Ospa: mais um belo concerto ontem à noite | Foto: Antonieta Pinheiro — Clique para ampliar
A Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados aprovou ontem o projeto de decreto legislativo que trata da chamada “cura gay”. A proposta altera uma resolução do Conselho Federal de Psicologia (CFP) que proíbe psicólogos de atuarem na mudança da orientação sexual de pacientes. Desta forma, a homossexualidade volta a ser uma doença em nosso país e pode ser tratada. Mais uma vez, o Congresso debruça-se sobre uma besteira.
Coincidentemente, como frisou o Samir Rahde na saída do concerto, a Ospa dedicou a noite de ontem à música de um doente: Tchaikovsky. De um doente talvez em surto, pois sua 4ª Sinfonia foi escrita durante o tumultuado casamento com Antonina Ivanovna Miliukova, na verdade uma tentativa de cura gay feita pelo próprio compositor, uma autoajuda que não deu certo. O casamento, proposto à princípio pela moça e aceito com relutância, durou apenas seis semanas, não obtendo colocar Tchaikovsky entre os honrados chefes de família da sociedade czarista. A moça não queria só fachada. Tinha razão, claro. Por outro lado, não há notícia de que houvesse um Marco Felicianov na Rússia do século XIX. Só houve sofrimento, pois.Read More
O crítico inglês Norman Lebrecht recebeu este vídeo dilacerante. A Rádio e a TV nacionais da Grécia fecharam suas portas. Com isso, 2650 famílias tem um ou mais membros sem trabalho.
Não sou músico, mas por alguma razão sinto-me colega deles. Sou jornalista, poderia estar no rol de colegas demitidos, se me fosse dado ser grego. No vídeo, a Orquestra e Coro da Rádio Nacional, estão tocando em lágrimas, dentro de sua sala de ensaios, ontem à noite. A sala, quente e úmida, com o ar-condicionado já desligado, está repleta enquanto milhares de pessoas assistem do lado de fora. Eu também chorei. Chorei pela arte, por ela não merecer atenção apenas residual, complementar, descartável.
Eu acho que a música é um trecho das Variações Enigma, de Elgar. A segunda obra, suponho que seja o hino da Grécia.
Emmanuele Baldini: se eu tocasse como ele toca, não pararia de rir | Foto: Antonieta Pinheiro
A Ospa saiu vencedora no tremendo duelo travado contra a acústica do Auditório Dante Barone na noite de ontem. Cheguei ao local no momento do início do concerto e os lugares mais à frente já tinham sido ocupados. Então, sentei lá atrás. Digamos que ouvi mais do que vi, pois onde eu estava tinha uma dificuldade extra: a necessidade de driblar os dois câmeras que ficaram em pé, fazendo seu trabalho no meio do auditório, mas também atrapalhando o público. Então, sob o meu ponto de vista, o concerto foi mais espreitado do que assistido.
A primeira obra do programa foi o divertido Concerto para violino e cordas – Série Brasil 2010, nº 6, de Dimitri Cervo. Melodioso, cheio de ecos brasileiros e de citações barrocas, o concerto recebeu luxuoso tratamento do solista Emmanuele Baldini, spalla da Osesp e primeiro violino do quarteto de cordas da mesma orquestra. Ontem, Baldini solou e regeu a Ospa. Os aplausos para o santa-mariense Cervo foram inteiramente justos. O pós-modernismo e o poliestilismo é um guarda-chuva que permite grande liberdade aos compositores – uma liberdade que é perigosa, porque deve ser exercida com bom gosto. Cervo passa longe da vulgaridade com sua música bela e acessível, pois igualmente afastada das incomunicabilidades de algumas vanguardas do século XX. Gostei de tudo, das melodias do primeiro e segundo movimentos, assim como da brincadeira com as citações no terceiro.Read More
Há talento de sobra em torno do Mar Báltico. Deve haver alguma coisa na água que corre dos rios da Polônia, Finlândia, Letônia, Lituânia e Estônia — estes três últimos chamados de Países Bálticos — para o mar, que faz com que nasçam compositores extraordinários na região. Quem contar a história da música erudita do século XX tem que passar por ali. Mais ainda se a história for dedicada ao final do século e ao início do nosso. Não consultei os anos de nascimento de cada um deles, mas quem pode ostentar um time com Witold Lutosławski, Karol Szymanowski, Krzysztof Penderecki, Henryk Górecki, Wojciech Kilar e Bogusław Schaeffer como pode a Polônia? E, se quiserem mulheres, o país ainda tem Grażyna Bacewicz, que é uma excepcional compositora. Claro que o motivo do surgimento de tantos compositores é educacional e cultural, mas não deixa de ser curioso.Read More
Durante os ensaios, o trompista Israel Oliveira testa sua capacidade pulmonar. | Foto: Augusto Maurer
Libertos da ditadura das cordas, derrubado o muro que separa madeiras e metais da plateia, os sopros utilizaram muito bem a liberdade de expressão que lhes foi concedida após anos de lutas. Eles deram um belíssimo concerto ontem no Salão de Atos da Ufrgs. É claro que o repertório ajudou muito. A fórmula Bernstein + Strauss + Stravinsky + o ainda desconhecido Ewazen demonstrou o quanto é saudável a expansão dos programas em direção ao ineditismo. Os aplausos após o concerto foram merecidíssimos. Afinal, foi um trabalho árduo enfrentado com brilhantismo pelo pessoal do barulho.Read More
Quase dormindo, Debbie diz a seu grande amor, Emma Bardac: “Acho que vou compor uma peça para piano” (clique para ampliar)
É claro que se trata de gosto pessoal. Por exemplo, jamais colocaria Debussy no mesmo ofurô de vulgaridade onde sufoca Rachmaninov. Reconheço os méritos do francês apesar de seus efeitos sobre mim, pois, se há trabalho e suor para criar aquelas coisas, elas têm igualmente o condão de me fazer viajar. Pode acontecer de eu pensar em coisas que podem ser boas como os planos para escrever uma resenha leve, informativa e agradável sobre a Sagração da Primavera. Mas pode me ocorrer fazer uma prosaica revisão dos compromissos de amanhã. Debbie, you see, convida ao sonho, convida a divagações bem longe dele. O concerto da última terça-feira da Ospa, continha um bonito concerto de Mozart (Concerto para Flauta, Harpa e Orquestra, K. 299), um Ravel (Le Tombeau de Couperin), porém dois dramins debussyanos: os Noturnos, para orquestra e coro feminino, e as Danças Sacra e Profana, para harpa e orquestra.Read More
Eu já tinha comprado este livro, mas ainda não o tinha lido. Surpreendi-me quando, em fevereiro, cheguei a Londres e descobri que o complexo de salas de concerto do Southbank Center estava apresentando uma série de espetáculos que teria a duração de um ano (é isso mesmo) e que era inteiramente baseada no livro de Ross. Ou seja, eles tinham lido O Resto é Ruído e já estavam escutando o século XX, como diz o complemento do título do autor norte-americano. Depois de comprar alguns ingressos com os quais pude assistir a um fantástico concerto com a Sagração da Primavera e outro sobre a obsessão de Ravel pela Espanha, não apenas me senti menos infeliz ao comparar Londres a Porto Alegre como decidi que leria imediatamente o livro. Quando voltei para casa, não precisei avançar muitas páginas para saber porque o ensaio, — que é recente, de 2007 — é objeto de tantos elogios, quase objeto de culto.Read More
Cláudio Cruz no concerto de ontem | Foto: Antonieta Pinheiro (clique para ampliar)
O curioso e novidadeiro (sim, isto é muito positivo) programa de ontem da Ospa iniciou com a Sinfonia Simples, Op. 4, para orquestra de cordas, de Benjamin Britten (1913-1976). Britten escreveu-a aos 20 anos de idade, utilizando temas que compusera para o piano entre os dez e treze anos. A primeira apresentação foi em 1934, com o compositor regendo uma orquestra amadora. A Simples, em quatro movimentos, não faz jus à Britten, um sofisticado compositor do ponto de vista musical e literário. Digo literário porque a parte principal de sua produção é de música vocal baseada em estupendas obras, muitas das quais foram adaptadas por Britten e colaboradores para seu companheiro Peter Pears cantar. Britten era alguém tão cool e respeitado que nunca escondeu sua sexualidade, mantendo abertamente sua relação com Pears por mais da metade da vida.Read More
O concerto de ontem à noite no Theatro São Pedro trouxe um repertório de primeira linha e emoções inéditas. Primeiro, uma voz do além avisou-nos que haveria um atraso de 10 minutos para o início do concerto. Tudo ficou mais claro quando finalmente o maestro suíço Karl Martin adentrou o palco. Ele é muito parecido com o Indiana Jones dos últimos filmes e, como a maioria das aventuras do herói ocorre aproximadamente na década de 1930, nada melhor do que começar o concerto com a Sinfonia Op. 21 (1928) de Webern. Só que… Bem, o motivo do atraso foi que um músico esquecera suas partituras em casa, no bairro Guarujá, e teve buscá-las com a presteza do personagem de Spielberg. Certamente, o esquecimento foi inoculado em seu cérebro por algum cientista nazista daqueles que costumam perseguir Indiana no desejo de se apossar de relíquias como o Santo Graal e partituras de compositores vienenses. Ainda mais que Webern foi, na década de 40, o mais descabelado hitlerista dentre os compositores austro-germânicos (favor ler O resto é ruído, de Alex Ross) e deve ser muito querido entre os inimigos de Indiana. Ah, e depois ainda teríamos o judeu Mahler!
Bem, enquanto o músico atormentado permanecia em sua corrida pelas ruas, o concerto começou. É que as primeiras obras não tinham a participação dele. E, como dissemos, o concerto foi aberto justamente com a Sinfonia de Webern. Webern sempre se caracterizou por se expressar de forma descontínua. Como Céline e suas milhares de reticências. Sua música é paradoxalmente densa como um haicai e rarefeita como a cabeleira de seu mestre Arnold Schoenberg. Suas composições têm movimentos muito curtos. Em 1927, decidiu expandir-se um pouco, então escreveu um Trio de Cordas que dura nove minutos. Logo depois veio esta Sinfonia que não é muito maior — 10 minutinhos — e que exibe uma beleza abstrata e estranha em seus dois movimentinhos. Anton Webern era um dos compositores da chamada Segunda Escola de Viena juntamente com Schoenberg e Alban Berg. A primeira teria sido formada por Haydn, Mozart e Beethoven, que não sabiam nada a respeito disso e que não pensavam como Schoenberg. No ano de 1928, ele escreveu: “A arte desde o princípio e por natureza não se destina ao povo. Mas querem forçá-la a isso. Espera-se que todos possam dar sua opinião. Pois a nova glória consiste no direito de falar: liberdade de expressão! Ó Deus!”.
(E o coro grego responde em intermezzo não programado:
— Ei, Schoenberg, vai tomá no cu! Olê, Inter, olê, Inter!)
Não obstante a tal obscura escola, eu curti o Webern.
E o nosso músico perdido? Nada de voltar. Então, ainda em Viena, voltamos no tempo para encontrar Mahler. Os lieder de Mahler, Strauss e Schubert são coisas a respeitar. No gênero, há dezenas de coleções e avulsos sublimes. As quatro Canções de um Viandante, com texto de autores da Idade Média compiladas no livro Das Kanben Wunderhorn, são lindíssimas. A segunda foi depois amplamente reutilizada por Mahler na Sinfonia Nº 1. (Aliás, quando iniciou este segundo lied, nosso músico adentrou o palco com enorme tranquilidade. Tal como Indiana Jones, ele não sua muito em suas correrias. parecia saído do banho.)
Mas voltemos ao Mahler. O barítono uruguaio Alfonso Mujica é magérrimo e garanto que todos pensaram numa voz fraca e inadequada para as canções, mas ele tirou de letra, dando a elas compreensiva interpretação, proporcionando-nos um dos mais belos momentos da temporada. Que seguiu com Haydn.
As últimas doze sinfonias de Haydn são as chamadas Sinfonias de Londres ou Sinfonias Salomon, nome do empresário esperto que as contratou. A Sinfonia Nº 92 é a última não londrina e tem o apelido de Oxford porque o compositor a conduziu na cerimônia onde recebeu o titulo de doutor Honoris Causa naquela Universidade. O pessoal de Oxford só pode ter adorado, não há como não sorrir àquela Sinfonia! Dentro da uma estrutura clássica de quatro movimentos (Grave-Alegro, Adagio, Minueto e Presto), é uma música feliz, cheia de invenções e surpresas, daquelas que fazem as pessoas irem para a rua felizes. Foi o que aconteceu.
Belo concerto! All’s well that ends well (Tudo está bem quando termina bem), já dizia Shakespeare.
Uma produção da ópera Tannhäuser, de Richard Wagner (1813-1883), foi cancelada na Alemanha depois de críticas ao realismo das cenas de judeus a serem executados e a morrerem nas câmaras de gás, noticiou na quinta-feira a AFP. A produção, que inaugurou no fim-de-semana na Ópera do Reno, em Dusseldorf, constrói para a ópera de Wagner o cenário de um campo concentração. Provocou “protestos violentos” na noite de estreia, de acordo com a imprensa local.Read More
Teraoka durante ensaio com a Ospa | Foto: Augusto Maurer (Clique para ampliar)
Ontem, no dia em que Brahms completava 180 anos de nascimento, a Ospa programou Sibelius e Prokofiev. Nossa orquestra é rebelde e não se liga muito em datas. Também não é nada nacionalista: por exemplo, no dia 17 de novembro de 2009, quando Villa-Lobos completava 50 anos de morte e todos os cadernos culturais só falavam nisso, a Ospa só falava em outra coisa, apresentando um programa que era inteiramente dedicado a Mendelssohn. Mas, enfim, deixemos Brahms e as datas de lado. Era uma noite gelada em Porto Alegre e tivemos mais uma comprovação de que o gaúcho não é macho o suficiente para enfrentar o frio. Talvez também pela fuga que as pessoas empreendem do centro da cidade ao final do dia, talvez pela falta de estacionamento, a Reitoria de UFRGS parece ser amaldiçoada para além da má acústica. Estava com menos de meia casa. Mas digo pra vocês que a o Theatro São Pedro e o Auditório Dante Barone — que também estão no centro da cidade — trarão mais pessoas nos concertos dos dias 14 e 21. Esperem e verão.
Sibelius foi um enorme compositor. Não é apenas o mais famoso compositor da Finlândia, é o mais famoso dos finlandeses ao lado do piloto Mika Häkkinen e dos celulares Nokia. Sua figura estava nas notas de cem marcos antes do euro chegar. Era um nacionalista e foi figura fundamental na independência do país. Muito mal visto pela escola alemã — pelo simples motivo de ser bom e popular — , recebeu todo o gênero de críticas injustas, boa parte delas feitas pelo contumaz equivocado musical Theodor Adorno. Sibelius era um herói em seu país e ficou logo famoso em Paris e nos EUA, que até hoje aguarda ansiosamente sua oitava sinfonia…
Na coletânea de ensaios Os testamentos traídos, Milan Kundera analisa as culturas periféricas da Europa, tomando como exemplo sua Tchecoslováquia. “A intensidade muitas vezes assombrosa de sua vida cultural pode fascinar um observador”. Porém, “no seio dessa intimidade calorosa, um inveja o outro, todos vigiam a todos”. Se um artista ignora as regras locais, a rejeição pode ser cruel, a solidão, esmagadora”. No início do século XX, cada uma destas pequenas nações tinha seu círculo de compositores locais e, dentre eles, seus representantes nacionais. Sibelius na Finlândia, Bartók na Hungria, Grieg na Noruega, Dvorak, Smetana e Janáček na Tchecoslováquia, Nielsen na Dinamarca, Elgar e Vaughan Williams naquele grande país quase sem música até o século XX. Até nós tínhamos um nacionalismo musical com Villa-Lobos, lembram? A influência de Sibelius na cultura de seu país é tão grande que até hoje a Finlândia dedica generosa fatia de seus investimentos culturais em orquestras e na formação de músicos. Mas tergiverso e preciso voltar logo à Reitoria da UFRGS.
O programa iniciou com a suíte Pelléas et Mélisande, música incidental de Jean Sibelius escrita em 1905 para o dramalhão homônimo de Maurice Maeterlinck. A obra tem nove movimentos curtos e é muito bonita, mais ainda quando não se dá importância ao triângulo amoroso protagonizado pelos irmãos Pelléas e Golaud e que acaba na morte de princesa Mélisande. O tema também serviu a uma ópera de Debussy. Em meio àquelas brumas, a Ospa saiu-se muito bem, orientada eficientemente pelo maestro Teraoka. (Soube que nos ensaios, os cães que habitam as proximidades da Igreja São Pedro, local improvisado de ensaios da Ospa, detestaram as ameaças de mau tempo desferidas pelos contrabaixos e respondiam latindo loucamente).
Depois veio a Valsa Triste, também de Sibelius. É uma das peças mais esplêndidas que conheço. Lacrimosa quando ouvida sem atenção, torna-se absolutamente comovente quando nos aproximamos. São seis minutos do melhor Sibelius, microcosmo de suas melhores sinfonias e poemas sinfônicos. A curtíssima Valsa Triste é o mais belo dos haikais e vi algumas lágrimas próximas a mim durante a execução.
http://youtu.be/P8Oc_J1Lu-o
Já o mesmo não pode ser dito de Cena com garças, medonha peça semi-onomatopaica onde os clarinetistas Augusto Maurer e Marcelo Piraíno fizeram o papel de garças com donaire, esbelteza e garbo. Tudo inútil. As garças gostam de rios e lagoas, mas estas de Sibelius se ligavam mais num charco. A peça era merecidamente desconhecida, os xerox das partituras eram quase ilegíveis e devem ser jogados fora hoje. Por favor, não guardem papelada inútil.
O final do concerto veio pela maravilhosa Sinfonia Clássica Op. 25 de Serguei Prokofiev. Foi uma verdadeira lufada primaveril para a plateia e muito trabalho para a orquestra. A sinfonia — radicalmente feliz e melodiosa — também é muito difícil de tocar e pode ser um tormento para orquestras que ensaiam apertadas em igrejas. É claro que a interpretação não foi das melhores que vi, mas também é verdade que só consegui me dar conta disso ao final, rememorando alguma coisa. Música ao vivo é assim. Muitas vezes a gente nem se dá conta dos erros e foca a atenção na musicalidade e no tesão.
O regente Kiyotaka Teraoka já comandou a Ospa uma dezena de vezes e, este ano, ainda a comandará na Sagração da Primavera, se esta não for cancelada em função da falta de local adequado para ensaios. Se é gentil e educado com os músicos, também é competentíssimo e engraçado. Ontem, bem dentro do espírito da música, fazia momices durante o primeiro movimento da Sinfonia Clássica, marcando o tempo para quem caçava borboletas. É muita classe.
P.S. — E houve um bis. Um certo Andante Festivo, de Sibelius. É uma composição de um movimento, originalmente escrito para quarteto de cordas em 1922. Em 1938, o compositor rearranjou a peça para orquestra de cordas e tímpanos. É um belíssimo e lírico fluxo de temas que só pode ser considerado festivo na Finlândia.
Brahms nasceu em Hamburgo no dia 7 de maio de 1833. Como se não bastasse o trocadilho infame que o nome Brahms sugere a nós, brasileiros, ele era filho de um contrabaixista de Hamburgo que tocava em cervejarias. A partir dos dez anos de idade, o pequeno Johannes passou a trabalhar como pianista com seu pai, nas tabernas. Não sabemos se estas atividades foram nocivas à saúde do menino, sabemos apenas que ele, mais tarde, fez bom uso de seu conhecimento sobre o repertório popular alemão. Brahms teve apenas dois professores, ambos durante a infância e adolescência. E estava pronto. Acho que nasceu pronto, pois há obras perfeitamente maduras desde os primeiros opus. Ele não concordava, tanto que deixou passarem-se anos até arriscar-se no gênero sinfônico. Tinha algum receio da inevitável comparação com Beethoven.
Começou a compor cedo e, antes de completar 20 anos, seu Scherzo opus 4 já tinha entusiasmado e revelado afinidades com Schumann, a quem Brahms ainda desconhecia. Foi visitar Schumann e então os fatos são mais conhecidos: primeiro, Schumann escreve em seu diário “Visita de Brahms, um gênio!”, depois publica um artigo altamente elogioso ao compositor, fazendo com que o jovem Brahms tivesse a melhor publicidade que um artista pudesse desejar. Schumann o considerava um filho espiritual e a esposa de Schumann, Clara, chamava-o de seu “deus loiro”. Muitas hipóteses são possíveis sobre a relação entre Clara e Brahms, mas só uma coisa é certa: eles destruíram a maior parte das cartas que dizia respeito a ela. Porém, a versão de que houve um forte componente amoroso — ao menos no âmbito de uma grande amizade — tem tudo para estar próxima da verdade.
Em minha opinião, o que caracteriza Brahms são a densidade, o lirismo e a intensidade. Quando digo intensidade, refiro-me ao lado emocional; quando digo densidade, refiro-me a profunda inteligência musical e a muito artificiosa fusão que ele consegue entre a expressividade romântica e as preocupações formais clássicas. Foi um revolucionário amante dos tons menores e da economia de meios. Num mundo em que as orquestras cresciam desmesuradamente, não fez uso de exércitos orquestrais. Compreensivelmente, em sua época foi adotado pelos conservadores. Ele colaborou bastante com esta adoção ao assinar um manifesto contra a chamada escola neo-alemã de Liszt e Wagner. Um conservador? Nada mais equivocado. Ele nem precisaria ser desagravado por Schoenberg em Brahms, o Progressista, para ser reconhecido como uma voz original, distinta e um passo adiante de seus contemporâneos. Um passo dado numa outra direção do que a adotada por Bruckner e Mahler, mas adiante.
O Southbank Center, em Londres, abriga quatro orquestras de primeira linha. É um Centro Cultural com três fantásticas salas de concertos dedicado à música, mas não pensem que não há outras orquestras sinfônicas na cidade. Elas estão espalhadas como times de futebol.
Foto: Bárbara Ribeiro
Enquanto isso, no Rio de Janeiro, cidade de 8 milhões de habitantes e apenas quatro orquestras, o prefeito Eduardo Paes pretende que duas das orquestras mantidas parcialmente pela prefeitura — a Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB) e a Orquestra Sinfônica Brasileira Ópera e Repertório (OSB O&R) — sejam integradas à Orquestra Petrobras Sinfônica (Opes), regida pelo maestro Isaac Karabtchevsky, seu “querido amigo”. Segundo o brilhante prefeito, o Rio precisa de apenas um conjunto sinfônico forte que, segundo ele, poderia se chamar OSB-Petrobras ou Petrobras-OSB.
O estranho é que ele não parece ter articulado nada, pois a Orquestra Petrobras Sinfônica reagiu, em nota, informando que “não tem interesse de se fundir a outro grupo, por defender a pluralidade artística”. Segundo a entidade, “ter uma orquestra única no Rio implicaria na diminuição da oferta de espetáculos, do mercado de trabalho e da abrangência geográfica dos concertos”. Estão certos.
Tal fato ocorre após a Prefeitura suspender o apoio de R$ 8 milhões anuais que dava à Fundação Orquestra Sinfônica Brasileira (FOSB), trocando-a por apoios a eventos esportivos certamente carentes de patrocinadores.
Contrariamente ao que pensa o prefeito — que tem tanta vivência com as artes que esqueceu da Orquestra do Municipal, também parcialmente sustentada pela Prefeitura … — as principais capitais do mundo têm, cada uma delas, uma dezena de conjuntos sinfônicos. Ele. em pose de vendedor, defende o dinheiro público tem que ser investido em coisas que de fato deem projeção à cidade…
— A posição do prefeito é absolutamente ridícula e lamentável — classifica o maestro Silvio Viegas, regente titular da Orquestra do Teatro Municipal. — É o mesmo que propor que Flamengo se una ao Vasco e que Botafogo se una ao Fluminense porque a cidade tem times demais.
O secretário municipal de Cultura, outra sumidade, concorda com o prefeito.
O trânsito de Porto Alegre está um caos não apenas pelas muitas obras, mas também pela insuficiência de transporte público. Sou um comportado cidadão e suporto as obras “em nome do futuro”. O que é complicado de aceitar é sair de casa na zona sul — em plena terça-feira — e esperar das 19h30 até às 20h05 pela presença de T11 na Av. Cavalhada. Claro que o fato tem um ponto positivo; afinal, a indignação une as pessoas nas paradas e a gente acaba travando conhecimento com gente interessante, mas digamos que não estamos lá para isso.
O atraso infligido fez com que eu perdesse as três peças curtas que abriram o concerto de ontem: as Danças Húngaras Nº 1, 3 e 10 de Johannes Brahms. Brahms não é coisa que se perca mesmo quando vem na forma destas danças enérgicas e animadas, baseadas em sua maioria no folclore húngaro — apenas as de Nº 11, 14 e 16 são composições 100% originais. As peças foram compostas originalmente para piano a 4 mãos, mas foi irresistível transcrevê-las para orquestra antes que algum aventureiro lançasse mão delas.
Cheguei no momento dos aplausos que antecediam as Variações sobre um tema de Haydn, Op. 56a, também de Brahms. A música é belíssima, apesar das hesitações e equívocos do compositor. Este foi o último ensaio sinfônico de Brahms antes de atacar a composição da Sinfonia Nº 1. Um estupendo ensaio. O respeito que ele tinha por Beethoven e talvez a dúvida sobre a própria grandeza, fez com que ele temesse por longo tempo as incursões sinfônicas. Brahms deixou-se amadurecer de forma tão completa que, ouvindo o resultado obtido, só podemos dar risadas ou lamentar seus medos. A Sinfonia Nº 1 é uma das maiores obras do repertório sinfônico e esta obra de variações é notável. O tema é um hino de peregrinos – o Coral de Santo Antônio – que foi utilizado num Divertimento para sopros que chegou a Brahms como se fosse de Haydn. Tsc, tsc, tsc — não era e mais uma vez um compositor menor acabou sendo prejudicado, no caso o verdadeiro autor do Divertimento, um certo Ignatz Pleyel, aluno de Joseph Haydn. Pleyel perdeu seu lugar no bonde da imortalidade para Haydn, que já o tinha garantido.
A execução da Ospa foi perfeita e emocionante. Ficou muito claro o entendimento entre a orquestra e o regente Teraoka, que permaneceu sorridente durante toda a música. Quando músicos e regente criam um vínculo de admiração e colaboração é difícil de segurá-los, mesmo que eles só queiram deixar a plateia desmilinguida, se me entendem. Foram 20 minutos para esquecer o T11 de meu descontentamento, assim como todas as iniquidades do último mês.
O concerto foi finalizado com a Sinfonia nº 3, Op. 56 — era o dia do 56, espero que alguém tenha jogado no bicho — de Felix Mendessohn-Bartholdy. Sempre lamento quando as orquestras escolhem tocar a popularíssima Sinfonia Nº 4, “Italiana”, de Mendelssohn, pois sou apaixonado pela 5ª, “A Reforma”. E deveria ficar duplamente indignado pelo fato de Teraoka ter fugido do lugar-comum para o lugar errado: escolheu a 3ª, conhecida por “Escocesa” em razão de um passeio a pé que o compositor condenara a si mesmo fazer pelas montanhas da Escócia — coisa de alemão. Mas meus protestos cessam aqui. Gostei muito do que ouvi e fiz Mendelssohn subir alguns degraus em meu desimportante ranking interno. É uma obra cheia de contrastes desde seu grande primeiro movimento, que inicia vetusto para tornar-se luminoso; um segundo movimento muito alegre, puxado pelo competente clarinete de Diego Grendene de Souza; um terceiro movimento dilacerante ma non troppo e um finale que dizem ter sido tomado de uma dança folclórica escocesa. E, quando tudo parece que vai terminar de forma convencional como uma novela das oito, Mendelssohn nos dá um susto introduzindo um tema inesperado e que não aparecera ainda, uma melodia majestosa que encerra a sinfonia de uma maneira estranha, diferente e brilhante.
Sobre o regente Kiyotaka Teraoka… O que dizer dele? Que ele já arrasara na Quarta de Mahler no ano passado e que voltou a arrasar ontem? Se dissermos isso será verdade. Ou quem sabe pediremos que ele volte sempre? Ou que ele não saia mais daqui? Não sei. A única coisa que posso dizer é que ele ficará mais uma semana em Porto Alegre e que o concerto da próxima terça-feira estará novamente a seu cargo com o seguinte programa:
Jean Sibelius: Pelleas and Melisande, Op. 46 Jean Sibelius: Valsa Triste, da peça Kuolema, Op. 44/1 Jean Sibelius: Cena com garças, da peça Kuolema, Op. 44/2 Sergei Prokofiev: Sinfonia Clássica, Op. 25.
E mais não digo.
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Ah, vocês pensam que eu não tenho fotos com o Teraoka? Tenho um monte!
Teraoka em ação, com Milton Ribeiro lá no fundo, em pé | Foto: Augusto MaurerEm momento especialmente tenso da Sinfonia de Mendelssohn, Teraoka usa os olhos para tirar som do naipe de violoncelos enquanto Milton Ribeiro, solidário e preocupado com a operação, cofia a barba (ou morde os dedos) | Foto: Augusto MaurerApós o concerto, fomos à festa de 76 anos do Marcos Abreu. E ali, finalmente, o fotógrafo nos deu a primazia do primeiro plano | Foto: Augusto Maurer
O Quarteto Instrumental formado Artur Elias (flauta), Elena Romanov (violino), Vladimir Romanov (viola) e Rodrigo Alquati (violoncelo) deu um excelente recital na universidade de nome difícil de pronunciar. Contrapartida que todos os cursos mais ricos deveriam dar ao público por levarem boa parte da grana que deveria ir para a área das Humanas — dia desses o IA, por exemplo, vai abaixo –, o Música na UFCSPA merece todos os elogios. A série mantém-se impecavelmente afastada da mediocridade. Toda a programação é de primeira linha e hoje não apenas os músicos eram excelentes como também o repertório consistia de obras raramente executadas entre nós. O ingresso é sempre gratuito.
Gostaria de fazer duas pequenas críticas à organização: a primeira é que a função estava marcada para às 12h30 e a portaria deixou todo mundo lá fora até às 12h29. Teve um senhor idoso que disse “Já que é assim vou almoçar”. E foi embora. A segunda é que as pessoas que vão a concertos, neste horário, normalmente deram uma fugidinha do trabalho e têm horário apertado. Ou seja, tem que começar na hora, nunca com atraso.
Mas o concerto era consolo para quaisquer males. Após o conjunto iniciar de forma um pouco hesitante o Allegro do Quarteto em Ré maior, K. 285, de Mozart, a coisa simplesmente engrenou e foi perfeita até o final. Com a costumeira segurança, Artur Elias comandou o Mozart de forma esplêndida. Ele, “cantou” o Adagio como poucas vezes ouvi. Impossível não ficar feliz com o que ouvimos.
Em seguida, no Tchaikovsky, passou o bastão à Elena Romanov, que solou brilhantemente um arranjo do Andante Cantabile do Quarteto de Cordas op. 11 nº1. O concerto foi finalizado com a curiosa e muito boa 15 minutes, do contemporâneo Jean-Michel Damase, obra complicada, cheia de episódios contrastantes. Ia conferir se a duração seria de exatos 15 minutos, mas esqueci…
Com justiça, a plateia aplaudiu de pé. O bis veio com Carinhoso de Pixinguinha. Também foi ótimo, mas a plateia estava tão satisfeita com o que vira que, se eles fizessem uma exibição amadora de sapateado, seriam igualmente ovacionados.
Olho no Música na UFCSPA. O público ainda não se deu conta de sua existência.
P.S. — Deveria ser normal, rotineiro, mas não é. Este quarteto, todo saído da Ospa, ensaia e toca música de câmara. Assim fazendo, apenas demonstram de forma inequívoca seu amor e dedicação à música. Não ficarão ricos por isso.
O quarteto no palco da UFCSPAEm primeiro plano, a mulher e o filho do flautista Artur Elias (ao fundo).Elena Romanov. de muito longe, a criatura mais bonita do palco.Seu marido Vladimir.E o violoncelista Rodrigo Alquati.
Foi um bonito concerto. A solista do Concerto para Violoncelo de Dvorák era Inge Volkmann. Inge foi por anos a primeira violoncelista da Ospa e aposentou-se há poucos meses. Ontem, era uma segura solista convidada. Como sempre, saiu-se muito bem. Espero que ela não pare de tocar apenas porque trabalhou tempo suficiente para poder ficar em casa, seria um absurdo. E Inge é jovem, não se parece em nada com os aposentados que conheço. Para completar a alta temperatura emocional, o regente era seu irmão Manfredo Schmiedt e, durante o Dvorák, dialogava com o flautista Klaus Volkmann, seu filho.
Por falar em alta temperatura… A Igreja da Reconciliação estava lotada e parecia o inferno na noite de ontem. O calor era insuportável e as pessoas ficam meio alucinadas. Sentamos no mezanino. Eu só via a orquestra se ficasse em pé, mas em qualquer posição que ficasse, suava feito como se tivesse voltado a jogar futebol. Nosso amigo Décio começou a brigar com os vizinhos. Ninguém tinha paciência e, de repente, um rádio ligou sozinho dentro da mochila de alguém. Entre o desconforto e a tentativa de concentrar-se no palco — afinal estamos lá para isso — , o dono da mochila não se deu conta. Então, outra pessoa avisou que “tem uma porra de um rádio ligado aí contigo”… O sujeito demorou dois minutos para encontrar e desligar a porra. Pediu desculpas. Bem na minha frente, um cidadão saltou no meio de outras pessoas a fim de ficar melhor posicionado. Um salto, entendem?, uma coisa de balé. Parou quando bateu ombro a ombro com alguém. Eu e minha mulher vimos a performance, que arrancou um oh do povo em volta. Céus!
E a temperatura subindo. No intervalo, fomos para a rua e perguntamos se a sauna era obrigatória ou se dava para ligar o ar condicionado da igreja. Resposta: se ligarmos o ar condicionado, cai a luz.
Com tudo assim resolvido, ouvimos o Te Deum de Bruckner lá de fora, onde estava instalado um telão mostrando o concerto em câmara estática. Lá fora estava muito bom, uns 17º e eu fiquei sentado com as pernas e braços abertos como se estivesse num varal. Mas não posso falar muito sobre a apresentação, que me pareceu boa, mesmo através do telão.
Espero que um dia a Ospa possa rir de 2013, um ano de extremas dificuldades, mas no qual a orquestra está sempre acompanhada de grande público. É um time que apanha, apanha e a torcida segue fiel e crescendo. E que nada nos desvie da Sala Sinfônica! Todos estão irritados com a situação. Eu, que não tenho mais idade nem disposição para fofocas, apenas opino que desprezo a vacuidade dos posts daqueles que se deixam levar pela imaginação paranoica. Mas tergiverso: dizia que é um time que apanha, apanha e a torcida segue fiel e crescendo. E a gente trata de divulgar e ajudar de nosso modo. E de se alimentar depois: