Na segunda à tarde, durante um intervalo, fui pegar algumas coisas na casa de um amigo. Entrei num ônibus, sentei e abri um Simenon enquanto Anne Sofie von Otter cantava Rheinlegendchen ou Wer hat dies Liedlein erdacht? de Gustav Mahler em meus fones. Logo passou um homem que nem vi o rosto e depositou um bilhete de tamanho mínimo na minha mão:
QUERIDOS IRMÃOS PRECISO DE VOCÊS PERDI MINHA MÃEZINHA SOFRO DO VÍRUS DO HIV ESTOU ME TRATANDO COM COQITEL E ESTOU DESEMPREGADO ESTA DIFÍCIL O EMPREGO TENHO UMA FILHA DE 2 ANOS QUE ESTA PASSANDO FOME PESSO SUA AJUDA OBRIGADO MARCOS E VITÓRIA (nomes alterados)
Juntei uma nota de dinheiro ao bilhete e segui lendo o livro acompanhado de Anne. Quando senti que ele voltava, ergui a mão direita com a nota e o bilhete entre o indicador e o dedo médio um pouco acima de minha cabeça. Porém, o homem não me viu e saiu para tentar a sorte em outro ônibus.
Então, uma senhora falou em voz altíssima que era um absurdo dar R$ 10,00 a um vagabundo e que eu faria melhor doando meu dinheiro à igreja. Subitamente e ainda meio zonzo, caí de meu mundo e notei que aquilo era para mim. Fiquei surpreso. R$ 10,00? Nas vezes em que dou dinheiro para pedintes, meu máximo é R$ 2,00, o valor aproximado de um litro de leite — um critério absolutamente pessoal. Fora um engano. Sem tirar os olhos do livro, guardei a nota, o bilhete e levantei bem alto um solitário dedo médio para que a beata o visse claramente. Nem sempre sou um lord.
O ônibus achou graça e ela me chamou de mal-educado em pavoroso discurso de meio minuto, no mínimo. Lembrei do que um amigo um dia me disse:
É impressionante a quantidade de filhos-da-puta entre os crentes.
Desci na minha parada sem maiores incomodações. Mas como canta a Anne Sofie von Otter!
Capítulos escritos em estilos variados / Capítulos escritos em estilos variados
Com personagens principais / Sem personagens principais
Vamos fazer este blog voltar ao gonzo. Então, começo dizendo que gosto muito do ser humano Luiz Ruffato, dos livros que tinha lido dele, de suas posições e artigos. Porém este Eles eram muitos cavalos, que é tão bem avaliado por aí…
Ora, nada impede que um escritor de nosso tempo vá ao menu que Joyce disponibilizou para dele fazer uso, mas a sombra do irlandês é tão imensa que fiquei na expectativa da luminosidade e dos momentos extraordinariamente belos que se repetem como superfetações em Ulysses. E eles não pintaram. Talvez, se eu não tivesse o livro de Joyce tão presente na memória, pudesse apreciar melhor Eles eram muitos cavalos.
O livro me pareceu trancado pela falta de capítulos mais extensos, pela troca constante de personagens — rápida e desconcertante entre tantas divisões –, pela formatação algo exagerada — quase escandalosa entre tantos negritos, itálicos e mudanças de fonte –, pela falta de caracterizações mais fortes, pelo especialmente tolo início do capítulo 28, enfim…
O que deu errado? Não sei. Sei que talvez, se fosse paulistano, pudesse entender melhor a teia de citações e referências do romance e me entusiasmar por ele. Sabe quando tu lês algo que parece bom, mas que tu não gosta? É o caso.
Lembra o Paulo Timm que hoje é o Bloomsday e eu simplesmente ignorei a data. Tem razão o Timm. Esqueci que hoje é o 16 de junho de 1904, o dia em que se passa o Ulysses de Joyce. Em todo o mundo, é o único feriado – falo da Irlanda — dedicado a um personagem de livro, a uma verdade ficcional, no caso Leopold Bloom. Hoje, em Dublin, há atores e leitores refazendo cenas do livro pelas 16h e 19 ruas onde se passa o romance.
Tenho uma boa relação com o livro, que li nas três traduções brasileiras. A melhor disparada é a última, de Caetano Galindo, que saiu pela Penguin. Nos últimos dias, vi que há também uma edição de bolso da mesma editora com o lindíssimo e quente monólogo de Molly Bloom que finaliza o livro (foto abaixo). São mais ou menos 80 páginas de um só parágrafo sem pontuação, um milagre que só o genial Joyce poderia criar e tornar compreensível.
Creio que é ali que Molly conta — entre mil fantasias e recordações — como ela alimentava Bloom no ínicio do namoro, dando-lhe comida já mastigada num boca a boca ao estilo mamãe-pássaro. Pura nojeira poética, uma maravilha do ponto de vista literária.
Há inúmeras referências a Joyce e ao Ulysses neste blog, basta clicar aqui. Quase todas elas são sobre Bloom, mulher e amigos. É um romance que, se não muda uma vida, dá-lhe nova perspectiva e sensibilidades para outras realidades artísticas. Não é um livro fácil, mas dou um conselho aos futuros leitores: leiam Ulysses como se ouvissem uma música, procurem não ficar parando a toda hora para pensar no quebra-cabeças de cada frase. A tradução de Galindo é de longe a mais musical. E, gente, pensem que os escritos poéticos são normalmente inapreensíveis em sua totalidade. Como leitor de Ulysses, digo que, após a leitura, lembrei de algumas daquelas partes incompreensíveis dando-lhes significados que podem ser livres-associações, mas que… Por que não?
O livro é muito explícito e não surpreende que tenha sido acusado de pornografia. Ele é pornográfico ao mais alto e inacreditável grau. Uma de minhas maiores alegrias foi poder falar em público por duas vezes sobre a originalíssima abordagem de Joyce à sexualidade no romance. Digo mais, digo que boa parte dos jovens de hoje encontrariam nele problemas de incorreção política no livro, pois penso que vivemos dias semelhantes aos que viveu Laurence Sterne enquanto escrevia seu Tristram Shandy. Os jovens são mais conservadores do que os velhos e certamente o fato de Gerty McDowell ser coxa acabaria em problema para a dignidade — altíssima — do concupiscente e por vezes feminino Bloom.
Amo este romance e termino este improviso dizendo só mais duas palavras: leiam Ulysses!
Eis que tenho meio segundo para descrever as peculiaridades do avanço gracioso e ponderado de uma tartaruga. Pronto, e já se passaram cinco.
Às voltas com as quatro mil páginas de Em busca do tempo perdido (A la recherche du temps perdu), de Marcel Proust, cujo primeiro livro, No caminho de Swann, foi publicado há 100 anos,alguém que se debruça sobre as incontáveis linhas só pode se manifestar impotente ao ver o abismo de uma tela em branco bem restrita e cheia de ameaças à sua frente. O espaço será sempre parco diante de um universo tão vasto, e os milhões de páginas escritas sobre as referidas quatro mil são apenas mais uma prova disso.
Vá lá. Os sete livros de Em busca do tempo perdido, essa obra maior da literatura universal, foram publicados entre 1913 e 1927. Proust morreu em novembro de 1922; quer dizer, metade de seu romance monumental foi publicada postumamente. Desde o segundo volume do quarto livro, Sodoma e Gomorra (1923), passando pelo quinto (A prisioneira, 1923) e sexto livros (A fugitiva – Albertine desaparecida, 1925) até chegar ao sétimo e último, O tempo reencontrado, publicado em 1927, sua obra foi póstuma. Dos livros anteriores, o primeiro, No caminho de Swann, foi recusado pela Gallimard, na época sob o comando de André Gide, e publicado às custas do autor há exatos 100 anos, em 1913, na pequena editora Grasset; o segundo, À sombra das raparigas em flor, já seria publicado pela Gallimard em 1918; o terceiro livro em dois volumes, O caminho de Guermantes (em Portugal o livro leva o título de O lado de Guermantes), foi publicado entre 1920 e 1921; e, por fim, o primeiro volume de Sodoma e Gomorra chegou aos olhos do público também em 1921, um ano antes da morte do autor.
O primeiro livro de Em busca do tempo perdido não chegou a causar sensação, e Proust só alcançou a fama depois que o segundo, À sombra das raparigas em flor, ganhou o Prêmio Goncourt, em 1919. Nos tempos da primeira guerra mundial, Proust ousava lançar uma obra marcadamente subjetiva, adquirindo desde logo a pecha de reacionário, que o acompanha até hoje segundo o conceito de boa parte da crítica que desconhece sua obra e não sabe o quanto Proust se ocupa da mesma primeira guerra no sétimo volume e que todas as transformações pelas quais passa não apenas a sociedade parisiense e francesa, mas o mundo inteiro, jorram livres no subsolo da narrativa.
A obra antes da Recherche
Antes de sua obra-prima, Marcel Proust se ocupou de um livro ensaístico intitulado Contra Sainte-Beuve, entre os anos de 1908 e 1910, publicado apenas em 1954. Mais do que uma obra autônoma, Contra Sainte-Beuve apresenta uma série de textos dos Cahiers, selecionados segundo pontos de vista específicos e também para clarear as diferentes etapas do desenvolvimento de Em busca do tempo perdido. Na obra, Proust ataca Sainte-Beuve e não se limita a acusá-lo de não ter reconhecido os verdadeiros gênios de seu tempo, emparelhados com autores de terceira categoria, mas inclusive questiona o método de abordagem do maior crítico francês da época. Segundo Proust, Sainte-Beuve encara os livros como uma espécie de salão ao qual dirige seus comentários em uma conversação elegante, mas sem substância – corrigindo aqui e retocando acolá, para elogiar além –, que jamais atinge o âmago da questão literária e vincula em demasia o comportamento do artista à qualidade de sua obra.
Mas Proust estreou mesmo na literatura com Os prazeres e os dias, uma coletânea de narrativas e esboços em prosa também publicada a suas próprias expensas em 1896. A narrativa mais conhecida da coletânea é “A confissão de uma jovem moça”, e principia com a mãe da moça contemplada no título morrendo de ataque cardíaco ao surpreender a filha em abraços proibidos com um homem. O sentimento de culpa leva a filha a uma tentativa de suicídio. Antes de morrer, ela ainda confessa por escrito como havia sido feliz com a mãe durante a infância e como passou a se sentir dilacerada entre as tentações do instinto e a severidade vã em relação a si mesma mais tarde. O clima da Combray da infância de Marcel, típico sobretudo do primeiro livro da Recherche,já aparece descrito em detalhes, e os efeitos da tão decisiva “memória involuntária” são antecipados de maneira pujante, por exemplo quando um momento fundamental da infância da filha é despertado e trazido de volta à memória em toda sua intensidade através de um beijo da mãe.
O livro Pastichos e escritos diversos (Pastiches et mélanges) reúne paródias e ensaios de Proust e foi publicado em 1919. A maior importância da obra – de qualidade irregular – é o fato de também desvendar detalhes que seriam desenvolvidos mais extensiva e intensivamente em seu romance definitivo, a Recherche.
Mas a obra que se aproxima mais de perto de Em busca do tempo perdido é o romance Jean Santeuil, no qual Proust trabalhou provavelmente entre 1896 e 1904, e que também seria publicado apenas postumamente, em 1952. O romance funciona como uma espécie de esboço à Recherche, como um manancial de matéria ainda não burilada suficientemente e nem de longe esgotada. Vários dos elementos temáticos da obra-prima já se encontram reunidos em Jean Santeuil. Ainda falta no romance, contudo, a estrutura decisiva que amarra a matéria “recordada” a um Eu mergulhado na atividade de recordar, bem como a dialética labiríntica do outrora e do agora, do ontem dos acontecimentos cheios de saúde e do hoje da lembrança enferma, posta em movimento pela já citada mémoire involuntaire.
A Recherche
Marcel Proust trabalhou quase vinte anos – e intensamente – em sua obra-prima.
Em busca do tempo perdido canalizou e catalisou de modo tão absoluto a energia produtiva do autor, que a obra está tão intimamente ligada a ele como nenhuma outra obra se encontra ligada a seu autor. A Recherche significa o supra-sumo quase único da produção de Proust, o turbilhão que devorou todo o resto de suas obras, transformando-as em meros esboços daquilo que viria mais tarde, em veredas que levam à grande clareira onde pôde enfim ser levantado o monumento de um romance imortal. Se James Joyce é lembrado pelo Ulisses, escreveu também os Contos dublinenses, o Finnegans Wake e o Retrato do artista quando jovem. Se Robert Musil é lembrado por O homem sem qualidades, escreveu também O jovem Törless, os três contos grandiosos de Três mulheres, uma série de peças teatrais, ensaios como “Sobre a estupidez” e as duas novelas de As reuniões. Se Guimarães Rosa é marcado pelo Grande sertão: veredas, também é o autor de Sagarana, de Tutaméia etc.
Em busca do tempo perdido fez de Marcel Proust um mito.
Tanto que hoje em dia todo mundo sabe – ou poderia saber – até mesmo o que o autor apreciava em seu café-da-manhã (duas xícaras de café bem forte, da marca “Corcellet”, com leite quente, e dois croissants da Rue de la Pépinière), servido pela fiel Cèlèste em uma bandeja de prata, porém jamais antes das quatro ou cinco horas da tarde. E inclusive conhece – ou poderia conhecer – o número fabuloso de toalhas que o autor usava para secar sua pele sensível (seriam cerca de vinte por dia, mostrando que todas as estrelas contemporâneas não passam de plagiárias). Depois de não atender aos desejos do pai, o médico Adrien Proust, que o queria na carreira diplomática, Marcel Proust tentou a advocacia e mais tarde foi corretor da bolsa. Nada deu certo, nem a profissão de bibliotecário, que jamais chegou a desempenhar de verdade, apesar de ser detentor do cargo. Do fracasso profissional do homem, nasceu o artista…
Pouco antes de começar efetivamente os trabalhos na Recherche, Proust ainda participou da tradução de duas obras do crítico de arte, escritor e poeta inglês John Ruskin, A bíblia de Amiens, publicada na França em1904, e Sésamo e flor-de-lis, publicada em1906. O trabalho nas obras e o entusiasmo de Proust em relação ao autor inglês é decisivo no desenvolvimento de alguns conceitos artísticos trabalhados em Em busca do tempo perdido.
Mas que é de Em busca do tempo perdido?
A obra é circular e o narrador planeja, ao final da mesma, escrever a obra que acaba de concluir, apresentando o plano daquilo que realizou. Quer dizer, no fundo o autor apenas está começando a escrever o romance que o leitor acaba de ler. Em uma visita ao salão da nova e surpreendente princesa de Guermantes, ao qual só vai por mais uma vez não conseguir começar a escritura da obra – se não nasci para a arte, não vou abrir mão da vida, pelo menos, ainda que enfadonha –, o narrador tem uma grande epifania e descobre como as coisas devem ser ditas e volta pra casa pra viver na solidão e reconstruir sua vida. E seu romance é, ao mesmo tempo, a história de uma vida individual, e um grande romance societário de arcabouço semelhante ao de A comédia humana, de Balzac, ainda que bem mais concentrado, e fundamentado sobre um único personagem, que poderia se chamar Marcel.
Ele caracteriza-se pela complexidade de planos temporais paralelos, pelas nuances de luz e sombra projetadas sobre o narrado. São círculos concêntricos de narrativas e personagens incontáveis, abandonados agora para voltar a ser retomados centenas de páginas adiante, revelando sempre novos e surpreendentes aspectos de sua personalidade. O universo das figuras é tão vasto que a edição da Recherche feita pela Plêiade entre 1987-1989 traz um índice de personagens com mais de 120 páginas.
Realidade e ficção
Muitas das personagens de Proust são baseadas em figuras reais, que viveram na época em que o autor frequentava assiduamente os salões de Paris.
Hoje é domingo, mas se não fosse seria feriadoem Dublin. Mas há comemorações do Bloomsday em muitíssimos lugares do mundo. Uma rápida consulta ao Google comprova que haverá festas em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, uma enorme em Brasília com a presença de Augusto de Campos, em Natal, outra tradicional em Santa Maria (RS) — já com dezenove anos — , entre outras. Se em Dublin o feriado existe para que as pessoas possam relembrar os acontecimentos vividos pelos personagens de Ulisses, de James Joyce, pelas dezenove ruas da cidade citadas no livro, em outras locais os admiradores do romance promovem leituras, debates, análises ou apenas diversão.
Tudo indica que o Bloomsday seja o único feriado em todo o mundo dedicado a um livro, excetuando-se a Bíblia.Read More
Édouard Dujardin é o inventor do monólogo interior, também chamado de fluxo de consciência. A técnica, cuja invenção e utilização são normalmente atribuídas a Joyce, foi creditada pelo irlandês a Dujardim (1861-1949), assim como também parte de sua inspiração para escrever Ulysses. E paramos por aí, pois o livro do simbolista francês não tem nada a ver com uma leitura de Joyce. Apesar de ser bem mais que um tuíte, o livro de Dujardin está mais para a curiosidade histórica ou para uma aula de como tudo isso começou. Publicado em 1888, Os loureiros estão cortados (Brejo Editora; 2005; 117 páginas) acompanha os pensamentos de um jovem que, durante seis horas, caminha por Paris à espera de sua amante. A história é interessante, pois o homem morre de medo da bela mulher que o suga financeiramente.
É um bom livro, simples, fácil de ler, mas é arqueologia literária, trampolim para escritores maiores, como Woolf, Faulkner, Joyce e meio mundo. O engraçado é que o autor francês definiu seu achado:
Discurso sem interlocutor e não pronunciado através do qual um personagem exprime seus pensamentos mais íntimos, mais próximos do inconsciente, anteriores a qualquer organização lógica, isto é, no seu estado original, por meio de frases diretas reduzidas à sintaxe mínima, de maneira a dar a impressão de não terem sido elaboradas.
Menos, Dujardin, menos. Quem conseguiu foram outros. Teu texto parece prosa poética. Menos.
Depois de tudo que escrevi sobre Ulysses em 2012 (ver lista de links abaixo), meus sete leitores poderiam prever facilmente sua reaparição nesta lista, não?
Bloom acorda. Prepara o café da manhã para sua mulher, Molly. Assiste a um enterro. Visita um editor de um jornal. Almoça. Olha um anúncio de jornal na biblioteca. Responde a uma carta recebida. Janta. Encontra o amigo Dedalus. Vagueia pela praia. Masturba-se olhando uma moça. Reencontra Dedalus. Vão a um puteiro. Encaminham-se para a casa de Bloom. Entabulam uma conversa filosófica. Dedalus vai embora e Bloom retorna ao leito conjugal, onde dormirá enquanto sua mulher tem fantasias quentíssimas.
Tudo isso em apenas um dia, 16 de junho de 1904. São 18 capítulos que cobrem aproximadamente 18 horas. Cada capítulo escrito de forma totalmente diferente, cada cena fazendo mil referências, principalmente à Odisseia de Homero. Não é uma epopeia do cotidiano, mas sim uma obra anti-épica, cujo naturalismo não se percebe no nível mais superficial da narrativa. As frequentes transgressões linguísticas, a justaposição de frases ostensivamente poliglotas, a mistura de estilos — épico, lírico, drama, comédia — são os percursos seguidos por Joyce com a finalidade de quebrar os protocolos estabelecidos do gênero do romance para chegar à essência das coisas e à exploração do inconsciente, escondido pelas aparências. O que mais me fascina são os 18 estilos diferentes, os 18 escritores chamados por Joyce para escreverem o maior romance do século XX.
Desde que acorda até voltar à cama — onde sua Penélope-Molly tece enorme teia de fantasias eróticas que nunca serão do conhecimento do marido –, Leopold Bloom protagoniza um monumento de rara sutileza, difícil de penetrar, mas só quem tenta obtém chegar a suas grandes iluminações.
O livro foi proibidíssimo e apenas chegou a nós por milagre. Por exemplo, um episódio do livro, entregue a uma datilógrafa, chocou de tal forma seu marido que este o arremessou às chamas. havia outra cópia menos revisada, com Joyce. Durante a Primeira Guerra Mundial, um capítulo inteiro — Sereias — foi interceptado por autoridades militares que desconfiaram que aquilo era uma longa mensagem escrita em código… Algo vital para o inimigo, certamente…
Suas características satíricas, viscerais e brutalmente depreciadoras do real, chocaram profundamente a sensibilidade do leitor médio, decepcionado ainda pela fascinação do autor pela linguagem, pelas várias formas narrativas, louca musicalidade e certamente pela descontrolada e incerta potencialidade semântica.
O mais extravagante, divertido e sujo dos livros.
Mais Ulysses: tem muito mais neste blog, mas pode ser aqui, aquie aqui, pra começar. Para o resto, é só pesquisar.
Os monólogos interiores de Ulysses ainda eram uma novidade na época do lançamento do livro. Na verdade, o stream of consciousness não foi uma invenção de Joyce e sim do francês Édouard Dujardin, cujo livro Os loureiros estão cortados foi lançado pela editora porto-alegrense Brejo, em 2005, com prefácio explicativo de Donaldo Schüller. O monólogo interior permite ao leitor de Joyce, fazer o contraste entre a riqueza da vida imaginativa de um indivíduo contra o fundo da pobreza de suas relações sociais. Quando comparados com a vida interior dos personagens, os diálogos de Ulysses não são grandemente satisfatórios. Leopold Bloom não perdoa as traições de Molly verbalmente, porém sabemos detalhadamente, por seu íntimo, que ela está perdoada. Os personagens do Ulysses são enorme, imensamente fluentes em seus interiores, mas não são nada articulados verbalmente. Vão embora sem dizer o que têm em mente e é apenas na solidão que alcançam suas verdadeiras vozes. O que dizer do monólogo final de Molly Bloom? Ali ela expõe-se de uma forma muito transgressora — não está sozinha enquanto o marido dorme ao lado? — , tem fantasias que surpreendem mesmo um século depois. Joyce, escrevendo de dentro dos pensamentos do cérebro de Molly, constrói o gozo feminino com primeiro com liberdade e depois com humor, celebrando como nunca antes o desejo da mulher numa época em que a psicanálise ainda não o fazia.
Os encontros, como o de Bloom com Gerty MacDowell, são em geral sem palavras, conduzidos pelo corpo. Há muitas frases pela metade. Por exemplo, após masturbar-se na praia, Bloom escreve na areia “sou um”. O casamento com Molly também serve para ilustrar a falta de articulação. É uma ligação silenciosa de duas pessoas que compartilham uma casa, uma cama, quem sabe amor, mas não uma vida.
E Bloom, como dissemos, comporta-se estranhamente para um homem da virada do século. Arruma a cama, limpa o lençol, tem sentimentos de empatia para com uma mulher grávida, preocupa-se com a filha, morre de saudades do filho, têm fantasias de que está grávido. Mais: Bloom sente-se inconformado e invejoso pela centralidade da mulher no processo dar à luz. Seis semanas antes de seu filho Rudy nascer, é visto comprando uma lata de alimento infantil, o que prova para seus amigos que ele não é bem um homem. Pior: eles dizem que ele, uma vez por mês, fica com dor de cabeça “como uma franguinha com as regras”. Também como talvez uma mulher fizesse, ele evita que Gerty o veja de perfil, quer que ela o veja em seu melhor ângulo. Depois Gerty faz o mesmo.
Ulysses borra a distinção entre os sexos. No episódio “Penélope”, o leitor entra nos pensamentos de Molly enquanto ela se encontra na cama ao lado de Bloom, ao final do dia. O monólogo revela a promiscuidade de Molly, suas lembranças de relacionamentos anteriores e memórias de sua família. Quando lembra da amamentação de Milly, ela fala que algumas vezes amamentou simultaneamente também a Bloom: “Eu pedi para chupar meus seios, ele disse que o que saía era doce e mais espesso do que o das vacas”. Enquanto muitos acharam e ainda acham isso o cúmulo da pornografia, talvez seja melhor relacionar a cena à sugestão de que a mulher pode ser uma provedora familiar ou que pode rebaixar o homem a uma posição infantil. Nas duas hipóteses, o texto de Joyce subverte a masculinidade.
Em seu ensaio prévio à última edição do Ulysses, Declan Kiberd afirma que na verdade, Bloom e sua esposa comportam-se como verdadeiros andróginos. Eles seriam “encarnações das palavras de Freud de que mulheres dominadoras e viris são atraídas e atraentes para os homens femininos”. A sensibilidade associada à feminilidade e a agressividade associada à masculinidade não funcionam para o casal. No entanto, as qualidades femininas de Bloom e as dominadoras de Molly não garantem uma vida sexual em comum e a impressão que fica é de uma incompatibilidade confortável para ambos. No monólogo, Molly exibe suas características masculinas na recapitulação de seu primeiro encontro sexual com Bloom em Howth Head, em consonância com que já sabíamos de Bloom: “Ela me beijou. Fui beijado. Estava à sua mercê e ela arrumou meu cabelo. Beijado. Ela me beijou.” (A simbologia adquire mais força quando ele recorda que Molly, em seu primeiro encontro, mastigou um pedaço de bolo e, beijando-o, colocou-o quente e mastigado em sua boca), como se fosse uma mamãe pássaro.
Bloom não deseja impedir o adultério de Molly com Blazes Boylan. Ele chega a imaginar uma cena na qual entrega sua esposa a Boylan. Essencialmente, ele permite a infidelidade da esposa para que ela possa experimentar o prazer enquanto ele procura a sua própria e particular satisfação com as mulheres de Dublin.
Em Ulysses, Joyce tenta descrever outras situações da sexualidade humana, ainda não presentes em romances. Joyce não julga nem demonstra desejo de advogar como acertadas, entre aspas, determinadas práticas ou condutas sexuais, mas revela a inconsistência dos comportamentos estereotipados de gênero, ao mesmo tempo que coloca o desejo no centro de muitas, muitíssimas de nossas ações.
Além de contradizer a sociedade, Joyce igualmente contradiz a religião. A masturbação de Bloom é justaposta a um serviço religioso, claramente a fim de comentar as restrições que a religião coloca sobre as expressões sexuais pessoais. Descrevendo o Bloom onanista, com o serviço religioso ocorrendo em background, Joyce faz várias citações bíblicas, transformando Gerty num piedoso emblema de uma Virgem Maria de natureza libidinosa, que incita Bloom. Joyce parece fazer piada com a possibilidade da religião dominar o desejo carnal, apresentando a concupiscência como um componente óbvio e intrínseco a toda a existência humana. E segue desafiando modelos quando Bloom se envolve em encontros voyeuristas durante sua jornada em Dublin.
Joyce conhecia e respeitava Freud, porém Ulysses não necessariamente se encaixa nas obras dos psicanalistas da época. A incorporação da sexualidade pelo Ulysses exemplifica principalmente um não-conformismo. Durante todo aquele 16 de junho, os protagonistas do Ulysses tiveram que enfrentar muitas coisas. Porém, quando focamos uma lente crítica sobre as representações de sexo no romance, podemos notar como Joyce foi cuidadoso ao construir e apresentar os apetites sexuais de cada personagem. Ao usar o sexo como uma ligação entre seus personagens e leitores, James Joyce foi capaz de criar representações universais formadas por muitas camadas. Notem como o romance é finalizado com o orgásmico “sim” de Molly, algo que é final e evidentemente muito afirmativo. Foi certamente a primeira vez que tivemos acesso a tamanha interioridade. O recurso narrativo do fluxo de consciência, despregado das limitações dialogais, demonstra claramente cada identidade.
Segundo Álvaro Lins citado em artigo do escritor Franklin Cunha, Joyce foi “um revelador do caos num mundo em desordem”. Consciência e subconsciência, angelitude e animalidade, idéias e instintos, natureza física e natureza psíquica, é o ser humano sempre por inteiro que Joyce busca apresentar em sua obra. No imenso mar joyceânico nenhuma concepção é ignorada, elas estão no livro e nas mentes dos personagens bem como estão as realidades que as representam. Segundo Edmund Wilson, Joyce, a partir desses eventos,” edificou um quadro espantosamente vivo e fiel do mundo cotidiano, o qual possibilita uma devassa e um acompanhamento das variações e complexidades de tal mundo, como nunca foi feito antes.
Estilisticamente pantagruélico, Joyce, em Ulysses, não apenas constrói o romance moderno como o ameaça com um catálogo aparentemente interminável de temas e estilos. E, dentro deste amplo cenário, invoca Eros como metáfora universal da condição humana.
Em Ulysses, Leopold Bloom é um cidadão irlandês, pai e marido de Molly. Teve dois filhos, Milly e Rudy, sendo que o segundo morreu onze dias após o nascimento e Milly — que está com 15 anos em 16 de junho de 1904 — estuda em outra cidade. Ela aparece no romance apenas nas saudades de Bloom, o qual também lamenta muitíssimo a perda de Rudy. Ele é um bom pai de quase quarenta anos e começa o dia de forma tipicamente irlandesa. A primeira coisa que come são rins de carneiro grelhados, eles exalam um leve e inebriante perfume de urina. Porém, não vim aqui criticar a gastronomia irlandesa e britânica. Faço referência a este quarto capítulo porque nele Bloom aparece servindo sua mulher-ninfa na cama. É importante notar que é ele quem serve o breakfast, não o contrário. Bloom, que foi confessadamente criado por Joyce para ser o homem comum, o everyman, aparece sem heroísmos, com uma dimensão inteiramente humana, sem atitudes épicas.
Em 1905, Joyce escreveu a seu irmão Stanislaus:
Você não acha a busca pelo heroísmo uma tremenda vulgaridade? Tenho certeza de que toda a estrutura do heroísmo é, e sempre foi, uma mentira e que não há substituto para a paixão individual como força motriz de tudo.
O amor de Bloom manifesta-se diferentemente, ignorando posturas machistas, nas atitudes e nos pensamentos em relação à família, mas uma das surpresas de Ulysses é como esta rotina é contraposta à sexualidade que aparece no romance. Boa parte do enredo de Ulysses gira em torno do casal Molly e Leopold e de sua inaptidão para sentir prazer físico e emocional um com o outro. Seja através da narração onisciente, seja por monólogos interiores, o texto documenta minuciosamente as abordagens sexuais inteiramente diversas e as tentativas românticas do casal. E estas ocorrem sempre SEPARADAMENTE. Durante o curso do dia, Molly comete adultério com Blazes Boylan, enquanto Bloom envolve-se com práticas sexuais voyeuristas, masturbatórias e, por que não dizer?, masoquistas. Mesmo que Bloom participe ativamente destes encontros, é curioso como Joyce obtém mantê-lo longe do estereótipo do fauno sedento por sexo e prazer. Bloom é o anti-herói, o low profile, o personagem simpático, agradável, amistoso e apagado. Mesmo o erotismo evidente de certas participações de Bloom, acaba diluído em gentileza e bonomia. Ele é pai e marido, possuidor de qualidades maternas, pacifistas, até femininas.
Os limites rígidos que compunham a prática religiosa e as normas sociais na virada do século XX são demasiadamente sufocantes para a expressão de Joyce da individualidade e do desejo carnal. No episódio em que Bloom masturba-se na praia, observando Gerty MacDowell, tendo por fundo um culto religioso, Joyce não apenas justapõe religião e erotismo, mas incorpora uma prática sexual não convencional.
Com isto, ele desafia o senso comum do que seria a sexualidade na virada do século XX e utiliza seu romance como um veículo através do qual pode expressar seu desejo de fundamentar sua crença no instinto e no físico — não esqueçam que cada capítulo do Ulysses refere-se também a uma parte do corpo humano. Para Joyce, a sexualidade é um ato de expressão da natureza. Neste sentido, concordava inteiramente com D.H. Lawrence, o qual desejava conceder ao corpo um reconhecimento igual ao que era dado à mente. É claro que tais intenções do romance iam ao encontro das teorias de Freud — o desejo sexual como energia motivacional primária da vida humana –, mas ia contra a moral vigente da virada do século. Os encontros de Bloom com mulheres no livro parecem servir de alívio para a exclusão social e a traição de Molly, são o meio utilizado por ele para adquirir o equilíbrio ou equanimidade entre sua existência e a de Molly.
Ulysses é um texto que procura minar e redefinir as noções de gênero e de hierarquia na sociedade patriarcal da época. O romance não promove a superioridade masculina, mas eleva as mulheres e a feminilidade. Não só Joyce inverte a hierarquia social predominantemente masculina, como confunde e desafia a noção de gênero na dicotomia da criação de um casal formado por um homem delicado e feminino e uma mulher decidida. Nesta combinação, o casal Molly e Leopold, desafia os estereótipos que definem a masculinidade como agressiva e dominadora e a feminilidade como passiva e reservada.
Salman Rushdie escreveu em seu ensaio The Short Story: “Comumente o que é pornográfico para uma geração, é clássico para a geração seguinte”. A frase parece ser perfeita para Ulysses: enquanto a censura do início do século XX considerava o texto imoral e inadequado, ele agora oferece para nós um quadro riquíssimo para a exploração e análise da sexualidade de personagens extremamente bem construídos, sendo que um deles era “o homem comum”.
Eu poderia definir a pornografia como a apresentação de cenas destinadas a despertar desejo sexual no observador? Assim como num filme de sexo explícito, Uliyses rastreia movimentos e sensações corporais, realizando (ou escandalizando) o desejo do leitor de observar com precisão a mecânica do corpo. No entanto, Joyce não faz pornografia: aqui, a predição de Rushdie funciona perfeitamente: apesar de possuir elementos pornográficos, Ulysses oferece a transformação da pornografia em uma forma de arte clássica. Tendo lido e estudado psicanalistas como Freud, Joyce nos oferece não apenas uma nova ficção e linguagem, oferece-nos um ponto de vista original para entender o sexo. A atitude perante a sexualidade estava mudando após a virada do século, especialmente na esfera psicanalítica, e Joyce reflete em Ulysses este novo interesse na sexualidade, o crescimento de uma ciência sexual e o desenvolvimento de novos conceitos que rompiam cabalmente a associação entre sexualidade e reprodução. Joyce pertencia ao grupo de grandes pensadores da época, que procuravam entender e redefinir a sexualidade. Declan Kiberd afirma jocosamente que “Ulysses era não apenas um exemplo de um empreendimento comercial de alto risco, mas também um manual muito particular que extrapolava em muito questões literárias”.
É importante salientar a relação de Joyce com a tradição inglesa do romance. A Irlanda estava sob o domínio inglês. Os ancestrais de Joyce abandonaram lentamente o gaélico — ainda falado em regiões rurais da Irlanda — pelo inglês. Deste modo, os irlandeses viviam a uma certa distância da literatura inglesa ou ao menos utilizavam a língua com menor respeito, muitas vezes com insolência. Deste modo, há, além das ideias de Joyce, um aspecto sociológico que torna a quebra da tradição um ato até desejável de afirmação de nacionalidade. Joyce não falava mal de Dublin e da Irlanda, como alguns afirmam, mas era, sim, contra a sentimentalização do passado, revoltava-se contra o provincianismo de achar que o passado — mesmo um inventado, como o dos gaúchos tradicionalistas — ia voltar.
A lenta e atenta releitura de Ulysses — feita logo após conhecer vários ensaios acerca do livro — tem sido muito prazerosa, tanto que me preocupo por já estar na página 743 do volume da Penguin-Companhia. Desconheço o original, mas por tudo o que sei, creio poder afirmar que a tradução de Caetano Galindo está muito mais próxima de Joyce, inclusive e principalmente pelo fato de ser hilariante. Joyce não era um senhor que tomava sopa de letrinhas em todas as refeições, Joyce era um erudito e homem comum, bem tarado, desses que gostam de falar de mulher e inventar piadas masculinas de gosto duvidoso. Tais características estão no livro.
Sim, nada disso simplifica a leitura de Ulysses, apenas dá mais um ingrediente a uma mistura muito boa. Em muitos trechos, o livro justifica plenamente Virginia Woolf, que achou-o vulgar. Noutros trechos, ignorados por Virginia — os ingleses tinham um problema real com o tratamento dado ao inglês pelos irlandeses egressos do gaélico — , Leopold Bloom aparece em clara androginia. No episódio Circe, dentro do bordel, escrito no estilo que Joyce chama de “Alucinação”, Bloom participa de um julgamento após ter prestado juramento com a mão sobre a genitália. Ali, ele ouve várias acusações sobre ser muito feminino. Aqui, o termo correto não é homossexualidade, mas androginia, pois é muito sublinhado que Bloom pensa muito em sexo com mulheres, mas tem um comportamento tão pouco machista para a época que seus interlocutores sugerem que ele é uma mulher.
Na verdade, tenho mil observações sobre o livro, tudo anotado a caneta no meu exemplar, mas me dá uma preguiça de organizar que nem lhes conto.
Mais uma anotação da terceira tradução e leitura de Ulysses, a MELHOR, sem dúvida.
E então mudamos de capítulo e, como ocorre sempre em Ulysses, muda o escritor. Entra um que parece viver em pleno esplendor kitsch:
O entardecer estival começara a envolver o mundo em seu misterioso abraço. Longe no Oeste o sol se punha e o último reluzir do dia fugaz brilhava ainda encantador sobre mar e areia, o altivo promontório do nosso querido Howth, vigilante como sempre sobre as águas da baía, as pedras cobertas de algas da praia de Sandymount e, com não menos importância, sobre a tranquila igreja de onde brotava por vezes no silêncio do ar em tornoa voz das preces a ela que em sua pura radiância é um farol para o coração do homem, fustigado pelas tormentas, Maria, estrela do mar.
As três amiguinhas estavam sentadas nas pedras, aproveitando o espetáculo do crepúsculo e…
Joyce é um baita gozador. Logo depois vem a famosa cena de masturbação de Bloom sob o olhar e a provocação de Gerty MacDowell, uma das três amiguinhas. Não, não cabe num tuíte, Paulo Coelho. E este livro é demais e é muito, mas muito divertido.
Não posso dizer que lamentei esta matéria. Ao contrário. Por admirar Jorge Luis Borges, Paul Rabbit já escreveu livros com os títulos de O Aleph e O Zahir. Acho que ele jamais escreverá sua versão de Ulysses. Que bom!
Escritor brasileiro descarta clássico modernista sobre um dia da vida de Leopold Bloom. Chama-o de “puro estilo”
Ulysses, de James Joyce, tem vencido enquetes e mais enquetes como o maior romance do século 20, mas, segundo Paulo Coelho, o livro é “uma idiotice”.
Antes, porém, falou de si ao jornal brasileiro Folha de S. Paulo. Coelho disse que o motivo de sua popularidade é o de ser “um escritor moderno, apesar do que dizem os críticos”. Isto não significa que seus livros sejam experimentais, acrescentou — sim, “eu sou moderno porque faço o difícil parecer fácil e então eu consigo me comunicar com o mundo inteiro”.
Os escritores se dão mal, de acordo com Coelho, quando se concentram na forma e não no conteúdo. “Hoje em dia escritores querem impressionar outros escritores”, ele disse ao jornal. “Um dos livros que causaram maior dano foi Ulysses de James Joyce, que é puro estilo. Não há nada lá. Desmontado, Ulysses é uma idiotice”.
Os livros e romances espirituais de Coelho — cujo último, Manuscrito encontrado em Accra, passa-se na Jerusalém de 1099, prestes a ser atacada por cruzados — já venderam mais de 115 milhões de cópias em mais de 160 países. Ulysses, o romance modernista de Joyce, com 265.000 palavras sobre um dia na vida de Leopold Bloom em Dublin, foi publicado pela primeira vez com uma tiragem de 1.000 exemplares em 1922. Essas primeiras edições pode ser adquiridas hoje ao valor de R$ 320 mil e a existência do livro é comemorada todos os anos e em todo mundo no dia em 16 de Junho, data em que Bloom vagou por Dublin.
Embora Ulysses frequentemente encabece listas de melhores livros, não é raro que o critiquem. Coelho não é o primeiro a criticar obra-prima de Joyce. Roddy Doyle disse em 2004 que duvidava que as pessoas que os colocavam no topo tivessem sido realmente tocadas por ele.
P.P.S. — Idelber Avelar escreve para mim no twitter, prenhe de razão: há um probleminha de tradução: “stripped down, Ulysses is a twit”. É um TUÏTE, não uma ‘idiotice’. Abraços.
Ontem, fiquei comovido com a beleza e a irreverência de uma pequenina cena do Ulisses (ou Ulysses), na terceira tradução de Galindo. Estava no ônibus voltando para casa. É muito simples e está entre as páginas 385 e 388 do livro da Cia. das Letras e Penguin. O padre Conmee caminha pelas ruas de Dublin pensando nas almas dos negros, pardos e amarelos. São milhões de almas humanas criadas por Deus a Sua semelhança e a quem a fé não tinha sido trazida. Um desperdício, ele conclui. Seus pensamentos obviamente vão até a obra de São Pedro Clavere seguimos pelas ruas acompanhando seus pensamentos.
A passagem de Dom John Conmee tem reflexos nos passantes. O monólogo interior passa de um a outro com extrema leveza. Uma senhora apática, não tão jovem, o vê. Ela pensa: quem poderia saber a verdade? Quem avaliaria se ela tinha ou não cometido adultério por inteiro? Seu confessor? Ela confessaria pela metade se não tivesse pecado por inteiro. Mas só Deus sabia, além dela e do irmão de seu marido.
Depois ele olha uns meninos brincando quando um rapaz surge através de uma fenda que se abre de uma sebe. Bela imagem. Atrás dele vem uma moça com margaridas do campo na mão. Ele põe o boné, ela limpa da saia “com lenta atenção” um graveto que grudou-se ali. O padre abençoa a ambos com gravidade.
No final, uma citação em latim: Principes persecuti sunt me gratis: et a verbis tuis formidavit cor meum. Algo como: e os príncipes me perseguiram sem causa, e no temor de tuas palavras o meu coração. John Conmee foi reitor do Clongowes Wood College, quando Joyce era um estudante lá. Ele também aparece no Retrato do Artista Quando Jovem: Stephen Dedalus o procura após ter sido injustamente punido pelo padre Dolan. Joyce trata o Conmee-personagem com carinho.
É lindo como o sexo liga os personagens em Ulysses. E era isso. Vou trabalhar.
O último Bloomsday e a necessidade de falar sobre o livro me fez ler a segunda tradução de Ulisses no Brasil, a de Bernardina da Silveira Pinheiro (888 páginas). E, logo depois do evento, comecei a ler a terceira, a de Caetano Galindo, que chama o livro de Ulysses. Quando li Ulisses pela primeira vez, no final dos anos 70, lembro de ter pensado que era um livro com excesso de personagens homens e da curiosa música da prosa de Joyce por Houaiss. Detestava falar sobre o livro, pois achava que minha leitura era muito inferior do que a requisitada por Joyce. Eu tinha perdido o jogo, simples assim. Perdi o pudor ao ler Bernardina e minha impressão foi a de que havia sexo em tudo, permeando, ligando e afastando personagens. Agora, faço ainda outra leitura: capto muito humor na tradução de Galindo. Isto é causado por mim ou pelos tradutores?
E qual é a melhor tradução? Não sei responder. O que sei é que me apaixonei três vezes por Ulysses e que nunca estarei à altura dele, mas que isto não é de todo mau. Trata-se de um romance, de uma obra de arte, não de um quebra-cabeças. Estou bem feliz na página 285. Ao mesmo tempo levo um livro de Eliane Brum e outro sobre o Vaticano na bolsa, só que o desafio de Ulysses torna boba a concorrência e, quando abro o zíper, sempre vou no livrão. Amanhã, no ônibus, vou de novo nele.
Nascido a 2 de fevereiro de 1882 em Dublin, James Joyce sempre foi um jovem inquieto e preocupado com o fato de que a Irlanda o traía constantemente, tratando a nova geração de artistas como “a porca que devora sua prole”. Havia poucas oportunidades: sufocada pela bota inglesa, fossilizada por um catolicismo moralista, a nação era descrita por uma palavra que o próprio não hesitou em colocar na abertura do conto As irmãs: paralisia.
Era a paralisia espiritual do nacionalismo pueril das peças mitológicas de W.B. Yeats e John M. Synge que alegravam o público do Abbey Theatre, ponto de encontro dos intelectuais dublinenses. A mente de Joyce, como o próprio dizia aos colegas, lhe parecia ser mais interessante do que o que acontecia no país. Absorvia o melhor de uma civilização ocidental que a Irlanda se recusava em aceitar; prodígio de intelecto e de arrogância, já criava uma teoria estética que se aproveitava de Dante, Aristóteles e Tomás de Aquino; e ficava absolutamente maníaco quando via um fato inusitado no cotidiano de Dublin, não hesitando em anotá-lo em um caderninho, para depois apelidá-lo carinhosamente de “epifania”. Dirigia-se para um lugar ainda inexplorado e a sociedade onde vivia não percebia o que acontecia nela porque estava viciada nas correntes do provincianismo.
Segundo T.S. Eliot, ser “provinciano” não significa “não possuir a cultura ou o requinte da capital”, muito menos ser “estreito no pensamento, na cultura e no credo”. É algo além — e mais trágico para a cultura de uma nação que se pretenda saudável. Refere-se “também a uma distorção de valores, à exclusão de alguns, ao exagero de outros, que resulta, não de uma falta de ampla circunscrição geográfica, mas da aplicação de padrões adquiridos dentro de uma área restrita, para a totalidade da experiência humana, que confundem o contingente com o essencial, o efêmero com o permanente. (…) É um provincianismo, não de espaço, mas de tempo (…), a propriedade da qual os mortos não partilham. [Sua ameaça] é que podemos todos, todos os povos do mundo, ser provincianos juntos; e aqueles que não estiverem satisfeitos podem apenas tornar-se eremitas”.
Joyce não chegou a se tornar um eremita. Foi além: assumiu a postura do gênio que vai contra qualquer regra da sociedade. Recusou a Igreja, não aceitou o que seus pais lhe ensinaram, muito menos os conselhos dos amigos prudentes. Encaminhava-se para “a completude e a experiência da vida” e não se importava em admitir que havia um abismo separando-o da antiga geração. Sua jornada era tão conscientemente solitária que, ao se encontrar com W.B. Yeats, fez questão de ampliar a lacuna. Conta-se que Joyce respondeu da seguinte forma a Yeats, após os dois terem se encontrado em uma reunião em que os elogios deste não encantaram o primeiro: “Nós nos encontramos tarde demais. O senhor é velho demais para que eu tenha qualquer efeito sobre o senhor”.
Joyce era ainda um escritor em formação; escrevera alguns versos, planejava alguma carreira de cantor ou de ator. Precisava de mais algumas experiências para realizar aquilo que acreditava ser a sua missão: “forjar a consciência incriada da sua raça”. Buscava a compreensão da realidade como uma unidade, como a manifestação de um divino que se imiscuía no cotidiano paralisado de Dublin. Apesar de seu Nonserviam em relação à Igreja — atitude com a qual Joyce manteve uma relação ambígua por toda a vida —, é nítida a intenção de se mostrar como um artista que procura um Deus que está além do “grito na rua” em que seus compatriotas o transformaram. E ele sabia que, para forjar a tal consciência, teria de aceitar dois fatos extremos: a compreensão da morte como parte integrante da vida e o reconhecimento da condição humana como perpétuo exílio.
Espírito torturado
Esses fatos seriam o fardo nos ombros de Stephen Dedalus, o anti-herói de Retrato do artista quando jovem, romance autobiográfico que mostra James Joyce exibindo ao mundo o que aprendeu ao aplicar seu espírito às artes desconhecidas. Seu nome é uma união de duas personalidades marcantes do mundo antigo: o primeiro mártir cristão, Estevão, que, conforme nos conta Atos 7:55-60, foi apedrejado pela multidão de Jerusalém ao gritar na rua sobre a ressurreição de Cristo; e o arquiteto Dédalo, criador de construções como o labirinto que aprisionava o Minotauro, e pai de Ícaro, com quem fugiu da sua própria criação ao criar asas de cera, mas viu seu filho morrer afogado no mar por não escutar os conselhos de voar distante do sol.
Joyce não escolheu esses nomes ao acaso. Acreditava realmente que era um mártir e que a literatura era a fuga da paralisia dublinense. A figura de Stephen surgiu na adolescência e foi elaborada, em primeiro lugar, em um romance autobiográfico inacabado, Stephen hero. Ela tinha todas as qualidades e defeitos de Joyce: a petulância, o pedantismo de uma erudição que se preocupa com sua própria mente, a constante intransigência com o país, a família e os amigos. Entretanto, ao transformar Stephen hero em Retrato do artista, Joyce queria aprofundar a objetividade da consciência e, além disso, tornar Stephen mais distante de si próprio — era necessário que se tornasse um personagem e não apenas um alter ego. Retrato do Artista realiza isso com perfeição: o início é um passeio pela consciência infantil do jovem Stephen; conhecemos sua família, sua educação, seus amigos, sempre de forma indireta; pouco a pouco, o estilo se desenvolve para uma exploração de sentimentos e de emoções que se transformam em uma música das sensações. Joyce retrata o crescimento de uma mente que opta pelo exílio dentro do seu país porque a perseguição é a única forma de encontrar um sentido na vida dublinense.
Como o próprio Dédalo, Stephen está preso não só no labirinto onde foi jogado, mas também no que ele próprio criou — onde seu espírito está sendo torturado por pensamentos que não consegue apreender corretamente. Esta é uma observação importante porque sem ela não podemos entender Ulysses, e nos permite corrigir um grande erro que rondou a obra de Joyce: a de que ela seria uma apologia do orgulho satânico.
Sem dúvida, Stephen é um orgulhoso, e falaremos sobre isso adiante; mas é o orgulho patético do jovem que se sente mais importante do que o país onde vive. Não se trata de revolta contra a realidade ou contra Deus. A citação do nome de Stephen ao primeiro mártir cristão prova isso — apesar do Non serviam contra a Igreja que ecoa nos ouvidos. A prisão mental de Dedalus, sua planejada fuga para o exílio em Paris (que ocorre no final de Retrato) e o encontro com sua vocação artística são apenas os primeiros passos para a verdadeira intenção de Joyce, e que se revelam como uma profunda análise do artista maduro sobre o que move a pessoa determinada em criar um novo mundo dentro dos limites do exílio. Stephen sempre se deparará com a prisão da sua alma — que foi criada justamente pelo orgulho da traição.
E o orgulho da traição, se isso for possível, acontece justamente por causa da condição que chamamos de exílio. O poeta russo Joseph Brodsky, um exilado de primeira categoria, escreveu certa vez que o verdadeiro exílio nos ensina três coisas: que a condição humana é um exílio metafísico que nos põe em constante estado de tensão, seja no pensamento ou no espírito; que alguém que vive o exílio sempre será um ser voltado para o passado, para o lugar onde viveu e ao qual não pode mais retornar — como foi o caso do próprio Joyce com Dublin, em que ele dizia que, se a cidade fosse destruída por um incêndio, ela poderia ser reconstruída através de seus livros; que o exílio é, antes de tudo, uma escola de humildade.
Humildade é algo que Stephen Dedalus não possui. Durante todo o Retrato, deixa o orgulho tomar conta de suas atitudes, mesmo quando consegue uma aparente libertação após ter uma epifania em Sandycove, ao ver uma moça à beira da praia e sentir o chamado da literatura. Seu lema de sobrevivência explicita isso quando fala sobre sua arspoetica ao amigo Cranly: a de que ele construirá uma obra fundada no “silêncio, exílio e astúcia” (silence,exile and cunning). O que seria essa astúcia? Justamente a falta de humildade que fará de Stephen um mártir de seus próprios pensamentos e ações. Ou pior: o desejo alucinado de ser traído a qualquer custo, seja pelos próximos ou pelo próprio país. Vai para Paris, mas pede antes uma benção do pai, chamando-o de “velho artífice”; como alguém que gosta de esconder pistas, Joyce sugere que nem o próprio Stephen está certo da sua condição de mártir ou de rebelde. É claro que não estava. O motivo é simples: ninguém suporta ser traído ou viver numa constante suspeita de que será traído. Naquela época, nem Joyce, que cometeu o mesmo erro, sabia se estava pensando ou fazendo a coisa certa. E ele conhecia a razão: tanto Stephen Dedalus como James Joyce voltariam a Dublin para ver a lenta agonia de sua mãe.
Acerto de contas
Para a criação de um novo mundo, é necessário que o artista entre em comunhão com o mundo real onde vive e aceite as suas imperfeições, suas incertezas e, sobretudo, a sua descrença. Este talvez seja o verdadeiro tema de Ulysses, romance que lançou James Joyce ao topo da literatura mundial e que se passa em um único dia, 16 de junho de 1904, o Bloomsday. É uma continuação de Retrato do artista quando jovem porque, logo no início, nos reencontramos com Stephen Dedalus, que voltou de Paris para justamente acompanhar a morte de sua mãe.
Também acompanharemos a peregrinação de Leopold Bloom, vendedor de anúncios de descendência judaica, preocupado com várias coisas, entre elas o funeral de seu amigo Paddy Dignam, o luto mal resolvido por um filho morto prematuramente (Rudy), a sua fixação por uma amante que se comunica somente por correspondência (Martha) e, sobretudo, a possibilidade de que, enquanto anda pelas ruas de Dublin, sua esposa Molly o trai com o garanhão Blazes Boylan.
Por que Joyce escolheu o dia 16 de junho de 1904 para ser a data que marca a ação de seu livro? A razão é singela: neste mesmo dia, o jovem James Augustine Joyce saíra com sua futura companheira, Nora Barnacle, que, como o próprio diria anos depois a ela, “fez dele um homem”. Joyce estava na mesma situação de Stephen Dedalus: atormentado por dúvidas, pela culpa de ter visto a mãe agonizante e por não ter cumprido os últimos desejos dela ao se recusar a proferir a oração dos ritos finais. Além disso, o espectro do fracasso o perseguia: de nada adiantava ser um grande talento se não estava plenamente desenvolvido. O encontro com Nora marcou-o como a possibilidade de entrar em contato com o mundo e deixar para trás a solidão que sentia desde a morte da mãe; e, com isso, Joyce acreditou ter encontrado uma companheira para toda a vida, apesar das observações sarcásticas de seu pai, que afirmava que ela jamais largaria o filho, numa referência nada delicada ao seu sobrenome (Barnacle significa “carrapato”).
Portanto, Ulysses é uma das maiores cartas de amor já escritas. É também o acerto de contas de Joyce com o seu presente e com o seu passado — representados respectivamente por Leopold Bloom e Stephen Dedalus. Ambos se encontrarão nesse dia para que achem uma maneira de dar rumo a suas vidas — para que o sentido das coisas surja como se fosse algo óbvio e os faça ir para frente, nunca para trás. A presença de Nora Barnacle aparece também na figura de Molly Bloom, a esposa de Leopold, uma mulher que nos parece ser uma aranha devoradora, mas, no fim, é quem fará a unidade na existência destes dois homens dilacerados.
O acerto de contas com o passado não se dá apenas na esfera pessoal. Joyce também resolve, em seu romance, o seu próprio lugar na literatura. Para isso, cria uma estrutura romanesca baseada em três pilares: Homero, Dante e Shakespeare. O primeiro é nítido: além do título do romance, cada episódio do livro é inspirado em um canto da Odisséia, épico de Homero que conta o retorno de Ulisses, o famoso guerreiro de Tróia, à sua Ítaca. Dessa forma, Leopold Bloom seria ninguém menos que Ulisses; Stephen Dedalus seria Telêmaco, o filho de Ulisses; e Molly Bloom representaria Penélope, apesar de não ser uma esposa tão fiel assim. Na visão de Joyce, Ulysses não é apenas um romance sobre o exílio, mas um romance sobre a volta para a casa após uma longa temporada no exílio. Bloom e Dedalus são deslocados em Dublin e ambos procuram uma pátria espiritual; o tema da paternidade é recorrente: os dois buscam pais e filhos desaparecidos em suas vidas e descobrem o que procuravam ao se encontrarem quase por acaso. Entretanto, nada em Joyce é por acaso; ele aproxima a mitologia grega do cotidiano dublinense usando os artifícios mais complicados e, ao mesmo tempo, simples da literatura; usa e abusa de paralelismos no tempo e no espaço, criando uma sensação de sincronicidade em eventos aparentemente desconexos; desenvolve o fluxo de consciência não como ferramenta narrativa, mas como um modo de o leitor entrar nos segredos mais íntimos dos personagens; e, sobretudo, registra minuciosamente cada ato, cada hora, cada sensação, cada fala de qualquer personagem que seja importante em sua estrutura porque quer provar, através de seu livro, que o passado pode ser revivido no presente.
O confronto com o passado dentro do presente só será resolvido por meio da influência de Dante. Joyce quis fazer com Ulysses o que o poeta florentino fez com A divina comédia: registrar toda a experiência da civilização ocidental em um único tomo. Daí a referência enciclopédica a obras de literatura, teologia, botânica, história da arte, história universal que estão espalhadas pela narrativa, como se fosse um corpo com vida própria.
Contudo, de nada adianta essa síntese se o homem comum, representado por Leopold Bloom, não consegue se confrontar com o fantasma da morte. No episódio “Hades”, inspirado no canto homérico em que Ulisses desce aos infernos para encontrar com o espectro de seu pai, Joyce descreve a descida de Bloom ao reino subterrâneo. Bloom se dirige com alguns amigos (entre eles, o pai de Stephen, Simon Dedalus) para o funeral de Paddy Dignam, um velho conhecido da boemia dublinense. Todos se lembram da morte de algum colega, de algum ente querido; Bloom se lembra da morte de seu pai, que se matou por envenenamento, e de seu filho Rudy.
Ao ver o caixão de Dignam ser enterrado, conscientiza-se de que seu destino final não é apenas a morte, mas também o esquecimento. Mesmo qualquer espécie de oração não resolve esse problema. “Será que alguém realmente reza?”, ele se pergunta. Bloom sabe que precisa fazer algo para não cair no olvido. Mas o quê? O inferno é muito grande aos olhos de Bloom; existem muitos mortos, muitos a serem esquecidos. E então percebe que, em breve, se não fizer nada, pode ser um deles: “Quantos, meu Deus! Todos estes aqui andaram certa vez por Dublin. Mortos fiéis. Assim como vocês são agora assim certa vez fomos nós”[1]. O maior pecado de Bloom é não fazer algo da sua vida que valha a pena.
O mesmo pode se dizer de Stephen Dedalus. Joyce faz seu alter ego, ocupado por uma mente que elabora os mais complexos teoremas, incapaz de lidar com a vida como ela é, confrontar-se com o espectro de William Shakespeare. É o embate entre a antiga literatura inglesa e a nova literatura — o modo como Stephen encontrou para acordar do pesadelo chamado História. Isso é motivo para uma das cenas mais divertidas de Ulysses, quando Dedalus explica para alguns colegas o que seria sua inusitada teoria de que Shakespeare é, ao mesmo tempo, pai e filho de Hamlet.
O teorema é o seguinte: “Hamlet é Hamlet, o filho morto prematuramente do próprio Shakespeare; Shakespeare é o espectro, o marido ultrajado, o rei deposto; Anne Shakespeare, nascida Hathaway, é a rainha culpada”. Stephen faz uma mistura de pseudo-biografia, fofoca literária e delírio hermenêutico para explicar que as peças de Shakespeare não saíram de uma existência imparcial e distanciada da vida, mas sim de uma experiência traumática no conhecimento de sua própria maldade e da maldade dos outros — no caso, o suposto fato de que o jovem Shakespeare foi abusado sexualmente por sua esposa Anne, 15 anos mais velha. A tese choca os colegas de Stephen. “Mas essa intromissão na vida familiar de um grande homem”, retruca um; para eles, Anne Hathaway foi um detalhe na vida de Shakespeare, uma mulher a quem ele não deu a mínima importância, pois cedeu, em seu testamento, nada mais nada menos que “sua segunda melhor cama”. Um erro, enfim. “Bobagem!, diz Stephen rudemente. Um homem de gênio não comete erros. Seus erros são voluntários e são portais de descoberta.”
Esta apresentação é a forma de Stephen lidar com a obsessão pelo exílio e pela traição. Ele se sente culpado por ter traído sua mãe ao não cumprir seus últimos desejos e sente que foi traído pela Irlanda e por seus amigos. Mas, no fundo, também percebe que algo na sua vida saiu errado — e a culpa é exclusivamente sua. A cena na Biblioteca Nacional mostra exatamente isso. Pouco a pouco, Stephen se sente cercado por seus colegas e, quando menos se espera, se rende à imbecilidade coletiva. O clima de incompreensão e de incomunicabilidade cresce cada vez que Dedalus tenta provar sua teoria.
Stephen está muito fraco espiritualmente — o orgulho da traição já consumiu suas forças. E então vem um dos momentos mais reveladores de Ulysses, quando alguém afirma o seguinte a Dedalus:
— O senhor é uma ilusão — disse sem rodeios John Eglinton a Stephen. — O senhor nos fez percorrer todo esse caminho para nos mostrar um triângulo francês. O senhor acredita em sua própria teoria?
— Não — disse prontamente Stephen.
É neste instante que Joyce se mostra um verdadeiro Dédalo, muito superior ao seu personagem, despistando o leitor, indicando a verdadeira direção para escapar do labirinto que criou. Vários estudiosos deixam esse trecho de lado e afirmam que o próprio Joyce estava brincando com a teoria de Shakespeare. Para René Girard, este é um erro gigantesco[2]. O “não” de Stephen é o que ele fala emvoz alta; contudo, algumas linhas depois, saberemos o que verdadeiramente se passa em sua alma:
Eu acredito, Ó Senhor, ajude minha descrença. Isto é, me ajude a crer ou me ajude a descrer? Quem ajuda a crer? Egomen. Quem a descrer? Um outro camarada?
A referência é ao evangelho de Marcos, capítulo 9, versículo 24. Como Joyce não brinca em serviço, é bom lermos o episódio bíblico para percebermos o que ele realmente quis dizer. Trata-se da cura do epiléptico endemoninhado em que o pai deste exclama: “Eu creio! Ajuda a minha incredulidade!” — as mesmas palavras que Stephen diz para si mesmo.
Ele se reconhece como o representante de uma mente tão paralisada quanto a Dublin que criticava. A divagação sobre Shakespeare não é uma brincadeira: é um diagnóstico do problema que atacava não só a Irlanda, mas também a Europa, como veremos em breve. O espírito da época, o zeitgeist, está mudo e surdo; a descrença de Stephen em suas teorias significa que ele também não acredita em si mesmo — o mesmo problema que ronda Leopold Bloom. E o que podem fazer?
A vida fará com que ambos se encontrem no final da tarde, em uma maternidade onde um amigo em comum será pai. Não simpatizam no início; mas, após uma bebedeira (o típico modo irlandês de resolver os problemas) na mesma maternidade, resolvem ir a um bordel. Lá, se deparam com uma vida noturna que desperta os seus maiores pesadelos e suas maiores culpas; Bloom se encontra com o espectro de seu falecido filho, e Dedalus, enfim, enfrenta a sua mãe. O desespero é tamanho que Stephen quebra o candelabro do bordel com sua bengala e provoca uma grande confusão com as prostitutas e a polícia local; será Bloom quem o salvará afirmando ser seu responsável. Juntos, vão embora, rumo à casa de Bloom, na Eccles Street número 7. Estão bêbados, mas descobrem uma comunhão inusitada. Comem uns sanduíches na cozinha e, logo depois, se despedem. Bloom sobe as escadas e se deita na cama, ao lado de sua esposa. E então ocorre o gran finale do livro: o monólogo de Molly Bloom, mais de 40 páginas sem pontuação, dedicado a uma personagem que parecia ser marginal ao enredo, mas é a única que resume a completude da vida ao aceitar tudo com um vertiginoso “sim!”.
O “sim” de Molly é também o “sim” de James Joyce. É ele o Egomen para quem Stephen pede ajuda no seu momento de descrença. Apesar de Molly ser uma adúltera, Joyce coloca na sua boca a fundação de um novo mundo onde a vida é o motor propulsor, nunca a morte. No fim, após uma longa odisséia dentro do exílio, descobre-se que é nele que se encontra a unidade e a completude das coisas. Ulysses pode ser um livro de leitura difícil (e é), mas sua dificuldade esconde as pistas de uma delicadeza humana inegável. O encontro entre Stephen Dedalus, Leopold e Molly Bloom é a prova de que, antes de tudo, para não cairmos no esquecimento, temos de ter consciência do nosso próprio valor. Sem isso, não temos como empreender nossa missão, seja como o casal Bloom, para recuperar um matrimônio perdido, ou como o jovem Stephen que, após o dia 16 de junho de 1904, se transformará em James Joyce e tirará do exílio a lição necessária para escrever Ulysses.
Em guerra
Contudo, este mesmo exílio deixou uma ferida que não tinha como ser curada. Há um preço muito alto a ser pago quando o homem de gênio se dedica aos seus erros como portais de descoberta. Dezesseis anos depois do lançamento de Ulysses, Joyce lançaria a pedra final de seu novo mundo, Finnegans wake. É um livro que implode e explode a língua inglesa em uma série de trocadilhos que desafia a lógica e se baseia somente no som; não há mais um enredo, mas sim várias histórias que desaguam em uma única História que vive em eterno retorno; o mundo não é apenas composto de epifanias; é, na verdade, uma gigantesca epifania que se transforma em alucinação sobre a qual a mente do seu autor parece não ter mais controle.
E não tinha mesmo. Ele escrevia Finnegans wake quando estava no auge de sua força literária e também em um dos seus períodos mais turbulentos, quando a filha favorita, Lucia, foi diagnosticada esquizofrênica. Foi Carl Gustav Jung quem analisou a moça a pedido do pai e este se escandalizou com a avaliação. Acreditava que ela também era um gênio. Jung apenas respondeu: “Vocês nadam no mesmo oceano; contudo, se o senhor nada, ela já se afogou”.
O oceano do exílio destruiu as forças do velho Joyce, mas lhe deixou a humildade necessária para saber qual foi o valor da sua empreitada. No final de Ulysses, fez questão de colocar os lugares e as datas em que o livro foi escrito: “Trieste – Zurique – Paris, 1914-1922”. Ele escreveu o seu épico sobre a comunhão humana na mesma época em que a Europa travava a Primeira Guerra Mundial; nunca precisou ir às trincheiras porque tinha a sua própria guerra particular, uma guerra contra não só o provincianismo de sua terra como também contra o provincianismo do ser humano. Estava tão exaurido que podia se dar ao luxo de fazer a seguinte piada, como inventou Tom Stoppard na peça Travesties, quando Joyce se encontra com um soldado veterano da Primeira Guerra: “O que o senhor fez na Grande Guerra, Sr. Joyce?”, pergunta o soldado; e escuta a seguinte resposta: “Eu escrevi Ulysses. E você — o que fez?”.
James Joyce morreu no dia 13 de janeiro de 1941, de úlcera perfurada. Sua máscara mortuária, exibida no James Joyce Centre, em Dublin, mostra que não teve uma morte fácil. Foi enterrado em Zurique, de onde escapava dos tumultos da Segunda Guerra Mundial junto com sua família. Seu túmulo, segundo Richard Ellmann, biógrafo do escritor, “é simples e de classe média. Já que Joyce não gostava de flores, colocaram uma folhagem verde. Uma coroa verde no funeral trazia uma lira tramada com o emblema da Irlanda. A Irlanda não teve nenhuma outra participação no funeral”. Já Nora Barnacle Joyce morreria dez anos depois, em 10 de abril de 1951, também em Zurique, num convento. E quanto a Lucia Joyce, talvez tenha sido a única com lucidez ao definir quem era o pai quando soube de sua morte, antes de ela mesma morrer em um sanatório no dia 12 de dezembro de 1984: “O que é que aquele idiota está fazendo debaixo da terra?”, disse ela. “Quando vai se resolver a sair? Ele está nos vigiando o tempo todo.”
E talvez esteja mesmo. Joyce sofreu como poucos a ferida do exílio — mas foi também um dos poucos que enfrentou com determinação a paralisia espiritual que quase o vitimou. Há alguma forma de escapar disso? Provavelmente não, uma vez que “a arte é uma mistura de ambíguo e de inefável; seu mistério nunca passa da lápide e é tanto ou mais brutal que ela”. Cumpre a quem fica que reconheça a vigilância de Joyce, crie novos mundos a partir da imperfeição deste e acabe com as elegias que nos paralisam, pois, como diria o poeta, “há um país que é preciso pôr abaixo”.
[1] Todas as citações de Ulysses em português vêm da tradução de Bernardina da Silveira Pinheiro, lançada pela editora Objetiva (depois, Alfaguara) em 2005.
[2] Cf. o capítulo “Triângulos franceses”no Shakespeare de James Joyce, págs. 475 – 498, in: Shakespeare — O teatro da inveja, publicado pela Editora É em 2010.
Obra de Joyce entra em domínio público junto com nova versão de clássico
Trabalho de Caetano Galindo revigora mística do romance, tido como o maior do séc. 20, mas considerado “difícil”
FABIO VICTOR
DE SÃO PAULO
Há clássicos literários reverenciados, outros populares. E há os que, embora muito reverenciados, são muito pouco lidos. Este parece ser o caso de “Ulysses”.
Apontado em diversas enquetes com críticos como o principal romance do século 20, o livro maior do irlandês James Joyce (1882-1941) é uma provocação ao leitor. É enorme (mais de 800 páginas), experimental e vertiginoso.
Surge agora mais uma chance para os brasileiros de enfrentá-lo: a nova tradução ao português de Caetano W. Galindo, com coordenação de Paulo Henriques Britto e edição de André Conti, para o selo Penguin-Companhia, a terceira disponível no país, que acaba de chegar às livrarias.
As diferenças para os trabalhos de Antônio Houaiss, de 1966, e de Bernardina da Silveira Pinheiro, de 2005, começam no título. Galindo é o primeiro a adotar a grafia original em latim, “Ulysses”, com “y” no lugar do “i” aportuguesado de Houaiss e Bernardina (leia na pág. E7).
O volume traz uma nota do tradutor, na qual ele promete para breve um guia de leitura do romance, e uma introdução do professor irlandês Declan Kiberd.
Kiberd relembra como Virginia Woolf — que nasceu e morreu nos mesmos anos de Joyce e cuja obra, como a dele, entra agora em domínio público — rejeitou “Ulysses” à época do lançamento, o definindo como a obra “de um estudante nauseado espremendo suas espinhas”.
Kiberd também refaz a trajetória tortuosa do romance, censurado e processado por obscenidade e publicado em Paris, em 1922 (completa 90 anos e seu criador, 130).
A obra de Joyce narra um dia na vida de Leopold Bloom -um agente publicitário dublinense, anti-herói baseado no Ulisses da “Odisseia” de Homero, casado com Molly Bloom, sua Penélope infiel-, e de seu amigo Stephen Dedalus, correspondente de Telêmaco e alter ego de Joyce.
O ano é 1904, o dia é 16 de junho, o mesmo em que hoje ocorre o Bloomsday, celebração anual do clássico.
Seria prosaico assim, se ao mesmo tempo “Ulysses” não tivesse revolucionado a forma tradicional do romance, criando novas ortografia e sintaxe e imprimindo à narrativa um fluxo verbal alucinado, que leva ao limite o chamado monólogo interior.
Convulsionou a literatura a ponto de virar anedota, como relata o escritor Daniel Galera ao lembrar que sua história com o livro começou aos 12 anos, quando o pai dele “apontou para aquele tijolo no alto da estante e disse”:
“Tá vendo aquele livro? Tem uma frase de 50 páginas que fica contando o pensamento de uma pessoa”. Referia-se ao monólogo de Molly Bloom, o trecho final de “Ulysses”.
Segundo Galera, aquilo instalou nele “um fascínio imediato pelo volume”, que só viria a ler quando adulto.
Outra vítima da mística de “Ulysses” foi o escritor Joca Terron, que paquerou por anos uma edição do livro na estante do pai, sem coragem para encará-la. Quando o fez, leu só um terço, até que o pai tomou de volta o exemplar.
A jornalista e colunista da Folha Barbara Gancia diz ter lido “Ulysses” “na marra”, porque fazia parte do seu currículo escolar.
“Ou melhor, não li. Ninguém ‘lê’ ‘Ulysses’, estuda-se o livro parágrafo por parágrafo. É tão complicado e cheio de referências que talvez seja uma boa ideia usá-lo como aposto na leitura de ‘Retrato do Artista Quando Jovem’, a obra que o precede e é um pouco mais amigável.”
Discorda dela o professor e crítico Alcir Pécora, para quem “em termos de prosa inglesa, apenas [Laurence] Sterne e [Joseph] Conrad planam nas mesmas alturas” que o Joyce de “Ulysses”.
O escritor e tradutor Daniel Pellizzari, que como Pécora leu e adorou, considera que, mesmo sendo “importantíssimo na história da literatura”, “Ulysses” não é um livro essencial, “do tipo que se diria que ‘todos precisam ler'”.
Para quem quer enfrentar, o escritor Nelson de Oliveira sugere: “Esqueça as notas de rodapé [eliminadas na nova tradução] e os mapas de leitura. Entre desarmado no labirinto”. Fã do livro, o artista plástico Nuno Ramos aconselha que “quando ficar chato, pule -quem sabe para voltar depois. Vale a pena”.
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Crítica / Romance
Versão resolve mais satisfatoriamente multiplicidade estética do texto joyceano SERÁ ESTA NOSSA TRADUÇÃO DEFINITIVA DE “ULYSSES”? NÃO, ISSO NÃO EXISTE: CADA RECRIAÇÃO É OBRA AUTÔNOMA
MARCELO TÁPIA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Jovial, o velho gigante James Joyce ressurge luzente em nosso horizonte literário. Com nova voz, resultante de dez anos de labor, veste-se sóbrio, à imagem da edição da Penguin em língua inglesa: sem notas e com a densa introdução de Declan Kiberd.
Isto, segundo o tradutor Caetano Galindo, para apresentar o “Ulysses” “como o que ele deve sempre ser”: “um romance, talvez o maior romance de todos, e não um quebra-cabeça exemplar”.
Um convite à simples leitura desse complexo e divertido livro, desprovido de um sumário de seus capítulos.
Conheci trechos da versão de Galindo, lidos, ao longo dos anos, no Bloomsday de São Paulo. E testemunho, com base neles, a busca do tradutor pelo aprimoramento de suas soluções.
Se, antes, Cunningham perguntava, na carruagem que conduziria Bloom e companheiros ao enterro de Dignam, “Estamos todos aqui agora?”, ele passa a dizer “Já está todo mundo aqui?”. Tanto faria? Não. Por trás das escolhas, há questões difíceis a resolver, como a grande variedade de registros da prosa joyciana, que transita do tom mais coloquial ao mais “literário” ou ao mais inusitado.
Pode-se ver o “Ulysses” como um colossal poema: sua tradução será re-criação do intrincado sistema de relações construído pelo criador do périplo de Bloom.
No início do capítulo “Gado do Sol” (relativo ao episódio das vacas do deus Hélio, na “Odisseia”), Galindo mostra ter encontrado (como em muitos outros casos) uma solução plena para “Send us, bright one, light one, Hornhorn, quickening and wombfruit”: “Dai-nos, leve, luzente, Hornhorn, fertilidade e frútero”. Parece fácil? Se sim, esta será uma qualidade do bem resolvido.
Nesse capítulo, passado na maternidade -em que Joyce imita estilos literários e esboça a história da língua inglesa-, Galindo colhe um dos frutos mais atraentes de seu esforço, ao valer-se de recursos como o arcaísmo e o tom vulgar para recriar a diversidade linguístico-estilística:
“Daquela casa A. Horne é senhor. Setenta litros ele i mantém por que as madres na sua hora delas i venham parir e dar à luz crias sãs como o anjo de Deus a Maria disse”; “Dormiu aonde ontonte? […] Lá onde o Juda perdeu as bota e achou uns trapo véio”…
Será esta nossa tradução definitiva de “Ulysses”? Não, isso não existe: cada recriação é obra autônoma, embora interaja com o original e as demais traduções dele. A que ora nos chega tem a vantagem (e a desvantagem) da anterioridade de dois notáveis trabalhos: o de Antônio Houaiss, pioneiro, e o de Bernardina Pinheiro, de 2005.
Esta versão resolve mais satisfatoriamente a multiplicidade estética do texto de Joyce: não incorre no criticado “rebuscamento” geral da primeira ou no resultado explicativo e “normalizador” da segunda, que dilui a polifonia joyciana.
Mas muitas soluções de Houaiss continuam as mais instigantes, e o texto de Bernardina permanecerá como fonte de leitura mais corrente, associada a notas utilíssimas. Opções que se somam para compor a inesgotável pluralidade de “Ulysses”. MARCELO TÁPIA, poeta, é doutor em teoria literária pela USP, diretor da Casa Guilherme de Almeida e co-organizador do Bloomsday em São Paulo ULYSSES AUTOR James Joyce TRADUÇÃO Caetano W. Galindo EDITORA Penguin-Companhia QUANTO R$ 47 (1.112 págs.) AVALIAÇÃO ótimo
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“Clássico de Joyce é pura e simples diversão”
Caetano Galindo, tradutor da nova versão, rejeita fama de “livro chato” e diz que obra tem “todo tipo de tosqueira”
Iniciado há dez anos, o trabalho do professor universitário ressaltou os aspectos lúdicos e coloridos do romance
MARCO RODRIGO ALMEIDA
DE SÃO PAULO
O lançamento da nova versão de “Ulysses” encerra uma jornada iniciada há dez anos por Caetano Galindo, 38, professor da Universidade Federal do Paraná.
À Folha, ele explica as escolhas que nortearam a tradução, contesta a fama de o livro ser chato e comenta a dificuldade em achar a “voz” da personagem Molly. Folha – Qual o principal diferencial da sua tradução? Caetano Galindo – O objetivo era tentar liberar mais plenamente o potencial lúdico do “Ulysses”, um livro extremamente colorido, variado, corajoso e descarado. Em que capítulo ou trecho isso fica mais evidente?
No “Gado do Sol”, que é todo ele uma série de pastiches de textos de momentos diferentes da história da literatura e da língua inglesa.
A nossa tradução é, até onde eu saiba, a primeira a responder na mesma moeda de Joyce, buscando caso a caso as referências e os estilos de dezenas de autores e períodos da história da língua portuguesa. O que você acha das traduções feitas por Antônio Houaiss (1966) e Bernardina da Silveira Pinheiro (2005)?
São dois monumentos da tradução brasileira, mas as nossas entradas são fundamentalmente diferentes.
O que me incomodava mais na tradução de Houaiss, que é mais que adequada ao seu momento histórico, era um certo achatamento de diversidades e coloridos. Foi nesse polo oposto que eu mirei desde o início, para tornar o “Ulysses” mais romanesco, mais vário e múltiplo. As duas traduções anteriores grafaram o título como “Ulisses”, com “i”. Por que a sua é com “y”, como em inglês?
A gente [André Conti, editor do livro, e eu] simplesmente percebeu que sempre tinha se referido assim ao livro. E, de repente, a gente achou que fazia sentido manter assim. Para marcar uma fidelidade? Para marcar uma diferença? Eu realmente acho que não sei, mas ficou lindão na capa! Muita gente acha o livro chato.
É claro que o livro é difícil, é complexo mesmo. Mas, se você estiver disposto a colocar ali o esforço que o livro pede, a recompensa é pura e simples diversão. O livro tem piada de peido, tem todo tipo de imoralidade e tosqueira. Tem bobagem a dar com o pau. Como disse Samuel Johnson [escritor inglês], só acha o “Ulysses” chato quem acha a vida chata. E como foi traduzir o célebre monólogo final de Molly?
Molly é um problema na medida em que ela é a maior bênção do livro. A literatura brasileira tem uma dificuldade histórica em lidar com a oralidade de uma maneira não estilizada, não idealizada. É muito foda achar a “voz” da Molly. Hoje estou contente com a minha Molly.
Os leitores de James Joyce no Brasil estão em festa. Apareceu uma terceira tradução do Ulisses. O romance de Joyce teve o privilégio de encontrar tradutores qualificados. Antônio Houaiss, além de crítico literário e tradutor, foi um dos melhores conhecedores da língua portuguesa, mérito atestado pelo substancioso dicionário que nos deixou. Bernardina da Silveira Pinheiro é professora emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro com estudos no exterior centrados em Joyce. E agora aparece Caetano W. Galindo – professor de Universidade Federal do Paraná, doutor em Letras – com a tradução de Ulisses. Caetano prefere Ulysses. Uso a tradução de Houaiss desde o momento em que ela apareceu, leio ainda a primeira edição, a de 1966. Interessei-me pela tradução de Bernardina (2005) e agora (2012), para comemorar a tradução de Caetano, sou convidado a me pronunciar sobre todas. As três têm méritos. Tradução literal não há. Tradução, para ser boa, terá que ser criativa. A criatividade muda de tradutor para tradutor. Aplausos merecem os editores e os leitores brasileiros que correspondem positivamente ao desafio de um texto exigente. Grande literatura sem grandes leitores não há. Leitores nossos prestigiaram Vieira, Machado, Euclides, Clarice, Rosa, João Cabral… E agora incorporamos Joyce, abrasileirado pelas traduções.
Caetano, querendo que o romance seja lido como romance, expressa reservas a notas que desviem do texto. Caetano não recusa recursos que facilitem a compreensão. Como usá-los fica por conta das preferências de cada um. Visto que Joyce abala a tradição narrativa inaugurada por Homero, salientar peculiaridades ampara a decisão de enfrentar procedimentos originais. Os que nos aproximamos de Homero, Sófocles, Dante, Shakespeare acolhemos os que apontam caminhos. Textos sobre textos ampliam acessos. Caetano dedicou anos à tradução de Ulisses. Quantas horas lhe consumiram estudos sobre Ulisses? Livros construídos sobre livros erguem o edifício da produção literária. Úteis são as notas que Bernardina oferece depois de concluir a tradução. A editora Penguin decidiu socorrer os leitores brasileiros com uma introdução de mais de 70 páginas, feita por Declan Kiberd. Isso ainda é introdução ou já é um livro que leva a outro livro? Se a editora nos tivesse dado a oportunidade de ver brasileiros nesse espaço, teríamos tido a oportunidade de averiguar a recepção de Joyce no Brasil. Por que não o próprio Caetano? A brevíssima informação a que se limita sobre a composição de palavras fica aquém do cuidado com que aborda invenções joycianas.
Kiberd nos dá um Joyce pacifista. Pessoalmente, prefiro o Joyce guerreiro, oswaldianamente antropofágico, o Joyce do Deus-guerra (he war) do Finnegans Wake, o Joyce do conflito de palavras e de ideias, o Joyce que, ao escrever inglês, implode a língua do dominador, a língua do império britânico. Aliás, o primeiro capítulo de Ulisses nos arrasta a uma batalha ferida dentro de uma fortaleza, a Torre Martello, em Dublin, construída em princípios do século 19 para resistir a uma temida invasão napoleônica que nunca se realizou. Combatem três jovens: Buck Mulligan e Stephen Dedalus, dois irlandeses em luta interna, além de Haines, um oxfordiano, representante do imperialismo inglês, armado de carabina no pesadelo de Stephen. Buck Mulligan, brincando com o seu próprio nome, diz: “Tripping and sunny like the buck himself.” Houaiss: “Ágil e ensolarado como um cabrito mesmo.” Bernardina: “Saltitante e radioso como o próprio cervo.” Caetano: “Ágil e radiante como um buque de guerra.” Caetano, afastando-se do significado de buck (macho de homens ou animais) fica mais próximo do jogo de palavras proposto por Joyce. Se ele decidisse, em vez de “buque de guerra”, “bucke de guerra”, teria incorporado o nome da personagem, expediente que nos levaria a muitas associações: macho, bode, sátiro, sacerdote, demônio…
Buck Mulligan denuncia o amigo Stephen Dedalus de matricídio, crime dos mais graves para um tragedista como Ésquilo. Buck Mulligan estende um espelho a Stephen. O incriminado, ao contemplar-se, vê a imagem de um dogsbody. Houaiss, para traduzir dogsbody, inventa canicarcaça. Por quê? Dogsbody em inglês é expressão coloquial. Bernardina opta pela tradução literal, corpo de cão. Mas há uma sutileza. Joyce cria atmosfera sagrada. Buck Mulligan – sátiro, sacerdote satânico -, pararodiando a missa, abençoa a paisagem. A missa negra faz alusão ao godsbody, o corpo de Deus em que, no ritual católico, a hóstia consagrada se transforma em corpo de Deus. Ao observar as linhas do seu rosto no espelho, pergunta Stephen: “Quem escolheu esta cara para mim? Este dogsbody, que devo libertar dos vermes? It (o espelho) pergunta-me também.” Stephen conversa com o espelho. O espelho inverte god (deus) em dog (cão). Caetano percebendo o jogo oferece a tradução irmãodasalmas. Lance arguto! A invenção de Caetano evoca o poema Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, musicado por Chico Buarque de Holanda. Cabral designa “irmão das almas”, cada um dos dois que conduzem Severino ao último repouso. Acontece que as três traduções prendem Stephen na morte. Isso é joyciano? Joyce cultiva concepção circular do universo, passagem da morte para a vida e da vida para a morte. Se não quisermos recorrer ao gesto humilhante de dizer em nota de pé de página que o inglês tem recursos que faltam ao português, temos que achar outra saída. Enfrentei o problema na tradução de Finnegans Wake, pág. 276. Se eu dissesse, que meu cachorro se chama Sued, ninguém me olharia espantado. Pois sued inverte especularmente deus. Proposta: “Quem escolheu esta cara para mim? Esta cara de suedcão, roída de vermes. Esta é também a pergunta desta coisa.”
Momentos depois, numa clara alusão a Shakespeare, aparece a sombra da mãe, Stephen a enfrenta assombrado: “No mother. Let me be and let me live.” Caetano: “Não mãe. Deixe-me estar e deixe-me viver.” Prefiro a tradução de Houaiss: “Não, mãe. Deixa-me ser e deixa-me viver.” Stephen roga o direito permanente de ser (autônomo, inventor, escritor). Bernardina entende que Stephen pede tranquilidade: “Não, mãe! Me deixe em paz me deixe viver.” Traduções nos fazem pensar.
No segundo capítulo, Stephen Dedalus, professor de história, termina a aula com uma charada que ele próprio inventou: The cock crew/ The Sky was blue:/ The bells in heaven /Where striking eleven,/ Tis time for this poor soul./ To go to heaven. Tradução de Caetano: “O galo cantou,/ O céu azulou, E os sinos de bronze /Bateram as onze./ É hora do incréu/ Seguir para o céu.”
O que teria levado Caetano de “pour soul” a “incréu”? “Incréu” rima com “céu”. Já sabia Drummond que nem sempre rima exprime solução. Ao que se sabe incréus não sobem aos céus, o destino é dantescamente outro. Improvisemos outra proposta: “É tempo dessa pobre alma/ Buscar o céu com calma.”
O texto da charada deve corresponder à solução. Caetano: ” – A raposa enterrando a avó embaixo de um azinheiro.” Nossa perplexidade diante da tradução de Caetano é maior do que a dos alunos confrontados com a resposta de Stephen: “The fox burying his grandmother under the holybush.” Ora, tudo leva a crer que Stephen armou a charada com experiências pessoais. Neste caso, a raposa (o intelectual) é ele. Pela altercação do primeiro capítulo, Stephen leva na consciência a morte da mãe. Na charada, grandmother não é avó, grandmother é a grandemãe (Igreja, Inglaterra). Stephen roga que sua mãezinha piedosa e poderosa repouse no céu para que ele possa viver em paz e levar a vida de artista (Dedalus) a bom termo. Stephen empenha-se em enterrar a grande mãe para que suma a sombra que o atormenta. A solução de Stephen a sua própria charada ecoa na resposta dada a Deasy, o diretor da escola, momentos depois: “A história é um pesadelo do qual tento despertar.” A história é a mãe, a grande mãe com a qual Stephen está em conflito do princípio ao fim.
Traduzir é difícil. Traduzir Joyce representa dificuldade dobrada. Antes de ousar uma quarta tradução, convém revisar as existentes, inquestionavelmente boas. O que é bom pode ser ainda melhor.
Além das datas religiosas, não creio haver outro feriado nacional dedicado a um personagem de ficção. O Bloomsday é um feriado comemorado no dia de hoje, na Irlanda, em homenagem ao livro Ulisses, de James Joyce. Atualmente, a amplitude do Bloomsday ultrapassa em muito à esfera de Ulisses. É, em verdade uma data em que se homenageia toda a literatura. Só os joyceanos absolutos — dentre os quais humildemente me incluo — relembram os acontecimentos vividos pelos personagens de Ulisses por dezenove ruas da cidade de Dublin e dezesseis horas no dia 16 de junho de 1904. Para os leitores restantes de todo o mundo, é a data em que se comemora toda a literatura.
Há controvérsias sobre quando o Bloomsday começou. Alguns especialistas indicam 1925, três anos após o lançamento do livro; outros dizem que foi na década de 1940, depois da morte de James Joyce. A hipótese mais aceita indica é que foi em 1954, na data do quinquagésimo aniversário do dia retratado em Ulisses.
Joyce escolheu o dia 16 de junho para ser imortalizado em sua obra porque foi nesse dia que ele teria mantido relações sexuais com sua futura companheira Nora Barnacle, na época uma jovem virgem de vinte anos. Estudiosos afirmam que, na verdade, o casal apenas “caminhou junto” pela primeira vez neste dia. O que sabemos é que, quando da primeira relação sexual, Nora teve medo de completar o coito e o masturbou “com os olhos de uma santa”, como Joyce relatou em carta.
Ao lado dos devotos de Joyce, criou-se uma curiosa seita de tementes (ou hostis) a Joyce. É como se sentissem obrigados àquilo — a tentar entendê-lo totalmente ou repeti-lo. É uma tolice bastante difundida. Ulisses é tão irrepetível quanto a Arte da Fuga de Bach e sua leitura, para o leitor comum, é tão necessária quanto a audição de A Arte para o ouvinte de iPods. Apenas fico desconfiado quando um autor nega-se a conhecer a obra. Porém, como há historiadores que preferem desconhecer largos períodos…
Mas tergiverso. Assim como falta-nos tudo para que nossa cultura recrie um Bach, assim como algumas obras deste são tão impenetráveis e intricadas que alguns dizem terem sido escritas mais para a leitura de eruditos do que para a audição, o livro de Joyce é um complicadíssimo monumento cultural do qual temos a impressão de nos afastar a cada dia. Mas não me digam que não pode ser lido. Tanto quanto ouço A Arte Da Fuga, li o livro de Joyce desde minha pobre perspectiva e diverti-me muito.
Pois o romance é perfeitamente compreensível. Há pontos de inserção para mortais. As minúcias e a complexa teia de referências são importantes, mas podem permanecer semi-entendidas sem esfacelamento de sua essência. Prova de que o ludus nem sempre está associado à compreensão cabal. (Como disse Karen Blixen, não há nenhum problema em não entender inteiramente um escrito poético).
A história do livro é simples. Trata-se da vida de pessoas comuns da amada/odiada Dublin de Joyce: o professor secundarista Stephen Dedalus; seu amigo Buck Mulligan; o vendedor Leopoldo Bloom — angustiado com a possível traição de Molly, sua mulher — ; conversas sobre Shakespeare numa biblioteca; a surra que Bloom toma de um antissemita; sua mastubação observando duas mulheres; a mijada no jardim com Stephen; e a chegada em casa, onde deita-se com Molly, a qual finaliza maravilhosamente o romance num monólogo interior prenhe de pornografia. E é isso.
Cada um dos capítulos cobrem aproximadamente uma hora do dia e guarda debochada relação com a Odisséia, de Homero. E aqui tenho de referir os milhares de torcadilhos, paródias — que parece ser a maior arma da arte moderna — , neologismos e arcaísmos.
Eu coloquei nele tantos enigmas e quebra-cabeças que ele manterá os professores ocupados durante séculos, disse Joyce.
Então, hoje é o dia de comemorar a existência do duro, engraçado, divertido, complicado, pornográfico, sexual e erudito livro de Joyce. Lembremos de Leopold Bloom, de sua mulher Molly, de Stephen Dedalus e de Buck Mulligan!
Obs.: As fotos de Marilyn Monroe lendo Ulysses e outro livro são da autoria de Eve Arnold e são de 1955.
Sim, claro, eu sei que o Bloomsday já passou há exatamente uma semana. Eu tinha reservado as duas fotos abaixo para publicar no dia 16 de junho, mas me esqueci… Hoje, já que não consegui preparar um post devido às arrumações no blog, publico as duas fotos de Marilyn Monroe lendo Ulysses. Para minha pouca surpresa, vários blogs ingleses fizeram isto na última terça-feira. Até parece que as fotos de Eve Arnold são recentes…
O estranho é que muitos duvidam que Marilyn tenha lido Ulisses. Mais estranho ainda é que Ulisses permaneça com a aura de livro impenetrável, difícil. Há enigmas no romance? Sim, e como! Dizem que leva-se em média 100 anos para compreendê-lo inteiramente… Mas, como escreveu o Idelber:
Não se deixe levar pela fama de “difícil” do livro: poucas vezes escreveu-se coisa tão engraçada, escandalosa, divertida e sexual como Ulisses. Em cada diálogo, cada cena, cada capítulo, mil sentidos. O treco não acaba nunca.
Além do mais, a foto, de 1955, é do ano anterior em que ela casou com o dramaturgo Arthur Miller. Eles já estavam “dating”. Com ou sem Miller, Marilyn poderia ler Ulisses. Porém, como suponho que o casal falasse também de arte, fantasio que Miller tenha sugerido o livro a Marilyn. E depois sou eu o preconceituoso…