou outras idéias: como quase todas as pontes, ela passava sobre água e nós tínhamos muitos gatos em nosso bairro. Os gatos eram aqueles bichos que arranhavam nossos cães e que tinham a fama de serem limpos e de saberem cair. Ora, a ponte sobre a água lamacenta e ainda pouco poluída – estamos falando sobre o período entre os anos de 1966 e 1970 -, serviria para que os gatos pudessem comprovar se sabiam mesmo cair e para que constatássemos em quanto tempo eles voltariam a ser os bichos limpinhos de sempre.

Acredito que nunca outra geração de gatos teve tanto medo dos meninos da avenida João Pessoa. Hoje, sou indiferente a eles — amo os cães! –, porém, naquela época, entre meus amigos, participava feliz das espetaculares caçadas àqueles animais. Encontrávamos os gatos onde estivessem, trabalhávamos arduamente por nossa diversão e pelo progresso do conhecimento humano. Havia um, bem branquinho, que ficava hesitando entre mendigar comida na frente da casa de um casal de velhos e correr o perigo de ser capturado por nós. Aos amantes dos gatos, asseguro que nunca batemos neles, nunca os maltratamos. Mesmo! Sempre os levávamos em segurança, apenas procurando escapar dos arranhões, mordidas e ouvindo com altivez aquele som ridículo que emitem com a finalidade de avisar quando estão a fim de briga.

Vista da plataforma de arremesso de gatos
Vista da plataforma de arremesso de gatos

Os vôos eram lindos. Eventualmente, caíam com certa elegância. Porém, o mais das vezes, caíam mexendo desesperadamente as pernas — como se corressem no ar — e muitas vezes entravam na água de costas, de uma forma que desnudava a mentira que nos tinham ensinado. O que valera para as raízes das árvores, passara a valer para os gatos. Eles caíam como caíam. E nadavam de uma forma muito mais feia do que os cães. Nós dávamos risadas, descansávamos um pouco e íamos procurar outros. Afinal, precisávamos de uma boa amostragem para confirmar nossas teses.

Asseguramos que nenhum animal foi maltratado ou veio a falecer durante a pesquisa. Não consideramos como tortura o estresse e a adrenalina… Éramos crianças. Os que saíam lanhados ou com rinite alérgica eram humanos. Aprecie com moderação. Se persistirem os sintomas, vá a outro blog. Este texto foi desenvolvido a partir de material reciclável.

Obs.: Nota-se, por sua baixa qualidade, que as fotos foram tiradas por mim.

17 de abril

17 de abril

Hoje é aniversário de meu melhor amigo de infância, o João Batista. Às vezes, encontro-me com ele durante suas caminhadas com seus dois cachorros na Vasco da Gama. Conversamos. A Elena gosta dele. Diz que a gente deveria se encontrar mais e que ele é a pessoa mais calma do mundo. Não deve estar muito longe da verdade. Ele tem fala mansa, fino humor e é muito cortês, dando a impressão de que faltou alguma coisa na minha educação. Minha família morava no apartamento 11 do número 1891 da Av. João Pessoa, em Porto Alegre. A dele, no apartamento 31. Jogávamos futebol todos os dias e, quando chovia, ficávamos em torno de uma mesa de botão (futebol de mesa). Lembro bem, ele era melhor do que eu em tudo, inclusive nos estudos.

Há uma ex-amiga que também faz aniversário hoje. Um amigo deu-lhe o melhor dos apelidos: PMDB, em razão da facilidade para aderir a quem lhe der maior vantagem no momento. A atuação do partido em 2015 só atribui maior exatidão à alcunha.

17 de abril. Por essas e outras é que acho que a astrologia nada mais é do que constelações. Na verdade, quando duas estrelas parecem estar lado a lado, uma pode estar a 50 anos-luz, e outra a 500. Além disso, não vemos as estrelas como elas estão agora, mas através do tempo. Se uma se situa a 200 anos-luz, isso quer dizer que a luz observada partiu de sua fonte há duzentos anos. A rigor, ignoramos até se essa estrela ainda existe.

Então, uma figura tranquila e outra hidrófoba — sei do que falo — podem parecer estar lado a lado, mas é uma mentira. É muito perturbador ver alguém tão querido ao lado de outra detestável no céu (equivocado) de minha memória.

starry-sky