Uma Criança Abençoada, de Linn Ullmann

Uma Criança Abençoada, de Linn Ullmann

Claro, eu comprei este livro pelo simples motivo de Linn Ullmann ser filha de Liv Ullmann e Ingmar Bergman. Lançado pela Cia das Letras em abril de 2009, o livro vendeu minimamente no Brasil e só o encontrei em sebos. Pois fiquei muito feliz em lê-lo. É ótimo.

Vamos com um mínimo de spoilers. Erika, Laura e Molly são três meias-irmãs, filhas do mesmo pai com 3 diferentes mulheres. O pai, Isak Lovenstad, é um velho e famoso médico aposentado que está vivendo na pequena ilha de Hammarsö. Erika deseja que as irmãs façam uma visita conjunta ao pai.

(Bem, Ingmar Bergman passou sua velhice na ilha de Fårö e teve nove filhos com seis mulheres diferentes. Ullmann é a mais jovem, a última filha do grande homem. E olha, Linn sobrevive bem a isto. A casa de Bergman na ilha chamava-se Hammars, nome muito parecido com a ilha do livro de Linn).

O foco do livro são seus flashbacks, focando-se mais exatamente no quente verão de 1979, quando Erika estava fazendo 14 anos, Laura, 12, e Molly, 5. Elas tinham uma turma de garotos que circulava pela ilha. Um deles era desprezado pelos outros, fato bem conhecido de quem participou de turmas de bairro infantis. Excluído da turma, Ragnar refugiava-se em uma cabana secreta onde também se encontrava com Erika. Nascidos no mesmo dia e ano, ninguém sabia dos beijos e das intimidades entre eles. E era na cabana que eles pretendiam comemorar seu décimo quarto aniversário em 1979. Vinte e cinco anos mais tarde, Erika relembra os acontecimentos daquela noite de verão e decide voltar com as irmãs à ilha onde nunca mais puseram os pés.

O romance começa com Erika dirigindo nervosamente em meio a uma tempestade de neve até a ilha sueca de Hammarsö para visitar o pai de 84 anos. O velho vive ameaçando cometer suicídio e Erika convoca suas duas meias-irmãs para que possam ver como ele está.

A longa viagem de carro na neve gera lembranças em Erika: em 1972, as meninas começaram a passar o verão com o pai em Hammarsö. A Marion de cabelos negros é a abelha-rainha que dirige, com olhares malévolos, qual membro do grupo de adolescentes locais pode tomar sol ao seu lado ou quem terá o privilégio de emprestar-lhe uma blusa. Como disse, na periferia desse grupo está Ragnar, um menino que é o melhor amigo de Erika. Erika e Ragnar compartilham um linguagem secreta e um esconderijo numa cabana da floresta. Mas quando eles completam 14 anos, Erika o trai para ganhar espaço com Marion e esconder a “vergonha” de sua atração pelo vetado Ragnar, dando início a um episódio que faz O Senhor das Moscas parecer contido.

O Senhor das Moscas, de William Golding, gerou décadas de discussões sobre a maldade das crianças, principalmente dos meninos. Normalmente, as meninas são suas maiores vítimas. Linn inverte tudo. Marion, a adolescente-chefe do livro, comporta-se bastante mal — não vou esquecer a cena magistralmente assustadora que termina quando ela “joga o vibrador no mar”.

A estrutura em mosaico do romance, uma montagem de vários pontos de vista a partir de vários pontos no tempo, cria ecos desse acontecimento horrível no presente. A dolorosa gravidez de Erika adulta com seu filho parece uma penitência por sua traição. A preocupação de Laura com a reação de sua comunidade a um suspeito de pedofilia revela seu arrependimento sobre a violência contra Ragnar 25 anos antes.

A autora é perfeita. Se o cerne de Uma Criança Abençoada é um crime, a autora parece não ter certeza de quem é o culpado. A narradora não aponta o dedo para ninguém. Ullmann parece até ter certo amor pelos culpados. Sim, é um livro sem compromissos morais. De quem é a culpa quando as meninas se comportam mal? Ullmann levanta a questão, mas não a responde.

E vale a pena saber do mais recente livro de Linn Ullmann, publicado em 2020.

Linn Ullmann (1966) | Foto: Hampus Lundgren, do perfil do Facebook da autora

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Por uma Lei da Bibliodiversidade

Por uma Lei da Bibliodiversidade

Fonte: IEA

Detalhes do evento

Quando:
de 13/10/2021 – 09:00

a 15/10/2021 – 17:00

Onde:
ON-LINE

Nome do Contato:
Cláudia R. Pereira

Telefone do Contato:
11 3091-1686

Todo mundo reclama da Amazon, menos os franceses e alguns outros países europeus. Na França, existe a Lei Lang, também chamada de “Lei do Preço Fixo”, que foi aprovada em 1981. Ela impõe limite a descontos dados por livrarias, com o objetivo de evitar a concorrência desleal. Entre 2013 e 2014, deputados e senadores aprovaram emenda que impede a Amazon de conceder descontos superiores a 5%, bem como o frete grátis.​.. Lá, o comércio deve respeitar o período de dois anos de lançamento do livro, oferecendo descontos máximos de 5% na venda ao consumidor final. Um sonho.

Há 40 anos a Lei Lang ou Lei do Preço Fixo-Único do Livro mobilizava a sociedade francesa pela regulação do preço do livro. Houve uma campanha de massa para a formação da opinião pública e os profissionais do livro se viram unidos em função de uma só pauta. A Lei foi aprovada por unanimidade pelas duas câmaras francesas, em 10 de agosto de 1981. Na época, venceu o projeto contra a concorrência desleal das livrarias, em resposta às grandes redes varejistas que apenas despontavam no mercado.

A vitória da Lei Lang despertou o debate sobre o Preço Fixo-Único do livro em todo o mundo, ou, pelo menos, nos países mais afeitos às francesias e onde a fragilidade das livrarias ia de par com a rarefação dos leitores e as incertezas do mercado. Hoje o debate atinge em cheio os profissionais do livro no Brasil e, em especial, o público leitor. O projeto de lei “Política Nacional do Livro e Regulação de Preços” (PL 49/2015), em tramitação no Senado, acende um alerta: é preciso lançar luz sobre as condições desiguais de produção, comércio e distribuição dos livros em um país desigual e com dimensões continentais.

Lei do Preço Fixo-Único ou Lei do Preço Comum? Somos “Por uma Lei da Bibliodiversidade”. A questão tem sido debatida sob a ótica do mercado, quando, na verdade, ela tem uma abrangência muito maior, dada a natureza do livro na economia de bens culturais, e de seu papel na formação dos leitores.

Ao celebrar os 40 anos da Lei Lang, pensamos em construir um diálogo de inestimável relevância para a sociedade, reforçando o vínculo histórico entre a França e o Brasil, com vistas na construção de políticas públicas para o livro, a começar pela regulação do mercado editorial.

Inscrições
Evento público e gratuito | sem inscrição prévia

Transmissão – Diffusion
www.iea.usp.br/aovivo

Organização
Instituto de Estudos Avançados (IEA/USP)
Institut des Amériques (IdA), Pôle Brésil
Consulado Francês – Programa Cátedras Franco-Brasileiras no Estado de São Paulo
Embaixada da França no Brasil

Programação

13/10

9h Boas-Vindas – Bienvenue:

Guilherme Ary Plonski (EP, FEA e IEA/USP) e Marisa Midori Deaecto (ECA/USP); Livia Kalil (IdA-Sorbonne Nouvelle); Patrícia Sorel (Université Paris-Nanterre, Pôle Métiers du Livre); Nadège Mezié (Consulado da França, São Paulo) e Vincent Zonca (Embaixada da França)

10h Saudação do ex-Ministro da Cultura na França, responsável pela implementação da Lei do Preço Fixo, ou Lei Lang – Salutations de l’ancien ministre de la Culture en France, chargé de la mise en œuvre de la loi sur le prix fixe, ou Law Lang, Jack Lang
10h30 Saudação do Presidente do Bureau International de l’Édition Française – Bief – Salutation du Président du Bureau International de l’Édition Française – Bief, Antoine Gallimard
11h às 13h A Lei Lang: o Tempo da Política, da Economia e da Cultura – La Loi Lang: Le temps de la Politique, de l’Économie et de la Culture
A Lei Lang e as Mutações do Livro: balanços e perspectivas (1981-2021) – La loi Lang et les Mutations du Livre : bilans et perspectives (1981-2021) – Jean-Yves Mollier (Université de Versailles Saint Quentin-en-Yvelines, França)

A Lei Lang: Abordagem Política para uma Questão Econômica – La loi Lang : une Approche Politique d’une Question Économique – Nicolas Georges (Diretor do Livro e da Cultura; Ministério da Cultura, França)

A Lei Lang, Tempo Forte de Uma Política Cultural Fundada em um Caso de Exceção – La loi Lang, Temps Fort d’une Politique Culturelle Fondée sur un cas d’Exception – Françoise Benhamou (Université Sorbonne Paris Nord Sciences Po-Paris e Cercle des Économistes, França)

Mediação – La Médiation: Nadège Mezié (Consulado da França, São Paulo)

14h30 às 16h Mesas-Redondas – Tables Rondes: A Lei do Preço Fixo: Panorama e Perspectivas do Mercado Editorial – La loi sur le Prix Unique : Panorama et Perspectives du Marché de l’Édition
Panorama do Mercado Editorial e Livreiro do Brasil – Panorama du Marché de l’Édition et de la Librairie au Brésil – Vítor Tavares (CBL – Câmara Brasileira do Livro)

Retrato das Livrarias no Brasil – Les librairies au Brésil – Bernardo Gurbanov (ANL – Associação Nacional de Livrarias)

Pensar as Políticas Públicas Para Além das Grandes Compras e das Grandes Empresas – Penser les Politiques Publiques au-delà des Gros Achats et des Grandes Entreprises – Haroldo Ceravolo (Alameda Editorial e LIBRE)

Mediação – La Médiation: Paulo Werneck (Jornalista e Editor 451)

16h às 17h30 Livros a Mancheia para todo o Brasil: sobre o Preço do Livro e o Acesso à Leitura – Livres pour tout le Brésil: Sur le Prix Unique et l’Accès à Lecture
Correios: Logística e Estratégica no Território Nacional – La Poste: Logistique et Stratégie sur le Territoire National – Igor Venceslau (FFLCH-USP)

Políticas Públicas: Meios para Executá-las e Participação Social – Politiques Publiques: Moyens de Mise en Oeuvre et de Participation Sociale – Felipe Lindoso (Livro e Leitura)

O Mercado Editorial Brasileiro em Tempos de Covid: um Primeiro Balanço – Le Marché de l’Édition Brésilien en Temps de Covid-19 : un Premier Bilan – Marília de Araújo Barcellos (UFSM)

Mediação – La Médiation: Tadeu Breda (Editora Elefante)

14/10

9 às 10h Conferências de Abertura – Conférences d’Ouverture

O Que é a PL 49/2015? – Sur le PL 49/2015 – Jean Paul Prates (Senador da República)

Frente Parlamentar em Defesa do Livro, da Leitura e das Bibliotecas – Front Parlementaire Mixte de Défense du Livre, de la Lecture et des Bibliothèques – Ricardo Borges (Senado Federal)

Mediação – La Médiation: Fernanda Garcia (CBL)

10h30 às 13h Mesas-Redondas – Tables Rondes: Lei Lang: Experiências e Expectativas – Expériences et Attentes Autour de la Loi Lang
A Lei Lang Vista pelos Profissionais do Livro Franceses – La loi Lang Vue par les Professionnels du Livre Français – Patrícia Sorel(Université Paris-Nanterre, Pôle Métiers du Livre, França)

A Lei do Preço Fixo no Mundo – Le régime du Prix Unique du Livre dans le Monde – Jean-Guy Boin (ex-Bief, Economista)

Sobre a Lei do Preço Fixo: É Possível Sensibilizar a Sociedade Brasileira? – La loi sur le Prix Unique: Est-il Possible de Sensibiliser la Société Brésilienne? – Marcos da Veiga Pereira (Presidente do SNEL – Sindicato Nacional de Editores de Livros)

A Lei do Preço Fixo e o Impacto nas Livrarias – La loi sur le Prix Unique : Ses Conséquences sur les Librairies – Marcus Teles (Livraria Leitura, CBL e ANL)

Mediação – La Médiation: Vincent Zonca (Embaixada da França)

14h30 as 17h Mesa-Redonda – Table Ronde: Editoras e Livrarias Independentes: uma Mirada Latino-americana sobre a Questão do Preço Fixo – Maisons d’Édition et Librairies Indépendantes: Un Regard Latino-Américain sur les Enjeux du Prix Unique
O Lugar do Preço Fixo nos Ativismos Editoriais Brasileiros – La Place du Prix Unique dans les Activismes Éditoriaux au Brésil – José de Souza Muniz Júnior (DELTEC-CEFET-MG)

Preço Fixo do Livro na América Latina: um Debate Inacabado – Prix Unique du Livre en Amérique Latine : Un Débat Inachevé – José Diego Gonzalez Mendonza – (Cerlalc, Colômbia)

A (Des)ilusão do Preço Único no México – La (Dés)illusion du Prix Unique au Mexique – Tomás Granados Salinas (Grano de Sal, México)

A Lei do Preço Único na Argentina: um Balanço Após 20 Anos de Experiência – La Loi sur le Prix Unique en Argentine: Un Bilan après 20 ans d’Expérience – Alejandro Dujovne (CONICET e  Programa Sur de Traducciones, Argentina)

Mediação – La Médiation: Lilia Zambon (Companhia das Letras e CBL)

15/10

9h às 9h50 Conferência de Abertura – Conférence d’Ouverture

Fixar o Preço, Salvar o Livro. Convergências, Tensões e Percursos no Caso Português – Fixer le Prix, Sauver le Livre. Convergences, Tensions et Parcours dans le Cas Portugais – Nuno Medeiros (ESTeSL-IPL)

Mediação – La Médiation: Bel Santos Meyer (IBEAC e Literasampa)

10h às 12h30 A Economia do Livro: o Preço da Leitura no Brasil – L’économie du livre : Le prix de la lecture au Brésil
A Lei do Preço Fixo, Preço Justo, Preço Comum: uma das Lutas mais Importantes do Mercado Editorial e Livreiro no Brasil – Une loi sur le Prix Unique, un Prix Juste, le Même pour tous : une des Luttes les Plus Importantes du Marché du Livre au Brésil – Alexandre Martins Fontes (WMF Martins Fontes Editora/Livraria e CBL)

Tudo Começa na Livraria – Tout Commence à la Librairie – Rui Campos (Livraria da Travessa)

A Importância da ‘Lei’ para a Manutenção de Pequenas Livrarias em um País Rico e Desigual na Periferia do Mundo –  L’importance de la “Loi” pour le Maintien des Petites Librairies dans un Pays Riche et Inégalitaire à la Périphérie du Monde – Adalberto Ribeiro (Livraria Simples)

Sintomas do Mercado Editorial em Busca de Transformação, a Partir de uma Postura Independente – Symptômes du Marché de l’Édition en Quête de Transformation, à Partir d’une Position Indépendante – Larissa Mundim (Nega Lilu Editora)

Mediação – La Médiation: Nanni Rios (Livraria Baleia)

14h30 às 17h Mesa-Redonda – Table Ronde: Pensar 40+: Passado e Futuro da Difusão e do Acesso ao Livro no Brasil – Penser 40+ : Passé et Avenir de la Diffusion et de l’Accès au Livre au Brésil
Como Está o Livro? – Comment va le Livre? – Ana Elisa Ribeiro (DELTEC-CEFET-MG)

Ágora do agora: A relevância do livro num mundo disperso – Agora d’Aujourd’hui: L’importance du Livre dans un Monde Dispersé – João Varella (Editor da Lote 42 e Banca Tatuí)

Entre as Corporações e os Caminhos Independentes – O Mercado Editorial em Tempos Ambivalentes – Entre Corporations et Chemins Indépendants. Le Marché Éditorial dans des Temps Ambivalents – Paulo Verano (ECA/USP e Casa Educação)

40 Anos de Inquietações: A Recepção da Lei do Preço Fixo no Brasil – 40 Ans d’Inquiétudes: La Réception de la loi sur le Prix Unique au Brésil – Marisa Midori Deaecto (ECA-USP)

Mediação – La Médiation: Lívia Kalil (Institut des Amériques, Pôle Brésil)

Evento com transmissão em: http://www.iea.usp.br/aovivo

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A Bamboletras recomenda três livros muito diferentes entre si

A Bamboletras recomenda três livros muito diferentes entre si

A newsletter desta quarta-feira da Bamboletras.

Olá!

Um romance de uma autora popular e muito boa, um ensaio sociológico e psicanalítico sobre como as pessoas desprotegidas são as mais acusadas de violência e de como mudar esta situação e a bela despedida de Sérgio Sant`Anna são as dicas da Bamboletras desta semana. Confiram abaixo.

Boa semana e boas leituras!

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Belo mundo, onde você está, de Sally Rooney (Cia. das Letras, 336 páginas, R$ 54,90)

A excelente Sally Rooney, autora de Pessoas Normais, escreve sobre amizade, amor e dúvida em seu terceiro romance. Alice conhece Felix pelo Tinder. Ela é romancista, ele trabalha num armazém nos subúrbios de uma pequena cidade costeira da Irlanda. No primeiro encontro, enquanto os dois tentam impressionar um ao outro, algo mais aparece. Enquanto isso, em Dublin, Eileen está tentando superar o término de seu último relacionamento enquanto precisa lidar com a falta da melhor amiga, Alice, que se mudou para o litoral. Ela acaba voltando a flertar com Simon, um homem mais velho que acompanha sua vida há tempos. Alice, Felix, Eileen e Simon ainda são jovens, mas sentem a pressão do passar dos anos. Eles se desejam, se iludem, se amam e se separam. Preocupam-se com sexo, com amizade, com os rumos do planeta e com o próprio futuro. E conseguirão encontrar uma forma de viver mais uma vez em um belo mundo?

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A Força da Não Violência, de Judith Butler (Boitempo,  168 páginas, R$ 49,00)

Em A força da não violência, Judith Butler percorre discussões da filosofia, da ciência política e da psicanálise para reavaliar o que chamamos de violência e não violência e o modo como essas duas expressões se tornam intercambiáveis quando colocadas a serviço, por exemplo, de uma perspectiva individualista das relações sociais. A obra, lançada originalmente em 2020, mostra como a ética da não violência deve estar conectada a uma luta política mais ampla pela igualdade social. A autora rastreia como a violência é, com frequência, atribuída àqueles que são mais expostos a seus efeitos letais. Para Butler, a condição-limite da manifestação da violência se revela quando certas vidas, uma vez perdidas, não são dignas de luto… Expondo os discursos por meio dos quais a desvalorização e a destruição da vida operam, Butler propõe a compreensão da não violência a partir da condição básica da interdependência entre os seres humanos e identifica a não violência como uma prática de resistência à destruição.

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A Dama de Branco, de Sérgio Sant`Anna (Cia. das Letras, 192 páginas, R$ 59,90)

Este livro marca a despedida de Sérgio Sant`Anna, uma referência incontornável para gerações de escritores e leitores. No Rio de Janeiro do início da quarentena, o narrador passou a observar uma vizinha que saía de madrugada para dar uma volta no estacionamento a céu aberto. Embora ela não soubesse que estava sendo acompanhada, uma estranha cumplicidade se estabeleceu entre os dois, e sua presença simbolizava a promessa de um encontro arrebatador, ao mesmo tempo em que representava a morte pairando ao redor. Assombroso e revelador, A dama de branco foi o último texto publicado por Sérgio Sant’Anna, que faleceu em 2020 de coronavírus. Além da narrativa que dá título ao livro, o volume é composto por outros dezesseis contos — que tratam da solidão, da memória, do desejo e da própria escrita — e uma novela, que estava em vias de ser terminada. A Dama de Branco atesta que a prosa de Sérgio Sant`Anna manteve-se vigorosa e afiada até os últimos dias.

Sérgio Sant`Anna (1941-2020)

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A Karina Pacheco leu Abra e Leia e escreveu o seguinte:

A Karina Pacheco leu Abra e Leia e escreveu o seguinte:

Milton,

Hoje acordei cedo, tomei o necessário café, coloquei comida no fogo (às vezes gosto de fazer pratos demorados nos domingos) e, no momento em que a casa toda estava cheirando a cominho, meu tempero preferido, sentei para ler o teu livro. E só levantei para o estritamente necessário, porque fiquei completamente absorta com a coleção.

Admito que não tinha começado a ler antes por receio: será que estou entrando com a expectativa muito alta? será que estou sendo (in)justa com o Milton? será que vou gostar mesmo? Bem, venho aqui solenemente declarar que fui besta e ridícula e que, como sói acontecer, meus receios se provaram todos absurdos e infundados.

O teu livro é ótimo! E não digo nem penso isso porque gosto de ti, sabes que sou uma leitora exigente e jamais faria elogios por obrigação. Os contos começam bem e, de alguma forma que ainda estou tentando entender, vão melhorando.

(Sim, é um fenômeno meio estranho até, porque não giram em torno de uma única temática nem são repetitivos, mais do mesmo. Se propõem a coisas diferentes e, ainda assim, a sensação é de que vão melhorando sempre. Que incrível!)

‘Marquinhos e Enzo, o grande’ tocou o fundo do fundo da minha sensibilidade da forma mais inesperada possível. ‘Atravessando a rua’ é uma aula de narrativa e, cabe dizer, tem um final hilariante. ‘Luciana e o hedonismo’ de uma inteligência e humor que raras vezes são executados assim, sem “forçar a barra”. Nem que falar de ‘O Violista’, que talvez seja o melhor da coleção e que poderia perfeitamente estar em qualquer coletânea que tivesse as palavras “melhores” e “contos” no título. O meu preferido, entretanto, acho que foi ‘Anita e Belle’, com essa combinação ideal de sensibilidade, realidade crua e humor.

Terminei o livro meio que já querendo reler, imaginando como os diferentes contos provavelmente vão produzir efeitos diferentes em mim nas próximas leituras.

Bem, resumo essa mensagem que já está abusivamente longa: obrigada por esse livro e, por favor, continua escrevendo.

Beijo da melhor-pior cliente da Bamboletras!

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Obs. do Milton: como vocês leram, a Karina autodenomina-se a melhor-pior cliente da Livraria Bamboletras… A expressão nasceu quando sua mãe, durante uma das muitas viagens da filha — viagens aqui não é metáfora — disse-me que eu poderia escolher os livros que ela lhe daria de aniversário. Neguei-me a fazê-lo porque a Karina lê o que quer e tem opiniões fortes. Uma vez ou outra eu imponho um livro, mas é raro. Então, sua mãe rebateu: “Bem, já que tu preferes ficar 8h com a minha filha enquanto ela escolhe os livros, vou deixar um crédito pra ela…”. Gente, ela não demora 8h, mas também não é rápida e há um ganho: ela lê muito e bem, e em vários idiomas, e sempre se aprende com ela. Às vezes ela aparece com uns pedidos bem complicados, mas é da vida, né?

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O Avesso da Pele, de Jéferson Tenório

O Avesso da Pele, de Jéferson Tenório

As narrativas de denúncia de racismo e violência podem ter o formato que quiserem e puderem ter. Há os que argumentam aos gritos e há os que o fazem com calma e sensibilidade, ambos com razão. Sei, há que ter sangue de barata, mas eu acho muito mais potente o que é dito com voz pausada, sem desviar ou atenuar fato nenhum. Ouço e leio com muito maior profundamente assim. Melhor ainda se for escrito com arte. Tenório é assim. Seus textos não gritam, recebem o trabalho de linguagem adequado ao assunto, não são exaltados e sempre demonstram enorme riqueza de conteúdo. São, na verdade, de um virtuosismo arrebatador. A violência e o preconceito estão lá. E Tenório sabe como contá-los.

O Avesso da Pele nos envolve pela interessante história familiar e nos leva lentamente a uma tragédia. Ignoro o que há de verdade naquilo que é contado, mas sei que Tenório é professor como o pai de O Avesso, que conhece profundamente a falência educacional de nosso país — o que nos põe no fundo do poço como país –, que é negro e que mora na racista Porto Alegre.

Em capítulos curtos, indo e vindo no tempo, o narrador preenche lacunas da história de seus pais. O racismo é o que mais nos choca — ou o que mais me chocou — mas as relações familiares e a dor estão tão presentes quanto o preconceito racial. Elegantemente, como um Paulinho da Viola escritor, Tenório avança por vicinais que sempre acabam na figura paterna. O pai de Pedro, Henrique, foi morto em uma absurda e rotineira abordagem policial em Porto Alegre. É dessas coisas que “têm que acabar”, mas que não acabam nunca. Os negros podem ser abordados como suspeitos e ai dos que não se comportem com absoluto respeito, educação e subserviência. Em caso de insubmissão, a violência física e os tiros à queima-roupa são a regra. Dentro deste arcabouço, Tenório narra fatos sobre Pedro, sua mãe Martha e seu pai Henrique que devem, de alguma forma, ser conhecidos por todos os não brancos de nossa sociedade.

Ao final do livro, Pedro, ao revirar as coisas de seu pai, diz:

Acho que vocês nunca se preocuparam em organizar uma narrativa para mim. Sei que o tempo foi passando e o que foi dito por vocês, antes de minha memória, foi dito em retalhos. Então precisei juntar os pedaços e inventar uma história. (…) Para isso, não me limito ao que vocês me contaram, nem ao que estes objetos me dizem sobre você. Não acho que devemos lidar  apenas com a lógica dos fatos. Prefiro uma verdade inventada, capaz de me pôr de pé. Eu sei que esta história pode estar apenas na minha cabeça, mas é ela que me salva.

Um livro autobiográfico? Provavelmente, mas antes de tudo um grande romance que recomendo fortemente.

Jeferson Tenório | Foto: Carlos Macedo / Jornal Rascunho

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A Bamboletras recomenda três livros espetaculares

A Bamboletras recomenda três livros espetaculares

A newsletter desta quarta-feira da Bamboletras.

Olá!

O título do e-mail não contém exageros, pois estamos indicando o melhor livro de Mia Couto em anos, um surpreendente documento histórico sobre fatos brasileiros — escrito com graça por Delmo Moreira — e um livro de ensaios sobre cinema de Enéas de Souza. Sim, não há nada que não seja simplesmente muito bom!

Boa semana com boas leituras!

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O Mapeador de Ausências, de Mia Couto (Cia. das Letras, 288 páginas, R$ 54,90)

Talvez este seja o melhor livro de Mia Couto. Em nossa opinião, é. E disparado! A ação decorre na Moçambique de antes e de depois da descolonização e conta a história de Diogo Santiago, escritor e poeta de Maputo, que viaja após muitos anos à sua terra natal, a cidade da Beira, às vésperas da chegada do ciclone Idai, que efetivamente arrasou a cidade em 2019. Diogo vai até Beira com a finalidade de receber uma homenagem, mas também pretende descobrir detalhes acerca da história de seu pai, também poeta, que morrera na cidade ainda nos tempos coloniais. A trama de O Mapeador de Ausências não se completa até a última página. À medida que vamos lendo o livro, as lacunas que Mia deixa abertas vão sendo preenchidas com conteúdos muitas vezes inesperados. Na Beira, Diogo conhece Liana, que lhe repassa um verdadeiro dossiê da PIDE (a terrível Polícia Internacional e de Defesa do Estado, espécie de DOPS português) a respeito das atividades “subversivas” do pai de Diogo. Mia Couto vai empilhando documentos — inacreditáveis, tal a qualidade de sua prosa — e narrativas que vão e voltam no tempo. Seja pela violência dos colonizadores, seja pelos desastres naturais — tanta gente morreu em Moçambique e sabemos tão pouco a respeito –, este melancólico livro de Mia Couto está plenamente justificado. Tudo é catalisado pela arte com que Mia Couto conta sua excelente trama. Moçambique é a morte onipresente, e também a alegria, a saudade, deus, o mal, o destino.

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Catorze Camelos para o Ceará, de Delmo Moreira (Todavia, 288 páginas, R$ 74,90)

Um livro espetacular! Um documento sério sobre nossa história, mas também um livro hilariante. Afinal, o Brasil sempre foi o Brasil. Na manhã de 18 de junho de 1859, quem estivesse no cais de Fortaleza presenciaria uma cena inusitada. Catorze camelos, chegados da Argélia após uma travessia de 34 dias, estavam sendo desembarcados em caixotes de madeira para serem usados como alternativa às mulas de carga. Pouco antes, o Brasil recebera expedições europeias importantes, como a de Martius e Spitz, mas também aventureiros que voltavam ao velho continente com relatos de uma terra exótica e estranha. Ressentidos com a visão dos estrangeiros e impulsionados pelo espírito científico de D. Pedro II, os membros do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro arquitetaram sua própria expedição para registrar a fauna, a flora, a topografia e os costumes do país a partir de uma perspectiva nacional. A importação dos camelos fazia parte da expedição. Os cientistas receberam os animais e seguiram com eles para o interior do Ceará. Assim, após um longo e conturbado preparo, a expedição enfim partiu, num périplo que duraria anos, percorreria centenas de quilômetros e terminaria por compor a primeira grande coleção naturalista nacional. Com base em diários, documentos e arquivos, Delmo Moreira recria os caminhos e desvios da expedição.

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Os filmes pensam o mundo, de Enéas de Souza (EdiPUCRS, 308 páginas, R$ 49,90)

Os filmes pensam o mundo é muito mais do que uma coletânea de artigos de fôlego sobre filmes relevantes, a grande maioria do século XXI. Também é uma reflexão ímpar sobre imagens, sons e ideias presentes nestas obras, muitas vezes invisíveis em um primeiro olhar. Como um escafandrista que descobre joias sensíveis, Enéas de Souza mergulha em cada cena, em cada plano, evidenciando lógicas e articulações, compartilhando com o leitor os mecanismos do universo da ficção e da vida à nossa volta. Como se fosse pouco, o autor nos brinda com a formulação de uma teoria cinematográfica, marcada não só por conceitos como energia, mas também pela paixão devotada ao cinema. Culminância de uma trajetória de investigações, Os filmes pensam o mundo nos mostra que a crítica pode ser uma forma de arte. Então, como diante de um êxtase estético, não seremos os mesmos depois da leitura de cada ensaio deste livro.

Enéas, um sábio | Foto: Guilherme Santos / Sul21

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A leitura do filho

A leitura do filho

Uma das mais inesperadas formas que a felicidade pode adquirir é quando teu filho te liga emocionado querendo comentar teu livro em detalhes. Eu não sabia como isso é bom. Fico até com a impressão de que escrevi para ter este momento, o que sei ser mentira.

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De Fernanda Melo, sobre meu livro Abra e Leia

De Fernanda Melo, sobre meu livro Abra e Leia

Ontem, recebi isto aqui da Fernanda Melo.

Tive que parar pra respirar depois dessa declaração de amor à tua filha. Quem te conhece pelo menos um pouco consegue identificar claramente as histórias autobiográficas.

Não desgrudei do livro desde que comecei. Pega a gente imediatamente e é variado, vai pra qualquer direção, escapa do que pode ser cansativo às vezes nos livros de contos, que é ficar tudo meio igual

Dá pra entender porque a editora o quis imediatamente. Meus parabéns, você realmente chegou lá ❤️ .

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De Luís Augusto Farinatti, sobre Abra e Leia

De Luís Augusto Farinatti, sobre Abra e Leia

Quando o Milton me convidou para escrever a orelha, respondi: finalmente esse livro vai sair. Caramba, Milton! Já merecia há anos!

Começa assim o texto que escrevi para a orelha do livro de contos do Milton Ribeiro. Chegou aqui em casa hoje. Todo mundo conhece o Milton. Livreiro dono da Bamboletras, jornalista, blogueiro e desde sempre escritor. Só agora publicado. Tá mais que na hora da gente poder aproveitar esses contos.

Um livro desses. Finalmente vindo a público. E o convite pra escrever a orelha. Tô feliz demais.

Foto: Luís Augusto Farinatti

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De Cândida Roriz, sobre Abra e Leia

De Cândida Roriz, sobre Abra e Leia

Milton Ribeiro, seu livro esta sendo um oásis pra mim. Minha gatinha de estimação sumiu e ler seu livro está me desligando um pouco do problema.

As histórias desse livro são boas demais. Você não tentou arrumar um final feliz. Apenas a vida como ela é. No seu caminhar, sem ter a obrigação de terminar arrumadinha. Nas histórias do livro, os personagens não tem controle sobre nada que irá acontecer em suas vidas, assim como na vida real. E traz esse choque de realidade bem diante dos olhos. Só quero agradecer, obrigada!

Foto: Cândida Cunha Roriz

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Meus Prêmios, de Thomas Bernhard

Meus Prêmios, de Thomas Bernhard

Um livro absolutamente hilariante! Thomas Bernhard era um mal-humorado e nem quando era laureado agia com delicadeza. Na verdade, parecia amar sincericídios, o que, se não é doença, é grave falha no trato social. O fato é que Bernhard tinha problemas com prêmios — ele os odiava, mas sempre precisava do dinheiro. Ele adorou quando alguém o chamou de “um pássaro que suja o próprio ninho”. Receber um prêmio de entidades nas quais não acreditava — como o estado austríaco, por exemplo — era para Bernhard pior do que ler uma crítica negativa, o que não raro lhe acontecia. Este livro reúne textos sobre nove prêmios que recebeu, bem como seus discursos inflamados de aceitação para três deles e sua carta de demissão para a Academia de Língua e Poesia de Darmstadt.

Aceitar os prêmios apenas pelo dinheiro, causava-lhe conflitos morais: “Sempre pensei, meu caráter revela uma grande mácula. Eu desprezava aqueles que concediam os prêmios, mas não me recusava seriamente a receber os prêmios em si”. O dinheiro aceito ajudou a pagar a casa onde morou até o fim da vida, um carro (que se espatifou num acidente dias após a compra) e tratamentos de saúde.

O livro não inclui a peça mais violenta de Bernhard contra a Áustria: seu testamento. Ele estipulou que suas peças nunca mais seriam encenadas nem seus livros publicados na Áustria — chamando o testamento de “emigração literária póstuma” — e especificou que mesmo que a Áustria fosse invadida e não fosse mais um Estado-nação, os termos de sua vontade se aplicariam às suas antigas fronteiras.

Acho que Meus prêmios não é um livro para conquistar novos leitores para o prazer peculiar de ler Bernhard. Se eu recomendasse um livro para começar a conhecer este grande autor, sugeriria Extinção, Árvores Abatidas ou O sobrinho de Wittgenstein.

O que torna Bernhard moralmente significativo é que, para todo o ódio que ele lança sobre a sociedade austríaca, reserva uma medida igual para si mesmo. Ele está totalmente ciente de si. Há uma cena em O sobrinho de Wittgenstein em que o filósofo começa a chorar por causa de uma criança que mendiga na rua. Bernhard fica igualmente horrorizado, mas só começa a chorar quando percebe que a criança enganou os dois. Essa clareza de visão tipifica sua sátira. Muito poucos escritores hoje possuem sua integridade satírica e sua humanidade absoluta.

Em Meus prêmios, temos alguns de seus discursos mais mordazes. Em particular, o discurso por ocasião da entrega do Prêmio Nacional Austríaco de Literatura. Ele começa dizendo “Ilustre senhor ministro, ilustres presentes…” e então manda chumbo grosso: “Não há nada a louvar, nada a amaldiçoar, nada a condenar, mas muito há de ridículo; tudo é ridículo quando se pensa na morte”. E depois começa a falar da sociedade austríaca. O “ilustre senhor ministro” sai furioso, quase quebrando uma porta em sua retirada apressada… O que jamais é explicado no livro é que a “tia” que o acompanha invariavelmente é na verdade sua amante, Hedwig Stavianicek, 37 anos mais velha.

A raiva de Bernhard é lendária e ele estava no caminho certo, me parece. Havia algo na Áustria, talvez haja ainda. A desnazificação do país foi lenta, apesar de ser o berço de Hitler. Até hoje a Áustria tem um governo de direita com coalizões com partidos de extrema-direita. O país é rico e uma maravilha do ponto de vista material, mas é um horror e um perigo político. Imagino o que Bernhard escreveria — ele não viveu para ver — sobre o fiasco de Jack Unterweger — um prisioneiro que supostamente “se reformou” por meio da escrita criativa, que era o queridinho dos literatos austríacos e, ao ser solto em 1990, assassinou dez mulheres… Um país assim merece um cronista raivoso.

Thomas Bernhard (1931-1989)

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Bamboletras recomenda três livros que passam pelo Sul

A newsletter desta quarta-feira da Bamboletras.

Olá!

Sim, todos os três livros recomendados passam pelo Sul. Um ensaio sobre o homem da campanha, um romance de uma argentina falando sobre o interior daquele país e um livro cuja ação ocorre na Europa, mas que foi escrito por um gaúcho, são as três excelentes sugestões da Bamboletras nesta semana. Confiram abaixo.,

Boa semana com boas leituras!

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Os Gaúchos, de Ondina Fachel Leal (Tomo Editorial, 368 páginas, R$ 65,00)

Esta obra, traduzida para o português a partir de uma tese de doutorado defendida em inglês, tardou trinta anos para vir à tona. A autora fez uma pesquisa de campo por dois anos cujo resultado é uma verdadeira caverna de Ali Babá aberta à visitação e reflexão, tantos são os tesouros que ali reluzem.  A riqueza do trabalho etnográfico conduzido na campanha gaúcha sobre os homens da região é notável, sobretudo se pensarmos o quanto envolveu de coragem a aventura de enfrentar e adentrar um mundo masculino de fronteiras rígidas, ciosamente defendidas por seus membros. O livro de Ondina Fachel Leal se deixa ler de modo agradável, envolvente e fluente, descrevendo a vida que ela encontrou na fronteira sul do Brasil, entre o Rio Grande do Sul e o Uruguai pampeanos.

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Não é um rio, de Selva Amada (Todavia, 96 páginas, R$ 49,90)

Com sua prosa precisa e econômica, a argentina Selva Almada é uma das vozes mais originais da literatura de língua espanhola contemporânea. Seu universo também é peculiar: a autora não fala da cosmopolita Buenos Aires. Seu ambiente é o mundo interiorano, onde vilarejos quase esquecidos no mapa abundam em histórias em que a violência, os laços familiares e velhos costumes ainda são importantes. É o caso deste novo romance, um livro que trata da amizade e de seus segredos. Enero Rey e Negro levam Tilo, o filho adolescente de Eusébio — o amigo morto dos dois –, para pescar. Enquanto bebem vinho, cozinham, falam e dançam, eles lutam com os fantasmas do passado e do presente. Esse momento íntimo e peculiar que conecta a trajetória desses três homens também os liga à vida dos habitantes locais nesse ambiente cercado de água e regido por suas próprias leis. Há perdas e mortes prematuras. Mas há também a teimosa vitalidade da natureza. Este romance flui como uma conversa entre seres que se amam.

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Uma tristeza infinita, de Antônio Xerxenesky (Cia. das Letras, 256 páginas, R$ 64,90)

Em uma narrativa tanto introspectiva quanto brutal, Antônio Xerxenesky nos faz encarar os traumas do passado, mas, principalmente, o medo do futuro. Nicolas, um jovem psiquiatra francês, é convidado para trabalhar na Suíça logo após o fim da Segunda Guerra Mundial. Junto da esposa Anna, ele se muda para um pequeno vilarejo, próximo ao hospital psiquiátrico onde vai trabalhar. O lugar, conhecido por seus métodos humanizados de tratamento, recebe internos de toda a Europa. Resistindo a prescrever tratamentos como o eletrochoque, Nicolas conversa com seus pacientes até que algo seja descoberto — tanto no inconsciente do doente quanto no do próprio médico. Assim, diversas feridas de guerra vêm à tona, em um jogo delicado que mistura confiança e loucura. Tendo como pano de fundo o contexto de desenvolvimento das primeiras drogas contra a depressão e outras doenças psíquicas, Antônio Xerxenesky constrói um romance tocante sobre os traumas, o passado e a possibilidade de ser feliz apesar do sofrimento.

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Encaixotando minha biblioteca, de Alberto Manguel

Encaixotando minha biblioteca, de Alberto Manguel

A triste operação de encaixotar sua biblioteca na França inspirou uma das obras mais pessoais de Alberto Manguel. Este é daqueles livros deliciosos, para os quais a gente sempre terá um belo lugar em nossa memória. O que ele diz é óbvio para nós, devotos da leitura, e dá até pena de abandoná-lo após a leitura, tantos são os bons motivos e razões que ele apresenta para sermos como somos. O livro nos explica, eleva e é maravilhosamente informativo, além de demonstrar que, bem, não somos loucos.

Alberto Manguel é um daqueles argentinos geniais que não dá para desconhecer, ainda mais que foi amigo de Borges e — como Borges — também diretor da Biblioteca Nacional da Argentina. Encaixotando minha biblioteca (Cia. das Letras, 175 páginas, R$ 44,90) fala sobre a importância dos livros em nossa vida e conta como o autor se preparou para a mudança: ele sairia de sua casa medieval no Loire para morar em um apartamento em Nova York. Sua biblioteca pessoal, com cerca de 35 mil volumes, teria que ser guardada. Nesse momento, em apaixonada elegia, o escritor começa a relembrar sua relação com os livros e com as bibliotecas (públicas e privadas) que já passaram por sua vida. Suas reflexões variam amplamente, indo desde as adoráveis idiossincrasias dos bibliófilos a análises mais profundas de eventos históricos, como o incêndio da antiga Biblioteca de Alexandria.

O livro me causou alguma angústia. Desde que me separei em 2013, não vi mais meus livros. Os 3 mil livros que reuni até aquele ano estão em um guarda-móveis. É certo que nestes 8 anos, outra bela biblioteca começou a se formar e, quando li o livro de Manguel, percebi que havia pelo menos outra pessoa no mundo (snif) que entendia minha dor e angústia de separação. A obra tem o subtítulo “Uma elegia e dez digressões”. Ou seja, há muita coisa além da mudança e alguns trechos ecoaram demais em minha experiência pessoal. Depois de falar sobre a “geografia” de sua biblioteca (como ele organizou seu acervo), ele afirma que seus livros faziam parte de quem ele era e que a biblioteca o explicava. Sua coleção seria uma “espécie de autobiografia em várias camadas” e sua própria memória estaria “menos interessada em mim do que em meus livros”.

Voltando a Milton Ribeiro, digo que, ao entregar minha biblioteca para o guarda-móveis, estive em próximo contato com minha mortalidade. Manguel capta isso à perfeição: “Se toda biblioteca é autobiográfica, sua colocação em caixas numeradas parece uma espécie de obituário”. O livro traz palavras de sabedoria de sua avó: “Com o tempo, você aprende a desfrutar não o que você tem, mas o que você lembra” e, de forma semelhante, Manguel também dá a Dom Quixote — o herói que perdeu sua biblioteca — o crédito por ajudá-lo a compreender melhor a perda: “A perda ajuda você a se lembrar e a perda de uma biblioteca ajuda a lembrar quem você realmente é. A biblioteca segue existindo na mente do leitor na forma de associações e memórias”.

Espero arrumar minha biblioteca em poucos anos. Um livro que certamente estará lá é este Encaixotando minha biblioteca. Será parte de minha coleção e espero que permaneça valioso quando eu não estiver mais por perto.

Encaixotando minha biblioteca, como já disse, talvez seja a mais pessoal de Alberto Manguel. Ela se conclui com sua posse no cargo de seu admirado Jorge Luis Borges, o de diretor da Biblioteca Nacional da Argentina.

Existem leitores — grandes leitores — que não desejam formar bibliotecas e que possuem relativamente poucos livros. Borges, como lembra Manguel, seria o exemplo definitivo. Alguém poderia imaginá-lo rodeado de livros em casa, mas não era o caso. Ele doava quase tudo. Eu  admiro tal despojamento, mas o quero para mim. Talvez o leitor mais sábio seja aquele que lê muitos livros (ou, melhor ainda, poucos, mas profundamente) e que não se importa em possuir nenhum, porque sabe que os verdadeiramente importantes foram incorporados ao seu ser. Talvez seja um sinal de fraqueza e até mania de colecionar livros que não necessariamente nos tornarão melhores ou mais inteligentes. Aceito totalmente essa possibilidade. Mas, foda-se, vou seguir armazenando livros.

Alberto Manguel

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Fotografia do 11 de setembro (de Wislawa Szymborska)

Fotografia do 11 de setembro (de Wislawa Szymborska)

Pularam dos andares em chamas —
um, dois, alguns outros,
acima, abaixo.
A fotografia os manteve em vida,
e agora os preserva
acima da terra rumo à terra.
Ainda estão completos,
cada um com seu próprio rosto
e sangue bem guardado.
Há tempo suficiente
para cabelos voarem,
para chaves e moedas
caírem dos bolsos.
Permanecem nos domínios do ar,
na esfera de lugares
que acabam de se abrir.
Só posso fazer duas coisas por eles —
descrever este voo
e não acrescentar o último verso.

[em “Alguns gostam de poesia” | trad. Elżbieta Milewska e Sérgio das Neves. Cavalo de Ferro Editores, março de 2004 ]

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Milton Ribeiro apresenta livro com histórias do fundo da gaveta (Jornal do Comércio de hoje)

Milton Ribeiro apresenta livro com histórias do fundo da gaveta (Jornal do Comércio de hoje)

Leitor inveterado e proprietário da Bamboletras, Milton Ribeiro lança Abra e leia, seu primeiro livro de contos

Por Igor Natusch,
no Jornal do Comércio de hoje

Leitor inveterado e proprietário da Bamboletras, Milton Ribeiro lança Abra e leia, seu primeiro livro de contos | Foto: ANDRESSA PUFAL / JC

Uma gaveta é, muitas vezes, um lugar mágico. Nela, o escritor deposita seu inventário de ideias: textos longos e curtos, promissores ou sem futuro, incontáveis fragmentos de uma imaginação que busca a próxima história. Talvez se possa dizer que a gaveta é a mais fiel leitora de uma pessoa que escreve – e muitas vezes acaba sendo quase que a única, como os incontáveis autores não publicados pelo mundo poderão, com maior ou menor entusiasmo, confirmar.

Depois de décadas alimentando a gaveta, Milton Ribeiro sentiu que era hora de procurar o livro de estreia em meio aos papéis. O resultado está nos contos de Abra e leia (Zouk, 150 págs., R$ 43,90). Adquirir a obra, para moradores da Capital, não será difícil: além do site da editora, há a opção de ir até a Bamboletras (Lima e Silva, 776), livraria da qual o próprio autor é proprietário. “As pessoas parecem ter ficado muito felizes quando souberam que ia sair um livro do livreiro”, comenta Milton.

As histórias presentes em Abra e leia foram escritas durante um período extenso de tempo, que vem das cercanias de 2006 até os dias atuais. “Eu escrevia para a gaveta, sempre tinha sido assim. Na adolescência, era literalmente para a gaveta, porque era tudo papel. Depois comecei a escrever em programas de computador, e a minha gaveta virou o HD. Jamais tentei publicar, não tinha o menor interesse”, relembra, de bom humor.

Foi a pressão da esposa, a violinista Elena Romanov, e de amigos ligados à literatura que impulsionou o leitor inveterado e escritor irresoluto. “Um desses amigos começou a me dar livros: ‘lê isso aqui, quero saber tua opinião’. Me fez ler alguns livros, e depois dizia: ‘pois então, o que tu escreves é melhor do que isso, por que não publica?’ Aí mandei para a Zouk e, em poucos dias, responderam dizendo que queriam publicar. Foi um negócio meio mágico, não passei por aquela coisa de bater na porta, ser rejeitado: mandei para uma só editora, de um pessoal que acho simpático, e deu certo.”

Apesar de titubeante para publicar, não se pense que Milton é um escritor bissexto. Seu blog auto-intitulado é, talvez, um dos mais antigos em atividade no Brasil, com publicações frequentes desde 2003. Parte das histórias do livro, como Passando camisas e Marquinhos e Enzo, o grande, foram parte dos arquivos do blog durante muitos anos. “Costumo dizer que me colecionava no blog. Mas, nos últimos tempos, mudou um pouco a perspectiva. Hoje, eu uso bastante para resenhas dos livros que leio, como parte do trabalho da livraria, além de algumas ironias e provocações. A literatura saiu do blog e voltou para o HD, agora com uma perspectiva mais concreta de virar publicação no futuro”, explica.

Na obra, surgem histórias do cotidiano, com elementos de ironia e observação, não raro inclinadas a uma certa dose de subversão. O discurso que estraga o solene Natal em família, o trabalhador dedicado que deixa clara sua falta de fé, o jogador de futebol que enfrenta uma chance de gol que mudará sua vida: figuras humanas que usam seu temporário e precário controle sobre as situações para gerar rompimentos que rearranjam todo o cenário. “Minha vida nunca foi uma história lisa, tipo um conto de Tchekov em que as coisas avançam com calma, vão caindo na mesmice e acabam com um suspiro. Eu tive tantas viradas espetaculares na minha vida… Basta dizer que tive uma loja de informática, depois fui jornalista e agora sou livreiro. Talvez para alguns isso seja uma vida rica, mas eu não sinto assim. Acho que, de certo modo, é algo até natural, que acontece na vida das pessoas.”

Haverá quem diga que o escritor junta palavras como uma forma de honrar os seus heróis – ou que, por outro lado, esconde as palavras que escreve por não sentir que será aprovado por eles. Para Milton Ribeiro, os heróis podem ser centenários, como Tchekov e Machado de Assis, ou mais próximos no tempo, como Sérgio Sant’Anna, Lucia Berlin e Raymond Carver – o que não quer dizer que não se possa avançar para outros reinos. “Há heróis também fora da literatura. Às vezes, eu quero escrever com o equilíbrio de Bach, com a maturidade do velho Vermeer ou com a raiva de Goya. É claro que todos são heróis distantes, apenas imodestos ideais artísticos que cultivo”, acentua.

Seja como for, agora que Milton abriu a gaveta, não há previsão de fechá-la tão cedo. Além de novas histórias curtas, há um romance já pela metade, em torno dos áudios que uma mãe de terceira idade grava para uma filha com a qual mal chega a conviver. “A comprovação de que eu não pretendia publicar é que é um livro muito difícil de escrever”, admite, dando uma risada. “Mas a minha mulher diz que o ano que vem vai ser o ano do romance. É óbvio que eu não tenho perspectiva de ganhar muito dinheiro escrevendo livros, mas é gostoso dizer que, no momento pelo qual o Brasil passa, com um ministro da Educação com o mesmo nome que eu e fazendo os absurdos que tem feito, consigo viver da cultura. Isso sim é um ato subversivo, uma vida subversiva.”

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Bamboletras recomenda o livro sobre o Bar Escaler, a Laerte e uns contos aí

Bamboletras recomenda o livro sobre o Bar Escaler, a Laerte e uns contos aí

A newsletter desta quarta-feira da Bamboletras.

Olá!

Porto Alegre domina as sugestões desta semana de clima estranho, que anuncia o Forno Alegre dos próximos meses. Vários dos contos de Milton Ribeiro se passam na cidade e o que dizer do livro sobre o Bar Escaler? De quebra, sugerimos a obra-prima da Laerte.

Abaixo, mais detalhes.

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Abra e Leia, de Milton Ribeiro (Zouk, 150 páginas, R$ 43,90)

Final de semana em Porto Alegre, uma mulher ouve um estranho chegar ao corredor do prédio quase vazio e pedir ajuda, um pedaço de pão que seja. Ainda com a porta fechada, os dois iniciam uma conversa cujas consequências não se pode prever. Trinta anos depois do final de um relacionamento, um homem encontra um bilhete que o coloca diante de uma perspectiva totalmente diferente. Um músico solista sente-se pressionado em meio à falsas gentilezas do maestro e chefe. Marquinhos joga por um time da segunda divisão gaúcha. Em meio a uma partida decisiva, ele precisa escolher se arrisca tudo o que tem de seu. Estas histórias estão entre os 22 contos deste Abra e Leia. Há ironia e intensidade. As referências à música erudita, ao cinema e à literatura cumprem funções que vão além do meramente figurativo. A solidão emerge por toda parte. Sobretudo, os personagens e as situações em que se envolvem são complexos. As surpresas, porém, não se dão por meio de reviravoltas bruscas ou finais surpreendentes. Diferente disso, em vários dos contos deste livro, sem que nos demos conta a princípio, a narrativa nos coloca frente a uma perspectiva inesperada. São histórias que nos tiram do conforto das certezas e abrem um campo de possibilidades. Entrever essas possibilidades, imaginar. Eis o que fica em nós por um tempo que se estende para além da leitura.

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Manual do Minotauro, de Laerte (Quadrinhos na Cia, 416 páginas, R$ 99,90)

Livraço! Nestas mais de 1500 tiras publicadas entre 2004 e 2015 e reunidas pela primeira vez em livro, temos o privilégio de seguir a evolução artística que confirma a alta qualidade da artista Laerte como das mais interessantes nos quadrinhos do mundo. Laerte já tinha mais de três décadas de cartunismo e era uma das profissionais mais festejadas do Brasil quando decidiu reinventar tudo. Por volta de 2004, sua série Piratas do Tietê abandonou os personagens recorrentes e os arremates cômicos para explorar uma mistura de filosofia, metafísica, poesia, poucas certezas e muitas dúvidas. Piratas virou o Manual do Minotauro e entramos, junto a Laerte, no labirinto do ser mitológico. O desenho é o mesmo, exato na economia. O jogo entre nanquim, cor, forma e quadros ainda é referência de design. O texto continua enxuto, preciso. As narrativas é claríssima, muitas vezes muito cômica. E, ao mesmo tempo, a humanidade vibra por baixo da aparente simplicidade. Deixem toda lógica e ordem cotidiana do lado de fora e preparem-se para uma das grandes aventuras do quadrinho contemporâneo.

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Escaler — Quando o Bom Fim era Nosso Senhor, de Paulo César Teixeira (Ballejo, 196 páginas, R$ 71,00)

Poucos lugares simbolizaram tão bem a efervescência dos anos 1980 em Porto Alegre quanto o bairro Bom Fim, principal reduto boêmio e cultural da capital gaúcha nas últimas décadas do século XX. E, no Bom Fim, havia um ponto de convergência – o Escaler, bar fundado em 1982 por um marujo às margens do Parque da Redenção, em meio a jacarandás e sob o brilho da lua. Inscrito na memória afetiva de duas ou três gerações como espaço privilegiado de diversão e arte, o Escaler acumulou milhares de histórias na lembrança e na imaginação dos que por lá aportaram. Já estava na hora de contá-las e revivê-las. É o que faz neste livro o dono do bar, Antônio Carlos Ramos Calheiros, o Toninho do Escaler – antes de tudo, um agitador cultural, que soube direcionar energias plurais sem retirar-lhes a fluidez e a espontaneidade –, em depoimento ao jornalista Paulo César Teixeira, autor de Esquina maldita, Nega Lu – Uma dama de barba malfeita e Rua da Margem – Histórias de Porto Alegre.

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De entrevistador a entrevistado

Hoje, dei uma entrevista sobre meu livro. É muito estranho. Eu sempre fiz perguntas e acredito que Kafka tenha razão ao escrever que “Lemos para fazer perguntas”. E eu sempre li muito.

Nossa, responder é bem esquisito. Então, quando o Igor Natusch me perguntou sobre quem são meus heróis literários, eu respondi com simplicidade que, relativamente aos contos, eram os centenários Tchékhov e Machado de Assis, além dos mais recentes Sérgio Sant’Anna, Lucia Berlin e Raymond Carver. E logo quis me desculpar dizendo não me comparava com eles. Aliás, a pergunta fora clara: heróis. E heróis são inalcançáveis.

Mas, se eu pudesse completar esta resposta agora, eu diria que há heróis também fora da literatura. E talvez mais importantes ainda. O equilíbrio de Bach, a beleza do cotidiano do Vermeer maduro, a raiva de Goya, a profundidade de Bergman. É claro que todos, repito, são imodestos ideais. Mas fico considerando se alguém vai ler e pensar que o livro seja uma mistura de tudo isso… Hum.

Então, meu conselho para o lançamento do dia 8 é:

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Eu fui Vermeer, de Frank Wynne

Eu fui Vermeer, de Frank Wynne

Este livro estava no setor de Arte da Bamboletras. Acabo de transferi-lo para o de Biografias. Pois trata-se de uma muito boa e sedutora biografia de um falsário. Han van Meegeren (1889-1947) foi um habilidosíssimo artista plástico holandês que virou as costas ao modernismo. Ele amava e queria criar quadros como os da Idade de Ouro dos grandes mestres holandeses, gente como Vermeer, Rembrandt, Hals, Rubens, Ter Borch, Lievens, De Hooch, Baburen, só para citar os preferidos de van Meegeren. Ao ser desprezado pelos críticos, que queriam obras contemporâneas, ele, que conhecia todos os métodos utilizados pelos pintores seiscentistas, foi picado pela vontade de enganar os especialistas. Tudo começou com uma brincadeira do tipo “vou criar um Vermeer” para se transformar num negócio tão lucrativo que van Meegeren não sabia mais onde enfiar o dinheiro em espécie que recebia. O autor, Frank Wynne, escreve que van Meegeren “tinha talento técnico, mas nada a dizer com sua própria arte”.

Mas o falsário não era um mero copiador de quadros. No início do século XX, a reputação de Vermeer não parava de crescer, mas pouco se sabia da vida do artista e da verdadeira extensão de sua obra. A história, assim como a natureza, tem horror ao vácuo. Apenas 35 de suas obras chegaram a nós e há uma enorme disparidade entre as primeiras obras do mestre e os trabalhos maduros. Faltam as pinturas intermediárias, aquelas que fazem a ligação, unindo a fase inicial e a final. E foi neste vazio que van Meegeren entrou. Ele tratou de encontrar tais quadros, ou melhor, de criá-los. Quem os apresentava eram sempre laranjas, “representantes de uma decaída família holandesa que encontrou um tesouro em seu sótão, olha só”, etc. Vocês podem imaginar o valor que estas descobertas tiveram, não?

E Meegeren comprou propriedades e castelos, até os tubos de calefação tinham notas de dinheiro. Ficou milionário. Mesmo com a qualidade da sua produção decaindo literalmente a olhos vistos, ninguém notava as imposturas. Ele chegou a vender obras para nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.

O livro é sensacional. Depois que a guerra acabou, o holandês ficou numa situação difícil e foi  preso. Ou tinha realmente vendido quadros para os nazistas (crime gravíssimo), ou confessava a falsificação e se assumia como escroque. Acabou confessando — sua confissão foi comemorada na Holanda em razão dos quadros vendidos serem falsos –, mas daí precisou convencer os próprios críticos, que pouco antes tinham saudado e autenticado com convicção os Vermeers redescobertos, de seus equívocos e de sua incompetência…

Afinal, em 1940, os os especialistas e os jornais chamavam de descoberta sensacional a soberba Ceia em Emaús, obra da fase intermediária de Vermeer que saíra dos pincéis de van Meegeren… Natural, portanto, que a história desse holandês bon-vivant e viciado em morfina tenha virado um problema também para a crítica. O caso van Meegeren desestabilizou a autoridade dos especialistas e que ameaçou o rico mundo dos leilões e dos mercados de arte. O caso é saboroso.

Ao final do livro, sabemos até onde estão os ex-Vermeer e os verdadeiros.

Excelente diversão. Recomendo!

Um show: a fim de comprovar suas habilidades, van Meegeren, em 1945, criou publicamente um Vermeer para a polícia conferir e as imprensa gravar.

 

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Lista dos mais vendidos na Livraria Bamboletras em agosto de 2021

Lista dos mais vendidos na Livraria Bamboletras em agosto de 2021

Todo começo de mês vem acompanhado da tradicional lista dos mais vendidos da Livraria Bamboletras! Nela você encontra as escolhas dos clientes de nossa livraria, ou seja, só excelentes livros. Ah, não acredita? Então, confira:

1. Torto Arado, de Itamar Vieira Júnior (Todavia)
2. Duas Formações, Uma História: Das ideias fora do lugar ao perspectivismo ameríndio, de Luís Augusto Fischer (Arquipélago)
3. Os Supridores, de José Falero (Todavia)
4. Cartas para minha avó, de Djamila Ribeiro (Cia. das Letras)
5. O deus das avencas, de Daniel Galera (Cia. das Letras)
6. Doramar ou a Odisseia: Histórias, de Itamar Vieira Júnior (Todavia)
7. Correntes, de Olga Tokarczuk (Todavia)
8. Encaixotando minha biblioteca: Uma elegia e dez digressões, de Alberto Manguel (Cia. das Letras)
9. Vista Chinesa, de Tatiana Salem Levy (Todavia)
10. O Avesso da Pele, de Jeferson Tenório (Cia. das Letras)

Um pouco melhor que outras listas, né? Pois é, nossos clientes são os melhores e isto não é apenas uma frase de efeito.

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Bamboletras recomenda um ensaio, um romance e um livro de poemas

Bamboletras recomenda um ensaio, um romance e um livro de poemas

A newsletter de quarta-feira da Bamboletras.

Olá!

Um ensaio de Jessé Souza sobre racismo, um romance de Flavio Cafiero sobre uma separação e um livro de poesias de Roberto Bolaño. Vai ser complicado encontrar algo em comum os livros recomendados desta semana, até porque são de diferentes gêneros, comprovando que a Bamboletras é a “Livraria de Todos os Gêneros”…

Vamos lá. Abaixo, mais detalhes.

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Como o racismo criou o Brasil, de Jessé Souza (Estação Brasil, 304 páginas, R$ 49,90) 

Jessé é autor de mais de 30 obras e de uma centena de artigos e ensaios em vários idiomas. Entre seus ensaios mais lidos estão A elite do atraso e A classe média no espelho. Neste livro, o tema do racismo é reconstruído desde o início da civilização ocidental até nossos dias, de modo a permitir uma compreensão fundamental: a de que todo processo de desumanização e animalização do outro assume as formas intercambiáveis de racismo cultural, de gênero, de classe e de raça. Perceber as diferentes facetas do racismo possibilita ver quando ele assume outras máscaras: guerra contra o crime, como se a vítima não fosse sempre negra, ou luta contra a corrupção, usada contra qualquer governo popular no Brasil que lute pela inclusão de negros e pobres. Apenas uma abordagem multidimensional permite efetivamente perceber como o racismo sempre esteve no comando da iniquidade da sociedade brasileira, da escravidão até hoje.

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Diga que não me conhece, de Flavio Cafiero (Todavia, 112 páginas, R$ 49,90)

Estudo contundente do ressentimento amoroso, o romance de Flavio Cafiero fascina e atordoa. Ferido pelo fim da relação com Fabiano, Tato se muda de bairro e vai viver num prédio no centro de São Paulo. Enquanto luta para superar a desilusão, ele trava amizade com vizinhos do edifício. Eles formam uma singular comédia humana. Tato não aceita o fim do relacionamento — e cenas tristes giram em sua memória, fustigando-o tanto quanto a exposição da nova e (aparentemente) luminosa vida de Fabiano nas redes sociais. Numa escrita lancinante, a um só tempo lírica e realista, este livro de ritmo forte deixa clara a perícia do autor.

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A Universidade Desconhecida, de Roberto Bolaño (Cia. das Letras, 832 páginas, R$ 99,90)

Importante começar dizendo que este é um livro bilíngue. Ao lado dos poemas traduzidos, há os originais em espanhol. Bem, pela primeira vez no Brasil, os leitores têm acesso à poesia de Roberto Bolaño. A Universidade Desconhecida traz poemas reunidos pelo autor pouco antes de sua morte e oferece um panorama completo e complexo de uma obra encantadora e radical. Roberto Bolaño se tornou um fenômeno mundial graças aos seus romances, em especial 2666 e Os detetives selvagens. No entanto, o autor chileno sempre se viu, em primeiro lugar, como um poeta. Escrevia versos desde cedo, em sua adolescência no México, onde se aliou a outros jovens sem rumo e formou o grupo “infrarrealista”. Aqui estão compilados poemas que ele criou — da juventude à maturidade. Mas só depois de sua morte é que esta coleção veio à público. “Na formação de todo escritor, existe uma universidade desconhecida que guia seus passos”, escreveu. “Ela não tem sede fixa, é uma universidade móvel, mas comum a todos.” A Universidade Desconhecida é muito mais do que o embrião de suas grandes obras. Os poemas aqui não apenas complementam a visão de mundo do autor, mas sobrevivem por conta própria pela sua dicção única, seu senso de melancolia, suas imagens apocalípticas e solidão.

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