100 Livros Essenciais da Literatura Mundial

100 Livros Essenciais da Literatura Mundial

Há algumas semanas, li a lista da extinta revista Bravo sobre os 100 livros essenciais da literatura mundial. A edição vendeu muito, disse o dono da banca de revistas meu vizinho. No final da revista, há uma página de Referências Bibliográficas de razoável tamanho, mas o editor esclarece que a maior influência veio dos trabalhos de Harold Bloom.

Vamos à lista? Depois farei alguns comentários a ela.

A lista é a seguinte (talvez haja erros de digitação, talvez não):

1. Ilíada, Homero
2. Odisseia, Homero
3. Hamlet, William Shakespeare
4. Dom Quixote, Miguel de Cervantes
5. A Divina Comédia, Dante Alighieri
6. Em Busca do Tempo Perdido, Marcel Proust
7. Ulysses, James Joyce
8. Guerra e Paz, Leon Tolstói
9. Crime e Castigo, Dostoiévski
10. Ensaios, Michel de Montaigne
11. Édipo Rei, Sófocles
12. Otelo, William Shakespeare
13. Madame Bovary, Gustave Flaubert
14. Fausto, Goethe
15. O Processo, Franz Kafka
16. Doutor Fausto, Thomas Mann
17. As Flores do Mal, Charles Baldelaire
18. Som e a Fúria, William Faulkner
19. A Terra Desolada, T.S. Eliot
20. Teogonia, Hesíodo
21. As Metamorfoses, Ovídio
22. O Vermelho e o Negro, Stendhal
23. O Grande Gatsby, F. Scott Fitzgerald
24. Uma Estação No Inferno,Arthur Rimbaud
25. Os Miseráveis, Victor Hugo
26. O Estrangeiro, Albert Camus
27. Medéia, Eurípedes
28. A Eneida, Virgilio
29. Noite de Reis, William Shakespeare
30. Adeus às Armas, Ernest Hemingway
31. Coração das Trevas, Joseph Conrad
32. Admirável Mundo Novo, Aldous Huxley
33. Mrs. Dalloway, Virgínia Woolf
34. Moby Dick, Herman Melville
35. Histórias Extraordinárias, Edgar Allan Poe
36. A Comédia Humana, Balzac
37. Grandes Esperanças, Charles Dickens
38. O Homem sem Qualidades, Robert Musil
39. As Viagens de Gulliver, Jonathan Swift
40. Finnegans Wake, James Joyce
41. Os Lusíadas, Luís de Camões
42. Os Três Mosqueteiros, Alexandre Dumas
43. Retrato de uma Senhora, Henry James
44. Decameron, Boccaccio
45. Esperando Godot, Samuel Beckett
46. 1984, George Orwell
47. Galileu Galilei, Bertold Brecht
48. Os Cantos de Maldoror, Lautréamont
49. A Tarde de um Fauno, Mallarmé
50. Lolita, Vladimir Nabokov
51. Tartufo, Molière
52. As Três Irmãs, Anton Tchekov
53. O Livro das Mil e uma Noites
54. Don Juan, Tirso de Molina
55. Mensagem, Fernando Pessoa
56. Paraíso Perdido, John Milton
57. Robinson Crusoé, Daniel Defoe
58. Os Moedeiros Falsos, André Gide
59. Memórias Póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis
60. Retrato de Dorian Gray, Oscar Wilde
61. Seis Personagens em Busca de um Autor, Luigi Pirandello
62. Alice no País das Maravilhas, Lewis Caroll
63. A Náusea, Jean-Paul Sartre
64. A Consciência de Zeno, Italo Svevo
65. A Longa Jornada Adentro, Eugene O’Neill
66. A Condição Humana, André Malraux
67. Os Cantos, Ezra Pound
68. Canções da Inocência/ Canções do Exílio, William Blake
69. Um Bonde Chamado Desejo, Teneessee Williams
70. Ficções, Jorge Luis Borges
71. O Rinoceronte, Eugène Ionesco
72. A Morte de Virgilio, Herman Broch
73. As Folhas da Relva, Walt Whitman
74. Deserto dos Tártaros, Dino Buzzati
75. Cem Anos de Solidão, Gabriel García Márquez
76. Viagem ao Fim da Noite, Louis-Ferdinand Céline
77. A Ilustre Casa de Ramires, Eça de Queirós
78. Jogo da Amarelinha, Julio Cortazar
79. As Vinhas da Ira, John Steinbeck
80. Memórias de Adriano, Marguerite Yourcenar
81. O Apanhador no Campo de Centeio, J.D. Salinger
82. Huckleberry Finn, Mark Twain
83. Contos de Hans Christian Andersen
84. O Leopardo, Tomaso di Lampedusa
85. Vida e Opiniões do Cavaleiro Tristram Shandy, Laurence Sterne
86. Passagem para a Índia, E.M. Forster
87. Orgulho e Preconceito, Jane Austen
88. Trópico de Câncer, Henry Miller
89. Pais e Filhos, Ivan Turgueniev
90. O Náufrago, Thomas Bernhard
91. A Epopéia de Gilgamesh
92. O Mahabharata
93. As Cidades Invisíveis, Italo Calvino
94. On the Road, Jack Kerouac
95. O Lobo da Estepe, Hermann Hesse
96. Complexo de Portnoy, Philip Roth
97. Reparação, Ian McEwan
98. Desonra, J.M. Coetzee
99. As Irmãs Makioka, Junichiro Tanizaki
100 Pedro Páramo, Juan Rulfo

A lista é ótima, mas há critérios bastante estranhos.

Se não me engano, só três semideuses têm mais de um livro na lista: Homero, Shakespeare e Joyce. OK, está justo.

No restante, é uma lista mais de autores do que de livros e muitas vezes são escolhidos os livros mais famosos do autor e dane-se a qualidade da obra. Se a revista faz um gol ao escolher Doutor Fausto como o melhor Thomas Mann, erra ao escolher Crime e Castigo dentro da obra de Dostoiévski – Os Irmãos Karamázovi e O Idiota são melhores; ao escolher Guerra e Paz de Tolstói – por que não Ana Karênina? -; na escolha de O Complexo de Portnoy, de Philip Roth; que tem cinco romances muito superiores, iniciando por O Avesso da Vida (Counterlife) e ainda ao eleger Retrato de Uma Senhora na obra luminosa de Henry James. Li por aí reclamações análogas sobre as escolhas de Brás Cubas e não de Dom Casmurro, de Cem Anos de Solidão ao invés de O Amor nos Tempos do Cólera e de As Cidades Invisíveis de Calvino, mas acho que é uma questão de gosto pessoal e não de mérito. Ah, e é absurda a presença do bom O Náufrago e não dos imensos e perfeitos Extinção, Árvores Abatidas e O Sobrinho de Wittgenstein na obra de Thomas Bernhard.

Saúdo a presença de grandes livros pouco citados como Tristram Shandy, obra-prima de Sterne muito querida deste que vos escreve, de Viagem ao Fim da Noite, de Céline, de A Consciência de Zeno, genial livro de Ítalo Svevo, de O Deserto dos Tártaros (Buzzati) e do incompreendido e brilhante Grandes Esperanças, de Charles Dickens, de longe seu melhor romance.

Porém é estranha a escolha de A Comédia Humana, de Balzac. Ora, a Comédia são 88 romances! Não vale! Estranho ainda mais a presença de autores menores como Kerouac e Malraux, além do romance que não é romance — ou do romance que só é romance em 100 de suas 1200 páginas: O Homem sem Qualidades, de Robert Musil.

Também acho que presença de McEwan e de Coetzee prescindem do julgamento do tempo, o que não é o caso de alguns ausentes, como Lazarillo de Tormes, de Chamisso com seu Peter Schlemihl, de George Eliot com Middlemarch, de Homo Faber de Max Frisch e de O Anão, de Pär Lagerkvist, só para citar os primeiros que me vêm à mente. E, se McEwan e Coetzee esttão presentes, por que não Roberto Bolaño?

E Oblómov??? Não poderia ficar de fora!

(O Bender escreve um comentário reclamando a ausência de Grande Sertão, Veredas, de Guimarães Rosa. É claro que ele tem razão! Esqueci. Coisas da idade.)

Com satisfação pessoal, digo que este não-especialista não leu apenas Os Miseráveis, o livro de Blake e os de Lautréamond, Mallarmé, Ovídio e Hesíodo. Isto é, seis dos cem. Tá bom.

P.S.- Milton mentiroso! Não li Finnegans também!

Este post foi publicado em 13 de dezembro de 2007, mas quase nada mudou.

Proust ou de como a vida só faz sentido na arte

Proust ou de como a vida só faz sentido na arte
Sete livros e quatro mil páginas inauguradas em 1913

Por Marcelo Backes *

Publicado no Sul21 em 3 de março de 2013

Eis que tenho meio segundo para descrever as peculiaridades do avanço gracioso e ponderado de uma tartaruga. Pronto, e já se passaram cinco.

Às voltas com as quatro mil páginas de Em busca do tempo perdido (A la recherche du temps perdu), de Marcel Proust, cujo primeiro livro, No caminho de Swann, foi publicado há 100 anos, alguém que se debruça sobre as incontáveis linhas só pode se manifestar impotente ao ver o abismo de uma tela em branco bem restrita e cheia de ameaças à sua frente. O espaço será sempre parco diante de um universo tão vasto, e os milhões de páginas escritas sobre as referidas quatro mil são apenas mais uma prova disso.

Vá lá. Os sete livros de Em busca do tempo perdido, essa obra maior da literatura universal, foram publicados entre 1913 e 1927. Proust morreu em novembro de 1922; quer dizer, metade de seu romance monumental foi publicada postumamente. Desde o segundo volume do quarto livro, Sodoma e Gomorra (1923), passando pelo quinto (A prisioneira, 1923) e sexto livros (A fugitiva – Albertine desaparecida, 1925) até chegar ao sétimo e último, O tempo reencontrado, publicado em 1927, sua obra foi póstuma. Dos livros anteriores, o primeiro, No caminho de Swann, foi recusado pela Gallimard, na época sob o comando de André Gide, e publicado às custas do autor há exatos 100 anos, em 1913, na pequena editora Grasset; o segundo, À sombra das raparigas em flor, já seria publicado pela Gallimard em 1918; o terceiro livro em dois volumes, O caminho de Guermantes (em Portugal o livro leva o título de O lado de Guermantes), foi publicado entre 1920 e 1921; e, por fim, o primeiro volume de Sodoma e Gomorra chegou aos olhos do público também em 1921, um ano antes da morte do autor.

A primeira edição da pequena Grasset custa 7.700 euros no eBay

O primeiro livro de Em busca do tempo perdido não chegou a causar sensação, e Proust só alcançou a fama depois que o segundo, À sombra das raparigas em flor, ganhou o Prêmio Goncourt, em 1919. Nos tempos da primeira guerra mundial, Proust ousava lançar uma obra marcadamente subjetiva, adquirindo desde logo a pecha de reacionário, que o acompanha até hoje segundo o conceito de boa parte da crítica que desconhece sua obra e não sabe o quanto Proust se ocupa da mesma primeira guerra no sétimo volume e que todas as transformações pelas quais passa não apenas a sociedade parisiense e francesa, mas o mundo inteiro, jorram livres no subsolo da narrativa.

A obra antes da Recherche

Antes de sua obra-prima, Marcel Proust se ocupou de um livro ensaístico intitulado Contra Sainte-Beuve, entre os anos de 1908 e 1910, publicado apenas em 1954. Mais do que uma obra autônoma, Contra Sainte-Beuve apresenta uma série de textos dos Cahiers, selecionados segundo pontos de vista específicos e também para clarear as diferentes etapas do desenvolvimento de Em busca do tempo perdido. Na obra, Proust ataca Sainte-Beuve e não se limita a acusá-lo de não ter reconhecido os verdadeiros gênios de seu tempo, emparelhados com autores de terceira categoria, mas inclusive questiona o método de abordagem do maior crítico francês da época. Segundo Proust, Sainte-Beuve encara os livros como uma espécie de salão ao qual dirige seus comentários em uma conversação elegante, mas sem substância – corrigindo aqui e retocando acolá, para elogiar além –, que jamais atinge o âmago da questão literária e vincula em demasia o comportamento do artista à qualidade de sua obra.

Retrato de Proust quando jovem

Mas Proust estreou mesmo na literatura com Os prazeres e os dias, uma coletânea de narrativas e esboços em prosa também publicada a suas próprias expensas em 1896. A narrativa mais conhecida da coletânea é “A confissão de uma jovem moça”, e principia com a mãe da moça contemplada no título morrendo de ataque cardíaco ao surpreender a filha em abraços proibidos com um homem. O sentimento de culpa leva a filha a uma tentativa de suicídio. Antes de morrer, ela ainda confessa por escrito como havia sido feliz com a mãe durante a infância e como passou a se sentir dilacerada entre as tentações do instinto e a severidade vã em relação a si mesma mais tarde. O clima da Combray da infância de Marcel, típico sobretudo do primeiro livro da Recherche, já aparece descrito em detalhes, e os efeitos da tão decisiva “memória involuntária” são antecipados de maneira pujante, por exemplo quando um momento fundamental da infância da filha é despertado e trazido de volta à memória em toda sua intensidade através de um beijo da mãe.

O livro Pastichos e escritos diversos (Pastiches et mélanges) reúne paródias e ensaios de Proust e foi publicado em 1919. A maior importância da obra – de qualidade irregular – é o fato de também desvendar detalhes que seriam desenvolvidos mais extensiva e intensivamente em seu romance definitivo, a Recherche.

Mas a obra que se aproxima mais de perto de Em busca do tempo perdido é o romance Jean Santeuil, no qual Proust trabalhou provavelmente entre 1896 e 1904, e que também seria publicado apenas postumamente, em 1952. O romance funciona como uma espécie de esboço à Recherche, como um manancial de matéria ainda não burilada suficientemente e nem de longe esgotada. Vários dos elementos temáticos da obra-prima já se encontram reunidos em Jean Santeuil. Ainda falta no romance, contudo, a estrutura decisiva que amarra a matéria “recordada” a um Eu mergulhado na atividade de recordar, bem como a dialética labiríntica do outrora e do agora, do ontem dos acontecimentos cheios de saúde e do hoje da lembrança enferma, posta em movimento pela já citada mémoire involuntaire.

O Trocadero no início do século XX (clique para ampliar)

A Recherche

Marcel Proust trabalhou quase vinte anos – e intensamente – em sua obra-prima.

Em busca do tempo perdido canalizou e catalisou de modo tão absoluto a energia produtiva do autor, que a obra está tão intimamente ligada a ele como nenhuma outra obra se encontra ligada a seu autor. A Recherche significa o supra-sumo quase único da produção de Proust, o turbilhão que devorou todo o resto de suas obras, transformando-as em meros esboços daquilo que viria mais tarde, em veredas que levam à grande clareira onde pôde enfim ser levantado o monumento de um romance imortal. Se James Joyce é lembrado pelo Ulisses, escreveu também os Contos dublinenses, o Finnegans Wake e o Retrato do artista quando jovem. Se Robert Musil é lembrado por O homem sem qualidades, escreveu também O jovem Törless, os três contos grandiosos de Três mulheres, uma série de peças teatrais, ensaios como “Sobre a estupidez” e as duas novelas de As reuniões. Se Guimarães Rosa é marcado pelo Grande sertão: veredas, também é o autor de Sagarana, de Tutaméia etc.

Em busca do tempo perdido fez de Marcel Proust um mito.

O quarto de Proust

Tanto que hoje em dia todo mundo sabe – ou poderia saber – até mesmo o que o autor apreciava em seu café-da-manhã (duas xícaras de café bem forte, da marca “Corcellet”, com leite quente, e dois croissants da Rue de la Pépinière), servido pela fiel Cèlèste em uma bandeja de prata, porém jamais antes das quatro ou cinco horas da tarde. E inclusive conhece – ou poderia conhecer – o número fabuloso de toalhas que o autor usava para secar sua pele sensível (seriam cerca de vinte por dia, mostrando que todas as estrelas contemporâneas não passam de plagiárias). Depois de não atender aos desejos do pai, o médico Adrien Proust, que o queria na carreira diplomática, Marcel Proust tentou a advocacia e mais tarde foi corretor da bolsa. Nada deu certo, nem a profissão de bibliotecário, que jamais chegou a desempenhar de verdade, apesar de ser detentor do cargo. Do fracasso profissional do homem, nasceu o artista…

Pouco antes de começar efetivamente os trabalhos na Recherche, Proust ainda participou da tradução de duas obras do crítico de arte, escritor e poeta inglês John Ruskin, A bíblia de Amiens, publicada na França em 1904, e Sésamo e flor-de-lis, publicada em 1906. O trabalho nas obras e o entusiasmo de Proust em relação ao autor inglês é decisivo no desenvolvimento de alguns conceitos artísticos trabalhados em Em busca do tempo perdido.

Mas que é de Em busca do tempo perdido?

A obra é circular e o narrador planeja, ao final da mesma, escrever a obra que acaba de concluir, apresentando o plano daquilo que realizou. Quer dizer, no fundo o autor apenas está começando a escrever o romance que o leitor acaba de ler. Em uma visita ao salão da nova e surpreendente princesa de Guermantes, ao qual só vai por mais uma vez não conseguir começar a escritura da obra – se não nasci para a arte, não vou abrir mão da vida, pelo menos, ainda que enfadonha –, o narrador tem uma grande epifania e descobre como as coisas devem ser ditas e volta pra casa pra viver na solidão e reconstruir sua vida. E seu romance é, ao mesmo tempo, a história de uma vida individual, e um grande romance societário de arcabouço semelhante ao de A comédia humana, de Balzac, ainda que bem mais concentrado, e fundamentado sobre um único personagem, que poderia se chamar Marcel.

Gide nem leu o livro levado à Gallimard, convencido de que o autor era apenas mais um dândi

Ele caracteriza-se pela complexidade de planos temporais paralelos, pelas nuances de luz e sombra projetadas sobre o narrado. São círculos concêntricos de narrativas e personagens incontáveis, abandonados agora para voltar a ser retomados centenas de páginas adiante, revelando sempre novos e surpreendentes aspectos de sua personalidade. O universo das figuras é tão vasto que a edição da Recherche feita pela Plêiade entre 1987-1989 traz um índice de personagens com mais de 120 páginas.

Realidade e ficção

Muitas das personagens de Proust são baseadas em figuras reais, que viveram na época em que o autor frequentava assiduamente os salões de Paris.

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