Para Ralf Rickli
Uma das coisas mais simples e belas que conheço. Em versão para piano a quatro mãos:
E no arrebatador formato original, com duas flautas doces e orquestra:
Não requer justificativa nem explicação. Interpretação da Orquestra Barroca de Freiburg, sob a direção musical de Gottfried von der Goltz — no vídeo, o terceiro violinista à esquerda. É um dos melhores grupos barrocos da atualidade. Não estranhem o adágio de 13 segundos, é assim mesmo. Creio que Bach não quis interromper a verve rítmica dos movimentos externos e… Por favor, quem sou eu (ou nós) para criticá-lo?
Para uma plateia agitada e feliz, ao ar livre, em Amsterdam, Janine Jansen mostra seu virtuosismo neste série de belas danças do folclore romeno, recolhidas do esquecimento e rearranjadas por Bartók. Não esqueçam que Bartók, um de meus três compositores preferidos — os outros são Bach, Brahms e Beethoven — foi um grande pesquisador e o fundador da etnomusicologia. A inspiração cigana pega fundo em quem nasceu na Transilvânia, quando esta era húngara.
Não há boas ou más versões, elas são todas más porque não representam nem 1% do que é a música, elas são só uma ideia do que podemos fazer.
Maria João Pires, no início da masterclass abaixo
A portuguesa Maria João Pires é uma grande mestra do repertório clássico e romântico. Após ouvir suas interpretações, fico pensando no quanto ela, Maurizio Pollini e Nelson Freire já acrescentaram a um repertório visitado por todos os monstros do passado, e que apenas são mais formidáveis pelo fato de terem morrido.
Tudo certo na Suite Pulcinella. Boa música de Stravinsky sobre temas de Pergolesi, orquestra animada, a pequena plateia feliz, divertindo-se. Já no Pergolesi não. O efetivo enorme tornava o cravo e, às vezes, o sonolento soprano (sim, é substantivo masculino) inaudíveis. E sono pega, é incrível, apesar do bom desempenho de Angela Diel. Pessoal, quase toda música barroca é de câmara, Pergolesi incluído. A sonoridade pesada impedia que espreitássamos o Stabat Mater. Mais delicadeza, gente, por favor.
Delicadeza e sabor houve no excelente Bóris (esquina da Osvaldo Aranha com Santo Antônio). Idem, na conversa com o chef Pepe Laytano.
Programa de ontem:
I. Stravinsky/G. B. Pergolesi – Suite Pulcinella
II. G. B. Pergolesi – Stabat Mater
Elisa Machado (soprano)
Angela Diel (mezzo-soprano)
Orquestra Sinfônica de Porto Alegre
Guilherme Bernstein, regente
Belíssimo lied de Schubert. Para minha supresa, foi um pouco difícil de encontrar no YouTube e tive de apelar para o concerto de graduação de um certo Paul Miller (clarinetista). Há falta de sincronia entre imagem e som na segunda parte, mas não é nada grave. Enjoy!
Paul Miller, clarinet
Rebekah Kenote, soprano
Lisa Spector, piano
MR: Como começou o blog PQP Bach?
PQP: Olha, o PQP começou como um spam para os amigos. Eu sempre fui um distribuidor de música e livros… Na adolescência, uma admiradora me chamava de “o guri dos discos” porque eu estava sempre levando discos para alguém ou trazendo de volta para casa. Então, alguém me pedia um CD e eu convertia para mp3 e mandava. Depois, passei a mandar para um grupo de conhecidos interessados em música. Alguns poucos agradeciam, outros silenciavam. Mas dois dias depois, eu ia no rapidshare e via que mais de 20 tinham baixado o CD. Era uma popularidade incrível (risadas…). Aí, pensei que seria legal deixar disponível para a blogosfera, apesar da blogosfera ser pouco musical…
MR: A blogosfera não é musical?
PQP: O mundo é muito pouco musical. Ou raramente ouve música de qualidade, óbvio. A porcaria grassa.
MR: Espere! Vamos por partes. A gente já falou superficialmente sobre popularidade e já estamos na qualidade. Voltemos à popularidade. 20 downloads em 2 dias?
PQP: Isso naquela época. Hoje, há 20 downloads em duas horas. Sei lá como os caras descobrem as postagens. Talvez pelo RSS. O que sei é que os caras se atiram em cima. Chego a me sentir mal quando não postamos um CD por dia. Temos que alimentar essa gente! Hoje, postamos mais de um por dia, em média.
MR: Por que vocês fazem este, digamos, serviço?
PQP: Sinceramente, não sei. Desconheço o motivo de algumas pessoas fazerem blogs anônimos para distribuir a música que gostam. Nunca ganhei nada fazendo isso. Talvez seja uma manifestação de minha culpa por possuir uma obscena quantidade de discos de vinil, uns 1200, uma cedeteca enorme e gigas de mp3. É nojento e obsceno ser dono de tudo isso. Dou muitos de meus CDs com músicas repetidas e que acho que não vou mais ouvir. É necessário e, para ser politicamente correto, ecológico reaproveitar esse material precioso, muitos deles fora de catálogo. Mas, internamente, eu não vejo a coisa pelo lado da generosidade ou da solidariedade. Talvez a coisa toda se resuma na necessidade que tenho de conversar e dialogar com pessoas que tenham interesses parecidos. Então, ofereço o que tenho e os caras aparecem.
MR: Então os comentários são fundamentais ao blog.
PQP: Pô, sem dúvida. Eu quero e busco o papo. Temos que nos unir de alguma forma. Acho que a cultura relevante está se tornando coisa de especialista. E isto também na literatura. Os amantes da literatura de primeira linha tem que ir ao blog do Sérgio Rodrigues ou a alguns outros poucos para ler algo mais atualizado sobre o movimento editorial. É irritante. Não há uma crítica literária ou musical que seja pública. Os cadernos de cultura estão tomados por uns caras chatos pra caralho – exceção feita à Rascunho. Parecem uns acadêmicos precisando de mais titulação. Ninguém fala para o leitor comum nem para o conhecedor. Quem lê aquela merda mesmo?
MR: Sei lá. Meu maior ídolo literário é Tchékhov. Conheço profundamente o cara. Dia desses, li um sujeito que tornava Tchékhov um chato, ou que parecia… parecia que suas teses sobre Tchékhov poderiam se aplicar a qualquer outro escritor. Era um troço dificílimo de ler, todo verboso e intrincado. Mas, quando reli e tentei entender… era uma idiotice sem conteúdo, sem direção, merda pura. O cara não dava opinião, parecia um tucano em cima do muro. Era “correto”.
PQP: Sim, o vazio intelectual está presente também na música. Procuro escrever de forma sempre compreensível, ou copio caras que escrevem de forma clara e também meio irreverente e acessível. Porque Beethoven e Bach e Mozart e esses gênios não foram pessoas reverentes ou politicamente corretas. A partir do momento em que alguém tem algo a dizer — e eles tinham, como pensar que não? — , algo para expressar, eles vão provocar concordância ou não, consonância ou dissonância. Só a mediocridade provoca reação nenhuma. E hoje ser controverso é uma ofensa. O bom é ser incontroverso, ou seja, comum, medíocre, produtor de coisinhas inodoras.
MR: É, você tem razão. Mas como surgiram seus companheiros de blog?
PQP: Olha, não conheço nenhum deles pessoalmente… E um é de Porto Alegre, veja só. Primeiro veio o FDP Bach, um cara de Blumenau que conheci no Orkut. O que eu apreciei logo nele é que ele gostava da música que para mim é quase nada, a romântica. Ele vinha com os Chopins, Rachmaninovs, Liszts e assemelhados da vida e via transcendência naquilo… Quando vi que não daria conta das postagens quase diárias que hoje fazemos, pensei nele. Eu não queria um segundo eu que postasse as mesmas músicas. Queria outra personalidade, queria um diálogo com alguém diferente. E ele é um cara perfeitamente maduro, compreende que somos diferentes. O Blue Dog veio pela enorme capacidade que o cara tinha de descrever música. Uma vez, pedi que o Blue Dog desse uma noção de jazz para meu filho. Passou uma semana e o cara me mandou um e-mail com mais de 20 páginas e mais dois CDs pelo correio. Uma coisa brilhante que o cara fez improvisadamente, na hora. Um absurdo a inteligência e capacidade do cara. Não tive outra escolha. Adoro jazz, claro, e o Blue Dog gosta de meu ídolo Charlie Mingus. Era uma escolha lógica. Este foi o núcleo inicial. Depois, dentro do mesmo critério, vieram o CDF Bach – música moderna – , o Ciço Villa-Lobos – música brasileira –, o Marcelo Stravinsky e o Carlinus – tudo e mais um pouco – e o Avicenna, que faz um belo e inédito trabalho sobre a música colonial brasileira. Todos partem destes pontos, mas podem postar o que quiserem.
MR: Vai entrar mais gente aí?
PQP: Não sei. Provavelmente sim.
MR: Podemos voltar à questão da qualidade?
PQP: Sim, como?
MR: (risadas) Ora, como vocês escolhem as obras? Há uma coerência? Um plano?
PQP: Não, de modo algum. A regra é agir sem estresse. Ninguém corre para atender pedidos e nem para postar. Faz quando quer. Meu critério é o de postar o que ando ouvindo. O PQP não é um curso de música ou uma sistematização para formar uma discoteca básica para nosso público (risadas), faço uma bagunça mesmo. Não me preocupo com os pedidos, a não ser que o cara acerte em cheio ou perto a música que estou ouvindo. Acho que os outros também agem assim.
MR: Então vcs só ouvem música de qualidade?
PQP: Olha, talvez sim. Posso falar por mim: não sou mais um jovenzinho, não posso perder tempo com porcaria.
MR: Pois é, isso é incrível. Dia desses, um amigo me pediu para ler o Marcelino Freire, uma bosta de escritor nascido nos blogs. Eu não quis ler. Disse que preferia seguir lendo a obra de Bolaño e Freud.
PQP: Ah, é óbvio. Sim, eu li aquela menina gaúcha. Blogueira, Clara….
MR: Averbuck?
PQP: Sim, li um livro dela e uma tradução que ela fez de Swift.
MR: Bem, você é masoquista. Isto é uma novidade. Os ouvintes do PQP jamais imaginariam…
PQP: (risadas) É, era tão ruim que fiquei fascinado… Nem chega a ser kitsch, é pré-kitsch, pré-escrita, pré-antigo, pré-rupestre.
MR: Mas, voltemos à questão da qualidade e de vcs ouvirem só boa música.
PQP: Não, eu não ouço só música de qualidade. Há muita porcaria e eu posto no mesmo jeito. Digo que não gostei, posto porque alguém pode gostar ou querer conhecer. Não sou politicamente correto, não fico só elogiando. O politicamente correto implica, NECESSARIAMENTE, em concessão.
MR: As gravações vêm do teu acervo de CDs comprados?
PQP: Sim, uns 70%. Apesar do preço absurdo, ainda compro CDs. A Amazon vende usados. É uma boa e sou um pouco fetichista. Gosto de girar o CD nas mãos enquanto ouço. Gosto de ler os libretinhos, as opiniões, a história, as circunstâncias, o escambau.
MR: Daí, o acervo, a tal cedeteca.
PQP: Claro.
MR: O PQP tem textos.
PQP: Sim, e é o que mais gosto nele. A música se consegue. Uma opinião, mesmo uma bem imbecil, vale muito, principalmente se o leitor conhece pouco, se não tem vivência. Acredito que se aprende a ouvir com os outros, com o contato. O contato motiva, certo?
MR: Certamente. Cria um ambiente propício. Deixa a pessoa mais ligada, talvez.
PQP: Sim.
MR: Onde você aprendeu tanto sobre música?
PQP: Veja bem, eu não sei nada. Não leio partituras nem toco nenhum instrumento. Sou um fenômeno do século XX e XXI: sou um ouvinte. Um cara que pode ficar 12 horas ouvindo continuamente música, um gênero de pessoa impossível nos séculos passados. Aprendi muito sobre história da música — consulto muito pouco quando escrevo minhas pequenas introduções, gasto um tempo mínimo — , aprendi lendo e ouvindo. Mas os músicos elogiam o blog deste ignorante. De tanto ler e ouvir, posso ter desenvolvido alguma sensibilidade. Já não sei onde aprendi isto ou aquilo, onde aprendi e reconhecer isto ou aquilo, devo estar sempre pecando contra o rigor e a precisão, cometendo absurdos, mas os leitores são bonzinhos e deixam passar… Mas meus erros provém de convicções desenvolvidas ao longo dos anos, de meus gostos e sentimentos, então são convincentes! Tá pensando o quê?
MR: É importante ser convicto, mesmo que equivocado! (risadas) E a questão das interpretações com instrumentos autênticos?
PQP: Olha, cada época tem seus instrumentos e sua forma de interpretar. O importante não é utilizar os instrumentos de acordo, mas não misturar. O Celibidache toca a Missa de Bach e é brilhante, tudo com instrumentos atuais. Ele tem o direito, ele tem o que dizer sobre a Missa. E ele, assim como qualquer outro, não está proibido de tocar, desde que possua senso de estilo e que saiba “criar beleza”, por assim dizer. Assim como as interpretações do Leonhardt, do Harnoncourt e do pessoal do Musica Antiqua, que só usam instrumentos originais. O que não pode é o cara que usa instrumentos atuais fazer uma coisa hesitante e sem estilo, como o Karajan fazia quando tocava Bach ou Vivaldi. E nem pode o cara da instrumentação original pensar que está livre de interpretar a música. Normalmente, a gente é indulgente com o sujeito que respeita a sonoridade de época. É ridículo! O executante tem que tentar tornar a coisa interessante sempre!
MR: Sim, e é muito empobrecedor para nossa época pensar que não podemos renovar e demonstrar novas riquezas na música do passado.
PQP: Claro, isto é o mesmo que dizer que Glenn Gould era um inútil. Ele passou a acentuar notas e coisas que eram antes ignoradas. Ele acabou com a Landowska… Ele, com um piano moderno, virou tudo de cabeça para baixo. Ele criou a interpretação monumental do Hantaï para as Goldberg. Ou seja, ele criou o cara que veio a superá-lo. É óbvio.
MR: Mais diálogos.
PQP: Sim, claro. Tudo é assim. A gente sobe nos ombros dos visionários, como dizia Newton. Não tu, falo do Newton com “N”. Do Isaac.
MR: Um epígono dos muitos que tenho…
PQP: (risadas) Por falar em epígonos, fomos copiados no PQP.
MR: Ah, eu vi. Um guri copia o post inteiro para seu blog e não diz quem é o autor.
PQP: Pois é. É a putaria da Internet. Não custa nada fazer um link dizendo: olha, copiei daqui.
MR: Para terminar, e os muitos links expirados?
PQP: Olha é impossível manter mais de 1500 posts com os links ativos. As gravadoras mandam tirar. Não podemos ser um repositório ou uma biblioteca de música. As pessoas têm de baixar logo. É uma caçada, a gente deixa disponível ali; então, vêm uns caras vindos do éter e detonam com parte da coisa. É horrível.
MR: Bom, vamos acabar o papo. Podemos fazer aquela frescura do Questionário do Proust?
PQP: Bernard Pivot? Tu gosta daquele questionariozinho… Putz, mas não garanto nenhum brilhantismo.
MR: Qual é o defeito que você mais deplora nas outras pessoas?
PQP: A incapacidade de colocar-se no lugar de outro. A falta de empatia.
MR: Como gostaria de morrer?
PQP: Sonhando.
MR: Qual é seu estado mental mais comum?
PQP: Um tumulto generalizado. Muitas coisas por fazer. Atraso. Preocupações. Estresse.
MR: Qual é o seu personagem de ficção preferido?
PQP: Adrian Leverkühn ou eu mesmo.
MR: Qual é ou foi sua maior extravagância?
PQP: Não sou nada extravagante. Mas acho que uma biblioteca ou uma cedeteca grande é uma extravagância, não?
MR: Qual é a pessoa viva que mais despreza?
PQP: Desprezo são algumas atitudes, omissões. Ninguém é 100% desprezível.
MR: Qual é a pessoa viva que mais admira?
PQP: A mesma coisa, admiro atitudes, posições. Não existe alguém 100% admirável!
MR: Se depois de morto tivesse de voltar, em que pessoa ou coisa retornaria?
PQP: Num CD Player ou numa daquelas luzinhas de ler à noite. Ou em qualquer cara rico, heterossexual e de bom gosto.
MR: Em quais ocasiões costuma mentir?
PQP: Eu exagero as histórias que conto. Elas se tornam outra coisa.
MR: Qual é sua idéia de felicidade perfeita?
PQP: Um jantar com Mônica Bellucci; ao fundo, as suítes para violoncelo de Bach. Depois do jantar, em local mais confortável e horizontal, uma Cavalgada na Valquíria, mas sem a música, só com o espírito dela.
MR: Qual é seu maior medo?
PQP: O de tornar-me um peso para os outros.
MR: Qual é seu maior ressentimento?
PQP: Tenho ressentimento contra a injustiça do tempo, de não ter tempo para tudo, de envelhecer, de cansar.
MR: Que talento desejaria ter?
PQP: O de adivinhar os pensamentos das mulheres. (risadas)
MR: Qual é seu passatempo favorito?
PQP: Ouvir música, ora.
MR: Se pudesse, o que mudaria em sua família?
PQP: Daria um velho riquíssimo e moribundo à minha mãe. Bem moribundo e apaixonado. E, fundamentalmente, generoso.
MR: Qual é a manifestação mais abjeta de miséria?
Dizer que os miseráveis não sofrem tanto, que se acostumam a sua situação. E deixar assim.
MR: Onde desejaria viver?
PQP: Numa Porto Alegre mais culta e menos quente. Numa cidade com mais teatros, música e literatura. Numa cidade que mereça esta denominação.
MR: Qual a virtude mais exagerada socialmente?
PQP: A inteligência. Pois a pessoa precisa ser mais completa, né?: deve ser um pouco inteligente, um pouco solidária, um pouco atenta aos outros, não deve mudar demais face às circunstâncias nem ser egoísta, deve ter reações adequadas e calmas, etc. Mas o cara que é só inteligente é o mais admirado.
MR: Qual é qualidade que mais admira num ser humano?
PQP: A serenidade, como tu escreveu dia desses. Ela é alegria, tranqüilidade, clareza e… E?
MR: Sabedoria.
PQP: Tudo numa só palavra.
MR: Foi Marcelo Backes quem escreveu isso. Não fui eu. Concordo com ele. Qual é a maior das músicas?
PQP: Hoje, a Oferenda Musical de Bach. Amanhã, pode ser outra.
MR: E os cinco maiores compositores?
PQP: Meu pai, Brahms, Beethoven, Bartók e Mahler.
MR: Quando e onde você foi mais feliz?
PQP: Acontece muito quando ouço música.
MR: Acabou.
PQP: A entrevista? Nem doeu muito.
MR: Ótimo.
Há noites em que nada acontece e há outras em que tudo acontece no mesmo horário. Ontem, eu receberia uma pessoa aqui em casa às 19h, neste horário começaria um debate sobre a ficção de gênero na Palavraria. Meu compromisso caseiro acabou logo e corri para o debate. Nossa, estava ótimo — em outra faixa, pude comprovar meio constrangido a popularidade deste espaço…, algumas pessoas quase fizeram tietagem, fiquei feliz demais, imagina se não? — , o Xerxenesky, o Samir e o Carlos André Moreira conhecem literatura, são bem-humorados e sabem se expressar, o que nem sempre ocorre com escritores. Só que eu tinha prometido ir ao concerto da OSPA com minha mulher, o qual começaria às 20h30. Saímos (sumimos) à francesa e chegamos am cima da hora na OSPA. Credo, a primeira noite dedicada aos 200 anos de nascimento de Schumann absurdamente chata, realizada por músicos sem o menor tesão. Salvou-se a Sinfonia Nº 4 na segunda parte do Concerto, mas eu estava com uma fome de anteontem e só pensava no jantar com o Branco e a Jussara, muito mais legais do que aquilo que acontecia no palco.
Resultado: chegamos em casa muito tarde para uma terça-feira e a cerveja Bluehead foi a culpada de eu começar o dia de hoje com uma hora de atraso. Ah, por falar em musica, deixo-vos com duas resenhas alucinadas de P.Q.P. Bach, do blog erudito de mesmo nome, ambas publicadas nesta semana.
J. S. Bach (1685-1750): Bach Attributions
Por uma dessas coisas inexplicáveis, a obra para órgão de Bach está fora de moda. Algumas pessoas acham que o som do órgão é tão irritante quanto os padres pedófilos de Ratzinger — o qual parece preferir sexo com crianças do que entre adultos — , mas é bem no órgão que Bach realiza suas maiores experimentações. (Ah, acharam que eu ia fazer uma piada com o órgão sequiçual, né?) Mas retornemos ao que interessa: o que há de peças amalucadas na Orgelwerke é uma grandeza! E eu gosto. Muito! Este CD é sensacional por diversas razões.
(1) O organista é do caralho (ou do órgão, como queiram);
(2) O repertório, apesar de evitar os experimentalismos, está longe dos lugares-comuns;
(3) A produção da Hyperion é fodal;
(4) O CD está fora de catálogo até em Marte e
(5) Fique tranquilo, você não terá de ouvir a Toccata e Fuga em Ré Menor de novo.E ah, vocês sabem como era a nossa família. Vinte filhos e aquele entra e sai de alunos, todos interpretando peças de sua preferência e criando outras. Então, alguns historiadores de ejaculação precoce pegaram tudo isso e disseram que era de Johann Sebastian, mas nem sempre era… Neste disco há peças de vários Bachs, de outros agregados que tentavam comer minhas irmãs e de todo o tipo de gente que queria a cerveja de meu pai. Havia por lá um certo Ratz que só se interessava pelos meninos e meninas de menos de dez anos… Bem, era uma zona e até isso se reflete neste baita CD.
CD IM-PER-DÍ-VEL !!!! (como diria o véio Ratz observando um pré-púbere)
Béla Bartók (1881-1945): Sonata for Solo Violin / Leoš Janáček (1854-1928): Violin Sonata / Claude Debussy (1862-1918): Violin Sonata / Serguei Prokofiev (1891-1953): Violin Sonata Nros 1 e 2 / Igor Fyodorovich Stravinsky (1882-1971): Divertimento
Viktoria Mullova é um das preferências absolutas deste filho de Bach, que também a acha bonita, apesar da notícia que FDP Bach me passou: ela agora estaria jogando em nosso time, disputando as moças. Como provavelmente não iria comê-la mesmo, tanto faz. Mas a sonoridade desta moscovita é coisa de louco.
A peça de Bartók é uma peça de Bartók, isto, é, é esplêndida e o mantém entre os 3 maiores Bs da música erudita, os quais permanecem como os maiores mesmo quando se usa todas as outras letras do alfabeto. Quem são os três? Ora, Bach, Brahms, Beethoven e Bartók.
A peça de Janáček é igualmente sensacional. Música bem eslava, sanguínea e cheia de surpresas e belas melodias, combinando perfeitamente com Bartók.
Depois a gente brocha. Debussy… Debussy… Debbie…, o que dizer? Claude, apesar do tremendo esforço que fez para movimentar-se no primeiro movimento, é um gordo. Portanto, é meio estático. Para piorar, é também extático. Bem, hoje faz um lindo dia e dizem que é o Dia do Beijo, o que significa que eu deveria ir para a rua ver o que consigo. (Mas, olha, foi das melhores coisas que já ouvi do gordo Debbie).
Prokofiev! Ah, Serguei é outro papo. Já de cara ele mostra quão fodão é naquele tranquilo Andante assai e no furioso Allegro brusco que o segue. Sem dúvida, é um cara que valoriza o contraste… Nós também detestamos o total flat, a gente gosta tanto dos mares piscininha quanto das descidas vertiginosas; afinal, os acidentes geográficos é o que faz a beleza da paisagem, né? As duas Sonatas de Prokofiev são notáveis.
Stravinsky… Sei que meus pares aqui no blog são admiradores do anão russo e adoro provocar, só que não dá, o cara é bão demais, raramente erra. Será que o gordo Debbie escreveu alguma coisa chamada “Divertimento”? Ele se divertia com o quê?
IM-PER-DÍ-VEL !!!!
Uma das mais impressionantes peças compostas por Johannes Brahms. Pena que as duas entradas tonitruantes do coral tenham perdido volume e efeito no YouTube. Em estado normal, elas deveriam explodir as caixas de som. Falar sobre Brahms? Não precisa. Ele é um dos 4 Bs, né?
O YouTube possui a triste limitação de 10 minutos. Então, ele não serve para o Andante con moto do Trio, Op. 100, de Schubert. Mesmo assim, não resisto a mostrar este vídeo da Mezzo. Trata-se de uma propaganda de um DVD da empresa. Mas que propaganda, meus sete leitores! Som perfeito (alguém me pareceu gripado), interpretação de entusiasmar e, antes que perguntem: sim, é a música utilizada por Stanley Kubrick em Barry Lyndon. Schubert ficaria feliz se tivesse sabido.
Tudo isso sem esquecer que hoje Ele completa — deixo o verbo no presente do indicativo, pois o Homem está vivo — 325 anos de nascimento:
Ela se chama Tal Wilkenfeld, nasceu em Sydney, em 1986, é uma virtuose do baixo e é a cara da minha filha Bárbara, de 15 anos. Quinta-feira, seu irmão Bernardo entrou aqui em casa e disse que tinha que me mostrar um vídeo. Fiquei besta. Parecia a irmã dele. Deixo com vocês dois vídeos da moça, sempre muito bem acompanhada por Jeff Beck. O primeiro vídeo começa com o célebre tema Good-bye Pork Pie Hat, visceral homenagem de Charlie Mingus à Lester Young, e depois envereda para Brush With The Blues. O segundo é uma brincadeira entre Wilkenfeld e Beck, que tocam o mesmo baixo ao mesmo tempo. E, finalizando, duas fotinhos da minha Babi. Esclarecimento importante: ela é quem aparece do lado direito…
Fotos: Bernardo Ribeiro
A série de livros de “Manual do Blefador” (Ediouro) dá dicas a pessoas que não querem passar vergonha entre entendidos. Há vários desses livrinhos: sobre música, vinhos, literatura, arte moderna, filosofia, teatro, etc. Eles são ótimos, engraçadíssimos, como demonstra este verbete sobre Haydn:
Haydn.
O pai da sinfonia. Ao contrário do normal, ninguém soube quem foi sua mãe. Haydn decidiu que as sinfonias deviam ter princípio, meio e fim, primeiros movimentos nas sonatas, nas missas e nos trios. Beethoven, em seu estilo grosseiro, desconsiderou e estragou esse belo modelo convencional.
O sentimento geral é de que Haydn podia ser tão bom quanto Mozart se não tivesse sido tão incuravelmente feliz durante a vida. Esse espírito de contentamento insinuou-se por toda sua música e diluiu-se. As últimas sinfonias foram compostas em Londres para ganhar dinheiro vivo, e a sombra do contrato que pairava sobre ele acrescentou-lhe aquela pitadinha de desgraça que tanto lhe faltara antes. Talvez somente um homem verdadeiramente sem coração poderia ter composto algo tão assombrosamente feliz quanto o final da Sinfonia Nº 88.
Existem muitas e muitas sinfonias que praticamente não são tocadas e que você pode considerar suas favoritas, mas o excelente comentário sobre Haydn é afirmar que o melhor de suas músicas foram as missas — e não haverá necessidade de falar sobre isso.
Peter Gammond — Manual do Blefador: Música
Um dia, eu fiz a seguinte brincadeira aqui no blog:
Numa noite fria do século XVIII, Bach escrevia a Chacona da Partita Nº 2 para violino solo. A música partia de sua imaginação (1) para o violino (2), no qual era testada, e daí para o papel (3). Anos depois, foi copiada (4) e publicada (5). Hoje, o violinista lê a Chacona (6) e de seus olhos passa o que está escrito ao violino (9) utilizando para isso seu controverso cérebro (7) e sua instável, ou não, técnica (8). Do violino, a música passa a um engenheiro de som (10) que a grava em um equipamento (11), para só então chegar ao ouvinte (12), que se desmilingúi àquilo.
Na variação entre todas essas passagens e comunicações, está a infindável diversidade das interpretações. Mas ainda faltam elos, como a qualidade do violino – e se seu som for divino ou de lata, e se ele for um instrumento original ou moderno? E o calibre do violinista? E seu senso de estilo e vivências? E o ouvinte? E… as verdadeiras intenções de Bach? Desejava ele que o pequeno violino tomasse as proporções gigantescas e polifônicas do órgão? Mesmo?
E depois tem gente que acha enfadonha a música erudita…
Há que acrescentar a transcrição (esplêndida, esplêndida) de Busoni para o piano até chegarmos às mãos da belíssima e talentosa Hélène Grimaud. Talvez seja a obra mais perfeita que conheço, ao lado das Goldberg e da Arte da Fuga.
E aqui, o original para violino. Maxim Vengerov — meu violinista preferido dentre os da nova geração — interpreta a obra enquanto caminha pelos corredores e exteriores de Auschwitz. O filme faz parte do filme Holocaust: A musical memorial film from Auschwitz. É absolutamente arrepiante, principalmente porque Vengerov não quis limpar a gravação de seus pequenos pecados. Como o conheço de várias entrevistas, sei que ele gosta de registros ao vivo e não costuma corrigi-los. Deveria repetir a sessão em Gaza.
Fiquei muito chocado quando uma amiga minha chamou Are you going with me? de “Música de Boate”. Das duas, uma: ou não é ou é e eu perco muito por não frequentar boates. Infelizmente, não encontrei nenhum show do Pat Metheny Group com Mays e a catrefa habitual. O filme abaixo traz Metheny e a North Sea Jazz Festival em 2003. A gravação original de estúdio está no disco Offramp (Turn Left), de 1981.
A partir de 1:18, minha (difícil) Fuga do Carnaval. Da Partita Nº 2, BWV 826, de Johann Sebastian Bach. Ah, Glenn Gould ao piano, claro.
E aqui, a fuga do Dr. Cláudio.
A mim, esta música sempre lembrou meu pai, que a ouvia muito. Após Fanny e Alexander de Bergman, passou a ser a música deste filme. Porém, sobraram outras cem que me trazem o Dr. Milton à memória… Interpretação de Renaud Capuçon e Sayaka Shoji (violinos), Lars Anders Tomter (viola), Mischa Maisky (violoncelo) e com a belíssima Hélène Grimaud ao piano.
Uma das muitas criações GENIAIS do Les Luthiers é o Teorema de Tales de Mileto, Op. 48, de Johann Sebastian Mastropiero. A ilustração visual realizada por dois fãs apenas valoriza a música dos cômicos argentinos.
A introdução, lida por Marcos Mundstock no disco original, é a seguinte:
Johann Sebastian Mastropiero dedicó su divertimento matemático, op. 48, el “Teorema de Thales”, a la condesa Shortshot, con quien viviera un apasionado romance varias veces, en una carta en la que le dice: “Condesa, nuestro amor se rige por el Teorema de Thales: cuando estamos horizontales y paralelos, las transversales de la pasión nos atraviesan y nuestros segmentos correspondientes resultan maravillosamente proporcionales”. El cuarteto vocal “Les frères luthiers” interpreta: “Teorema de Thales” op. 48, de Johann Sebastian Mastropiero. Son sus movimientos: Introducción, Enunciazione in tempo di menuetto, Hipotesis agitatta, Tesis, Desmostrazione, ma non troppo, Finale presto con tutti.
O irresistível Concierto Grosso alla Rustica, Op. 58, de Johann Sebastian Mastropiero, é a junção da “sofisticação musical barroca” e de um conjunto de música andina. Não há um mote ou piada claros. É apenas perfeito. ¡Bueno!
A engraçadíssima Payada de la Vaca é, como se pode imaginar, uma payada — trova “gaúcha” em formato de pergunta e resposta.
Para quem não conhece, o Les Luthiers existe há mais de 40 anos e interpreta apenas suas próprias composições. O compositor Johann Senastian Mastropiero é, obviamente, um personagem criado pelo grupo. Sua biografia é crescente.
As letras do Teorema e da Payada:
El Teorema De Thales
Si tres o más paralelas, si tres o más parale-le-le-las
Si tres o más paralelas, si tres o más parale-le-le-las
Son cortadas por dos transversales
Son cortadas por dos transversales
Si tres o más parale-le-le-las
Son cortadas, son cortadas
Dos segmentos de una de estas, dos segmentos cualesquiera
Dos segmentos de una de estas son proporcionales
a los dos segmentos correspondientes de la otra.
a paralela a b,
b paralela a c,
a paralela a b, paralela a c, paralela a d
OP es a PQ
MN es a NT
OP es a PQ como MN es a NT
a paralela a b,
b paralela a c
OP es a PQ como MN es a NT
La bisectriz yo trazaré y a cuatro planos intersectaré
Una igualdad yo encontraré: OP más PQ es igual a ST
Usaré la hipotenusa
Ay no te compliques, nadie la usa
Trazaré, pues, un cateto
Yo no me meto, yo no me meto.
Triángulo, tetrágono, pentágono, hexágono,
heptágono, octógono, son todos polígonos
Seno, coseno, tangente y secante,
y la cosecante, y la cotangente
Thales, Thales de Mileto
Thales, Thales de Mileto
Que es lo que queríamos demostrar.
Quesque loque loque queri queri amos
demos demos demostrar.
Payada de la vaca
Dígame usted compañero
Dígame usted compañero y conteste con prudencia
Cual es la mansa paciencia que puebla nuestras
praderas
Y en melancólica espera con amnegada paciencia
Nos da alimento y abrigo
Fingiendo indiferencia
VERSO 2
No me asusta el acertijo
No me asusta el acertijo y ya mi mente barrunta
Por donde viene la punta de la un la tan difícil
historia
La destreza y la memoria son buenas si van en yuntas
No se ofende si le digo me repite la pregunta
VERSO 1
Nómbreme uste el animal
Que no es toro ni cebú
Que pa ayudar la salud y pa que a usted la aproveche
Le da la carne y la leche en generosa actitud
Tiene cola y cuatro patas
Y cuando muje hace muuuuuu
VERSO 2
No me asusta el acertijo
No me asusta el acertijo porque a mi no me asusta el acertijo
LA VACA!
(Discusión)
VERSO 2
Ya le rimo la respuesta
Ya le rimo la respuesta que de la duda nos saca
El animal que usted dice tiene por nombre la vaca
VERSO 1
Me extraña mucho compadre
Me extraña mucho compadre que sea tan ignorante
Una payada brillante octo sílabos precisa
En el final finaliza y empieza por adelante
Debe tener 8 versos y ser de rima elegante
VERSO 2
No me asusta el acertijo
Le contesto en 8 versos asi su enojo se aplaca
El error que usted me achaca no es error ni es para tanto
En octosílabos canto con rima que se destaca
Con elegancia lo digo sin hacer tanta laraca
La vaca
Homenagem que o Eduardo Lunardelli, do Varal de Ideias, me faz em seu blog de política + piadas + peladas, o Drops Azul Aniss.
Gostei!
Social Studies, um dos discos de capa mais legal que conheço, contém algumas obras-primas da irônica compositora, pianista, militante comunista, arranjadora, big band leader e very big band leader Carla Bley. Ele abre com Reactionary Tango.
Este é um registro de um concerto realizado em Varsóvia em 1981. Notem como a plateia polonesa não entendeu patavina do inglês de Carla e aplaudiu entre os “movimentos”. Carla Bley está ativa aos 73 anos. A absolutamente confiável Camila Pavanelli colocou seu disco de 2007, The Lost Chords Find Paolo Fresu como um dos melhores dos anos 2000. Sim, os títulos de todos os CDs de Bley são lindos.
Abaixo, a primeira parte do notável Reactionary Tango:
E aqui, as partes 2 e 3:
Carla Bley – Piano
Steve Swallow – Bass (genial!)
Arturo O’Farrell – Piano, Organ
Dee Sharp – Drums
Earl Mackintyre – Tuba
Gary Valente – Trombone
Vicent Chancey – French Horn
Steve Slagle – Alto Sax
Tony Dagradi – Tenor Sax
Michael Mantler – Trumpet