Anotações sobre sexo no Ulysses de Joyce (Segunda parte de três ou quatro)

Um pouco mais revisado. Aliás, revisei o anterior agora, novamente…

Não faço ideia se o meu marido é um gênio ou não; o que sei, com certeza, é que ele tem uma mente bem suja.

NORA BARNACLE

Primeira parte: Anotações sobre sexo no Ulysses de Joyce (primeira parte de três, quatro ou mais)

Hum… Nunca me ofereçam, OK?

Em Ulysses, Leopold Bloom é um cidadão irlandês, pai e marido de Molly. Teve dois filhos, Milly e Rudy, sendo que o segundo morreu onze dias após o nascimento e Milly — que está com 15 anos em 16 de junho de 1904 — estuda em outra cidade. Ela aparece no romance apenas nas saudades de Bloom, o qual também lamenta muitíssimo a perda de Rudy. Ele é um bom pai de quase quarenta anos e começa o dia de forma tipicamente irlandesa. A primeira coisa que come são rins de carneiro grelhados, eles exalam um leve e inebriante perfume de urina. Porém, não vim aqui criticar a gastronomia irlandesa e britânica. Faço referência a este quarto capítulo porque nele Bloom aparece servindo sua mulher-ninfa na cama. É importante notar que é ele quem serve o breakfast,  não o contrário. Bloom, que foi confessadamente criado por Joyce para ser o homem comum, o everyman, aparece sem heroísmos, com uma dimensão inteiramente humana, sem atitudes épicas.

A primeira página de Ulysses no manuscrito de Joyce

Em 1905, Joyce escreveu a seu irmão Stanislaus:

Você não acha a busca pelo heroísmo uma tremenda vulgaridade? Tenho certeza de que toda a estrutura do heroísmo é, e sempre foi, uma mentira e que não há substituto para a paixão individual como força motriz de tudo.

O amor de Bloom manifesta-se diferentemente, ignorando posturas machistas, nas atitudes e nos pensamentos em relação à família, mas uma das surpresas de Ulysses é como esta rotina é contraposta à sexualidade que aparece no romance. Boa parte do enredo de Ulysses gira em torno do casal Molly e Leopold e de sua inaptidão para sentir prazer físico e emocional um com o outro. Seja através da narração onisciente, seja por monólogos interiores, o texto documenta minuciosamente as abordagens sexuais inteiramente diversas e as tentativas românticas do casal. E estas ocorrem sempre SEPARADAMENTE. Durante o curso do dia, Molly comete adultério com Blazes Boylan, enquanto Bloom envolve-se com práticas sexuais voyeuristas, masturbatórias e, por que não dizer?, masoquistas. Mesmo que Bloom participe ativamente destes encontros, é curioso como Joyce obtém mantê-lo longe do estereótipo do fauno sedento por sexo e prazer. Bloom é o anti-herói, o low profile, o personagem simpático, agradável, amistoso e apagado. Mesmo o erotismo evidente de certas participações de Bloom, acaba diluído em gentileza e bonomia. Ele é pai e marido, possuidor de qualidades maternas, pacifistas, até femininas.

Os limites rígidos que compunham a prática religiosa e as normas sociais na virada do século XX são demasiadamente sufocantes para a expressão de Joyce da individualidade e do desejo carnal. No episódio em que Bloom masturba-se na praia, observando Gerty MacDowell, tendo por fundo um culto religioso, Joyce não apenas justapõe religião e erotismo, mas incorpora uma prática sexual não convencional.

Bloomsday em Dublin. Leopold põe os olhos em Gerty MacDowell.

Com isto, ele desafia o senso comum do que seria a sexualidade na virada do século XX e utiliza seu romance como um veículo através do qual pode expressar seu desejo de fundamentar sua crença no instinto e no físico — não esqueçam que cada capítulo do Ulysses refere-se também a uma parte do corpo humano. Para Joyce, a sexualidade é um ato de expressão da natureza. Neste sentido, concordava inteiramente com D.H. Lawrence, o qual desejava conceder ao corpo um reconhecimento igual ao que era dado à mente. É claro que tais intenções do romance iam ao encontro das teorias de Freud — o desejo sexual como energia motivacional primária da vida humana –, mas ia contra a moral vigente da virada do século. Os encontros de Bloom com mulheres no livro parecem servir de alívio para a exclusão social e a traição de Molly, são o meio utilizado por ele para adquirir o equilíbrio ou equanimidade entre sua existência e a de Molly.

Sandymount Strand, onde Stephen Dedalus caminha imaginando-se cego e onde Leopold Bloom encontra Gerty McDowell em Ulysses

Ulysses é um texto que procura minar e redefinir as noções de gênero e de hierarquia na sociedade patriarcal da época. O romance não promove a superioridade masculina, mas eleva as mulheres e a feminilidade. Não só Joyce inverte a hierarquia social predominantemente masculina, como confunde e desafia a noção de gênero na dicotomia da criação de um casal formado por um homem delicado e feminino e uma mulher decidida. Nesta combinação, o casal Molly e Leopold, desafia os estereótipos que definem a masculinidade como agressiva e dominadora e a feminilidade como passiva e reservada.

Salman Rushdie escreveu em seu ensaio The Short Story: “Comumente o que é pornográfico para uma geração, é clássico para a geração seguinte”. A frase parece ser perfeita para Ulysses: enquanto a censura do início do século XX considerava o texto imoral e inadequado, ele agora oferece para nós um quadro riquíssimo para a exploração e análise da sexualidade de personagens extremamente bem construídos, sendo que um deles era “o homem comum”.

Eu poderia definir a pornografia como a apresentação de cenas destinadas a despertar desejo sexual no observador? Assim como num filme de sexo explícito, Uliyses rastreia movimentos e sensações corporais, realizando (ou escandalizando) o desejo do leitor de observar com precisão a mecânica do corpo. No entanto, Joyce não faz pornografia: aqui, a predição de Rushdie funciona perfeitamente: apesar de possuir elementos pornográficos, Ulysses oferece a transformação da pornografia em uma forma de arte clássica. Tendo lido e estudado psicanalistas como Freud, Joyce nos oferece não apenas uma nova ficção e linguagem, oferece-nos um ponto de vista original para entender o sexo. A atitude perante a sexualidade estava mudando após a virada do século, especialmente na esfera psicanalítica, e Joyce reflete em Ulysses este novo interesse na sexualidade, o crescimento de uma ciência sexual e o desenvolvimento de novos conceitos que rompiam cabalmente a associação entre sexualidade e reprodução. Joyce pertencia ao grupo de grandes pensadores da época, que procuravam entender e redefinir a sexualidade. Declan Kiberd afirma jocosamente que “Ulysses era não apenas um exemplo de um empreendimento comercial de alto risco, mas também um manual muito particular que extrapolava em muito questões literárias”.

É importante salientar a relação de Joyce com a tradição inglesa do romance. A Irlanda estava sob o domínio inglês. Os ancestrais de Joyce abandonaram lentamente o gaélico — ainda falado em regiões rurais da Irlanda — pelo inglês. Deste modo, os irlandeses viviam a uma certa distância da literatura inglesa ou ao menos utilizavam a língua com menor respeito, muitas vezes com insolência. Deste modo, há, além das ideias de Joyce, um aspecto sociológico que torna a quebra da tradição um ato até desejável de afirmação de nacionalidade. Joyce não falava mal de Dublin e da Irlanda, como alguns afirmam, mas era, sim, contra a sentimentalização do passado, revoltava-se contra o provincianismo de achar que o passado — mesmo um inventado, como o dos gaúchos tradicionalistas — ia voltar.

O Rio Liffey e a Ponte Ha’penny Bridge em Dublin, Irlanda

(Segue)

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Celebração, grande música e política no show de Tom Zé

AQUI, fotos da queima do inflável da Coca-cola na saída do show.

AQUI, fotos do show.

.oOo.

O tom do show foi dado sem que nenhuma canção fosse apresentada. Quando o locutor anunciou o espetáculo que fechava a edição de 2012 do Porto Alegre Em Cena, a Prefeitura foi citada, recebendo imediatamente uma vaia. Logo depois, sozinho, Tom Zé entrou lentamente no palco carregando um maço de jornais. Começou a ler algumas manchetes, agradecendo aos jornalistas que organizaram suas — segundo ele — disparatadas respostas, tornando-as bonitas matérias. Quando chegou ao nome de Zero Hora, outra vaia. Então Tom Zé jogou longe seus jornais e ficou claro que o show teria enorme participação de um público que ama o cantor e compositor.

Antes mesmo da banda entrar, ele tratou de organizar o movimento, pedindo respeito aos seguranças e que as pessoas em pé na frente do palco se retirassem porque senão todo o Araújo Vianna seria obrigado a levantar. Todos colaboraram e o show começou, não sem antes ouvirmos a explicação para o rabo que Tom Zé trazia atrás de si. Ele ensinou que os faraós egípcios, quando visitavam a divindade, colocavam um rabo a fim de demonstrarem sua inferioridade em relação aos deuses. Com o mesmo, Tom queria deixar clara sua posição em relação a Caetano e Gil, os principais nomes da Tropicália.

Falta uma semana para Tom Zé completar 76 anos, mas ele parece ter 36. Canta com voz potente, dança as danças do nordeste erguendo os pés até quase a altura de sua cabeça e demonstra enorme felicidade de estar ali. Afinal, o mais anárquico e injustiçado membro da Tropicália recebe desde os anos 90 a contrapartida que não tivera antes. Como dissemos, o público o adora — todos os CDs trazidos pelo artista foram comprados antes da apresentação — , canta junto, aplaude muito e, entre as músicas, Tom lê os recados que recebe e ouve pedidos de canções. Um dos recados mais aplaudidos foi aquele que reclamava que o elevador da Casa do Estudante não funciona há um ano.

A base do show é seu último CD, Tropicália Lixo Lógico. As canções são efetivamente ótimas, altamente criativas, com destaque para Não tenha ódio no verãoO motobói e Maria ClaraMarcha-enredo da Creche Tropical e De-de-dei Xá-xá-xá. Entre elas, homenagens à Aristóletes e citações das Metamorfoses de Ovídio. Foi quando, ao final de uma canção, inesperadamente, foram subitamente desfraldadas faixas pela plateia. As faixas diziam “Praças Vendidas”, “Não ponha o toque de recolher na alegria” e outras palavras de ordem do movimento porto-alegrense Defesa Pública da Alegria. Um gosto vidro e corte perpassou a espinha deste comentarista que pensou estar voltando aos tempos da ditadura.

Sensível ao momento, Tom Zé foi até a margem do palco, pegou um papel e começou a ler o manifesto do movimento. Foi um episódio belíssimo e, a partir dali, o compositor passou a uma revisão de sua obra em ordem cronológica descendente. Nesta viagem ao passado, ele apresentou algumas de suas músicas inspiradas por avisos — as hilariantes Não urine no chãoAtenção passageiro, antes de entrar no elevador, verifique se o mesmo encontra-se parado neste andar — , até chegar ao clímax: a clássica 2001, imortalizada pelos Mutantes. No caminho passou por Augusta, Angélica e Consolação e muitas outras. O show foi encerrado por Xique-xique (“Sacode a cultura, sacode a cultura”). No bis, entre outras, Menina amanhã de manhã e Jimi Hendrix.

Sobre o novo Araújo há que dizer que a amplificação do som esteve bastante boa. Caminhamos por todo o auditório e não percebemos aqueles ecos e retornos de som do passado.

Durante o show, Tom Zé mostrou um dos cartazes trazidos pelo público, o qual dizia “Praças vendidas”. Ao final do show, um grupo pôs fogo em um inflável da Coca-cola.  Também alguns manifestantes sentaram no gramado ao lado do prédio — cercado por grade desde a reabertura — , e foram retirados do local com truculência, segundo relatos. A Brigada Militar informa que não houve registro de nenhuma ocorrência, seja sobre o protesto, seja sobre a queima do inflável.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

O caso João Carlos Martins e a Ospa

O candidato a André Rieu brasileiro

Ontem tivemos um concerto regido por João Carlos Martins na Ospa. No passado, Martins foi um grande pianista, um excelente intérprete de Bach, mas depois uma série de acidentes e circunstâncias fizeram com que ele perdesse o movimento das mãos. Hoje, aos 72 anos, Martins atua como uma espécie de André Rieu brasileiro, regendo música ligeira e batucando lamentavelmente um piano com os três dedos que ainda lhe atendem. Vê-lo tocando é triste tanto para os olhos como para os ouvidos, é algo que busca despertar nossos sentimentos de pena, que toca muitas pessoas facilmente suscetíveis a situações do tipo ele-está-lutando-contra-a-adversidade ou e-mesmo-assim-ele-é-feliz. Não é proibido e muita gente gosta, mas, na minha opinião, a vaidade de Martins é tão grande que mesmo a exposição de suas deficiências como pianista serve a seu ego sedento de espectadores. E ele encontrou um público que ouve seus discursos e o  aplaude, feliz. Não é mais arte, não é mais música erudita, é a utilização de prestígio para tocar movimentos sinfônicos ou nem isso. Ontem por exemplo, ele apresentou um retalho do Bolero de Ravel, pois talvez lhe falte resistência física ou não sinta interesse do público numa audição integral.

Antes de perder os movimentos das mãos, Martins teve uma rumorosa passagem pela Secretaria de Cultura da cidade de São Paulo. O prefeito era seu amigo Paulo Maluf. Atualmente, Martins é réu em um processo onde é acusado de corrupção. Segundo o revista Veja (há links na página):

Como empreiteiro dono da Paubrasil, o pianista recolheu quase 20 milhões de dólares em caixa dois para as campanhas de Maluf. As construtoras Paubrasil e Entersa,– das quais Martins era sócio,– cometiam fraudes contábeis para esconder do Fisco o quanto faturavam e a maneira como empregavam seus recursos. Desta forma, ficavam livres para financiar as campanhas do político. Em 1993, ano em que Paulo Maluf assumia a prefeitura de São Paulo pela segunda vez, a Receita Federal descobriu que a Paubrasil – empresa do pianista João Carlos Martins – havia recebido doações clandestinas para as campanhas eleitorais de Maluf nos anos 1990. A proprietária de um imóvel alugado pela Paubrasil denunciou que ali funcionava uma confecção que fazia uniformes para a empresa e também material de propaganda de Maluf. Em 2009, o caso de corrupção rendeu-lhe uma condenação a dois anos e nove meses de prisão – período substituído por pena restritiva de direitos – por crime contra a ordem tributária. O maestro entrou com recurso e aguarda julgamento.

Não creio que tenha, em toda a minha vida, assistido a um concerto pior do que o de ontem

A Ospa é uma orquestra pública, financiada pelos contribuintes através de impostos, e penso que devemos considerar dois aspectos. O primeiro é o artístico. A Ospa deve servir ao que der e vier? Ontem, a exigência artística era tão rala que a orquestra entrou despreocupada, sem a menor concentração, tocando mal obrinhas populares que tiraria normalmente de letra, talvez irritada com a indulgência para consigo e para com o público. Porém, observando as caras das pessoas que assistiam o concerto, via-se um indiscutível encantamento de gente que normalmente não comparece aos concertos. Isso é educar e formar público? Certamente NÃO. Uma experiência de décadas nos diz que aquelas pessoas não irão aos concertos “sérios” e transcendentes, onde serão tocadas obras completas do modo como foram compostas. O público de ontem era formado basicamente por pessoas de mais de 40 anos que estavam com pena do pobre pianista com dificuldades. Na última oportunidade em que esteve em Porto Alegre, Martins apresentou um curta metragem com sua história artística e médica. Houve lágrimas na plateia… Era um público de Hebe Camargo, não o da música. Como se comprova nos países onde a música é mais desenvolvida, não é com concessões que se atinge a música erudita, é com o acesso fácil a ela. Neste quesito, os casos da Venezuela e da Inglaterra — eu escolho pegar como exemplos países bem diferentes — são absolutamente exemplares.

O outro aspecto é o moral. OK, o caso de Martins ainda não foi inteiramente julgado. Coube recurso e este é um direito seu. Porém um governo do PT deveria pagar um cachê — certamente dos mais altos cachês deste ano — justamente para um apoiador de Paulo Maluf acusado de corrupção? Precisa mesmo? E o estado legalmente pode pagar alguém com as acusações que pairam sobre o ex-pianista? Para fazer aquilo não seria melhor resgatar da aposentadoria o maestro Tulio Belardi e seus concertos populares onde ele até cantava tangos para a mesma plateia extasiada?

Bem, deixo para meus sete leitores estas interrogações.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Indo ao concerto da Ospa, mas antes deixando uma foto legal para vocês 7

Coney Island - New York - 1950s - Photograph by Vivian Maier | Clique para ampliar

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Anotações sobre sexo no Ulysses de Joyce (Primeira parte de três, quatro ou mais)

Um pouco mais revisado.

A única exigência que faço a meu leitor é que dedique a vida inteira à leitura de minhas obras.
(The only demand I make of my reader is that he should devote his whole life to reading my works).

JAMES JOYCE

Clique para ampliar

Esta é uma piada de Joyce, mas tem gente que se assusta muito com ela e mais ainda com aquilo que é dito sobre Ulysses. Se quiséssemos estabelecer uma categoria de livros mais elogiados, citados, incensados e menos lidos, Ulysses, de James Joyce, talvez encabeçasse a lista. Este é um fenômeno que surpreende, pois contrariamente a, por exemplo, O homem sem qualidades, de Musil, Ulysses é um livro escandalosamente colorido, engraçado e divertido. E sexual. Uma leitura desatenta torna certamente o livro uma chatice, uma leitura interessada já basta para torná-lo um grande romance, mesmo que não se queira entrar nos enigmas e quebra-cabeças que manterão os professores ocupados durante séculos, conforme disse o autor. A leitura 100% compreensiva talvez seja inalcançável ao leitor comum, porém, como sublinhou Karen Blixen (Isak Dinesen), não há nenhum problema em não entender inteiramente um escrito poético. Obviamente, Ulysses se beneficia com outras leituras, com a crítica, com consultas e com uma vasta cultura, porém, como assegura o tradutor da última versão brasileira, Caetano Galindo, Ulysses pode ganhar mais se for apresentado sozinho, sem notas explicativas. É importante lembrar que Ulysses é, em primeiro lugar, um romance, um dos maiores de todos, não um quebra-cabeça. Isto não anula de modo algum todo o aparato que costuma cercá-lo, apenas diz que tal parafernália pode estar em outro lugar que não atrapalhando a leitura.

O habitual é que as pessoas se aproximem de Ulysses com cuidado. Livro difícil, cheio de armadilhas. Tudo se passa num só dia, em 16 de junho de 1904. São 18 capítulos, cada um com aproximadamente uma hora de ação; cada um escrito num estilo diferente; cada um deles sendo uma paródia de um episódio da Odisseia de Homero; em cada um, um sistema detalhado de referências a uma ciência ou ramo do conhecimento; em cada um, uma parte do corpo humano é alçada a símbolo; em cada um, uma infinidade de enigmas, jogos de palavras, paródias, trocadilhos, neologismos, arcaísmos, estrangeirismos e todas as operações com a linguagem que você puder imaginar e mais algumas, como escreveu o ensaísta Idelber Avelar.

Porém, a história não pode ser mais simples e Joyce ufanava-se do fato de seu romance ter quase nada de trama. Naquele dia, hoje conhecido como Bloomsday, Stephen Dedalus, professor de escola secundária, conversa com seu amigo Buck Mulligan, dá uma aula e passeia pelas margens do Liffey; Leopold Bloom, vendedor, efetivamente muito pouco atormentado pelas repetidas traições de Molly, sua mulher, toma café da manhã, vai a um funeral, visita um editor de jornal, lancha num bar, olha um anúncio de jornal na biblioteca (enquanto Dedalus discute Shakespeare com amigos), responde a uma carta recebida, leva porrada de um anti-semita, masturba-se observando Gerty MacDowell tendo por background um ofício religioso, encontra-se com Dedalus num hospital, leva-o a um bordel e convence-o a acompanhá-lo até a sua casa; ambos urinam no jardim; Bloom entra e se deita ao lado de Molly, que fecha o romance com um monólogo cheio de pornografia. Fim.

Não lembro quem utilizou esta imagem, mas ela é bastante eficaz para demonstrar as diferenças de Joyce em relação a um autor muito mais lido, Franz Kafka. Imaginem a literatura moderna dentro de um modelo matemático de abscissas e ordenadas, um modelo plano, simples e, principalmente, redutor. Considerem que a gente deva colocar os autores espacialmente e que a abscissa seria o grau de complexidade narrativa e a ordenada seria a complexidade dos temas. Pois bem, então comparemos Joyce com outro autor canônico, Franz Kafka. Enquanto Joyce cria histórias rotineiras dentro de narrativas complexas, Kafka seria sua antítese, com narrativa mais convencional, porém, com temas e histórias insólitas e — para repetir o termo e dar exatidão matemática (?) à analogia — , complexas. Em nosso modelo, eles estariam bem longe um outro. É claro que estamos desconsiderando uma importante terceira dimensão, o arsenal de referências joyceano e uma quarta, o grau de representação social. Sem esta última, certamente não comemoraríamos o Bloomsday.

No Brasil, Ulysses foi traduzido três vezes. A primeira tradução foi a que o filólogo Antônio Houaiss fez em 1966 para a Civilização Brasileira. Foi com ela que conheci o extraordinário romance. Até hoje, foram 21 edições e este Ulysses ainda está no catálogo da editora ao preço de R$ 80. Li o livro aos 22 anos, quando muita gente dizia que era um livro para ser lido apenas aos 40, com maior vivência, maturidade, etc. Para mim, naquela idade, seria absolutamente incompreensível. Não foi, mas o mérito não foi meu. Ulysses não um livro fácil, mas sua inacessibilidade é um mito. Foi com a tal maior vivência que li a segunda tradução, da filósofa, professora emérita e tradutora Bernardina da Silveira Pinheiro. É uma tradução mais coloquial e menos pudica que o intrincado e envergonhado trabalho de Houaiss. A edição é da Objetiva e custa dez centavos a menos que a da Civilização Brasileira. Em 2012, tivemos a terceira tradução, do professor e doutor em linguística Caetano Galindo para a Penguin / Companhia das Letras. O preço é simpático, apenas R$ 47. Esta última tradução é superior às duas anteriores. Coloca-se entre a Ítaca do coloquialismo de Bernardina e a possível Troia de Houaiss. De bônus, traz um excelente ensaio do crítico irlandês Declan Kiberd, uma das maiores autoridades em Joyce, um sujeito que escreveu um best seller de crítica literária chamado Ulysses and Us.

Abaixo, a primeira tradução francesa do romance com autógrafo do autor. Aliás, esta tradução foi revisada por Joyce. O livro me foi emprestado por seu dono, o poeta e romancista Fernando Monteiro.

.oOo.

Odisseu, rei de Ítaca, casado com Penélope, depois de ter se distinguido durante dez anos na guerra contra Troia, está voltando para casa, passando por uma série de aventuras e provações, ficando muitas vezes à mercê de feiticeiros, monstros e deuses vingativos. Penélope o aguarda fielmente, embora assediada por pretendentes (sempre tão gentis, diria Chico Buarque) que aguardam no banco de reservas, ansiosos por entrarem em campo no lugar do marido desaparecido. Seu filho, Telêmaco, aconselhado pela deusa Palas Atena, sai em busca do pai. Em resumo, temos as aventuras do herói Odisseu em sua volta à pátria, a fidelidade da mulher ao marido ausente e um filho à procura do pai.

Desenho de Leopold Bloom, de James Joyce (clique para ampliar)

Pois então abrimos Ulysses e vemos a paródia da Odisseia de Homero. A Penélope de Joyce, Molly, cujo nome de nascimento é Marion Tweedy), não é nada fiel. Stephen Dedalus (Telêmaco), embora insatisfeito com o pai que tem, não está atrás de outro. (Na verdade, Bloom pranteia um filho morto,  Rudy, e deseja que Stephen vá morar com ele e Molly). Bloom é um Ulisses nada heróico, um judeu irlandês de vida comum, que sabe de Molly e Blazes Boylan, mas não pretende lavar a honra com sangue. O livro, aliás, não possui situações extremas e apenas se atém a um imenso leque de experiências cotidianas. Sim, mas e o sexo?

Zurique, 1918. Nora Barnacle Joyce com os filhos Giorgio e Lucia.

Joyce refere-se a ele já no primeiro enigma do romance: a escolha da data. Por que 16 de junho de 1904? Ora, porque foi nesse dia que Nora Barnacle fez de Joyce um “homem de verdade”. Alguns críticos consideram que o livro seria uma espécie de declaração de amor que o escritor fazia a sua esposa e amante. No dia 16 de Junho de 1904, o casal saiu para um passeio pela primeira vez. Joyce não levou Nora para os cafés,  teatros, nem para o centro de Dublin, mas pelas ruas que vão dar no cais. Foram até a área de Ringsend que, naquela noite, estava deserta. Nora não perdeu tempo. Desabotoou as calças de Joyce e masturbou-o com mestria, “com olhos de santa”. Era a primeira vez que Joyce tinha sexo de graça e o fato revestiu-se de grande importância.

Ulysses foi publicado no dia de aniversário de 40 anos de Joyce, em 2 de fevereiro de 1922. Antes, em 1919, alguns capítulos tinham sido publicados na revista The Egoist (Londres). Resultado: impressores e assinantes ameaçaram demitir-se em função da pornografia envolvida… Em 1921, outros capítulos foram publicados em The Little Review (Nova Iorque). Resultado: a edição foi retirada de circulação e suas editoras multadas. Acusação: grossa pornografia.

O cais em Ringsend, subúrbio de Dublin
Porém, conhecendo Joyce, eu apostaria em outro local bem próximo, o das proximidades da igreja de St. Patrick

Um trecho de Ulysses (Cap. 17, Ítaca):

Se ele tivesse sorrido por que teria sorrido?

Para refletir que cada um que entra (na cama) imagina ser o primeiro a entrar enquanto que é sempre o último termo de uma série precedente mesmo que seja o primeiro de uma outra subsequente, cada um imaginando ser primeiro, último, único e só enquanto que não é nem primeiro nem último nem único nem só em uma série que se origina e se repete ao infinito.

Trad. Caetano Galindo 

Este trecho jamais poderia ser admitido a escritor preso aos códigos machistas da sociedade do início do século passado. Seria improvável para um homem comum do começo do século XX chegar à conclusão que Bloom chegou a respeito do adultério de Molly, da qual ele nem cogita separar-se: Assassinato, jamais, pois que dois males não perfaziam um bem. E chegamos gloriosamente ao pensador que Joyce era e, principalmente, a um leitor de Freud.

Epígrafe para o próximo texto:

Não faço ideia se o meu marido é um gênio ou não; o que sei, com certeza, é que ele tem uma mente bem suja.

NORA BARNACLE

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Inter: está na hora de pensar nas eleições e EM MAIS NADA

Quem vê o Inter jogar, constata: é um time com cara de fim de festa. Espero que os sócios expandam esta noção nas eleições ao final do ano. O grupo dirigente que está lá desde 2002 deve ser retirado, também ele está bêbado e cansado, é a hora de chamar um táxi para levá-los. Foram cinco exitosos anos de Fernando Carvalho, quatro nem tanto com Vittorio Píffero e dois lastimáveis com Giovanni Luigi. Antes da eleição de Luigi, houve uma cisão no grupo, mas o determinante do fracasso de Luigi não foram as questões políticas e sim sua inaptidão para o cargo.

Luigi só ganhou Gauchões. Deveria saber que o Inter não é Prenda.

Luigi tem qualidades. É um homem educado, faz as coisas com cuidado e não é um voraz vendedor de jogadores. Aliás, neste último item chega a ter uma postura amadora, o que é saudável numa instituição onde o objetivo final é o de jogar futebol. Porém, suas qualidades cessam aí. Ele não foi capaz de montar uma comissão técnica competente e estável e subjugou-se aos muxoxos das divas campeãs, mas envelhecidas. A saída de Fábio Mahseredjian da comissão técnica do Inter foi uma tragédia. Tínhamos um dos melhores preparadores físicos do país e o perdemos em razão de que o técnico Dorival Júnior vinha acompanhado de sua equipe e desta Mahseredjian não podia fazer parte. Isso é um disparate absoluto. Fábio foi para o Corinthians e o que fez lá a gente sabe.

Luciano Davi: administração tortuosa do futebol do clube

A entrada de Luciano Davi como diretor de futebol foi outro fato incompreensível. Trata-se de um menino dubitativo e oscilante. Por exemplo, ele anunciou a naturalização de Guiñazú para que Dátolo pudesse jogar e depois, para pasmo geral, disse que aquilo não era mais prioridade (?). Além disso, costuma emitir um rosário de opiniões tolas e avaliza decisões que se comprovaram erradas minutos atrás — o que foi esta justificativa para Dátolo não ter ido à BH para jogar contra o Cruzeiro?, o que foi esta decisão de preservar D`Alessandro? Ele, Luciano, veio em substituição à Luís Anápio Gomes, conhecido pelo jogadores como Bananápio, o que pode ser uma avaliação deselegante, mas que não foram desmentidas pela inação de Anápio.

A história de Luigi com os técnicos também foi inacreditável. Dois grandes ex-jogadores, que deveriam ser preservados como ídolos, foram contratados: Falcão e Fernandão. Ambos craques, ambos ídolos, ambos amadores como técnicos. Entre os as duas contratações, Dorival Júnior, um treinador que confirmou o que dele se sabia: era um disciplinador sem grande interesse pelos treinos táticos, os quais deixava para auxiliares que não eram respeitados pelos jogadores.

E os jogadores? Ora, estes dominavam e seguem com as rédeas do vestiário. O grupo dos velhos é quem manda. Há problemas grandes nesta área, há que fazer um limpa colocando alguns generais e outros de menor patente na reserva. De pijamas, bem entendido.

A propósito, quando meu filho Bernardo perguntou quem seria o novo técnico do Barcelona, respondi-lhe mesmo sem estar informado: “O técnico vai ser alguém lá de dentro, eles têm política de futebol, todos os times desde as divisões inferiores jogam no mesmo esquema, não precisam buscar ninguém de fora”. Acertei. Eu sei que falo do Barcelona, melhor time do mundo, sei que ele está anos-luz à frente do Internacional, mas a experiência deles é que deve ser copiada, não a dos velhos modelos.

Conheço poucos e bons caras da Convergência Colorada, mas fico feliz quando noto a palavra profissionalismo por todos os lados. O voluntarismo bisonho das pessoas convidadas pelo Luigi — o competente administrador da Rodoviária de Porto Alegre, a qual frequentei dia desses — é inadmissível. Não há justificativa para manter uma folha de pagamento de 9 milhões de reais mensais e ter aprendizes como chefes. Todos devem ser profissionais treinados longamente no próprio clube ou fora dele, para que não ocorra este absurdo de ver o Grêmio na nossa frente com um time mais barato e inferior.

Acho que a Convergência, que se formou na Internet e é composta por pessoas em sua maioria sub-40, deveria usar a Internet desde agora para explicar suas propostas e convencer os sócios. Há que crescer e logo. É um bom momento para mudanças. Afinal, nunca vi os colorados tão desanimados, sem vontade de ver o próprio time jogar. Um amigo me disse: “Quando vi que o Fernandão tinha voltado ao esquema com 3 volantes, resolvi fazer a vontade de minha mulher e ir ao cinema. Não queria ver tudo de novo: o time sem ataque, a mesma alteração no começo do segundo tempo, etc.”.

Há um único lado positivo, então. A vida amorosa dos colorados ganhou outra feição. Mas quando a mulher também é colorada a baixa libido da dupla deve levá-los à efetividade de um Nei.

Voltarei ao assunto, imagina se não.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

O velhinho Dourado

Autran Dourado

Este texto é de 2009. Ontem, pela manhã, Autran Dourado faleceu. Fica a homenagem meio atravessada.

Ontem, cansadíssimo, liguei a TV na Globo News e dei de cara com um velhinho trêmulo que falava com alguma dificuldade. Reconheci-o imediatamente. Era o mineiro Autran Dourado (1926). Fui seu fiel leitor durante os anos 80. Este homem produziu um grande livro — Uma Vida em Segredo — e outros bastante bons, como Os Sinos da Agonia, O Risco do Bordado, Ópera dos Mortos, etc. Peguei só o final do programa. Uma pena.

Não sei se Autran Dourado ainda escreve, espero que sim. Penso que ele seja um caso único em nossa literatura. Grande estilista, não conseguiu escrever sobre temas dignos de seu talento. Era um cantor sublime cantando músicas de qualidade discutível. Os grandes livros aos quais me refiro são prodígios de escritura, mas talvez só em Uma Vida em Segredo (1964) Autran tenha acertado em tudo. Por que esta dificuldade? Não sei, só posso especular. Assim como Balzac, Autran criou um mundo. Em sua cidade ficcional, fazia seus personagens irem de livro de livro, quem era protagonista de um era periférico em outro. Há muito engenho neste tipo de construção, porém as histórias nunca vão fundo. Muitas vezes por pudor, outras talvez por supervalorizar a importância de seu virtuosismo, Autran deixa de lado a psicologia dos personagens e a descrição da provinciana sociedade do interior mineiro. Teve temas maravilhosos nas mãos, mas atirou-os pela linha de fundo.

Mesmo assim, Autran tem sua obra prima. A história de sua personagem Biela, de Uma Vida em Segredo, é muito parecida com a da criada Felicidade, de Um Coração Simples, de Flaubert. Isto não tira em nada os méritos do livro. Sua escrita estupefaciente torna-se grandiosa ao narrar a vida absolutamente sem graça e sem aspirações da órfã que é herdeira de posses, mas que parece pedir licença para viver. Biela, a moça que desejava apenas a companhia de serviçais e que só sonhava em voltar à infância perdida, é um dos maiores personagens de nossa literatura. Creiam, esta é uma indicação quentíssima.

Esta crônica curta, quase um lembrete, é uma pequena homenagem a um estranho caso de nossa literatura. Estilista genial, mas de poucas boas idéias, Autran Dourado precisaria de um roteirista para transcender suas limitações. Uma outra curiosidade é a seguinte: eu nunca conversei com ninguém sobre Autran, pois nunca mantive contato com alguém que tivesse lido um de seus livros… É inacreditável.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Porque hoje é sábado e amanhã é o aniversário dela, Monica Bellucci

Como meus sete leitores sabem,

se Juliette Binoche é a Rainha do PHES, Monica Bellucci é sua padroeira.

E nossa padroeira completará, neste domingo (30)

a idade de 48 anos.

Acho que já contei esta história, mas não custa repetir:

quando lhe perguntaram o segredo de sua persistente beleza, ela respondeu:

— Uso photoshop diariamente.

A resposta demonstra uma coisa que todos nós deveríamos desenvolver:

a auto-ironia.

Que mundo triste aquele onde todos se levam a sério.

Já pensaram o que é esta mulher, sendo ainda por cima bem humorada e zombeteira?

Na boa, é melhor nem pensar.

E hoje nem era para ter sido publicado o PHES…

Foi uma semana terrivelmente cansativa, duramente trabalhada.

Mas cumpria homenagear a aniversariante. Afinal

sono innamorato di questa donna e

non posso far altro che dedicarle um PHES speciale.

.Acho que apenas Sophia Loren e o magnetismo de Monica Vitti são páreo para

La Bellucci na história do cinema italiano.

Não sei se assim também pensam meus sete leitores, mas é o que

tenho a dizer no dia de hoje. E vou dormir.

Boa noite.

Apêndice: Mais Bellucci aqui, aqui, aqui, aqui e aqui. Céus, é a terceira vez que conto essa história do photoshop, coisa do Alzheimer, sem dúvida. Mas há poucas fotos repetidas de MB.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

A migração dos cinemas de Porto Alegre (Parte 1 – Centro)

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

Anarene é a pequena cidade retratada pelo diretor Peter Bogdanovich no clássico A última sessão de cinema, de 1971. O filme é melancólico e utiliza de forma muito hábil a fragilidade do cinema frente a televisão naquela cidade onde tudo parece estar acabando, à exceção dos olhares vigilantes da vizinhança. No filme, o encerramento das atividades de um certo cinema Royal representa a tristeza e a situação da cidade decadente e de seus habitantes. Naquele tempo, era apenas a TV. Hoje, também temos a internet e a violência, porém, se formos realistas, só podemos reclamar do fim dos cinemas nas cidades pequenas. Enquanto elas ficaram quase sem salas e o governo cria  projetos como o Projeto Cinema da Cidade para incentivá-las a uma reação, o ano de 2011 bateu o recorde de vendas de ingressos. Nas grandes cidades, não houve o fim dos cinemas, mas uma migração deles cinemas em direção aos shoppings, Casas de Cultura, Sindicatos, etc.

O Sul21 não pretende fazer uma matéria triste ou apocalíptica, mas um pouco de nostalgia é inevitável, pois vamos mostrar como estão os locais onde antes havia cinemas. Vamos começar por 18 cinemas do Centro de Porto Alegre. Havia mais alguns ainda mais antigos, em clubes e até em circos. Vamos repassar os mais conhecidos.

As fotos antigas foram retiradas de diversos, sites, blogs e do Facebook, normalmente sem o autor da foto. Talvez haja direitos reservados e esperamos ser avisados se tal fato ocorrer. As fotos dos locais atuais são de Bernardo Jardim Ribeiro.

.oOo.

Victória, na esquina da Andrade Neves com a Borges de Medeiros, foi fundado em 1940 com o nome de Vera Cruz. Tornou-se Victória após uma reforma realizada em 1952. Em 1957, foi o primeiro cinema de Porto Alegre a receber “Ar Condicionado Perfeito”.

A foto abaixo é do final dos anos 50. Jovem, bonita e sonhadora, Sarita Montiel cantava para distrair seus fregueses. Até que um dia, sua voz encantadora chama a atenção de um jovem e rico aristocrata. Era La Violetera.

Abaixo, uma bela foto do início dos anos 60. Estava passando Psicose, de Alfred Hitchcock.

As calças boca de sino mostram que chegamos aos anos 70, vez de passar Tubarão (1975), de Steven Spielberg. Havia uma fila imensa e carros subindo a Borges desde o Mercado Público. O Victória gostava de artigos, tanto que chama o filme de O Tubarão.

Hoje, há a Casa das Lâmpadas na esquina.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

Alguns não sabem, mas o Victória ainda existe. Sua enorme sala foi dividida em duas. A entrada é logo ali, descendo um pouquinho a Borges.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

.oOo.

O Capitólio, na esquina da Borges de Medeiros com Demétrio Ribeiro,  foi inaugurado em 1928. No final dos anos 60, o prédio passou por uma reforma e mudou de nome para Premier. No início nos anos 80, sofreu outra remodelação e voltou a se chamar Capitólio. Com este nome encerrou as atividades em 1994.

O Capitólio em 1928.

Na virada do século, após o fechamento.

O prédio foi tombado pelo IPHAE em 2006, após solicitação do Instituto Estadual de Cinema. O objetivo é o de reunir ali grande parte do acervo audiovisual do Rio Grande do Sul. Porém, apesar do patrocínio da Petrobras, o projeto caminha lentamente. O Capitólio hoje.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

.oOo.

O Cacique é de 1957 e era localizado na Rua da Praia. O Scala foi construído em 1969 a partir do mezanino do Cacique. Ficava, portanto, no andar de cima.

Era imenso e tinha pinturas de inspiração indígena em suas paredes. Era o Cacique, claro.

Hoje não se vê quase nada dele.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

Fechado desde 1994 e sem as pinturas, parcialmente destruídas por um incêndio em 1996, o Cacique é hoje uma garagem. O restaurante Per Tutti ocupa o ex-Scala. Com alguma imaginação, estando lá dentro, pode-se “montar” o ex-cinema, com sua tela e cadeiras.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

Para se chegar ao restaurante, a escadaria do Scala ainda é utilizada.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

.oOo.

O Carlos Gomes da Rua Vigário José Inácio é de 1923. Por décadas, foi o local do cinema erótico em Porto Alegre.  Tinha sessões contínuas que iniciavam pela manhã e adentravam a noite.

Atualmente, abriga uma filial das Lojas Pompéia.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

.oOo.

O São João ficava na mesma Vigário José Inácio, fazendo esquina com a Salgado Filho. Nasceu luxuosamente em 1968 para morrer em 1994.

Hoje é uma agência do Banco do Brasil.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

.oOo.

O Rex foi inaugurado em 1936 e tem história muito mais longa. Nasceu na Rua da Praia, quase na esquina com a Rua da Ladeira, atual Gal. Câmara.

Então, em 1960, foi posto abaixo para dar lugar à Galeria Di Primio Beck, que está no local até hoje com seu Banco Itaú.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

Mas não morreu. Transferiu-se para a Sete de Setembro (clique na imagem abaixo para ampliar).

De onde foi retirado para dar lugar… a outra agência do Itaú. A página ao lado foi retirada do blog de Emílio Pacheco e mostra a Folha da Tarde anunciando a possibilidade de uma segunda reabertura em “qualquer ponto da cidade” ao mesmo tempo que ostenta, ao lado, um anúncio de Tubarão (sem o artigo), no Cine Victória. O jornalista recebera a informação de outra garagem ou galeria. Não contava com o Itaú. É uma bela e longa agência. O cinema pode ser pressentido em cada canto.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

.oOo.

O Imperial e o Guarani ficavam lado a lado na Andradas em frente a Praça da Alfândega e têm belas fotos. Nos anos 50.

Nos 60.

O Guarani é de 1913 e era muito bonito (prédio à esquerda na foto).

Sua arquitetura era utilizada para promover os filmes, como fez com o grandioso Os Dez Mandamentos..

O edifício do Guarani ainda está lá, belíssimo. O prédio foi vendido nos anos 1980 para o Banco Safra. A velha fachada está restaurada. A construção menor, ao lado, é a das Farmácia Carvalho.

Banco Safra – Divulgação

Em sua longa decadência, o Imperial (1931) programou filmes de gosto duvidoso.

Em 1987, o Guarani foi reaberto no mezanino do Imperial. O novo Guarani morreu em 2005, assim como o colega. Ambos aguardam de forma muito feia e paciente um Centro Cultural da Caixa Econômica Federal, em fase de segunda licitação. A primeira foi anulada em razão da lentidão das obras.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

.oOo.

O Lido da Borges de Medeiros, é o ex-Continente, de 1956. Assim como o Carlos Gomes, teve um final de vida pontuado pelo erotismo.

Hoje está em obras. Abriga várias pequenas lojas.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

.oOo.

Não conseguimos fotos do Marabá, enorme casa para 1800 lugares, mas de seu antecessor, o Palácio, de 1920.  O Marabá foi inaugurado em 1947 e nada tinha ver com o prédio do Palácio.

Local propenso à destruição, hoje ostenta um prédio moderno.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

.oOo.

Não sabemos quando nasceu o pornográfico Apolo da Av. Voluntários da Pátria, mas sabemos que fechou em 2009.

Dando lugar à loja Gallego.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

.oOo.

O Áurea fica na Av. Júlio de Castilhos e é um irmão sobrevivente do pequeno Apolo. Abaixo, em 2009.

E hoje.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

.oOo.

A Júlio de Castilhos também abriga o Atlas, que era bem simples em 2009. Como diferencial, a casa misturava filmes com sexo ao vivo.

Ainda mistura. E parece ter crescido com a fórmula.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

.oOo.

Os cinemas novos: a Sala Paulo Amorim dentro da Casa de Cultura Mario Quintana.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

A Sala Eduardo Hirtz, no mesmo local.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

E, ainda no mesmo prédio, mas de frente para a Rua da Praia, a Sala Norberto Lubisco.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

.oOo.

Há também o Cine Santander Cultural, dentro do Centro Cultural de mesmo nome.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

.oOo.

O charmoso CineBancários.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

.oOo.

Os dois cinemas do Shopping Rua da Praia, os Arcoíris 1 e 2.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

.oOo.

A briosa Sala P.F. Gastal, dentro da Usina do Gasômetro.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

.oOo.

E já quase fora do centro da cidade, a Sala Redenção do Campus Centro da UFRGS.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

.oOo.

Na próxima semana, pretendemos visitar os bairros. Utilizamos várias fontes, as principais estão listadas abaixo:

http://cinemasportoalegre.blogspot.com.br/
http://lealevalerosa.blogspot.com.br/2010/05/outros-angulos-de-porto-alegre.html
http://ronaldofotografia.blogspot.com.br/2011/02/cinema-imperial.html

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Irritados com as convocações de Mano? Rebelem-se, ora.

Grêmio, Fluminense, Santos, Atlético-MG, Vasco, Botafogo, São Paulo, Corinthians e Inter  perderão jogadores por duas rodadas do Brasileirão? Alguns deles estão irritados? O Santos gostaria de usar Neymar, que recebe mais de 1 milhão por mês? Mas que coisa… Há anos digo que a CBF deve respeitar as datas Fifa parando seus campeonatos e que a única forma de fazer isso é RETIRAR OS CAMPEONATOS REGIONAIS DO CALENDÁRIO DOS GRANDES CLUBES. A CBF é a única Confederação do mundo que promove e boicota seus campeonatos.

Bem, em 2013, com os amistosos e a Copa das Confederações, tudo vai piorar. Mas as excrescências continuarão, sem dúvida. São puro entulho autoritário não removido desde o Golpe, quando o Almirante Heleno Nunes era presidente da CBF e gostava de ver suas federações regionais satisfeitas. Fodam-se os clubes que não fazem nada.

É isso.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Ele se supera: Serra e as fotos de campanha, as fotos de campanha e Serra

Oi, gatão, vou te comer inteirinho! (Olhem a reação da tartaruguinha).
Tão chato ser gostoso...
Urgh! Glupt! Que nojeira esses eleitores. Por que a eleição envolve eleitores, caralho?

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

A Ospa precisa de mais do que um teatro

A sala de ensaios com o protetor de acrílico | Foto: Bernardo Ribeiro/Sul21

Publicado originalmente em 20 de maio de 2012 no Sul21

Eu venho de uma cidade que tem uma Orquestra Sinfônica.
Erico Verissimo

“O Governo tem os olhos voltados para a orquestra, a Secretaria da Cultura também tem os olhos voltados para a orquestra, mas a Fundação (FOSPA – Fundação Orquestra Sinfônica de Porto Alegre), entidade que detém a gestão da orquestra, só tem olhos para o governo. Desta forma, sem gestão, a orquestra fica abandonada”. Tal imagem foi criada pelo presidente da AFFOSPA (Associação dos Funcionários da Fundação Orquestra Sinfônica de Porto Alegre), Wilthon Matos — que mostrou vários e-mails com relatos de músicos da OSPA — , a partir de uma afirmação do pianista André Carrara, músico da orquestra e membro da diretoria da entidade. O trompista Israel Oliveira, também da diretoria, diz que a Fundação tem receio de reivindicar qualquer coisa e acaba por não representar os músicos frente ao governo e, pior, não consegue gerir a orquestra.

Vamos explicar as siglas e as funções de cada órgão. O governo e sua Secretaria da Cultura são conhecidos, a FOSPA é a Fundação que deve se responsabilizar pela gestão da orquestra, seja administrativa ou artisticamente, e a AFFOSPA é a associação dos músicos da orquestra. “Temos um problema gravíssimo de gestão, a Fundação ignora, não ouve os músicos”, completa o mineiro Carrara.

Na tarde da última quarta-feira, o Sul21 visitou a direção da Associação de Funcionários em sua sede, uma pequena sala no edifício da Gal. Malcon em Porto Alegre. A Associação relatou que a relação com a Fundação está cada vez mais “franca”, o que talvez seja uma figura de linguagem educada para a palavra correta: “tensa”. A Associação considera, por exemplo, que o governo do estado está dialogando e ouvindo as partes na discussão salarial e do quadro de funcionários da orquestra, porém, se é consenso que a é proposta atual de reajuste é boa, é porque a Fundação assim avaliou, sem ouvir a orquestra.

André Carrara e Wilthon Matos (à direita)

André Carrara diz que “nenhum governo, ou, pelo menos, este, faria uma alteração no conteúdo de um projeto de aumento sem dialogar ou comunicar ao autor do projeto. A Fundação teve conhecimento dos valores oferecidos e os aceitou sem pestanejar e sem nos consultar. Nosso problema, como disse, é de gestão, não é um problema com o governo estadual. O governo está sentado à mesa de negociações discutindo o quadro, onde nós tentaremos reorganizar a instituição e colocar o funcionários certos nos lugares certos através de concursos específicos. O governo tem investido no teatro e sido sensível às nossas necessidades.

Clique para ampliar

Toda a vez que sentamos com o Secretário da Cultura, fomos ouvidos. Então, quando os colegas dizem que nós temos que fazer uma manifestação, o local correto não é fazer isso na frente da Casa Civil, mas frente da sede da Fundação. O atual governo é o mais favorável, o mais solícito, próximo e efetivo de todos, tanto que o teatro vai sair. Nós temos um problema interno”. Por exemplo, este foi o único governo que nos entregou uma proposta por escrito (ao lado).

Nenhum dos três representantes da Associação dos Funcionários é gaúcho. Eles ficam animados quando falam nos motivos que os fizeram virem para Porto Alegre. Curiosamente, o motivo parece ter sido o naipe de cordas da Ospa. “Quando eu cheguei aqui em 2004, fui logo assistir a um Concerto da Ospa onde ela tocava a Sinfonia Clássica de Prokofiev. Fiquei encantado, principalmente com as cordas da orquestra. A afinação, a qualidade sonora do naipe de violinos era incrível e olha que eu vim de orquestras muito boas”, conta Wilthon. “E, mesmo com o tratamento recebido, o nível artístico dos concertos ainda é muito bom. Não sabemos até quando será”.

As condições de trabalho – a fase do Palácio Piratini

A Ospa perdeu muito nos últimos anos. Os dois últimos concursos para músicos da orquestra foram no governo Rigotto, sendo que “a coisa degringolou de vez no governo de Yeda Crusius”, conforme Carrara. “Durante aqueles quatro anos, perdemos o Teatro da OSPA na Av. Independência, a Escola e vários funcionários na área administrativa”.

Logo que o ex-Teatro Leopoldina foi perdido, a Ospa passou a ensaiar no Palácio Piratini. Ali, grande parte do sentido, do espírito de grupo da orquestra, foi perdido. “Ficamos sem local para conversar, praticar e até largar nossos pertences. Vinha um caminhão com o nosso material – , instrumentos, cadeiras, estantes – eles deixavam tudo lá, nós usávamos a Sala de Imprensa”, contígua ao Salão Negrinho do Pastoreio e depois tudo era carregado de novo no caminhão. Ficamos sem salas e armários. Imagina, um ensaio de orquestra é uma bagunça. Os naipes muitas vezes tocam separadamente, repetindo os temas, a gente atrapalhava o funcionamento do Palácio, é claro, mas estávamos fora de nosso ambiente. Tínhamos horários e não adiantava chegar mais cedo porque mais cedo o Palácio estava fechado…”.

O trompista Israel Oliveira

Israel Oliveira completa: “Eu toco trompa, ele toca tuba (Wilthon). Como podemos ensaiar em casa? Hoje, com a tecnologia, a gente consegue se ouvir usando fones sem fazer muito barulho, há aparelhos que permitem isso, mas a gente perde a noção de força, de tocar forte ou piano (fraco) e perde a noção do diálogo que temos que estabelecer com outros músicos. Isto é, é uma necessidade imperiosa termos um espaço nosso. Nós não podemos ensaiar sozinhos em casa. Temos músicos excelentes, mas houve um prejuízo total em termos de performance”.

A fase em que a OSPA ensaiava no Palácio Piratini possui acentuados traços de comédia. Os instrumentos e cadeiras da orquestra ficavam armazenados dentro de um caminhão, pois não tinha como deixar o material no Palácio. Era um caminhão de mudanças e os instrumentos eram carregados de um local para outro transportados por pessoal não especializado. Naquela época também vários músicos se demitiram por terem sido convidados por outras orquestras sem substituição.

O fechamento da Escola de Música da Ospa

Depois, foi a vez da Escola de Música da OSPA fechar. Com a saída de funcionários administrativos e com a extinção das funções gratificadas, a Escola teve de ser fechada. A escola atendia alunos carentes. Desta forma um benefício social à população foi abolido. Vários músicos da OSPA e inúmeros outros que hoje se dedicam à música popular, quando meninos, foram formados na Escola da Ospa ou análogas. Os músicos que incorporaram esta FG a seus salários permanecem recebendo mesmo sem escola. Hoje, a Escola da Ospa não funciona, mesmo tendo prédio e uma estrutura mínima. O governo atual ainda não deu uma posição a respeito da escola. O fato é que a Fundação fez o pedido através de ofícios e, como sabemos, a papelada que não faz barulho nem incomoda.

Foto: Bernardo Ribeiro/Sul21

A mudança para o cais do porto

Então, no início de 2010, a governadora Yeda Crusius anunciou que precisava fazer uma reforma no Palácio e que a Ospa não poderia permanecer lá. Então, foi dada a “solução” do cais do porto e a orquestra foi se alojar no armazém A3. A vida no porto não está sendo nada divertida, mas os primeiros dias foram ainda menos. As paredes eram de gesso acartonado e as placas de absorção acústica, poucas. O pessoal da Fundação tentava convencer os músicos de que a nova sede era o melhor dos mundos. Como não era, a orquestra voltou a ser um problema para a Fundação.

Durante os ensaios, o som produzido pelos metais é tão alto e reverbera de tal forma que o pessoal das cordas passou a usar protetores auriculares. Também são utilizadas placas de acrílico com a finalidade de separar os metais dos outros instrumentos. Wilthon Matos explica: “É que numa sala inadequada e baixa, o som não sobe, provocando um verdadeiro estrondo. Então, o pessoal das cordas se protege como pode. As placas de acrílico causam prejuízos artísticos, pois o pessoal dos metais não consegue ouvir como seu som se projeta. O cara que está tocando o trompete passa a semana inteira com aquele acrílico na frente. Na hora do concerto, o som se projeta de forma diferente, de que valeu o ensaio?”. “O instrumentista perde a referência para que o que é forte ou piano”, completa o trompista Israel. “A música é um diálogo”, diz Carrara. “Como é que um colega vai ouvir o outro se usa protetor auricular?”.

Foto: Bernardo Ribeiro/Sul21

Wilthon cita mais um item do rosário de problemas da orquestra. “Até nossas cadeiras estão quebrando. No concerto de domingo passado (no Colégio Militar de Porto Alegre), uma oboísta caiu. No concerto anterior foi a cadeira do spalla e do corne inglês. A Fundação, que deveria estar atenta a isto, só agora está tratando de nossas cadeiras”. Porém, apesar do local precaríssimo, em 2010, a governadora compareceu na inauguração da sala do A3… Segundo Matos, “todos os órgãos sofreram com os cortes do governo Yeda e encontraram soluções criativas, nós não. A Fundação não correu atrás de soluções”.

Revitalização do cais do porto

Não obstante, a lista de tragédias não para. Agora, com a revitalização do cais do porto, a OSPA será obrigada a se mudar novamente em agosto. Para onde? Ninguém sabe ainda onde será o novo puxadinho. Segundo a AFFOSPA, a indefinição foi novamente criadas pela inoperância e falta de previsão da Fundação que deveria gerir a orquestra. Ou seja, apesar da AFFOSPA dizer que o governo está na mesa discutindo, criando o quadro e agindo para garantir a Ospa por muito mais do que uma legislatura, há mais problemas logo à frente.

A Associação de Amigos foi extinta

Se a Fundação tem um diálogo insuficiente com os músicos, o mesmo acontece com o público da Ospa. Há algumas semanas um pequeno grupo de ouvintes e admiradores da orquestra, formado, em sua maioria, por descontentes com os repertórios dos concertos dos últimos anos, com o escasso e equivocado material dos programas e com os locais inusitados e nada confortáveis das recitais – há concertos de duas horas em bancos duros de igrejas de péssima acústica – começou a conversar através das redes sociais. Nestes contatos surgiu o tema da ausência de uma Associação de Amigos da Ospa. Ora, a imensa maioria das orquestras do mundo todo são apoiadas por Associações de Amigos, entidades sem fins lucrativos que visam dar apoio às orquestras. Seus associados pagam mensalmente um valor irrisório em troca de ingressos mais baratos, participação nas decisões no repertório e, muitas vezes, até adquirem instrumentos ou contratam músicos para se apresentarem em concertos.

A recriação da Associação de Amigos da Ospa já tem logotipo no Facebook

No Facebook, foi criado um grupo virtual chamado Associação dos Amigos da OSPA que, em menos de uma semana, contava com mais de 2000 seguidores. O grupo, criado em 23 de abril – não tem um mês de existência – , segue crescendo e ora conta com mais de 2500 seguidores. A primeira ação do grupo foi a de buscar informações sobre a antiga Associação de Amigos mas, após interpelar o diretor artístico, o e-mail da Assessoria de Comunicação que consta no site da OSPA, a página do Facebook da orquestra e vários músicos e ouvintes que participaram da antiga associação, nada obteve de informações.

Uma das criadoras do grupo, diz que ainda não se sabe se a antiga Associação de Amigos era formal ou informal. Há alguns relatos de antigos carnês de contribuição, mas nenhum material foi encontrado e nem se conhece os motivos pelo quais foi fechada. Dentro do grupo, há o consenso de que a OSPA merece uma Associação do gênero, mas a Fundação não reage ou responde.

Ou seja, não há relação entre o público da Ospa e a Fundação que gere a orquestra. As ações da Associação de Amigos vêm ao encontro da opinião dos músicos.

Futuro Teatro da Ospa, no Parque Maurício Sirotsky Sobrinho l Foto: Ospa / Divulgação

O futuro

“O que nós cobramos é que a Fundação esteja no compasso do governo. O governo quer a Ospa, quer apoiar a Ospa. O secretário Assis Brasil afirmou que colocaria o cargo à disposição se não resolvesse a questão salarial, de quadro e de teatro da Ospa. E o papel da Fundação seria o de viabilizar as coisas mais facilmente. A Fundação não consegue nem resolver os problemas imediatos da orquestra. Falta arregaçar as mangas e trabalhar.

A Fundação tem como presidente o médico Ivo Nesralla e seu diretor artístico é o maestro Tiago Flores. O maestro Flores não respondeu a nossas tentativas de contato, apesar de ter, à princípio, por e-mail, manifestado o desejo de conversar com o Sul21. Atualmente, Tiago Flores tem um péssimo relacionamento com a orquestra. Em contatos com vários músicos, podemos afirmar que não obtivemos manifestações de apoio à atuação de Flores, principalmente porque ele não considera a opinião da orquestra ao contratar maestros e ao definir repertório, desconsiderando a opinião da Comissão Artística. Aliás, no primeiro ano de funcionamento da Comissão Artística, houve uma súbita melhora na qualidade da programação o que infelizmente não subsistiu no segundo ano e alguns colegas deixaram a comissão. Carrara foi, inclusive, eleito como membro da Comissão, mas a abandonou pela disponibilidade restrita como vice-presidente da AFFOSPA e também por discordar de alguns pontos administrativos.

“O problema não é o Assis Brasil, é seu funcionário”. | oto: Ramiro Furquim/Sul21

“O problema não é o Assis Brasil, é seu funcionário. E nós, na última reunião, avisamos: ou o Tiago passa para o lado da orquestra ou a orquestra passará por cima dele. Afinal, é a nossa sobrevivência”, diz o presidente Wilthon.

Hoje, a orquestra tem três reivindicações principais: a construção do teatro, o quadro funcional da orquestra – principalmente na área administrativa porque, se não há nem cadeiras ou estantes adequadas, existe um problema administrativo com pessoas pouco qualificadas no exercício de determinadas funções –, e a questão salarial. “Desde 1995, nós estamos defasados em 76,5 % só em relação do IGP-M. Todas as orquestras públicas do resto do país enfrentam problemas, mas nossa defasagem salarial em relação a elas é de aproximadamente 70%. A orquestra não pede nenhum aumento, apenas a reposição do que foi perdido nestes 17 anos.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Ospa: Quando o clima é acertado

Johannes Brahms: uma camada de gelo que esconde um vulcão

Como ontem era a data de aniversário de minha filha, não julguei CORRETO ir ao Concerto da Ospa. Achei melhor jantar em casa, essas coisas. Mas coloquei uma missão para meu dileto amigo Ricardo Branco: já que ele iria ao concerto, que escrevesse algumas linhas a respeito. Costumamos ir juntos aos concertos que ocorrem na Reitoria da UFRGS. (Ignoro o motivo que leva o Branco e sua esposa Jussara a não irem aos concertos da Ospa em outros cantos da cidade que não a UFRGS). Talvez, após esta introdução, ele venha aqui nos explicar sobre o estranho fato. Pois é bom ir aos concertos com eles! O Branco é meu amigo a obscenos 36 anos e nosso gosto musical é bem parecido. Então, antes de passar a palavra ao Ricardo Branco, deixo para vocês o programa do concerto de ontem e despeço-me:

Programa:
Mikhail Glinka: Abertura da ópera “Ruslan e Ludmila”
Camille Saint-Saëns: Concerto para Piano e Orquestra nº 2, Op. 22
Johannes Brahms: Sinfonia n° 1

Regente: Roberto Tibiriçá
Solista: Ney Fialkow

Ser chamado de Pai de algum movimento musical, como normalmente é referido Glinka, pode significar nada mais do que ser um antecessor dos grandes. Com efeito, a abertura da ópera Ruslan e Ludmila, não passava de um aquecimento para recuperar-nos da algidez que pairava lá fora. Atingida a tepidez indispensável, pudemos sorver o belíssimo chocolate quente do Concerto para piano Nº 2 Op. 22 de Saint-Saens. Já no solo inicial, em estilo de uma fantasia, entendemos a que o pianista Ney Fialkow viera. O tema melancólico estava bastante adequado à noite. Um concerto leve que demandava um piano enérgico. Por fim, um movimento bastante rápido onde a orquestra e osolista ganham volume e terminam numa série de arpégios. Sinceramente, não sei por que os pianistas preferem o Concerto Nº 2 de Rachmaninof a este. Talvez o motivo esteja ligado ao fato de eu não ser pianista e sim um ouvinte.

Totalmente aquecidos, chegou a hora de brandy, ou vinho. No caso um Borgonha de alta classe. Brahms, primeira Sinfonia. Carpeaux comentou que havia um crítico americano que sugeriu adicionar “em caso de Brahms” nas placas de saídas dos teatros. Talvez por isso, este país gerou tão tardiamente compositores dignos de nota.

Sempre vi Brahms como uma camada de gelo escondendo um vulcão. Nada mais apropriado para a noite. No primeiro movimento há mais tensão que nos dois seguintes. O segundo é bastante lírico e o terceiro é o típico Brahms de ritmos e texturas complexas. Alguns já a chamaram de décima de Beethoven, será por que o più sostenuto no quarto movimento lembra o andante da nona? Não importa, é musica das maiores.

Assim se passou a noite, o gelo lá fora e a OSPA aprumada, agraciando-nos com lavas sonoras. Um ótimo retorno do Uruguai.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Bárbara, 18 anos, hoje

Pois então minha filha está completando 18 anos hoje. De forma muito carinhosa, guardo comigo a parte de sua biografia que ela não conhece e que se torna cada vez menor em proporção à parte que eu não conheço. Interessante, nunca tinha pensado nisso. Mas, enfim, a gente faz os filhos para o mundo.

Organizamos uma festa surpresa no último sábado. Tudo foi antecipado. Conseguimos evitar dar-lhe o presente antes da data, apesar de que ele só poderá ser fruído muito depois, no final de janeiro.

Nada sei dessas coisas de datas, mas suponho que o 25 de setembro seja um dia de gente muito apaixonada, tímida, realista e… cabeça-dura, posso afirmar com certeza. Basta dizer que ela tem como companheiros de natalício as figuras de Dmitri Shostakovitch e William Faulkner. Só acho que ela não é tão propensa à melancolia como os citados, apesar de, como eles, amar uma boa desconstrução.

Feliz aniversário, Babi. É o que deseja teu pai, hoje todo atrapalhado pelos compromissos.

Festa pra mim?

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Os 50 maiores livros (uma antologia pessoal): VI – A Vida e as Opiniões do Cavalheiro Tristram Shandy, de Laurence Sterne

Obs.: não encontrei a capa de edição nacional para colocar ao lado…

Beethoven gostava de temas curtos e afirmativos. O crítico Otto Maria Carpeaux também, até demais. Beethoven repetia seus temas à exaustão, mas não enchia o saco. Carpeaux não os repete, mas larga aqui e ali juízos curtos, afirmativos e terríveis que às vezes me deixam louco. A literatura não prescinde de justificativas mais, digamos, alongadas. Eu gosto de Beethoven e de Carpeaux, só que o austríaco tem uma capacidade de me irritar que o alemão só utilizou n`A Batalha de Wellington e na Pastoral. Pobre do grande LAURENCE STERNE: na História da Literatura Ocidental, o maravilhoso amansa-burro de 2300 páginas de Carpeaux, ganhou a curta e grossa má vontade do mestre:

Não é romancista, e não compreendemos como seus contemporâneos puderam dar o nome de romance a esse aglomerado de conversas, digressões e anedotas, sem ação novelística, que é o Tristram Shandy.

Que equívoco! Fico curioso sobre o que diz Carpeaux sobre outro livro notável, também quase exclusivamente um aglomerado de conversas e digressões filosóficas: O Homem Sem Qualidades, de Robert Musil. Consulto e ele demonstra coerência, fazendo questão de chamar a obra-prima inacabada de romance-ensaio. OK. Romance-ensaio é mais que um aglomerado de conversas e digressões, porém Carpeaux sempre ensina muito e conta com minha INDULGÊNCIA.

Mas creio que Carpeaux, se se alongasse um pouco mais, não ousaria falar mal da espetacular prosa de Sterne. Seu principal romance (ou não), A Vida e as Opiniões do Cavalheiro Tristram Shandy, é uma de minhas melhores lembranças literárias. Este livro extravagante, publicado em capítulos entre os anos de 1759-67, tem importantes admiradores. James Joyce, Luigi Pirandello, Samuel Beckett e MACHADO DE ASSIS, que o cita com conhecimento, foram alguns dos escritores que se declararam influenciados pelo irlandês Sterne, um pároco muito bem sucedido e amante de intermináveis digressões pontuadas de anedotas escabrosas e alusões cínicas. Agrada-me intensamente a forma como Sterne decepciona seus leitores ao não dar seguimento às ações que esboça, coisa que Roberto Bolaño se esmera em realizar (ou não).

A cena inicial nos conta sobre o nascimento de Tristram. Seu pai costumava fazer duas coisas no primeiro domingo do mês. A primeira era dar corda no relógio da sala; a segunda era cumprir seus deveres conjugais. Porém, num destes domingos, sua mãe, JÁ PENETRADA mas sem o menor interesse, pergunta repentinamente (a pontuação, sempre originalíssima, é puro Sterne):

– Por favor, meu caro, não te esqueceste de dar corda ao relógio? ————-Por D—–! gritou meu pai, lançando uma exclamação, mas cuidando ao mesmo tempo de moderar a voz. ——–Houve jamais mulher, desde a criação do mundo, que interrompesse um homem com pergunta assim tão tola?

Com a interrupção, o velho Shandy, desconcertado, descuidou-se de fazer outra coisa: o coitus interruptus. E é desta forma que nasce o HOMÚNCULO ou, para nós, o feto daquele que seria o protagonista da “ação”. A piada fez enorme sucesso e por anos não apenas as prostitutas da Inglaterra perguntaram a seus candidatos QUERES DAR CORDA EM MEU RELÓGIO?, como as senhoras de respeito deixaram de comprar relógios para suas casas com receio dos comentários que tal ato poderia provocar… Que os comprassem os maridos!

É também notável o momento em que Shandy desiste de narrar sua própria vida – o livro é escrito na primeira pessoa. Isto acontece lá pela página 80 de um livro de 600 páginas. Ele observa que gastou alguns meses escrevendo a respeito das primeiras horas de sua vida. Constata assim que demora muito mais para escrever do que para viver e que os acontecimentos narrados estão afastando-se mais rapidamente do que a narrativa avança… Impossível alcançar. Conclui que o melhor é parar de perseguir a si mesmo e conversar com os leitores. A vida de Tristram segue seu curso e Sterne, bem, Sterne sabe e declara-se consciente de que a literatura existe primeiro para SATISFAZER O AUTOR… Danem-se os leitores.

Tudo é desrespeito neste romance moderno com raízes no Quixote. Riso e melancolia brincam sob a batuta de Sterne. Como se não bastasse ser um excêntrico romance sobre quem escreve um romance, Tristram Shandy apresenta uma série de artifícios antes nunca vistos: uma página inteiramente pintada de preto, tentativas de desenhar graficamente a evolução do romance, alguns capítulos em branco (em que nada é escrito) e uma página também em branco, limpinha, para que o leitor desenhe sua amada.

Acima, Sterne nos brinda com o esquema gráfico da história do tio Toby…

Hoje, poucos lêem o descontrolado e desprogramado Tristram Shandy, mas os estragos causados por ele fez foram grandes: Joyce adorava seus jogos de palavras e trocadilhos ab-so-lu-ta-men-te malucos, Beckett — “Nada tenho a dizer, mas somente eu sei como fazê-lo” — deliciava-se com o fato de Sterne ter, por assim dizer, inviabilizado seu próprio romance e Machado de Assis aprendeu com ele a dialogar frequentemente com o leitor e a brincar com aqueles pequenos capítulos em que nada, mas nada mesmo, acontece. Aliás, há cenas de Memórias Póstumas de Brás Cubas que demonstram toda a admiração de Machado por Tristram.

Li este livro em 1985, na brilhante tradução de José Paulo Paes em edição da Nova Fronteira, depois reeditada pala Cia. das Letras e despeço-me com mais um trecho do Tristram Shandy. A pontuação é a do autor, claro:

O que é a vida de um homem! Pois não é um rolar daqui para lá?——–De infortúnio em infortúnio?—— Abotoar uma ca(u)sa de aflição!—–e desabotoar outra?

(…)

—Entrementes, tenho umas poucas coisas a fazer—uma coisa a nomear—uma coisa a lamentar—uma coisa a esperar, uma coisa a prometer, e uma coisa a ameaçar.—Tenho uma coisa a imaginar—uma coisa a declarar—uma coisa a esconder, e uma coisa por que rezar. ——A este capítulo chamarei, portanto, o capítulo das COISAS——e o capítulo a ele subsequente, isto é, o primeiro do volume seguinte, se eu viver o bastante, será o capítulo das SUÍÇAS, a fim de manter algum tipo de nexo entre as minhas obras.

A coisa que lamento é terem as coisas se apinhado de tal modo sobre mim que não consegui chegar àquela parte de minha obra a que visei durante todo o caminho com tamanha ansiedade, qual seja a parte das campanhas, e mais especialmente a dos amores do tio Toby; os acontecimentos e eles respeitantes são de natureza tão singular e de cunho tão cervantino que se eu conseguir transmitir a outro cérebro as impressões que as ocorrências suscitam por si sós em meu próprio cérebro—garanto que o livro abrirá caminho no mundo muito melhor do que nele abriu seu autor.—Oh Tristram! Tristram! poderá jamais acontecer, uma vez que seja—que o prestígio de que venhas a desfrutar como autor compense os muitos infortúnios que te afligiram como homem?—Festejarás o primeiro—quando tiveres perdido toda a sensação e lembrança dos outros!—

Não estranha eu estar tão inquieto por chegar a estes amores.—Eles são o acepipe mais refinado de toda a minha história! E quando eu chegar enfim a eles—asseguro-vos, boa gente,—(não me importam os estômagos delicados aos quais possa desgostar) que não serei nada cuidadoso na escolha das minha palavras;—a coisa que tenho a DECLARAR——–é que receio não poder chegar-lhes ao fim em apenas cinco minutos—e a coisa que ESPERO é que vossas referendas senhorias não se ofendam—se vos ofenderdes, podeis contar, minha boa gentry, que no próximo ano eu vos darei algo com que de fato vos ofenderdes—assim o faz minha querida Jenny—mas quem seja a minha Jenny—e qual a extremidade certa e a extremidade errada de uma mulher, essa é a coisa a ser ESCONDIDA—ser-vos-á contada dois capítulos após meu capítulo acerca das casas de botão—e em nenhum outro capítulo anterior.

E agora que chegastes ao fim destes quatro volumes—a coisa que tenho a PERGUNTAR é, como estão vossas cabeças? A minha dói horrivelmente—quanto às vossas saúdes, sei que estão bem melhores…

Estão mesmo, Laurence, ao menos a minha está.

 A descrição da morte de Yorick: uma página preta, de luto.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Você pode até não gostar de Lula, mas que foto!

Não, não sei quando foi tirada | Foto: Ricardo Stuckert. Clique para ampliar.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Devemos um fígado a Roberto Bolaño

Na foto, a homenagem de Nicanor Parra a Roberto Bolaño | Imagem do blog jorgeletralia.com

Publicado em 12 de maio no Sul21

Em 2003, um escritor chileno chamado Roberto Bolaño morreu aos 50 anos, em Barcelona. O surpreendente é que os vários jornais latino-americanos escreviam obituários lamentando o desaparecimento de um dos cinco principais autores contemporâneos da América Latina. Os outros eram García Márquez, Vargas Llosa, Jorge Luis Borges e Julio Cortázar. Roberto Bolaño? Quem é ou era?

Alguns o veem como um membro do citado quinteto, outros como um autor nada transcendente. Porém, ignorando quaisquer avaliações, acentua-se o culto mundial a Roberto Bolaño, iniciado na América espanhola.  À princípio ícone chileno, mexicano e espanhol, o chileno tem multiplicado seus leitores de forma permanente e os que o leem parecem tomados pelo vírus de tal forma que passam logo ao estado de fãs e seguidores. No Brasil, a Companhia das Letras tem sido competente ao lançar lentamente a integralidade de sua obra, que também está invadindo a Europa e os Estados Unidos. A edição norte-americana de Noturno do Chile traz a frase de uma crítica de Susan Sontag, afirmando que o livro era o que havia de melhor e de mais precioso. Hoje, busca-se mais contos, romances e poemas do autor cujas cinzas foram jogadas por sua mulher e filhas no Mediterrâneo em 2003.

Uma imagem de Roberto Bolaño em uma rua de Buenos Aires

Sua morte prematura — enquanto esperava, em Barcelona, um fígado para transplante — foi o último ato da formação de um mito para o qual Bolaño contribuiu de forma direta. Morreu em 14 de julho de 2003 no hospital Valle de Hebrón. Passou 10 dias em coma por complicações hepáticas enquanto esperava em vão. Deixou textos para publicação póstuma e outros inconclusos. Estava preocupado com o futuro de sua mulher e das filhas. Entre os papéis deixados havia os cinco grandes textos que deveriam – e formaram — o painel 2666, romance que gira em torno de um escritor desaparecido (Benno von Archimboldi) e onde há um enorme acúmulo de cenas que descrevem o horror dos feminicídios em Ciudad Juárez, onde as mulheres parecem ser caça.

Bolaño era chileno, mas se reconhecia como “autor latino-americano”. É compreensível: teve vida breve, nasceu em 1953, viveu largas temporadas no México e na Espanha — o golpe de Pinochet, por exemplo, aconteceu quando morava com sua família no México — e sua morte ocorreu em Barcelona. Enrique Villa-Matas diz que a morte de Bolaño fechou uma vida destinada a tornar-se uma lenda. Talvez ele esteja correto e mesmo se o fim do autor fosse menos trágico, ele seria comentado. Afinal, Bolaño tinha talento, coragem, idealismo e alguma loucura, características raras na era do politicamente correto.

O primeiro livro de Bolaño no Brasil foi o "revanchista" Noturno do Chile

Uma vida cosmopolita e despojada

Roberto Bolaño nasceu em Santiago do Chile em 1953. Com 13 anos, mudou-se com sua família para a Cidade do México. Ali, praticamente morava dentro da Biblioteca Pública. Permanecia tanto tempo lendo que não conseguiu terminar o ensino médio nem muito menos entrar para a universidade. Curiosamente, hoje existe a cátedra Roberto Bolaño na Universidade Diego Portales de Santiago… Em 1973, Salvador Allende foi assassinado e Roberto retornou ao Chile de carona, com a intenção de unir-se à resistência contra a ditadura que se instalava. Foi preso. Salvou-se graças a um amigo, um militar que fora seu colega de colégio. Foi libertado. Anos depois, diria que não falava sobre política pois “os que detém o poder, ainda que por pouco tempo, desaprendem tudo sobre literatura”. Porém, a literatura ocupa-se do político e Bolaño viria a escrever o brilhante, vingativo e inteiramente político Noturno do Chile.

Em seu regresso ao México, juntamente com o poeta Mario Santiago Papasquiaro –- a inspiração para a criação do personagem de Ulises Lima, o amigo de Arturo Belano do romance Os Detetives Selvagens — fundou o movimento poético infra-realista, que se opôs dissonante e ferozmente aos principais pilares da literatura mexicana, representada especialmente por Octavio Paz.

“Poderíamos dizer que o infra-realismo o moldou como escritor e romancista, mas também o México teve importância nesta transformação. Ela amava o México noturno, o México das ruas e dos cafés, a fala cotidiana com seu humor desencantado. Não é casual que seus dois maiores romances – Os Detetives Selvagens e 2666, sejam centrados no México”, escreveu o escritor Juan Villoro.

Anos depois emigrou para a Espanha, onde já vivia sua mãe. Colheu uvas em alguns verões, trabalhou como vigilante noturno em Castelldefels, foi balconista de armazém, lavador de pratos, faxineiro de hotel, estivador, lixeiro e recepcionista até tornar-se escritor em tempo integral.

E então, após sua morte, os livros de Bolaño começaram a vender cada vez mais. Não houve uma campanha. A propaganda veio através dos leitores que indicavam o escritor um para o outro. Autor morto há menos de dez anos, ele pode ser encontrado facilmente na internet. Há muitos blogs dedicados ou inspirados por ele. Curiosamente, Os Detetives Selvagens e Estrela Distante são seus livros mais citados e as conversas são de fãs, girando menos sobre as qualidades literárias de Bolaño e mais a respeito de suas  obsessões, sobre as histórias inconclusas de busca por personagens, amores e cidades perdidos.

O colecionador de inimigos: Paulo Coelho e Nélida Piñon foram atingidos

Os inimigos

Antes de comentar suas características como escritor, fiquemos mais alguns momentos em suas peculiaridades. Bolaño se comprazia como poucos em fustigar seus inimigos literários. Ele os depreciava de frente, não obedecendo aos habituais salamaleques. Sobre Isabel Allende disparou: “Digo calmamente que Allende é má escritora. Aliás, para qualificá-la como tal, uso de certa indulgência, pois nem isso ela é”. Isabel respondeu: “Dei uma olhada em dois de seus livros e eles me entediaram profundamente”. Até aí, tudo normal. A novidade é que, quando Bolaño morreu, Allende seguiu firme: “Não o lamento. É uma pessoa que nunca disse nada de bom a respeito de alguém. O fato de estar morto não o faz melhor. Era um senhor bem desagradável”. Isabel Allende foi bastante exagerada ao escrever que seu conterrâneo nunca dissera nada de bom sobre alguém. Bolaño cobriu muita gente com os maiores elogios. Porém…

“Skármeta é um personagem televisivo. Sou incapaz de ler qualquer um de seus livros. Sua prosa me vira o estômago”, torpedeou Bolaño. Ele teve causou maiores problemas a Diamela Eltit. Ela publicara a novela Vaca Sagrada e o convidou para um jantar em sua casa. Só que, depois, ele publicou uma impiedosa crítica ao livro de sua anfitriã e aproveitou para fazer referências ao jantar e à péssima gastronomia oferecida, dando detalhes. “Este é um tema sobre que prefiro não tocar. O que se passou foi algo absurdo e hipertrofiado. Bolaño morreu e eu prefiro não dizer nada a respeito”.

Bolaño também desferiu tiros que alcançaram o Brasil, atingindo Nélida Piñon e Paulo Coelho…

Hace poco, Nélida Piñon, celebrada novelista brasileña y serial killer de lectores, dijo que Paulo Coelho, una especie de Barbusse e Anatole France en versión telenovela de brujos cariocas, debía ingresar en la Academia brasileña, puesto que había llevado el idioma brasileño a todos los rincones del mundo. Como si el “idioma brasileño” fuera una ciencia infusa, capaz de soportar (sobreviver a) cualquier traducción, o como si los sufridos lectores del metro de Tokio supieran portugués. Además, ¿qué es eso de “idioma brasileño”? Idea tan desmesurada como si habláramos del idioma canadiense o australiano o boliviano.

Na fila dos transplantes sem que um doador aparecesse (ou desaparecesse)

A lenda

Javier Cercas, autor de Soldados de Salamina, romance onde Bolaño é personagem, sustenta que há dois tipos de lendas em torno de Bolaño. Umas que foram construída pelos leitores e fãs e outras criadas pelo próprio autor, voluntária e involuntariamente. Diz Cercas que ambas não se ajustam à realidade, mas os fatos de sua biografia servem a uma construção mítica em torno do autor: “Ele morreu jovem; morreu no melhor momento de sua carreira; morreu porque permaneceu na fila dos transplantes sem que um doador aparecesse (ou desaparecesse); morreu e foi recebido de braços abertos pela tendência que os meios literários possuem de falar bem dos mortos (com fartas cotas de hipocrisia — exceto Allende, claro). A história da literatura está cheia de exemplos de canonização após uma morte prematura. Mas o que é assombroso é que o mesmo homem que escreveu A Pista de Gelo, escreveria 3 anos depois Estrela Distante e seis anos depois Os Detetives Selvagens. É estupefaciente que, entre 1996 e 2003, ano de sua morte, ele tenha evoluído e escrito tanto”.

Muitos críticos perguntam como a obra de Bolaño sobreviverá a isto. Logo após sua morte, a única pergunta que cabia era se ele era genial ou apenas extraordinário. E citam sua última entrevista. A Playboy mexicana perguntou: “O que você diz daqueles que pensam que Os Detetives Selvagens é o melhor romance mexicano de todos os tempos?”. Ele respondeu: “Dizem isto de pena. Me vêem decaído e doente, desmaiando em praça pública e não lhes ocorre nada melhor do que uma mentira piedosa, que é o mais indicado nesses casos. Não é pecado fazer isso”. Tudo parece confluir para torná-lo uma lenda.

Os vídeos de Bolaño e de quem o conheceu no YouTube mostram uma pessoa cercada de amigos. Todos têm histórias para contar, inclusive o próprio Bolaño que chega a dar detalhes de como roubava livros na juventude em um programa de TV. Jorge Herralde, editor da obra de Bolaño, também foi um grande amigo. E hoje é quem garante a subsistência de sua mulher e filhos, cuidando para que os direitos autorais cheguem a eles. Cumpre o que prometeu ao escritor antes de sua morte. Na abertura de 2666, há a seguinte nota:

Nota dos herdeiros do autor

Diante da possibilidade da uma morte próxima, Roberto deixou instruções para que seu romance 2666 fosse publicado em cinco livros correspondentes às cinco partes do romance, especificando a ordem e a periodicidade das publicações (uma por ano) e até mesmo o preço para negociar com o editor. Com esta decisão, enviada dias antes de sua morte pelo próprio Roberto a Jorge Herralde, pensava deixar resolvido o futuro econômico de seus filhos.

Após sua morte e depois da leitura e estudo da obra e do material de trabalho deixado por Roberto, Ignacio Echevarría (o amigo que indicou como seu conselheiro literário) surgiu com outra consideração de ordem menos prática: o respeito ao valor literário da obra, que faz com que, em conjunto com Jorge Herralde, alteremos a decisão de Roberto e que 2666 seja publicado primeiro em um só volume, como o autor teria feito se não tivesse sido cumprida a pior das possibilidades que oferecia seu processo de doença.

Um escritor que criava histórias dentro de histórias

Os livros

“Um oásis de horror em meio a um deserto de tédio” (Charles Baudelaire), esta é a epígrafe de 2666. Porém, o tal “oásis de horror” é fácil de ler (segundo alguns críticos, é fácil por ser superficial). Porém, o que aparece com clareza é que Bolaño é um tremendo narrador. Sua prosa é fluida e bem humorada até quando descreve o bizarro, a desgraça e o patético. Só que esta opção pela clareza parece ser um artifício para nos colocar problemas abismais e demonstrar uma realidade dividida e ramificada. As histórias de Bolaño são hipnotizantes e muitíssimas vezes inconclusas. Vão nascendo umas dentro das outras de tal forma que acabamos por esquecer o que está sendo contato; é um detalhe hipertrofiado de uma outra narrativa. Seu tradutor no Brasil, Eduardo Brandão, afirma: “De certa maneira, ele reproduz muitas vezes o que acontece na vida da gente. Você cruza com uma pessoa, conversa, conhece, de repente você nunca mais a vê, e talvez ela apareça lá na frente novamente em outras circunstâncias. Desse ponto de vista, o procedimento narrativo do personagem que vai, some e nunca mais volta a aparecer, é bem calcado na nossa realidade”.

Os Detetives Selvagens, por exemplo, tem 3 partes. A primeira, de mais ou menos cem páginas, uma longa segunda parte de 500 páginas e uma terceira, um epílogo curto. A longa segunda parte é formada por textos escritos na primeira pessoa do singular. São mais de 50 narradores que se alternam para contar a história dos personagens e outros fatos que aparentemente não têm nada a ver com a narrativa principal. São narradores extremamente envolventes, apesar de quase sempre finalizarem suas histórias de forma abrupta, como quem suprime as últimas páginas. Quando um novo narrador toma a palavra, normalmente sobre outro assunto envolvente, já sabemos que Bolaño nos deixará em meio à narrativa. É claro que nos acostumamos e acabamos por achar divertido o autor que nos tira o pão da boca. Só que o efeito geral é devastador. Quando você se afasta do livro, acaba descobrindo que as narrativas complementares estão se afastando do plot, ao invés de formar um todo tranquilizador. O romance é minuciosamente descontrolado por um homem de visão nada indulgente para com toda aquela turba. O resultado de toda a alegria de viver demonstrada é o desencanto e é mais, é o horror do vazio. Tal procedimento é repetido em 2666.

Alguns críticos dizem que o mundo de Bolaño não é falsamente simples, é autenticamente simples

Tudo é parcial e tem múltiplas significações no mundo falsamente simples de Roberto Bolaño. Para referenciar o vazio, Bolaño recorre à hipérbole, ou seja, a intensificar a vida de forma inconcebível, de forma a negá-la. Explicando melhor, Bolaño escreve infinitamente suas belas histórias sem origem nem fim, preenchendo infinitamente todos os espaços ficcionais com sua prosa agradável e de inícios e finais abruptos, conseguindo, com isso, negar seu preenchimento, mostrando o inconsolável vazio de seus inteligentes e simpáticos personagens. De que outra forma apreenderíamos o vazio senão valendo-se da hipérbole? Mais: Bolaño utiliza-se brilhantemente de repetições, só que elas são normalmente imprecisas, diferentes, perturbadoras.

Uma das histórias: quando a Universidade Autônoma do México foi invadida pelo exército em setembro de 1968, Auxilio Lacouture decidiu permanecer escondida no banheiro, onde já estava, resguardando o último reduto de autonomia universitária. Ela lê um volume de poesias, às vezes observa e ouve os militares que cuidam para que ninguém entre na Universidade. Permanece ali por vários dias em plena resistência e com “uma certeza meio vaga” de que ia morrer. Não morreu, tornando-se uma heroína aos olhos de alguns amigos, enquanto outros duvidavam da história. A narrativa é linda, mais do que envolvente, está em Os Detetives Selvagens, tem final abrupto e talvez ninguém saiba porque ela está ali.

Não obstante a desilusão e tristeza que se desprende de seus livros, Bolaño torna-se cada vez mais popular. Talvez isto deva-se a uma forma de vanguardismo que se preocupa em não ser um serial killer de leitores e porque ele era humano o suficiente para agradecer o recebimento prêmio Rómulo Gallejos dizendo que escrever era…

Correr por el borde del precipicio: a un lado al abismo sin fondo y al otro lado las caras que uno quiere, y los libros, y los amigos, y la comida.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Porque hoje é sábado (?), Sarah Shahi

A belíssima moça abaixo é atriz e tem o nome artístico de Sarah Shahi.

Porém, seu nome verdadeiro é Aahoo Jahansouz Shahi.

Ela nasceu em 1980 no Texas, mas é filha de um iraniano e de uma espanhola.

Lembrei dela porque uns amigos acharam que esta quarta-feira tinha cara de sexta e que

amanhã teria cara de sábado. Tudo porque amanhã é feriado estadual no RS.

Mas lembrei especificamente do nome Shahi porque esta quarta-feira foi um mau dia para

os religiosos. Primeiro, um candidato imbecil meteu os pés pelas mãos em discurso de

espetacular imbecilidade, mesmo vindo de um fundamentalista norte-americano. Depois,

os fundamentalistas árabes iniciaram uma reação a uma publicação que os atacaria.

(Ah, e também houve isto). Céus, como anda dura a vida nas trevas!

Imaginem o crime de ver — de não ver — Sarah Shahi coberta por uma burca!

Imaginem os tesouros e a concupiscência guardadas sob panos fundamentalistas!

Será que sob eles há lingeries sensuais? Acho que não.

Ou será que elas sabem despir-se para seus maridos, orgulho e raça do Islã?

Não sei responder, só sei dizer que penso que os casamentos

alicerçados em uniões poligâmicas, parecem-me os mais

justos, dignos, corretos e naturais para nós, homens.

Ei, Sarah, volta aqui!

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Noite paradoxal: Mi Querida e Poemúsica

Isabel Schipani e seu bom chá de Tchékhov

Às 18h, fomos lá para a Casa de Cultura Mario Quintana, mais exatamente para o Teatro Carlos Carvalho. Uma peça simples, um palco com uma mesa de chá e uma cadeira de balanço para um monólogo de 45 minutos da atriz uruguaia Isabel Schipani. Mi Querida é baseado no conto de Tchékhov conhecido entre nós como Queridinha ou O Coração de Olenka. É uma personagem que mimetiza seus amores, adotando suas opiniões e defendendo suas atividades, justificando-os. Dentro de uma espécie de conto circular sobre a perplexidade feminina de quem era chamada sempre de Minha Querida! e que nunca deixa de transitar entre a desolação e a felicidade, a personagem principal trata também a plateia com amor. Enquanto desfiava o belíssimo texto  de Griselda Gambarro / Anton Tchékhov, Olga servia chá e doces para a plateia. Eu, sentado na primeira fila, tomei chá — excelente — e comi uma bolachinha — idem — servidos por Olga. O texto passado ao teatro não deixa o original russo escapar. Toda a notável sofisticação e falsa despretensão de um conto que comenta com lirismo a condição feminina permanece intacta. Pena que pouca gente estava lá, cometendo uma enorme injustiça para com a arte. Ah, a peça ainda estará em cartaz hoje (19) e amanhã (20) às 18h. É mancada das grandes perder.

Poemúsica: exibição constrangedora de anacronismo sessentista

Meio apavorados com a chuva, aguardamos pelo Poemúsica, espetáculo inclassificável que reunia a poesia de Augusto de Campos para ser ouvista, seu filho músico e compositor Cid Campos e Adriana Calcanhotto. A coisa inicia com uma palestra de Augusto sobre poesia concreta nos anos 50 e 60. Nossa estupefação vem do fato de aquilo ter sido o melhor da noite. Logo depois, Cid Campos canta, acompanhando com pertinência o tempo medonho lá fora. Cantor pior é difícil. Calcanhotto entra no palco lá pela metade e comporta-se de forma reverente a Augusto de Campos, cantando pouco, permitindo até que Cid voltasse a soltar sua voz mesmo com ela no palco.

Meus sete leitores sabem o quanto gosto da vanguarda. Estou sempre disposto a rir de quem não ama Joyce, Carroll e Melville, só para citar três gênios utilizados por Campos. Mas o espetáculo de Campos foi 90 minutos de terror. Vendo Augusto de Campos atolado com os dois pés na vanguarda dos anos 60, notamos como esta envelheceu muito mais do que o poeta, ainda firme e em boa forma aos 81 anos. Fazendo referências a autores canônicos como Joyce, Carroll, Melville e Dickinson, mas deixando de lado toda a transcendência dos mesmos, reduzindo-os ao quase nada da descrição que Campos faz, por exemplo, de Moby Dick, a coisa toda é irritante. Sobre retalhos radicalmente desligados das obras originais, Cid compõe melodias prosaicas, de uma simplicidade que seria comovente se estivéssemos num sarau de uma velha viúva aposentada, esquecida mais ainda apaixonada pela grande literatura. Já Adriana deve gostar de poesia concreta e de modo algum a critico por isso. Também gosto. Só que sua presença acessória, cantando e imitando sons de baleia num cello — referência ao cachalote de Melville — fez-me lembrar de Cathy Berberian cantando Ticket to Ride e no valor do violoncelo, que — tão novo e bonito — estaria melhor na mão de um estudante do instrumento. Ora, já que havia tantos vídeos e sons gravados em Poemúsica, por que não foram mostrados sons reais de baleias? Tenho um amigo que tem um CD com mais de uma hora de baleias cantantes, posso repassar!

Abaixo, a Cathy Berberian a qual me refiro. Vejam com atenção a partir de 1min10.

Com disse no título, foi uma noite paradoxal. Na primeira parte, Tchékhov é homenageado de forma compreensiva (no sentido de compreensão). Na segunda, as homenagens são em forma de grife. Os Campos pai e filho pegam algumas grifes para si e Calcanhotto trata de por no seu currículo uma colaboração com o velho. Uma dica? Vão no Tchékhov, como já disse.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

O desespero de Fernandão pode ser muito útil

Fernandão tenta ver alguma luz no fim do túnel

Ontem, estava almoçando no Sabor Natural, na Siqueira Campos, e me encontrei com meus velhos amigos Leônidas Abbio e Paulo Almeida. O Leônidas me lembrou de uma coisa que eu tinha dito a respeito do Inter e que tinha simplesmente esquecido. Logo após a contratação de Forlán, eu disse que o Inter estava se realmadrilizando. Referia-me ao Real Madrid que, antes de Mourinho, acumulava estrelas e não ganhava título nenhum. Não que seja ruim ter estrelas no time. É que estas, no Inter, sistematicamente são cooptadas a um grupo de semi-aposentados “grandes jogadores” que estão lá há anos e adotam seu estilo. Rapidamente, o jogador caro agrega-se ao grupo de Bolívar e Kléber, o dos jogadores “ricos com biografia”. Este grupo pensa que sua titularidade se dá por decreto e, quando ficam de fora, escolhem se querem ou não sofrer a humilhação do banco. Bolívar, por exemplo, não gosta de assistir o jogo do banco — ou joga ou fica em casa. Nei, Damião e Dagoberto, apesar de mais jovens, também participam do grupo dos velhos, talvez em função de seus altos salários. Índio idem, porém mata-se pelo time em campo e é adequado retirar dele a acusação da tal…

Fernandão chama a isso de “zona de conforto”. Tem razão. Mas não creio ser atribuição sua denunciar o problema. Aliás, ele parece ser o único angustiado. Luigi e seus companheiros de diretoria não estariam também numa zona de conforto? Pois é, o Inter é um clube estranho: tem uma folha de pagamentos que chega aos 9 milhões mensais e uma administração de futebol amadora. Também tem também um incrível respeito pelos jogadores campeões do passado. Eu já sou da opinião de Rubens Minelli, o qual repetia e repetia que futebol era momento e não tinha medo de deixar Batista, Caçapava ou Marinho Perez muitas vezes no banco. Não lembro de Manga, Figueroa, Falcão, Carpeggiani, Valdomiro ou Lula afrouxando o ritmo. Alfred Hitchcock também dizia que seus atores podiam ser substituídos por outros — disse uma vez a um deles que “atores são gado”. Ou seja, eles que obedecessem se quisessem seguir trabalhando com ele.

Mas o Inter tem medo do grupo de Bolívar, que já teve no passado co-líderes como Tinga, Clemer e… o próprio Fernandão. O tratamento com as vedetes é complicado, mas elas têm que ser dobradas. No Inter, há três grupos: o dos jovens, o dos estrangeiros e o dos velhos. A administração do futebol não consegue uni-los para dissolver a liderança dos velhos que moram no tal conforto. Fazendo corpo mole, eles já obtiveram demitir vários técnicos, mas nenhum veio se lamuriar em público, dizendo que nunca sabia se haveria esforço da parte do time e que rezava na beira do gramado para que houvesse interesse. “Eu nunca sei o que vai entrar em campo”. Piada, né? O fato é que nosso excelente grupo de jogadores, ao custo, repito, de 9 milhões por mês, é inútil, e faz uma campanha que, no segundo turno, o coloca na zona de rebaixamento. Nos últimos 9 jogos, ganhamos 6 pontos. (Eu abandonei o Beira-Rio e lhes digo, só volto em 2013). Se seguirmos assim, vamos nos livrar por pouco do rebaixamento. Não, não estou sendo louco, estou apenas olhando os números.

Então, apesar de achar que Fernandão não é técnico de futebol, seu mimimi pode fazer com que alguma coisa se mova internamente. Não, não se pode ser amiguinho de Bolívar e Cia. Ou eles jogam ou vão para onde o treinador os mandar. O próprio Fernandão, em seu patético pronunciamento, elogiou os jovens jogadores e disse que AGORA vai escalar quem se esforça em campo. Agora? Isto é uma confissão da vassalagem de um técnico que até dias atrás justificava tudo, desde as estranhas atitudes de Bolívar ao número incrível de cartões de D`Alessandro e Guiñazú. Não sei, creio que Fernandão devia comprar o confronto. Se hoje, na reapresentação dos jogadores, ele puser panos quentes, recuando de suas críticas, estamos fodidos. Está na hora de dobrar a geração vencedora ou virar a página.

Para os colorados, é o que resta torcer em 2012. Que a briga dê frutos e que venha um 2013 com novas diretoria, comissão técnica e, finalmente, nova dinâmica de grupo.

Sem revisão, tá? Deve ter erros.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!