A incrível história da livraria que sobreviveu à pandemia e se mudou para uma igreja

A incrível história da livraria que sobreviveu à pandemia e se mudou para uma igreja

Por Marco Weissheimer no Sul21

Livraria Bamboletras se mudou para o prédio de uma antiga igreja localizada no bairro Cidade Baixa. Foto; Luiza Castro/Sul21

Uma das mais tradicionais livrarias de Porto Alegre, a Bamboletras estava há 26 anos instalada no Nova Olaria, um também tradicional centro comercial e espaço cultural da Cidade Baixa. Os últimos dois anos e meio foram de fortes emoções, imprevistos e muita tensão para o livreiro Milton Ribeiro e para todo o grupo de funcionários da livraria. No dia 19 de março, a Bamboletras foi obrigada a fechar as portas para o atendimento ao público, com o início do processo de isolamento social causado pela pandemia da Covid-19. O distanciamento mudou totalmente a forma de operação da Bamboletras, uma livraria que, até então, atendia o público diretamente na sua sede no Nova Olaria, e teve que passar a trabalhar via telefone, tele-entrega, whatsapp e outros dispositivos virtuais.

Assim como aconteceu com a maioria das livrarias e outros estabelecimentos comerciais, a Bamboletras ficou bastante combalida financeiramente em 2020. “Em 2021, a gente estava começando finalmente a respirar quando recebemos a notícia de que o Nova Olaria seria derrubado para a construção de um novo edifício. Foi uma dura notícia para nós. Depois de passar um ano dificílimo, ficamos sabendo que teríamos que sair do Novo Olaria”. Após a frustração inicial com a notícia, Milton Ribeiro e sua equipe começaram a busca de uma nova sede para a livraria. Bernardo, filho de Milton, descobriu, próximo à rua Lima e Silva, onde estava localizado o centro comercial que está sendo demolido, o prédio de uma pequena igreja que estava para alugar.

Milton Ribeiro: “Ainda fico meio surpreso. Sou o proprietário de uma livraria dentro de uma igreja”. Foto: Luiza Castro/Sul21

O prédio, localizado na rua Venâncio Aires, nº 113, pertence à Igreja Nova Apostólica, uma igreja protestante restauracionista surgida na Alemanha em 1863, que se baseia na Bíblia conforme a interpretação dos apóstolos e chegou ao Brasil em 1928, com uma missão numa comunidade alemã que vivia no bairro de Santana, em São Paulo.

Em um primeiro momento, Milton admite que achou a ideia muito estranha. “Uma igreja?” – questionou. “É uma ideia meio europeia. Na Alemanha e na Holanda, é comum prédios de igrejas se tornarem outra coisa, principalmente livrarias. Me deu um frio na barriga, fiquei pensando que poderia ser um lance muito ousado”, conta. Mas a ideia ousada e inusitada acabou virando realidade e, a considerar os primeiros dias de atividade na nova casa, está dando certo. “Estamos aqui há quatro dias (a conversa com o Sul21 ocorreu na quarta-feira, 20 de julho) e as pessoas estão gostando muito e recebendo super bem a novidade”.

Ele destaca ainda que foi muito bem tratado pelos donos do prédio, que gostaram da ideia de que o espaço que abrigava a Igreja Nova Apostólica passasse a ser ocupado por uma livraria. “Não me pediram carteirinha de crente nem nada do tipo, a gente se respeitou bastante e a ideia foi acolhida por eles”. Por enquanto, a Bamboletras ocupa a sala central do andar de baixo, mas há outros espaços no andar de cima, onde morava o padre, um longo corredor lateral e um pátio arborizado nos fundos. Milton planeja utilizar esse pátio para realizar lançamentos de livros e outros eventos, principalmente durante o verão. Além disso, conta ainda, muitos clientes estão pedindo, “com uma certa insistência e veemência”, que a livraria abrigue um café também. “Tem que ter o cheiro do café aqui dentro”, rogou uma cliente. A equipe da Bamboletras está pensando no assunto. “Vamos ver se a gente consegue implantar essa ideia nós mesmos ou em parceria com alguém”, diz Milton.

Livros passaram a conviver com belos vitrais coloridos. Foto: Luiza Castro/Sul21

O livreiro ainda está assimilando todo o simbolismo envolvido na mudança de sede da livraria para uma igreja, no momento em que o país vai saindo do isolamento social provocado pela pandemia e sofre um processo de desmonte de políticas e espaços públicos também na área cultural. “Estou pensando em escrever uma série de textos sobre todo esse processo, justamente para refletir a respeito disso. Foi uma coisa muito súbita e rápida. Quando começaram as obras no Nova Olaria, eles colocaram, sem anunciar para a gente, um tapume preto em frente ao prédio. Com isso, as pessoas deixaram de entrar, porque achavam que não tinha mais nada lá dentro.

Houve muitos sustos e algum desespero inclusive.  Não tivemos muito tempo para refletir sobre tudo isso que aconteceu. É óbvio que, para mim, é uma situação muito irônica, eu,  uma pessoa que sempre se declarou ateia e sempre reclamou muito da mistura entre política e religião. Ainda fico meio surpreso. De vez em quando eu olho para a nova sede da livraria e penso ‘meu deus, estou trabalhando numa igreja’. Mais ainda, sou o proprietário de uma livraria dentro de uma igreja”.

O movimento, nos primeiros dias de funcionamento da Bamboletras em sua nova casa, está muito bom e deixa Milton Ribeiro animado com o futuro. “As pessoas estão gostando muito da novidade. No Nova Olaria, as lojas foram paulatinamente fechando. Durante a pandemia, praticamente todas saíram, especialmente os bares. A gente não sabia o quanto aquilo impactava a livraria. Foi se criando uma atmosfera meio deprimente. Um ambiente que era culturalmente ativo e brilhante, passou a ficar esvaziado e abandonado. Olhando hoje, vejo que esse processo nos prejudicou demais. A gente devia ter saído antes de lá”.

A mudança de astral fica evidente para quem entra na livraria. A equipe toda com o ânimo renovado e as pessoas, antigos e novos clientes, que entram curiosos para conhecer a novidade. O livreiro e agora também “pastor” Milton Ribeiro parece já estar preparado também para conviver com os inevitáveis trocadillhos que acompanharão o novo espaço, transformado em templo dos livros, capela da leitura e santuário da cultura em uma Porto Alegre tão castigada nos últimos anos.

Confira mais imagens da igreja que virou livraria

Foto: Luiza Castro/Sul21
Foto: Luiza Castro/Sul21
Foto: Luiza Castro/Sul21
Foto: Luiza Castro/Sul21
Foto: Luiza Castro/Sul21
Foto: Luiza Castro/Sul21
Foto: Luiza Castro/Sul21