Um livro absolutamente hilariante! Thomas Bernhard era um mal-humorado e nem quando era laureado agia com delicadeza. Na verdade, parecia amar sincericídios, o que, se não é doença, é grave falha no trato social. O fato é que Bernhard tinha problemas com prêmios — ele os odiava, mas sempre precisava do dinheiro. Ele adorou quando alguém o chamou de “um pássaro que suja o próprio ninho”. Receber um prêmio de entidades nas quais não acreditava — como o estado austríaco, por exemplo — era para Bernhard pior do que ler uma crítica negativa, o que não raro lhe acontecia. Este livro reúne textos sobre nove prêmios que recebeu, bem como seus discursos inflamados de aceitação para três deles e sua carta de demissão para a Academia de Língua e Poesia de Darmstadt.
Aceitar os prêmios apenas pelo dinheiro, causava-lhe conflitos morais: “Sempre pensei, meu caráter revela uma grande mácula. Eu desprezava aqueles que concediam os prêmios, mas não me recusava seriamente a receber os prêmios em si”. O dinheiro aceito ajudou a pagar a casa onde morou até o fim da vida, um carro (que se espatifou num acidente dias após a compra) e tratamentos de saúde.
O livro não inclui a peça mais violenta de Bernhard contra a Áustria: seu testamento. Ele estipulou que suas peças nunca mais seriam encenadas nem seus livros publicados na Áustria — chamando o testamento de “emigração literária póstuma” — e especificou que mesmo que a Áustria fosse invadida e não fosse mais um Estado-nação, os termos de sua vontade se aplicariam às suas antigas fronteiras.
Acho que Meus prêmios não é um livro para conquistar novos leitores para o prazer peculiar de ler Bernhard. Se eu recomendasse um livro para começar a conhecer este grande autor, sugeriria Extinção, Árvores Abatidas ou O sobrinho de Wittgenstein.
O que torna Bernhard moralmente significativo é que, para todo o ódio que ele lança sobre a sociedade austríaca, reserva uma medida igual para si mesmo. Ele está totalmente ciente de si. Há uma cena em O sobrinho de Wittgenstein em que o filósofo começa a chorar por causa de uma criança que mendiga na rua. Bernhard fica igualmente horrorizado, mas só começa a chorar quando percebe que a criança enganou os dois. Essa clareza de visão tipifica sua sátira. Muito poucos escritores hoje possuem sua integridade satírica e sua humanidade absoluta.
Em Meus prêmios, temos alguns de seus discursos mais mordazes. Em particular, o discurso por ocasião da entrega do Prêmio Nacional Austríaco de Literatura. Ele começa dizendo “Ilustre senhor ministro, ilustres presentes…” e então manda chumbo grosso: “Não há nada a louvar, nada a amaldiçoar, nada a condenar, mas muito há de ridículo; tudo é ridículo quando se pensa na morte”. E depois começa a falar da sociedade austríaca. O “ilustre senhor ministro” sai furioso, quase quebrando uma porta em sua retirada apressada… O que jamais é explicado no livro é que a “tia” que o acompanha invariavelmente é na verdade sua amante, Hedwig Stavianicek, 37 anos mais velha.
A raiva de Bernhard é lendária e ele estava no caminho certo, me parece. Havia algo na Áustria, talvez haja ainda. A desnazificação do país foi lenta, apesar de ser o berço de Hitler. Até hoje a Áustria tem um governo de direita com coalizões com partidos de extrema-direita. O país é rico e uma maravilha do ponto de vista material, mas é um horror e um perigo político. Imagino o que Bernhard escreveria — ele não viveu para ver — sobre o fiasco de Jack Unterweger — um prisioneiro que supostamente “se reformou” por meio da escrita criativa, que era o queridinho dos literatos austríacos e, ao ser solto em 1990, assassinou dez mulheres… Um país assim merece um cronista raivoso.
Sim, todos os três livros recomendados passam pelo Sul. Um ensaio sobre o homem da campanha, um romance de uma argentina falando sobre o interior daquele país e um livro cuja ação ocorre na Europa, mas que foi escrito por um gaúcho, são as três excelentes sugestões da Bamboletras nesta semana. Confiram abaixo.,
Boa semana com boas leituras!
Corre para garantir seu exemplar aqui na Bamboletras! 📝 Faz teu pedido na Bambô: 📍 De segunda à sábado, das 10h às 19h. Domingos, das 14h às 19h. 🚴🏾 Pede tua tele: (51) 99255 6885 ou 3221 8764. 🖥 Confere o nosso site: bamboletras.com.br 📱 Ou nos contate pelas nossas redes sociais, no Insta ou no Facebook!
Esta obra, traduzida para o português a partir de uma tese de doutorado defendida em inglês, tardou trinta anos para vir à tona. A autora fez uma pesquisa de campo por dois anos cujo resultado é uma verdadeira caverna de Ali Babá aberta à visitação e reflexão, tantos são os tesouros que ali reluzem. A riqueza do trabalho etnográfico conduzido na campanha gaúcha sobre os homens da região é notável, sobretudo se pensarmos o quanto envolveu de coragem a aventura de enfrentar e adentrar um mundo masculino de fronteiras rígidas, ciosamente defendidas por seus membros. O livro de Ondina Fachel Leal se deixa ler de modo agradável, envolvente e fluente, descrevendo a vida que ela encontrou na fronteira sul do Brasil, entre o Rio Grande do Sul e o Uruguai pampeanos.
Com sua prosa precisa e econômica, a argentina Selva Almada é uma das vozes mais originais da literatura de língua espanhola contemporânea. Seu universo também é peculiar: a autora não fala da cosmopolita Buenos Aires. Seu ambiente é o mundo interiorano, onde vilarejos quase esquecidos no mapa abundam em histórias em que a violência, os laços familiares e velhos costumes ainda são importantes. É o caso deste novo romance, um livro que trata da amizade e de seus segredos. Enero Rey e Negro levam Tilo, o filho adolescente de Eusébio — o amigo morto dos dois –, para pescar. Enquanto bebem vinho, cozinham, falam e dançam, eles lutam com os fantasmas do passado e do presente. Esse momento íntimo e peculiar que conecta a trajetória desses três homens também os liga à vida dos habitantes locais nesse ambiente cercado de água e regido por suas próprias leis. Há perdas e mortes prematuras. Mas há também a teimosa vitalidade da natureza. Este romance flui como uma conversa entre seres que se amam.
Em uma narrativa tanto introspectiva quanto brutal, Antônio Xerxenesky nos faz encarar os traumas do passado, mas, principalmente, o medo do futuro. Nicolas, um jovem psiquiatra francês, é convidado para trabalhar na Suíça logo após o fim da Segunda Guerra Mundial. Junto da esposa Anna, ele se muda para um pequeno vilarejo, próximo ao hospital psiquiátrico onde vai trabalhar. O lugar, conhecido por seus métodos humanizados de tratamento, recebe internos de toda a Europa. Resistindo a prescrever tratamentos como o eletrochoque, Nicolas conversa com seus pacientes até que algo seja descoberto — tanto no inconsciente do doente quanto no do próprio médico. Assim, diversas feridas de guerra vêm à tona, em um jogo delicado que mistura confiança e loucura. Tendo como pano de fundo o contexto de desenvolvimento das primeiras drogas contra a depressão e outras doenças psíquicas, Antônio Xerxenesky constrói um romance tocante sobre os traumas, o passado e a possibilidade de ser feliz apesar do sofrimento.
A triste operação de encaixotar sua biblioteca na França inspirou uma das obras mais pessoais de Alberto Manguel. Este é daqueles livros deliciosos, para os quais a gente sempre terá um belo lugar em nossa memória. O que ele diz é óbvio para nós, devotos da leitura, e dá até pena de abandoná-lo após a leitura, tantos são os bons motivos e razões que ele apresenta para sermos como somos. O livro nos explica, eleva e é maravilhosamente informativo, além de demonstrar que, bem, não somos loucos.
Alberto Manguel é um daqueles argentinos geniais que não dá para desconhecer, ainda mais que foi amigo de Borges e — como Borges — também diretor da Biblioteca Nacional da Argentina. Encaixotando minha biblioteca (Cia. das Letras, 175 páginas, R$ 44,90) fala sobre a importância dos livros em nossa vida e conta como o autor se preparou para a mudança: ele sairia de sua casa medieval no Loire para morar em um apartamento em Nova York. Sua biblioteca pessoal, com cerca de 35 mil volumes, teria que ser guardada. Nesse momento, em apaixonada elegia, o escritor começa a relembrar sua relação com os livros e com as bibliotecas (públicas e privadas) que já passaram por sua vida. Suas reflexões variam amplamente, indo desde as adoráveis idiossincrasias dos bibliófilos a análises mais profundas de eventos históricos, como o incêndio da antiga Biblioteca de Alexandria.
O livro me causou alguma angústia. Desde que me separei em 2013, não vi mais meus livros. Os 3 mil livros que reuni até aquele ano estão em um guarda-móveis. É certo que nestes 8 anos, outra bela biblioteca começou a se formar e, quando li o livro de Manguel, percebi que havia pelo menos outra pessoa no mundo (snif) que entendia minha dor e angústia de separação. A obra tem o subtítulo “Uma elegia e dez digressões”. Ou seja, há muita coisa além da mudança e alguns trechos ecoaram demais em minha experiência pessoal. Depois de falar sobre a “geografia” de sua biblioteca (como ele organizou seu acervo), ele afirma que seus livros faziam parte de quem ele era e que a biblioteca o explicava. Sua coleção seria uma “espécie de autobiografia em várias camadas” e sua própria memória estaria “menos interessada em mim do que em meus livros”.
Voltando a Milton Ribeiro, digo que, ao entregar minha biblioteca para o guarda-móveis, estive em próximo contato com minha mortalidade. Manguel capta isso à perfeição: “Se toda biblioteca é autobiográfica, sua colocação em caixas numeradas parece uma espécie de obituário”. O livro traz palavras de sabedoria de sua avó: “Com o tempo, você aprende a desfrutar não o que você tem, mas o que você lembra” e, de forma semelhante, Manguel também dá a Dom Quixote — o herói que perdeu sua biblioteca — o crédito por ajudá-lo a compreender melhor a perda: “A perda ajuda você a se lembrar e a perda de uma biblioteca ajuda a lembrar quem você realmente é. A biblioteca segue existindo na mente do leitor na forma de associações e memórias”.
Espero arrumar minha biblioteca em poucos anos. Um livro que certamente estará lá é este Encaixotando minha biblioteca. Será parte de minha coleção e espero que permaneça valioso quando eu não estiver mais por perto.
Encaixotando minha biblioteca, como já disse, talvez seja a mais pessoal de Alberto Manguel. Ela se conclui com sua posse no cargo de seu admirado Jorge Luis Borges, o de diretor da Biblioteca Nacional da Argentina.
Existem leitores — grandes leitores — que não desejam formar bibliotecas e que possuem relativamente poucos livros. Borges, como lembra Manguel, seria o exemplo definitivo. Alguém poderia imaginá-lo rodeado de livros em casa, mas não era o caso. Ele doava quase tudo. Eu admiro tal despojamento, mas o quero para mim. Talvez o leitor mais sábio seja aquele que lê muitos livros (ou, melhor ainda, poucos, mas profundamente) e que não se importa em possuir nenhum, porque sabe que os verdadeiramente importantes foram incorporados ao seu ser. Talvez seja um sinal de fraqueza e até mania de colecionar livros que não necessariamente nos tornarão melhores ou mais inteligentes. Aceito totalmente essa possibilidade. Mas, foda-se, vou seguir armazenando livros.
Para que os colorados tenham ideia do quão ruim é a campanha do time, basta dizer que ambos — Inter e Grêmio — têm 18 jogos e 5 vitórias. O que nos diferencia são 4 empates, quatro pontos a mais que deixam o Grêmio no rebaixamento e nós pensando que somos grande coisa.
Não que seja uma maravilha, mas o percentual da gestão Aguirre, se fosse aplicado aos jogos restantes, nos daria uma posição melhor, ainda mais que teremos os jogos mais fáceis no início do returno. Jamais esqueçamos que Miguel Ángel Ramírez nos deixou na 17ª colocação.
Pularam dos andares em chamas —
um, dois, alguns outros,
acima, abaixo.
A fotografia os manteve em vida,
e agora os preserva
acima da terra rumo à terra.
Ainda estão completos,
cada um com seu próprio rosto
e sangue bem guardado.
Há tempo suficiente
para cabelos voarem,
para chaves e moedas
caírem dos bolsos.
Permanecem nos domínios do ar,
na esfera de lugares
que acabam de se abrir.
Só posso fazer duas coisas por eles —
descrever este voo
e não acrescentar o último verso.
[em “Alguns gostam de poesia” | trad. Elżbieta Milewska e Sérgio das Neves. Cavalo de Ferro Editores, março de 2004 ]
Não mentiria muito se dissesse que estive o dia todo com a Elena. Durante os três ensaios do dia, almoçando, jantando, caminhando, tomando café, tudo.
A foto da camiseta foi ela quem tirou e a arte a la Warhol foi uma gentileza do Artur Barcelos, que poderia ser o que quisesse na vida, mas que escolheu ser um grande professor de História. Boa escolha. um grande professor de História. Boa escolha.
Leitor inveterado e proprietário da Bamboletras, Milton Ribeiro lança Abra e leia, seu primeiro livro de contos | Foto: ANDRESSA PUFAL / JC
Uma gaveta é, muitas vezes, um lugar mágico. Nela, o escritor deposita seu inventário de ideias: textos longos e curtos, promissores ou sem futuro, incontáveis fragmentos de uma imaginação que busca a próxima história. Talvez se possa dizer que a gaveta é a mais fiel leitora de uma pessoa que escreve – e muitas vezes acaba sendo quase que a única, como os incontáveis autores não publicados pelo mundo poderão, com maior ou menor entusiasmo, confirmar.
Depois de décadas alimentando a gaveta, Milton Ribeiro sentiu que era hora de procurar o livro de estreia em meio aos papéis. O resultado está nos contos de Abra e leia (Zouk, 150 págs., R$ 43,90). Adquirir a obra, para moradores da Capital, não será difícil: além do site da editora, há a opção de ir até a Bamboletras (Lima e Silva, 776), livraria da qual o próprio autor é proprietário. “As pessoas parecem ter ficado muito felizes quando souberam que ia sair um livro do livreiro”, comenta Milton.
As histórias presentes em Abra e leia foram escritas durante um período extenso de tempo, que vem das cercanias de 2006 até os dias atuais. “Eu escrevia para a gaveta, sempre tinha sido assim. Na adolescência, era literalmente para a gaveta, porque era tudo papel. Depois comecei a escrever em programas de computador, e a minha gaveta virou o HD. Jamais tentei publicar, não tinha o menor interesse”, relembra, de bom humor.
Foi a pressão da esposa, a violinista Elena Romanov, e de amigos ligados à literatura que impulsionou o leitor inveterado e escritor irresoluto. “Um desses amigos começou a me dar livros: ‘lê isso aqui, quero saber tua opinião’. Me fez ler alguns livros, e depois dizia: ‘pois então, o que tu escreves é melhor do que isso, por que não publica?’ Aí mandei para a Zouk e, em poucos dias, responderam dizendo que queriam publicar. Foi um negócio meio mágico, não passei por aquela coisa de bater na porta, ser rejeitado: mandei para uma só editora, de um pessoal que acho simpático, e deu certo.”
Apesar de titubeante para publicar, não se pense que Milton é um escritor bissexto. Seu blog auto-intitulado é, talvez, um dos mais antigos em atividade no Brasil, com publicações frequentes desde 2003. Parte das histórias do livro, como Passando camisas e Marquinhos e Enzo, o grande, foram parte dos arquivos do blog durante muitos anos. “Costumo dizer que me colecionava no blog. Mas, nos últimos tempos, mudou um pouco a perspectiva. Hoje, eu uso bastante para resenhas dos livros que leio, como parte do trabalho da livraria, além de algumas ironias e provocações. A literatura saiu do blog e voltou para o HD, agora com uma perspectiva mais concreta de virar publicação no futuro”, explica.
Na obra, surgem histórias do cotidiano, com elementos de ironia e observação, não raro inclinadas a uma certa dose de subversão. O discurso que estraga o solene Natal em família, o trabalhador dedicado que deixa clara sua falta de fé, o jogador de futebol que enfrenta uma chance de gol que mudará sua vida: figuras humanas que usam seu temporário e precário controle sobre as situações para gerar rompimentos que rearranjam todo o cenário. “Minha vida nunca foi uma história lisa, tipo um conto de Tchekov em que as coisas avançam com calma, vão caindo na mesmice e acabam com um suspiro. Eu tive tantas viradas espetaculares na minha vida… Basta dizer que tive uma loja de informática, depois fui jornalista e agora sou livreiro. Talvez para alguns isso seja uma vida rica, mas eu não sinto assim. Acho que, de certo modo, é algo até natural, que acontece na vida das pessoas.”
Haverá quem diga que o escritor junta palavras como uma forma de honrar os seus heróis – ou que, por outro lado, esconde as palavras que escreve por não sentir que será aprovado por eles. Para Milton Ribeiro, os heróis podem ser centenários, como Tchekov e Machado de Assis, ou mais próximos no tempo, como Sérgio Sant’Anna, Lucia Berlin e Raymond Carver – o que não quer dizer que não se possa avançar para outros reinos. “Há heróis também fora da literatura. Às vezes, eu quero escrever com o equilíbrio de Bach, com a maturidade do velho Vermeer ou com a raiva de Goya. É claro que todos são heróis distantes, apenas imodestos ideais artísticos que cultivo”, acentua.
Seja como for, agora que Milton abriu a gaveta, não há previsão de fechá-la tão cedo. Além de novas histórias curtas, há um romance já pela metade, em torno dos áudios que uma mãe de terceira idade grava para uma filha com a qual mal chega a conviver. “A comprovação de que eu não pretendia publicar é que é um livro muito difícil de escrever”, admite, dando uma risada. “Mas a minha mulher diz que o ano que vem vai ser o ano do romance. É óbvio que eu não tenho perspectiva de ganhar muito dinheiro escrevendo livros, mas é gostoso dizer que, no momento pelo qual o Brasil passa, com um ministro da Educação com o mesmo nome que eu e fazendo os absurdos que tem feito, consigo viver da cultura. Isso sim é um ato subversivo, uma vida subversiva.”
Porto Alegre domina as sugestões desta semana de clima estranho, que anuncia o Forno Alegre dos próximos meses. Vários dos contos de Milton Ribeiro se passam na cidade e o que dizer do livro sobre o Bar Escaler? De quebra, sugerimos a obra-prima da Laerte.
Abaixo, mais detalhes.
Boa semana com boas leituras!
Corre para garantir seu exemplar aqui na Bamboletras! 📝 Faz teu pedido na Bambô: 📍 De segunda à sábado, das 10h às 19h. Domingos, das 14h às 19h. 🚴🏾 Pede tua tele: (51) 99255 6885 ou 3221 8764. 🖥 Confere o nosso site: bamboletras.com.br 📱 Ou nos contate pelas nossas redes sociais, no Insta ou no Facebook!
Final de semana em Porto Alegre, uma mulher ouve um estranho chegar ao corredor do prédio quase vazio e pedir ajuda, um pedaço de pão que seja. Ainda com a porta fechada, os dois iniciam uma conversa cujas consequências não se pode prever. Trinta anos depois do final de um relacionamento, um homem encontra um bilhete que o coloca diante de uma perspectiva totalmente diferente. Um músico solista sente-se pressionado em meio à falsas gentilezas do maestro e chefe. Marquinhos joga por um time da segunda divisão gaúcha. Em meio a uma partida decisiva, ele precisa escolher se arrisca tudo o que tem de seu. Estas histórias estão entre os 22 contos deste Abra e Leia. Há ironia e intensidade. As referências à música erudita, ao cinema e à literatura cumprem funções que vão além do meramente figurativo. A solidão emerge por toda parte. Sobretudo, os personagens e as situações em que se envolvem são complexos. As surpresas, porém, não se dão por meio de reviravoltas bruscas ou finais surpreendentes. Diferente disso, em vários dos contos deste livro, sem que nos demos conta a princípio, a narrativa nos coloca frente a uma perspectiva inesperada. São histórias que nos tiram do conforto das certezas e abrem um campo de possibilidades. Entrever essas possibilidades, imaginar. Eis o que fica em nós por um tempo que se estende para além da leitura.
Livraço! Nestas mais de 1500 tiras publicadas entre 2004 e 2015 e reunidas pela primeira vez em livro, temos o privilégio de seguir a evolução artística que confirma a alta qualidade da artista Laerte como das mais interessantes nos quadrinhos do mundo. Laerte já tinha mais de três décadas de cartunismo e era uma das profissionais mais festejadas do Brasil quando decidiu reinventar tudo. Por volta de 2004, sua série Piratas do Tietê abandonou os personagens recorrentes e os arremates cômicos para explorar uma mistura de filosofia, metafísica, poesia, poucas certezas e muitas dúvidas. Piratas virou o Manual do Minotauro e entramos, junto a Laerte, no labirinto do ser mitológico. O desenho é o mesmo, exato na economia. O jogo entre nanquim, cor, forma e quadros ainda é referência de design. O texto continua enxuto, preciso. As narrativas é claríssima, muitas vezes muito cômica. E, ao mesmo tempo, a humanidade vibra por baixo da aparente simplicidade. Deixem toda lógica e ordem cotidiana do lado de fora e preparem-se para uma das grandes aventuras do quadrinho contemporâneo.
Poucos lugares simbolizaram tão bem a efervescência dos anos 1980 em Porto Alegre quanto o bairro Bom Fim, principal reduto boêmio e cultural da capital gaúcha nas últimas décadas do século XX. E, no Bom Fim, havia um ponto de convergência – o Escaler, bar fundado em 1982 por um marujo às margens do Parque da Redenção, em meio a jacarandás e sob o brilho da lua. Inscrito na memória afetiva de duas ou três gerações como espaço privilegiado de diversão e arte, o Escaler acumulou milhares de histórias na lembrança e na imaginação dos que por lá aportaram. Já estava na hora de contá-las e revivê-las. É o que faz neste livro o dono do bar, Antônio Carlos Ramos Calheiros, o Toninho do Escaler – antes de tudo, um agitador cultural, que soube direcionar energias plurais sem retirar-lhes a fluidez e a espontaneidade –, em depoimento ao jornalista Paulo César Teixeira, autor de Esquina maldita, Nega Lu – Uma dama de barba malfeita e Rua da Margem – Histórias de Porto Alegre.
Hoje, dei uma entrevista sobre meu livro. É muito estranho. Eu sempre fiz perguntas e acredito que Kafka tenha razão ao escrever que “Lemos para fazer perguntas”. E eu sempre li muito.
Nossa, responder é bem esquisito. Então, quando o Igor Natusch me perguntou sobre quem são meus heróis literários, eu respondi com simplicidade que, relativamente aos contos, eram os centenários Tchékhov e Machado de Assis, além dos mais recentes Sérgio Sant’Anna, Lucia Berlin e Raymond Carver. E logo quis me desculpar dizendo não me comparava com eles. Aliás, a pergunta fora clara: heróis. E heróis são inalcançáveis.
Mas, se eu pudesse completar esta resposta agora, eu diria que há heróis também fora da literatura. E talvez mais importantes ainda. O equilíbrio de Bach, a beleza do cotidiano do Vermeer maduro, a raiva de Goya, a profundidade de Bergman. É claro que todos, repito, são imodestos ideais. Mas fico considerando se alguém vai ler e pensar que o livro seja uma mistura de tudo isso… Hum.
Este livro estava no setor de Arte da Bamboletras. Acabo de transferi-lo para o de Biografias. Pois trata-se de uma muito boa e sedutora biografia de um falsário. Han van Meegeren (1889-1947) foi um habilidosíssimo artista plástico holandês que virou as costas ao modernismo. Ele amava e queria criar quadros como os da Idade de Ouro dos grandes mestres holandeses, gente como Vermeer, Rembrandt, Hals, Rubens, Ter Borch, Lievens, De Hooch, Baburen, só para citar os preferidos de van Meegeren. Ao ser desprezado pelos críticos, que queriam obras contemporâneas, ele, que conhecia todos os métodos utilizados pelos pintores seiscentistas, foi picado pela vontade de enganar os especialistas. Tudo começou com uma brincadeira do tipo “vou criar um Vermeer” para se transformar num negócio tão lucrativo que van Meegeren não sabia mais onde enfiar o dinheiro em espécie que recebia. O autor, Frank Wynne, escreve que van Meegeren “tinha talento técnico, mas nada a dizer com sua própria arte”.
Mas o falsário não era um mero copiador de quadros. No início do século XX, a reputação de Vermeer não parava de crescer, mas pouco se sabia da vida do artista e da verdadeira extensão de sua obra. A história, assim como a natureza, tem horror ao vácuo. Apenas 35 de suas obras chegaram a nós e há uma enorme disparidade entre as primeiras obras do mestre e os trabalhos maduros. Faltam as pinturas intermediárias, aquelas que fazem a ligação, unindo a fase inicial e a final. E foi neste vazio que van Meegeren entrou. Ele tratou de encontrar tais quadros, ou melhor, de criá-los. Quem os apresentava eram sempre laranjas, “representantes de uma decaída família holandesa que encontrou um tesouro em seu sótão, olha só”, etc. Vocês podem imaginar o valor que estas descobertas tiveram, não?
E Meegeren comprou propriedades e castelos, até os tubos de calefação tinham notas de dinheiro. Ficou milionário. Mesmo com a qualidade da sua produção decaindo literalmente a olhos vistos, ninguém notava as imposturas. Ele chegou a vender obras para nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.
O livro é sensacional. Depois que a guerra acabou, o holandês ficou numa situação difícil e foi preso. Ou tinha realmente vendido quadros para os nazistas (crime gravíssimo), ou confessava a falsificação e se assumia como escroque. Acabou confessando — sua confissão foi comemorada na Holanda em razão dos quadros vendidos serem falsos –, mas daí precisou convencer os próprios críticos, que pouco antes tinham saudado e autenticado com convicção os Vermeers redescobertos, de seus equívocos e de sua incompetência…
Afinal, em 1940, os os especialistas e os jornais chamavam de descoberta sensacional a soberba Ceia em Emaús, obra da fase intermediária de Vermeer que saíra dos pincéis de van Meegeren… Natural, portanto, que a história desse holandês bon-vivant e viciado em morfina tenha virado um problema também para a crítica. O caso van Meegeren desestabilizou a autoridade dos especialistas e que ameaçou o rico mundo dos leilões e dos mercados de arte. O caso é saboroso.
Ao final do livro, sabemos até onde estão os ex-Vermeer e os verdadeiros.
Excelente diversão. Recomendo!
Um show: a fim de comprovar suas habilidades, van Meegeren, em 1945, criou publicamente um Vermeer para a polícia conferir e as imprensa gravar.
Todo começo de mês vem acompanhado da tradicional lista dos mais vendidos da Livraria Bamboletras! Nela você encontra as escolhas dos clientes de nossa livraria, ou seja, só excelentes livros. Ah, não acredita? Então, confira:
1. Torto Arado, de Itamar Vieira Júnior (Todavia)
2. Duas Formações, Uma História: Das ideias fora do lugar ao perspectivismo ameríndio, de Luís Augusto Fischer (Arquipélago)
3. Os Supridores, de José Falero (Todavia)
4. Cartas para minha avó, de Djamila Ribeiro (Cia. das Letras)
5. O deus das avencas, de Daniel Galera (Cia. das Letras)
6. Doramar ou a Odisseia: Histórias, de Itamar Vieira Júnior (Todavia)
7. Correntes, de Olga Tokarczuk (Todavia)
8. Encaixotando minha biblioteca: Uma elegia e dez digressões, de Alberto Manguel (Cia. das Letras)
9. Vista Chinesa, de Tatiana Salem Levy (Todavia)
10. O Avesso da Pele, de Jeferson Tenório (Cia. das Letras)
Um pouco melhor que outras listas, né? Pois é, nossos clientes são os melhores e isto não é apenas uma frase de efeito.
Um ensaio de Jessé Souza sobre racismo, um romance de Flavio Cafiero sobre uma separação e um livro de poesias de Roberto Bolaño. Vai ser complicado encontrar algo em comum os livros recomendados desta semana, até porque são de diferentes gêneros, comprovando que a Bamboletras é a “Livraria de Todos os Gêneros”…
Vamos lá. Abaixo, mais detalhes.
Boa semana com boas leituras!
Corre para garantir seu exemplar aqui na Bamboletras! 📝Faz teu pedido na Bambô: 📍 De segunda à sábado, das 10h às 19h. Domingos, das 14h às 19h. 🚴🏾Pede tua tele: (51) 99255 6885 ou 3221 8764. 🖥 Confere o nosso site: bamboletras.com.br 📱 Ou nos contate pelas nossas redes sociais, no Insta ou no Facebook!
Jessé é autor de mais de 30 obras e de uma centena de artigos e ensaios em vários idiomas. Entre seus ensaios mais lidos estão A elite do atraso e A classe média no espelho. Neste livro, o tema do racismo é reconstruído desde o início da civilização ocidental até nossos dias, de modo a permitir uma compreensão fundamental: a de que todo processo de desumanização e animalização do outro assume as formas intercambiáveis de racismo cultural, de gênero, de classe e de raça. Perceber as diferentes facetas do racismo possibilita ver quando ele assume outras máscaras: guerra contra o crime, como se a vítima não fosse sempre negra, ou luta contra a corrupção, usada contra qualquer governo popular no Brasil que lute pela inclusão de negros e pobres. Apenas uma abordagem multidimensional permite efetivamente perceber como o racismo sempre esteve no comando da iniquidade da sociedade brasileira, da escravidão até hoje.
Estudo contundente do ressentimento amoroso, o romance de Flavio Cafiero fascina e atordoa. Ferido pelo fim da relação com Fabiano, Tato se muda de bairro e vai viver num prédio no centro de São Paulo. Enquanto luta para superar a desilusão, ele trava amizade com vizinhos do edifício. Eles formam uma singular comédia humana. Tato não aceita o fim do relacionamento — e cenas tristes giram em sua memória, fustigando-o tanto quanto a exposição da nova e (aparentemente) luminosa vida de Fabiano nas redes sociais. Numa escrita lancinante, a um só tempo lírica e realista, este livro de ritmo forte deixa clara a perícia do autor.
Importante começar dizendo que este é um livro bilíngue. Ao lado dos poemas traduzidos, há os originais em espanhol. Bem, pela primeira vez no Brasil, os leitores têm acesso à poesia de Roberto Bolaño. A Universidade Desconhecida traz poemas reunidos pelo autor pouco antes de sua morte e oferece um panorama completo e complexo de uma obra encantadora e radical. Roberto Bolaño se tornou um fenômeno mundial graças aos seus romances, em especial 2666 e Os detetives selvagens. No entanto, o autor chileno sempre se viu, em primeiro lugar, como um poeta. Escrevia versos desde cedo, em sua adolescência no México, onde se aliou a outros jovens sem rumo e formou o grupo “infrarrealista”. Aqui estão compilados poemas que ele criou — da juventude à maturidade. Mas só depois de sua morte é que esta coleção veio à público. “Na formação de todo escritor, existe uma universidade desconhecida que guia seus passos”, escreveu. “Ela não tem sede fixa, é uma universidade móvel, mas comum a todos.” A Universidade Desconhecida é muito mais do que o embrião de suas grandes obras. Os poemas aqui não apenas complementam a visão de mundo do autor, mas sobrevivem por conta própria pela sua dicção única, seu senso de melancolia, suas imagens apocalípticas e solidão.
Na minha opinião, é difícil encontrar em toda a literatura algo melhor do que isso. É difícil encontrar melhores e mais transcendentes diálogos. Talvez seja impossível encontrar tanta concisão e tantos significados em prosa teatral.
Eu sou apaixonado pelos contos e novelas de Tchékhov, mas essas peças são muito especiais dentro de sua obra, certamente estão dentre os principais trabalhos do mestre.
Comprei estes dois volumes da Veredas na Estante Virtual e, no mesmo dia em que os recebi, li que a Penguin-Companhia iria lançar essas 4 peças em nova tradução de Rubens Figueiredo, o que é garantia de alta qualidade. O livro está em pré-venda e estará disponível em 23 de setembro. Oh, vida! A tradução da Veredas é satisfatória, mas Figueiredo é um notável tradutor — quem leu sua tradução de Anna Kariênina para a Cia. das Letras sabe disso — e a Penguin costuma acrescentar boas e interessantes introduções a seus livros.
Anton Tchékhov, filho de um pequeno comerciante falido, formou-se em medicina, mas, ainda na faculdade, começou a contribuir para revistas literárias. Escreveu muito durantes seus parcos 44 anos de vida. Entre 1896 e 1904, ano de seu falecimento, escreveu as quatro peças que compõem estes volumes da Veredas e o da Penguin – e que se tornaram clássicos do repertório teatral.
A Gaivota mostra os conflitos de um grupo numa propriedade rural da Rússia no fim do século XIX. Numa tarde de verão, um jovem dramaturgo apresenta uma peça protagonizada por Nina, atriz por quem está apaixonado. As opiniões dos convidados sobre a obra divergem e a mãe do autor, uma importante atriz, desencoraja-o a seguir escrevendo. Logo, Nina decide ir a Moscou atrás de fama e de um célebre romancista.
Tio Vânia é o meu preferido dentre estes textos. Numa propriedade rural, moram o professor aposentado Serebriakov; sua jovem e linda esposa, Helena; a filha do primeiro casamento, Sônia; a mãe da falecida esposa, Maria; e o irmão da falecida, Ivan, conhecido na família como tio Vânia. Serebriakov foi sempre considerado um gênio, um grande literato. Sempre conseguiu que todos o admirassem e fizessem tudo por ele. Entretanto, com o passar dos anos, o gênio revelou-se um engodo. Agora, velho, hipocondríaco e rabugento, só faz chatear e perseguir os familiares que, sem outra saída, suportam-no, principalmente sua esposa Helena. O tio Vânia trabalha como um louco para manter a fazenda e sente-se explorado pelo professor. Também questiona o poder do velho sobre a família. Principalmente, Vânia inveja o casamento do velho, pois, há dez anos, é louco por Helena.
As Três Irmãs conta a história de três mulheres que moram numa cidade do interior da Rússia. Elas acham tediosa a vida na província e sonham em voltar para Moscou, onde haviam passado uma infância feliz. Olga é uma professora solteira que vê os anos passarem e também a oportunidade de casar; Macha, esposa de um professor de liceu, aos poucos percebe a mediocridade do marido; e Irina, a mais nova, é a única que ainda acredita no futuro. Todas idealizam Moscou como a sua única salvação e anseiam voltar para lá. Porém, o projeto é sempre adiado.
O Jardim das Cerejeiras… Bem, vou colocá-lo ao lado de Tio Vânia nas minhas preferências. É a última peça escrita por Tchékhov e conta sobre uma família aristocrata em decadência que resiste em vender o seu jardim de cerejeiras, ao qual atribui valor afetivo, apesar de improdutivo nos últimos tempos. Eles retornam de Paris cheios de ideias disparadas e irrealistas sobre a propriedade. Um velho amigo da família, Lopákhin, cujo pai fora servo da fazenda nos velhos tempos, dá-lhes um banho de realidade e propõe uma saída: o jardim podia ser desmatado e a terra dividida em lotes para veranistas. Imagina!
De degrau em degrau, vamos descendo até o grunhido. José Saramago
Não pude deixar de pensar no velho portuga e sua implicância com o twitter quando li as últimas notícias envolvendo o fim das atividades do Guion e da mudança proposta para o Nova Olaria que ganhará três torres de apartamentos e passará a se chamar ‘NO’.
Estas duas letras carregam uma carga muito grande. Chega a ser simbólico o apócope como uma negação de uma história construída até então naquele local.
Desde o princípio, quando tudo ainda era mato, a Lu Vilella por ali aportou e tijolo por tijolo foi assentando com suas mãos decididas uma Livraria de Todos os Gêneros e construiu uma relação não com o Nova Olaria, nem com a Cidade Baixa, mas como uma referência de livraria para toda a cidade.
E muito mais. Lembro da história de uma fã mexicana que ouvia as transmissões da Rádio da Universidade pela internet e curiosa se perguntava que Livraria era aquela que patrocinava um programa que ela curtia ouvir.
Mas esta é uma história de mudanças. Quando assumiu a Livraria, o Milton Ribeiro trouxe seus próprios tijolinhos e com a força e a gana de criar coisas belas agregou à livraria outras características e novidades como os inúmeras sessões de autógrafos e debates que consolidaram a Bamboletras como a grande referência que é. Sorte nossa por supuesto.
Se for lembrar de todo este tempo frequentando aquele local, imagino o espaço como a nossa Troia. Camadas e camadas sobrepostas de histórias.
E que local! Representou como nenhum outro estabelecimento a antiga Rua da Olaria que celebrou a libertação dos escravos já sob a alcunha de Rua General Lima e Silva em 1884 em edição do jornal A Federação (Na Rua Lima e Silva todos são livres!).
O Guion também. Uma oásis para os cinéfilos que se esbaldaram na seleção dos filmes apresentados todos estes anos.
Se me pedissem a opinião sobre que filme poderia marcar a despedida do cinema eu indicaria aquele chileno dirigido pelo Pablo Larraín baseado na peça El Plebiscito do Antônio Skármeta.
Tenho curiosidade pelo que poderá vir no pós reforma. Se o cinema prometido terá a sorte de uma curadoria nos mesmos termos ou se será mais um exibidor de blockbusters. Se o espaço não se transformará em mais um centro comercial comum.
Torço pela quase balzaquiana Bamboletras, pelo Milton Ribeiro, pelos inestimáveis Gustavo Ventura, Eliane et alli… que precisarão passar por esta provação como torço por todas as livrarias de rua.
Não se quer congelar o tempo. A cidade pode evoluir sem perder a essência histórica, com sobreposições graduais, reveladoras da vida e do tempo. O problema são as intervenções abruptas, que quebram a escala do bairro.
Mas Milton, se tens que levantar âncora e partir, quem sabe não poderias vir para o Navegantes. Poderia ser como uma ilha aqui no bairro. Ou um porto seguro nesta cidade que ultimamente vem se mostrando mais aflita que alegre.
Eu publiquei esta foto trazida por Vladimir Sinyavsky no Facebook. É uma foto de artistas plásticos bielorrussos tirada em Mogilev (Moguilhóv) em 1982. Nela, além do padrasto da Elena Romanov (agachado), que é pintor, estão a Elena — que é hoje minha mulher — aos 13 anos, e sua mãe, com o braço no ombro da filha. A foto é belíssima, e a repercussão foi incrível.
Foram centenas de curtidas e comentários. Muita gente achou a foto muito parecida com as dos grupos de rock da época:
Sim, criou a capa dos Minsk Devils. Atentem para os nomes das faixas e para aquelas que foram censuradas — todas as que não eram instrumentais. Ah, o nome dos músicos são impagáveis.
E ontem, nós recebemos de outro amigo, o historiador Artur Barcelos, uma reportagem da Rolling Stone sobre o disco. Abaixo, a capa da revista feita por Leandro Boeira, com texto de “Iuri Bacelov” (Artur Barcelos, claro).
O mar é a floresta A história da maior banda da metade do mundo
Edição especial da Rolling Stone.
Entre 1969 e 1975 uma Big Band eletrizou os países do Leste europeu. Por trás da Cortina de Ferro o rock folk dos Minsk Devils desafiava o ambiente cultural e político. Diziam que a Belarus (Беларусь) estava cercada pela Ucrânia, a Rússia, a Polônia, a Lituânia e a Letônia. Por isso uma de suas músicas mais famosas era “Quero ver o mar” (Я хачу ўбачыць мора), assim como Mopa foi o nome de seu primeiro disco.
Surpreendendo seu público, o segundo disco se chamou Floresta (Лес). Nele, a inspiração vinha das florestas de Belarus e suas lendas.
Apesar de se chamarem Minsk Devils, na verdade eram de Mogilev. Sua primeira Belarus Tour foi após o disco Mopa e se apresentaram em Brest, Grodno (Hrodna), Gomel (Homiel), Mogilev (Mahilyow) e Vitebsk (Viciebsk).
Com o sucesso o grupo decidiu viver em uma comunidade alternativa rural em Mogilev, onde foi feita a foto da capa dessa edição especial.
Cultivavam legumes e se especializaram em produzir o kvas, uma bebida de baixo teor alcoólico feita de pão preto maltado ou farinha de centeio. O kvass também pode ser combinado com vegetais fatiados, para formar uma sopa fria chamada okroshka. A panela nas mãos de Igor Piotr é uma homenagem a okroshka.
Depois do segundo disco eles fizeram a world Tour, que não foi além da estação de Tishovka em Mogilev. Uma discussão por causa do Denpr Mogilev, time local, levou ao fim da banda.
Nunca mais voltaram a se reunir. Com a volta da autonomia da Belarus em 1990 e o eterno e deplorável governo de Aleksandr Lukashenko não havia mais clima para um retorno.
Seus discos viraram raridades disputados em milhares de rublos em todo o leste e na Rússia. Os Minsk Devils viraram um ícone da liberdade na Belarus e até hoje se espera sua volta.
Ontem surgiram notícias sobre a “destruição” do Nova Olaria, onde localiza-se a Livraria Bamboletras. Como creio saber mais a respeito do que a maioria das pessoas e para que as narrativas apocalípticas recuem um pouco, aqui vão as informações que possuo.
Marquei uma reunião com os administradores há uns 20 dias. Fui recebido numa sala de reuniões com toda a pompa, vieram 2 pessoas falar comigo.
As notícias:
1. Eles vão construir 3 torres aqui. Duas de “studios” (apartamentos JK, bem entendido) e uma de apartamentos maiores. Um prédio será no atual estacionamento, outro na ex-FADERGS e outro naquela Academia que fica na Lima e Silva e que a gente passa na frente quando vai para o Zaffari, saindo da Bamboletras.
2. O Nova Olaria (a partir de agora NO) será inteiramente reformado. Ficará o muro formado pela frente de todas as lojas e a parte de trás das mesmas. Isto é, só ficarão a parte da frente e a de trás das lojas nos dois lados. O meio será derrubado, assim como o maior problema do prédio: o teto. Neste item, concordo com os caras, o teto daqui está pedindo manutenção. Também o piso do meio será refeito e ficará da altura do piso das lojas, pois, realmente, hoje nada está preparado para a acessibilidade.
3. Isso começará lá pelo meio do ano que vem.
4. É óbvio que teremos que sair. A reforma deve demorar uns dois anos.
5. Eles me informaram que as novas lojas terão tamanhos iguais às atuais e querem que a Bamboletras volte após a reforma. Mostraram um estudo que demonstra que somos a mais importante a loja do NO, mais importante até que o Guion. Seríamos a principal âncora. Somos quem traz mais gente pra dentro do Shopping. Eles disseram que o NO tem afinidade com a cultura e que o cinema será derrubado e reconstruído logo depois, com ou sem o Guion. Que isso aqui só pode dar certo com a Bamboletras e o cinema. Fico feliz com as palavras, mas saibam que ainda estamos em crise — precisamos levantar a âncora e navegar melhor.
6. Mas mudei de assunto. Voltemos…
7. Disseram também que podem facilitar nosso aluguel em um prédio deles na Cidade Baixa até o retorno.
8. Claro que achei tudo isso uma merda. Duas mudanças é pra matar. Talvez fosse melhor apenas sair no primeiro semestre do ano que vem. Ou estamos tão grudados ao NO que seria melhor retornar? — esta é uma questão em aberto.
9. Afinal, eles fizeram uma pesquisa em POA perguntando sobre as palavras que ocorrem às pessoas quando pensam na Cidade Baixa. Entre as palavras mais citadas estava “Bamboletras”. Pode ser puxassaquismo, mas só pensei nisso agora. Ah, se a gente pudesse transformar nosso prestígio em $… Ah, se prestígio e boa curadoria pagasse contas…
10. Bem, as informações são estas. Pretendemos seguir, não obstante as obras e dificuldades. Somos teimosos e acreditamos no que fazemos. Boas livrarias são importantes. Passamos pela pandemia sem demitir nenhum funcionário — não adianta ser ideológico só no discurso, né? — e queremos seguir vivos. Estamos na luta e vocês não imaginam como. Apareçam. Como diria Drummond, precisamos de todos.
P.S. — Se alguém tiver sugestões, palpites. bons locais disponíveis para 2022, por favor, manifeste-se.