Nós — eu e minha querida Elena — pegamos alguns DVDs emprestados da Liana Bozzetto e do Alexandre Constantino. São 4 filmes clássicos: O homem que sabia demais, versão de 1956 (que se chama O homem que sabia demasiado em Portugal); A sombra de uma dúvida, de 1942 (Mentira!,em Portugal) –, ambos de Alfred Hitchcock; Doutor Jivago (1965), de David Lean e O Sétimo Selo (1957), de Ingmar Bergman. Não vimos ainda o Bergman. De todos, só não tinha visto A sombra de uma dúvida.
O homem que sabia demais foi filmado duas vezes por Hitchcock. A primeira versão, de 1934, não tinha saído a contento, na opinião do diretor. É curioso como Hitch foca-se no drama pessoal que quer contar, deixando de lado o contexto. É o que interessa a ele. Ele quer que nos preocupemos com o drama do casal norte-americano formado por Doris Day e James Stewart. Não está lá para discutir política internacional ou deitar teses. Claro, a parte política do filme é tensa, mas ela pouco importa na criação do desejado clima de suspense. Então, sabe-se que alguém quer matar o primeiro ministro, que os terroristas têm caras de bonzinhos mas que podem se tornar terríveis para quem se interponha a seus intentos, que o plano era secretíssimo e que o homem comum, Dr. McKenna (Stewart), casualmente soube do que não deveria saber. O velho Hitch usa desbragadamente o artificialismo e a inverossimilhança, mas traz para nós todo o suspense que apreciamos.
Hitch costumava usar romances de segunda linha como base de seus roteiros. Era um artesão muito específico: estava ali para contar bem uma história que mantivesse o espectador ligado durante aqueles miraculosos 90 minutos. E consegue.
A sombra de uma dúvida é um filme de suspense em que os fatos parecem ainda mais complicados de se acreditar. Se não fosse aquele encantado e incondicional amor de irmã, como é que Joseph Cotten obteria morar com a família? E o banana do investigador? E aquele marido abilolado? Como é que ele não via o drama de sua filha Charlie e o entra-e-sai de detetives? Só que tudo isso é necessário para criar a situação.
Cotten está maravilhosamente canastrão no papel principal. Foi um ator de rara inteligência e sensibilidade. Não consigo visualizar um diretor moderno pedindo uma atuação daquele gênero a Cotten, ator que recém saíra do dito melhor filme de todos os tempos, Cidadão Kane (1941), e de Soberba (1942), ambos de Orson Welles. Cotten trabalhava para os filmes, não para si. Ele está perfeito no papel complicado de assassino bonzinho.
E chegamos a Doutor Jivago. Vimos os primeiros 120 minutos, veremos o restante amanhã. Por enquanto, é uma tragédia contida, mas acho que os elementos para um dramalhão já estão em seus lugares. Lara (a belíssima Julie Christie, minha atriz preferida, no papel de Lara Antipova) tem um filho com, provavelmente, Victor Komarovsky (Rod Steiger), que a estuprou na época em que ela, com 17 anos, namorava o jovem romântico e revolucionário Pasha Strelnikov (Tom Courtenay). Por outro lado, Omar Sharif (Yuri Jivago) é casado com a “aristocrata legal que vai sofrer”, Tonya (Geraldine Chaplin). Então a revolução bolchevique bagunça tudo e Lara acaba trabalhando com Jivago num hospital do interior. Lá, ele se apaixona por ela, mas Lara, correta, dá-lhe um pé na bunda. Só que a família de Jivago vai para o interior e ele certamente se encontrará novamente com Lara. Strelnikov? Ora, pensava-se que ele estivesse morto, só que não: o jovem e simples revolucionário tornou-se um imparable bolchevique comedor de criancinhas. Como espetáculo, está valendo a pena ver, apesar do pouco espírito de Pasternak presente. A poderosa cenografia de Lean tem que ser considerada. O cara era um mestre. Mas…
Ah, Elena, que nasceu na Bielorrússia e lá viveu até os 29 anos, não sentiu um ambiente muito russo…
Enquanto o mundo têm se comovido com o destino de Aylan Kurdi, a criança síria que se tornou o símbolo da crise dos refugiados, o jornal satírico francês Charlie Hebdo tratou de zombar do fato.
Oito meses após o ataque terrorista que atingiu a sua sede em Paris , em janeiro, Charlie está de volta à cena com um novo set controverso de desenhos, nos quais faz piada com a imagem de Aylan, recentemente encontrado morto em uma praia turca.
Intitulado “Tão próximo de seu objetivo”, o primeiro desenho caracteriza Aylan deitado de bruços na praia perto de uma placa de publicidade de um “2 pelo preço de 1” da McDonald`s que diz “Dois menus criança pelo preço de um “.
Digamos que o primeiro ainda posa ser chamado de humor, mas o segundo vai contra o próprio ateísmo da revista. Ou não? Este chama-se “A prova de que a Europa é cristã”, mostrando uma criança afogando-se nas águas. No lado esquerdo, um homem, supostamente Jesus, caminha sobre as águas. o texto diz: “Cristãos caminham sobre as águas. As crianças muçulmanas crianças afundam. ”
O debate sobre estas imagens e sobre a verdadeira intenção da publicação está nas redes sociais. Há quem acuse o Charlie Hebdo de racismo. No entanto, há quem discorde e que argumente que estes cartoons versam sobre a reação europeia em relação à crise dos refugiados. Há oito meses atrás, eu disse que a Charlie era uma revista de humor grosseiro e quase fui fatiado. Sou a favor da liberdade de expressão da revista e de todos, sou contra bombardearem uma redação, claro, mas sigo achando a Charlie uma publicação de considerável mau gosto.
Argel, fiquei feliz sábado. Gostei de ser corintiano. Tu viste o pênalti que o maluco do Rafael Moura fez no Kléber, Argel? E o juiz não deu! Curti muito! De resto, jogamos horrivelmente e até agora não entendi como ganhamos. Fizemos tudo errado — chamamos o Coritiba para o nosso campo, abdicamos da bola para só marcar — , mas é que o adversário era ruim demais. Tem muitos candidatos à segunda divisão este ano. A briga é dura, todos querem cair. Seguimos jogando mal fora de casa, mas o juiz nos salvou de um humilhante empate dessa vez. Dei gargalhadas enquanto lavava a louça lá em casa. Tu disseste, Argel, que nossa vitória foi convincente… Que bom humor que tu tens!
Nem vou falar do esquema de jogo, essas coisas. Não dá para chamar aquilo de esquema de jogo, né? O William estava bem alegrinho, tentando dribles e perdendo bolas na nossa intermediária. O Vitinho é que voltou a jogar bem.
Agora temos três jogos em casa. Corinthians, Figueirense e Palmeiras, este pela Copa do Brasil. Bem, se jogarmos como temos jogado, melhor focar a atenção sobre Figueirense e Palmeiras. Temos perdido sistematicamente para o Corinthians. E temos perdido na bola mesmo, sem intervenções do apito.
O Grêmio é que parece estar de flanelinha no G-4. Agora, eles pegam o Patético-PR e o Palmeiras. Acho que levam um ponto e verão a aproximação de São Paulo e Flamengo. Esses estão com os dias contados.
(Como acabou? Ele foi eleito para um cargo correspondente ao de vereador em sua belíssima cidade).
Flavio Prada é um arquiteto brasileiro de origem italiana que concorrerá, em maio, à prefeitura da paradisíaca Riva del Garda, na Itália, pelo Movimento 5 Estrelas de Beppe Grillo. Para quem acompanhou o crescimento dos blogs no final da primeira década do século XXI, Prada é o célebre criador do blog Lixo Tipo Especial, hoje desativado. Em seu blog, Prada liberava seu espírito crítico na forma de devastadoras enxurradas de zombaria e sarcasmo sobre as políticas brasileira, italiana e europeia.
Com o blog fechado há mais de cinco anos, Prada pouco a pouco desapareceu da cena brasileira, porém, na Itália, seguiu trabalhando profissionalmente com arquitetura, amadoristicamente em seu grupo de rock, e com política, onde não ocupou nenhum cargo eletivo. Até agora.
Entrevistamos Flavio a fim de compreender sua trajetória desde os tempos da fundação do PT, ainda no Brasil, passando pelos blog e chegando a atual candidatura. No Lixo, nosso entrevistado costumava fazer Entrevistas Transoceânicas com seus leitores brasileiros. Vingamo-nos.
Sul21: Tu és reconhecido um italiano ou como um brasileiro na Itália?
Prada: Alguns pensam que eu sou de Gênova, porque meu sotaque é meio parecido com o genovês. Sabe como é, às vezes você solta um sotaque mais forte, principalmente quando muito cansado. Mas alguns nem percebem que sou estrangeiro. No filme que fiz para a campanha, explico a trajetória familiar da Itália para Limeira (SP) e meu retorno, por assim dizer, para a Itália, em 2001. Meu italiano é bom, então não tem muito problema. Mas o povo daqui é muito bairrista, então é melhor deixar tudo explicadinho.
Sul21: O que tu fizeste, do ponto de vista político, no Brasil?
Prada: Certa vez, em 1980, eu participei de uma festa na casa do (ex-senador Eduardo) Suplicy. Era um dos primeiros encontros que se fazia com a intenção de, talvez, criar um partido chamado PT. Depois, eu sempre militei pelo PT. Militei muito em Limeira, menos em São Paulo, mais em Florianópolis, até que vim para a Itália, em 2001.
Sul21: Tu começaste imediatamente a militância aí no norte da Itália?
Prada: Nos primeiros anos estava tentando me situar tanto profissional quanto politicamente. Há muita diferença, principalmente na legislação. É óbvio que eu mantinha grande afinidade com os partidos de esquerda. O problema que ocorreu aqui e que está começando a acontecer no Brasil, é que, com a chegada ao poder, os partidos vão se descaracterizando, toda a ideologia vai perdendo o sentido. É por isso que estou mais critico em relação ao PT, inclusive. Hoje, o partido está aliado com o (Fernando) Collor, (José) Sarney, (Paulo) Maluf. São coisas que, se eu dissesse há 20 anos atrás numa reunião nossa, alguém me declararia como louco ou piadista de mau gosto. Mas hoje é uma realidade. A esquerda, nos 15 anos que estou aqui, sofreu o mesmo fenômeno.
Sul21: O PT da Itália é o PD?
Prada: Aqui nós temos o Partido Democrático de centro-esquerda e os partidos mais radicais, mais tradicionais, comunistas. Há três partidos que são comunistas, além dos verdes. Este último grupo tem menos de 1% de eleitores, estão desaparecendo. Realmente, o PD (Partido Democrático) é o mais próximo do PT brasileiro. Mas estão fazendo um governo com o (ex-primeiro-ministro Silvio) Berlusconi, o que é uma coisa inimaginável, um absurdo. Em nome da governabilidade, em nome de você administrar o teu condomínio, você chama o estuprador para cuidar dos filhos. É o que está acontecendo. Essa transformação da esquerda, com fenômenos de corrupção estourando em todos os níveis, começaram a aparecer no momento em que esses partidos, que eram de luta, chegam ao poder. O problema é o poder.
Sul21: Tu te filiaste a algum partido além do Movimento?
Prada: Eu primeiro me inscrevi num partido de centro-esquerda, mais de centro que de esquerda, chamado Italia dei Valori. O “valor” do nome não é o econômico, é o valor ético, a moralidade. Surgiu outro parecido, só que claramente de direita, com aquela legalidade nacionalista. Então, quando eu estava no Italia dei Valore, assisti ao crescimento do Movimento 5 Estrelas, que nasceu dentro de um blog. Eu e muita gente acompanhávamos o blog do Beppe Grillo e o movimento. O que aconteceu com o IDV? Ora, o partido, que detinha 7% de preferência, hoje está com 0,5%. Morreu. Por que morreu? Porque a gente vinha pregando a moralidade e em um certo momento se descobriu que a cúpula do partido pegava milhões de euros para comprar apartamentos, aumentando seus patrimônios pessoais. Ou seja, o próprio partido que a gente acreditava como uma reserva ética, roubava a dar com pau. Então, foi mais do que natural que praticamente todo o pessoal do IDV fosse para o Movimento 5 Estrelas.
Sul21: A imagem que se tem do 5 Estrelas no Brasil é a de um bando de loucos chefiados por um humorista.
Prada: É exatamente isso. É que numa sociedade doente como a nossa, a gente tem orgulho de ser louco. O Beppe Grillo é um humanista cômico. Faz mais de 30 anos que atua. Começou na televisão. Depois, no teatro, fazia sempre um humor meio desesperado. Ele faz sátira política no estilo de Voltaire. Às vezes é muito simples. Ele apenas lê as noticias e faz o pessoal rir porque deixa às claras a demência que a gente está vivendo. Aqui e no Brasil também. Ele fazia isso na TV até o momento em que começou a criticar o Partido Socialista, que estava no poder em 1992. Houve também uma piada sobre chineses… Mandaram ele embora. A partir daí, ele foi para o teatro. Ele encheu qualquer ginásio de esportes nesses últimos 20 anos. O tema de Beppe Grillo é a loucura que estamos fazendo com o ambiente, com as energias renováveis, e a corrupção geral.
Sul21: Mas como ele fazia tanto sucesso falando desses assuntos?
Prada: Ele falava isso de maneira teatral. O personagem dele é aquele cara que está desesperado com a situação. Ele fala muito seriamente enquanto você morre de rir, porque é a realidade. Ele te joga a realidade na cara. Quando surgiram os blogs — ele abriu o dele em 2005 –, os temas eram esses aí: o ambiente, o que nós estamos fazendo com a política, os políticos e a atuação política. Em 2007, ele fez uma provocação que relancei no meu blog, lembra? Foi o Vaffanculo–Day ou V-Day (literalmente, Dia de mandar tomar no cu). Ele não imaginou que permaneceria no centro das atenções só com o espaço do blog, mas permaneceu. Cada post dele recebia mil comentários e 300 mil views. Então ele falou: “Nós já somos tantos que poderíamos nos reunir numa praça para uma manifestação. Afinal, nós somos os idiotas que trabalham, que pagam impostos, contas. Estamos isolados, quietos, sem voz, sem representatividade”. Aí ele criou o Vaffanculo–Day. Mas a mídia tradicional não deu notícia do fato. Aí, no ano seguinte, ele fez mais outro, com 100 mil pessoas na praça. Quando a mídia começou a boicotar, ridicularizando a iniciativa, deu para perceber quem estava no caminho certo.
Sul21: A situação da mídia italiana é análoga à brasileira, não?
Prada: É muito parecida. Na mídia italiana, existe um único jornal que é independente e autônomo, o Il Fatto Quotidiano. O resto vive de subvenção do governo. A imprensa ajoelha-se aos pés do poder. Como eu dizia, não houve nenhum tipo de notícia decente sobre o Vaffanculo–Day. Então o Beppe fez uma coisa. Ele se inscreveu no PD para ser o primeiro-ministro… Estavam acontecendo as primárias do Partido Democrático para a escolha exatamente do candidato a premier. Isso foi em 2009, 2010. E o barraram. Não houve nenhuma alegação, só disseram que não podia. Um representante do PD foi para a televisão e soltou a frase histórica “Se o Beppe Grillo quer entrar na política, ele que faça um partido dele e vamos ver quantos votos ele vai ter”. Aí ele falou: “É. Boa ideia”.
Sul21: (risadas)
Prada: Ele fundou uma semana depois o Movimento 5 Estrelas, que tem cinco pontos fundamentais: ambiente (não ao nuclear, sim às energias alternativas), água (propriedade pública), desenvolvimento, conectividade e transportes. São cinco pontos que depois se desdobram. E se criou um programa, o “não-estatuto”. Beppe Grillo foi o aglutinador de um movimento que nasceu na rede. A mídia tradicional, que trabalha sempre com estereótipos, diz que o Beppe Grillo controla tudo, mas ele não controla absolutamente nada. O processo interno é absolutamente democrático, não existe nenhuma interferência, nenhuma determinação para os programas que criamos. Dentro da linha do movimento, a gente faz o que quer.
Sul21: E o desemprenho eleitoral?
Prada: Pois é. E o 5 Estrelas foi para as eleições. Primeiro, fez alguns vereadores. Agora, em 2013, fizemos 160 parlamentares. São 140 deputados e 20 senadores, mas alguns pularam fora porque uma das regras é cortar a metade do salário. Um parlamentar italiano ganha por volta de 100 mil euros anuais, o que, comparando com outros países da Europa, é demais. Nós pegamos esses 100 mil euros e colocamos a metade em um fundo. Com esse fundo, estamos abrindo um programa de microcrédito para pequenas e médias empresas que estão em dificuldades. Tem lá uns 20 milhões de euros só com a renúncia de salário. Isso é grana que pode fazer alguma diferença, além de ser uma questão filosófica.
Sul21: E onde é que o 5 estrelas se colocou no governo atual?
Prada: Fora. O que aconteceu foi que a Itália está debaixo de um regime europeu comandado pela Alemanha e os bancos. A grande dificuldade de países como Grécia, Itália, Portugal, Espanha é que são países que tem uma outra cultura, a do “dar aqui para receber ali”. Todos têm um grande nível de corrupção, só que o que está acontecendo é que o remédio está matando o paciente. Com a política que a Europa está impondo a esses países, a corrupção aumentou. A classe política sabe que a festa está acabando, então, para se proteger do futuro, deita e rola. A corrupção explodiu de tal forma que não há mais vergonha de se associar ao Berlusconi. Está tudo aberto, tudo descarado, pois é nesse contexto que os presidentes tem poderes para se garantirem.
Sul21: E como será a eleição para a prefeitura de Riva del Garda? Tens chance?
Prada: Nenhuma. (risos)
Sul21: Então de que valeu esta entrevista?
Prada: Não sei. Problema teu. (risos) Bem, falando sério: não tenho nenhuma chance. Minha campanha teve um investimento de 500 euros. Quando nos reunimos para escolher o candidato, foi aquele silêncio. Então, escolheram o mais louco, o mais improvável. Mas é uma candidatura válida porque este paraíso que é Riva, principalmente na região da beira do Lago de Garda, está sendo absurdamente loteado. Comprei um megafone e ando pela cidade, dando meu recado.
Tive um pesadelo esta noite. Em meu sonho, eu era Leonardo e morri.
Na manhã fria de 29 de junho de 1973, sons de gritos, tiros, carros e da execução de muitas pessoas foram ouvidas rua Agustinas, a apenas dois quarteirões do Palácio de La Moneda. Era o tancazo. Foi o dia em que mataram o cinegrafista Leonardo Henrichsen. Ele estava trabalhando para uma agência de notícias sueca. Em memória a Leonardo Henrichsen, na Argentina, o 29 de junho é o Dia do Cinegrafista. Hoje, 11 de setembro de 2015, faz aniversário o Golpe Militar Chileno.
Só um bilhete, pois vi o jogo apenas hoje: como jogamos mal! E que preparo físico deficiente aquele que nos foi deixado pelos preparadores físicos do Aguirre! Estamos muito mal, apesar de próximos do G-4.
Então você liga a TV e fica procurando um filme nestes cardápios que as emissoras à cabo oferecem atualmente. Quer um filme leve e divertido, mas fica meio perdido entre tantas comédias românticas. Acho que há várias muito boas, algumas excelentes. Hoje, vou dar a vocês duas dicas que penso serem irresistíveis. A primeira é O amor não tira férias. Duas mulheres, Cameron Diaz e Kate Winslet, vêm de grandes desilusões amorosas e acertam pela internet uma troca temporária de residências. Cameron vai para a fria Inglaterra e Kate para a ensolarada Califórnia. Tiram férias dizendo uma a outra que querem apenas calma e solidão para superarem suas crises. Mas dá tudo errado e quem aparece é o amor, claro. Afinal, trata-se de uma comédia romântica. A segunda é Hitch — Conselheiro Amoroso. No filme, Will Smith é um lendário, tecnicamente perfeito e anônimo cupido. Em troca de determinada taxa financeira, ele faz com que seus contratantes homens conquistem as mulheres de seus sonhos. Enquanto trabalha para o hilário Kevin James, um contador que se apaixonou pela socialite vivida por Amber Valetta, Hitch conhece a mulher que acredita ser a de sua vida, Sara (Eva Mendes). Apaixonado, Hitch decide conquistá-la, mas ele é muito melhor dando conselhos do que agindo em causa própria. Recomendamos.
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Então seu filho vai fazer vestibular na UFRGS e aquele livro aparece na sua frente. O nome é esquisito: Dançar Tango em Porto Alegre. Provavelmente isto aconteceu porque este livro de Sérgio Faraco é uma das leituras obrigatórias para o Vestibular da UFRGS de 2016. Quando seu filho ou filha deixar ele de lado, pegue porque é muito bom. São dezoito contos escritos por um autor que preza, antes de tudo, a palavra exata, a melhor expressão. A exigência artística de Faraco é muito alta, imaginem que ele produz uma média de apenas dois contos por ano, trabalhando e retrabalhando seus textos. Mas a leitura desses contos é fluente e o resultado é bom demais. São três os temas principais dos contos de Dançar Tango em Porto Alegre. Primeiro, o das histórias que acontecem na paisagem rural fronteiriça do Rio Grande do Sul, onde os protagonistas ficam no dilema entre manter os valores de um passado que se esvai e a aceitação da modernização. O segundo é o grupo de histórias sobre o final da infância, através das fortes experiências emocionais da adolescência e da iniciação sexual. Por último, há os contos sobre o indivíduo que, melancólico e solitário, não se adapta ao espaço urbano. Tudo isso contado por um escritor de primeiríssima linha que, ouso dizer, ocupa o posto informal de melhor escritor do sul do país. A edição da L&PM sai por R$ 21,90.
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Com cabelos brancos e alguma dificuldade com os agudos, Caetano Veloso e Gilberto Gil fizeram um tremendo show no Araújo Vianna. Para os dois artistas é simples, basta pinçar as canções mais representativas de seus vastíssimos repertórios. Somados, os dois artistas gravaram mais de 50 discos e CDs só de músicas inéditas. Com a dupla, o público pode recordar grandes sucessos que datam desde os anos 60. Mas houve um importante porém. Antes do show, muitos protestaram contra o valor das entradas. E com razão, pois os valores dos ingressos variaram entre R$ 150 — para quem aceitasse ficar em pé — e R$ 750. São preços talvez condizentes com a Europa, não com o Brasil. Para efeito de comparação, o concerto da dupla em Madri, no dia 21 de julho, tinha opções entre 130 e 215 euros, equivalentes a R$ 449 e R$ 742. Agora, depois do show, ninguém reclamou porque o que viu foi magnífico. Foram 26 canções de primeiríssima linha, quase todas de autoria dos dois amigos. Gil e Caetano mostraram-se imbatíveis nas artes do bem compor, bem cantar e melhor ainda em seduzir, mesmo que mal tenham dado boa noite ao público. E também mostraram-se, sem dúvida, imbatíveis na arte de bem envelhecer (*). A qualidade técnica do espetáculo acompanhou soberbamente os dois baianos. Quem viu, viu. Quem não viu, fica pra próxima. Se der pra ir.
A história filme búlgaro A Lição (Urok), de Kristina Grozeva e Petar Valchanov, poderia se passar no Brasil. Na verdade, poderia se passar em qualquer país capitalista, mas cabe melhor em países capitalistas pobres onde a corrupção — do sistema e das pessoas — esteja consolidada. Houve um roubo de dinheiro na sala de aula da correta professora primária Nadezhda ou Nade (Margita Gosheva). Ela tenta de várias maneiras descobrir quem é o ladrão. Por outro lado, um dia, voltando da escola para casa, descobre que a crise financeira do marido é bem mais profunda do que parecia e que a casa deles pode ir a leilão.
Nade irá aos infernos a fim de procurar manter sua posição social e integridade pessoal. Porém, ela é quebrada em três cenas que valem o filme. Negando-se a jogar um jogo que não é o seu e, à princípio, com a coragem de um Michel Kohlhaas de saias, Nade é colocada em uma série de situações que fazem dobrar uma ética que parecia inquebrantável.
Curiosamente, A Lição foi inspirado na história de uma professora búlgara e é a primeira parte de uma trilogia pautada pela proposta dos diretores de transformarem notícias de jornal em filmes.
O trabalho do elenco é impecável, com destaque para as cenas no banco e no agiota, diferentes faces de atividades irmãs.
O tom geral do filme é dramático, a câmera e a fotografia são secas e a ausência de música aprofunda o realismo, mas o humor aparece na terrível sucessão de acontecimentos. Os diretores recorrem à hipérbole, intensificando a crise até o inconcebível. A tragédia pessoal da Nade não é descaracterizada pela hipérbole e esta só se torna humor sinistro quando colocada contra o fundo do que seria o dia a dia ideal da professora. Nade é ética, é correta, mas foi jogada num pântano. Ela aprende que dentro do caos qualquer movimento faz diferença. O clímax do filme é muito bem preparado. Envolvida pela sociedade e perdido definitivamente o fio da ética, Nade toma uma decisão inesperada.
Vi no Guion Center 3 (aquela sala comprida que parece um ônibus). O novíssimo equipamento digital lá instalado falou bem alto. Recomendo a sala e o filme.
Em 1º de novembro, a polícia não vai mais estar presente na proteção ao Museu do Hermitage devido a demissões no Ministério do Interior. O Museu já recebeu o aviso. Segundo o presidente do Sindicato dos Museus da Rússia e Diretor do Hermitage, Mikhail Piotrovsky, esta situação irá afetar todos os outros museus, de modo que o sindicato convidou todos os museus para um encontro a fim de pensarem numa solução própria para a proteção conjunta dos museus e de suas exposições. Esta não deverá fugir da contratação de empresas de segurança privada.
“Recebemos uma carta informando que, em 1º de novembro, todo o policiamento que nós temos hoje não será mais disponibilizado”, disse Piotrowski a uma rádio de St. Petersburg. “Eu escrevi várias cartas a todos os ministros onde que eu disse exatamente o que significa a segurança do Hermitage para a Rússia e o mundo. Por enquanto não obtive resposta”.
Enquanto isso, o site oficial site da União dos Museus Russos publicou uma declaração em que seus líderes mostram-se preocupados: “A União dos Museus Russos está aconselhando-se juridicamente sobre o desenvolvimento de iniciativas legislativas que forneçam às instituições culturais proteção contra ataques e qualificação adequada de atos criminosos”, diz o documento.
A chefe do Serviço de Informação Histórica do Hermitage, Yulia Kantor, explicou que “o Museu Hermitage tem o melhor sistema eletrônico de proteção e monitoramento de museus, que está constantemente sendo melhorado, mas ele se torna inútil se não tiver pessoal para as intervenções”, observou ela.
A preocupação aumenta em razão de recentes ataques do movimento ortodoxo “Vontade de Deus”, que danificou várias exposições procurando destruir imagens onde “Jesus Cristo é retratado de forma indecente”.
O Sindicato dos Museus Russos manifestou preocupação com o futuro. “Nossa sociedade não está apenas mais pobre, está doente”, – concluiu em nota.
Argel, deves lembrar que há alguns dias eu dizia que o Inter ia oscilar entre boas e más atuações. Mas jamais imaginaria que perderíamos para o banguzinho do São Paulo tomando olé, entre outras humilhações. Foi demais, Argel. Notei a tua vergonha após a partida. Gostei daquilo. Naturalmente, não temos preparo físico e o final da partida foi um chocolate mesmo. Creio que tens razão: precisas fechar o time fora de casa e por duas razões. A primeira é óbvia, é que o nosso time fica órfão sem torcida. A segunda é que, sem a bola, temos que correr muito mais para marcar. Isso cansa.
Outro fato chocante foi a péssima — e inédita — má atuação de Rodrigo Dourado. Já Géferson e William não chegaram a surpreender. São laterais que não sabem fazer o básico da função: marcar. Meu caro Argel, se o cara não sabe desarmar e antecipar, tem que ser um monstro no apoio.
Nossos quatro próximos jogos – antes do iniciar o embate contra o Palmeiras pela Copa do Brasil — serão para perder muitos pontos, se seguirmos nessa irregularidade. O jogos são contra Palmeiras (C), Coritiba (F), Corinthians (C) e Figueirense (C). Depois, jogaremos pelas quartas-de-final da Copa do Brasil, novamente em casa, contra o Palmeiras. Bem, ainda bem que em casa a gente tem jogado melhor. Ah, Argel, se nós pudéssemos ganhar todos esses jogos em casa seria maravilhoso. Eu nem me importaria de levar olé em Curitiba. Pensando bem, foca tua atenção nos jogos em casa. Só precisaremos jogar bem fora lá no dia 30, no jogo de volta contra das quartas pela Copa do Brasil.
Saímos para jantar às 22h. Fomos a um bom restaurante perto de casa, aqui no Bonfim. Ele está sempre lotado. A parrilla ao fundo, a carne bem preparada e a cerveja uruguaia garantem o barulho alegre das conversas. Porém, ontem, quando chegamos, ele estava com as luzes acesas e as portas fechadas. O silêncio era total, parecia uma cerimônia de velório. Dentro, apenas um casal. Já imaginando a resposta, perguntei o que estava acontecendo. “Pouca gente está saindo de casa por causa da insegurança dos últimos dias. Também estamos preocupados, mas podem entrar.”
Pois é, as mortes desta semana e o policiamento rarefeito — e por vezes assassino — apavorou a cidade que está vazia de uma forma esquisita para esta época do ano. A redução do efetivo da Brigada Militar fez o comércio de Porto Alegre adotar medidas para se precaver. As medidas são: fechar mais cedo ou nem abrir. Nunca vi um governante administrar tão mal uma crise. Credo, parece o Planalto!
É estranho. O governo não tem dinheiro, mas suas ações criam um clima que atrapalha o comércio que lhe dá impostos. No mês passado, a arrecadação caiu em 100 milhões. Certamente, vai cair ainda mais este mês, aprofundando a crise. O que é ruim vai ficar pior. Este problema foi cultivado por anos, através de muitos governos. Muitos sabiam e avisaram. O muro que estava longe aproximou-se sem que ninguém tivesse tomado a iniciativa de desviar, seja pagando a dívida quando era possível; seja depois, alterando as regras de pagamento de forma substancial. Orgulho-me de ter sugerido a pauta que gerou a melhor reportagem publicada recentemente em nosso estado a respeito da divida e que comprova o fato de ela ter sido criada por bem mais do que duas ou quatro mãos. Tivemos uma série de governos estaduais ridículos ou razoáveis e todos são igualmente culpados, desde a sumidade que criou a bola de neve, o nada saudoso primeiro governador da ditadura, Euclides Triches. Em seu governo arenista, o crescimento da dívida chegou a 194.4%…
Triches nasceu em Caxias, Sartori em Farroupilha. Nasceram perto um do outro. Não lembro de Triches, mas sei que, no quesito comunicação, Sartori só encontra rival em Dilma Rousseff. Só que ela fala bobagens longamente, enquanto que ele prefere pequenas e exatas frases infelizes. Às vezes ele nem precisa falar, basta dançar que já irrita. E os dois não param. Creio que a recessão federal e a crise gaúcha nos inquietem tanto porque ninguém acredita nas ações de gente tão atrapalhada com as palavras. Tanto jornalista desempregado e ninguém para editar aqueles discursos da Dilma no site do Planalto. E Sartori? Seu staff deve ficar em pânico cada vez que ele pega um microfone.
Hoje, fomos tomar café na outra esquina. Tinha pouca gente na rua, o pessoal está comprando suas coisas no supermercado e sumindo dentro de casa. Os donos dos supermercados devem estar felizes. Só eles pagarão belos impostos. Mas tergiverso. O fato é que estou louco para ir ao cinema. Vou caminhar por nossas ruas tristes.
Se não voltar até a noite, chamem a polícia. Polícia? Bem, sei lá, chamem alguém.
O PHES de hoje é uma contribuição do estudante de tecnologia Elton Freitas, brasiliense e, segundo ele, ‘ávido leitor’ do PHES. Ele nos traz Haylie Noire e diz esperar que ela seja de alguma valia para meus outros seis leitores.
(Alguma valia…)
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O único lugar onde você vai encontrar Haylie Noire é em seu tumblr.
Onde ela compartilha as fotos que tira em seu apartamento.
Sabe-se apenas que é francesa e tem 1,69m de altura.
E que Vinícius de Morais aprecia todos os ingredientes de seu corpo. Visto que foi o próprio poeta quem escreveu: Read More
Durante o velório de Mário de Andrade, Edgard Cavalheiro me perguntou, no jardinzinho que havia na frente da casa: “Para encontrar na literatura brasileira uma morte desta importância é preciso voltar até quando?”. Respondi: “Até a morte de Machado de Assis.”
Antonio Candido
Mário de Andrade (1893-1945) viveu apenas 51 anos, mas foi por mais de duas décadas uma figura central da cultura brasileira. Sua morte completou 70 anos na última quarta-feira (25), permitindo que sua obra entre em domínio público em 1º de janeiro de 2016. Em 2015, ele será o homenageado da Festa Literária Internacional de Paraty, que acontece em julho, e receberá uma série de lançamentos.
Como dissemos, Mário foi, em seu tempo, figura central da vanguarda artística de São Paulo. Exerceu cargos públicos e foi também músico, mas ficou muito mais conhecido como poeta, ensaísta e romancista. Mário esteve pessoalmente envolvido em praticamente todas as áreas relacionadas com o movimento modernista de São Paulo. Seus ensaios cobriram grande variedade de assuntos e foram amplamente divulgados na imprensa da época. Mário foi o maior incentivador da Semana de Arte Moderna, evento ocorrido em 1922 que reformulou a literatura e as artes visuais no Brasil, tendo sido um dos integrantes do “Grupo dos Cinco” (os outros quatro foram Tarsila do Amaral, Anita Malfatti, Menotti del Picchia e Oswald de Andrade). Ninguém delineou melhor as ideias por trás da Semana do que o prefácio de seu livro de poesia Paulicéia Desvairada.
O prefácio não fala do livro, mas sim de uma atitude geral perante a literatura. É uma espécie de manifesto poético em versos livres. Depois de fundar o “Desvairismo”, Mário afirma que luta por uma expressão nova, por uma expressão que não esteja agarrada ao passado. Outra das ideias expressas por Mário de Andrade neste Prefácio/Manifesto é que a língua portuguesa é uma opressão para a livre expressão do escritor no Brasil. Ele afirma a existência de uma “língua brasileira”, que seria das mais ricas e sonoras. Para reforçar esta ideia do brasileiro como língua, grafa propositadamente a ortografia de modo a ficar com o sotaque brasileiro. Deste modo, Mário de Andrade não apenas atava os parnasianos como era um nacionalista.
Também era contra a rima e todas as imposições externas. “A gramática apareceu depois de organizadas as línguas. Acontece que meu inconsciente não sabe da existência de gramáticas, nem de línguas organizadas”. “Os portugueses dizem ir à cidade. Os brasileiros, na cidade. Eu sou brasileiro”.
Suas múltiplas atividades incluíam um meticuloso levantamento sobre a história, o povo, a cultura e especialmente a música do interior do Brasil, tanto em São Paulo quanto no Nordeste. Andrade também publicou ensaios em jornais de São Paulo, algumas vezes ilustrados por suas próprias fotografias, a respeito da vida e do folclore brasileiros. Entre as viagens, Andrade lecionava piano no Conservatório, havendo sido também aluno de estética do poeta Venceslau de Queirós, sucedendo-o como professor no Conservatório após sua morte em 1921.
Em 1938, Mário de Andrade reuniu uma equipe com o objetivo de catalogar músicas do Norte e Nordeste brasileiros. Tinha como objetivo declarado “conquistar e divulgar a todo país, a cultura brasileira”. O âmbito do recém-criado — por ele, Mário — Departamento de Cultura foi bastante amplo: a investigação cultural e demográfica, além de publicações culturais.
Assim dito, dá a impressão de que estamos falando sobre o criador de um projeto de arte vitorioso — mas não é bem assim.
Sua recém lançada biografia Eu sou trezentos – Mário de Andrade: vida e obra (Edições de Janeiro/Biblioteca Nacional), de Eduardo Jardim, mostra um homem que dedicou sua existência a um projeto artístico para vê-lo derrotado no fim da vida.
– Não à toa, ele vai ficando mais amargurado. O Mário morreu com 51 anos. Você pega as fotos dele e vê uma pessoa arrasada, um homem velho – afirma Jardim, professor aposentado do Departamento de Letras da PUC-RJ. – Os admiradores de Mário o apresentaram como um escritor consagrado, mas ele foi sacrificado pelo ponto de vista autoritário.
Depois de ser demitido do Departamento de Cultura de São Paulo, em 1938, com o Estado Novo, Mário entra em um período de depressão. Enquanto esteve à frente do órgão, viu-se perto de concretizar seu credo modernista de uma arte social que servisse aos interesses coletivos do país. A reforma proposta por ele visava criar canais entre cultura erudita e popular, nacional e estrangeira, fundar uma arte para estabelecer vínculos comunitários.
Com a demissão — acompanhada de acusações de corrupção –, Mário mudou-se para o Rio, onde entregou-se à bebida, permanecendo afastado de amigos queridos que moravam na cidade, como Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira. Nomeado por Gustavo Capanema, passou a ocupar cargos menores no Ministério da Educação e Cultura, que seriam incompatíveis com quem já tivera centralidade na vida cultural do país. Mesmo assim, ele ajudou a fundar as bases do que hoje é o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). E sua visão de conservação do patrimônio cultural é usada até hoje.
— O Capanema quebra o Mário de Andrade. Bota ele no Rio como um zé ninguém, um funcionário que tinha que bater ponto. Você imagina um intelectual da estatura dele batendo ponto? No meio do Estado Novo, ele tinha um projeto antiautoritário, de inclusão – afirma Jardim.
O trabalho de Eduardo Jardim não analisa a sexualidade de Mário, a qual sempre teria intimidado seus biógrafos. A família o trata como “solteirão assexuado, dedicado exclusivamente ao trabalho”, mas Moacir Werneck de Castro, Mário de Andrade – Exílio no Rio, foi o primeiro a tratá-lo como homossexual. Tal fato não altera sua obra, mas até hoje há um surpreendente pudor em torno do assunto.
Ele foi o autor de dois romances: Amar, verbo intransitivo (1927) e Macunaíma (1928). O primeiro causou um escândalo na época, uma vez que descreve a iniciação sexual de um adolescente com uma mulher madura, uma alemã contratada pelo pai do jovem. O segundo, desde sua primeira edição, é apresentado pelo autor como uma rapsódia, e não como romance. É considerado um dos romances capitais da literatura brasileira.
A fonte principal para Macunaíma vem do trabalho etnográfico do alemão Koch-Grünberg, conforme relata o próprio autor. Koch-Grünberg, no livro Von Roraima zum Orinoco, recolheu lendas e histórias dos índios taulipangues e arecunás, da Venezuela e Amazônia brasileira. A partir desses materiais, Andrade criou o que ele chamou rapsódia, termo ligado a tradição oral da literatura. O protagonista, Macunaíma, é chamado de “o herói sem nenhum caráter”. A frase característica do personagem é “Ai, que preguiça!”. Como na língua indígena o som “aique” significa “preguiça”, Macunaíma seria duplamente preguiçoso. A parte inicial da obra assim o caracteriza: “No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma, herói de nossa gente. Era preto retinto e filho do medo da noite.”
Mas estamos perdendo tempo. Há um belo texto Antonio Candido — publicado no livro Eu sou trezentos, eu sou trezentos e cincoenta: Mário de Andrade visto por seus contemporâneos (Nova Fronteira) — que dá uma noção muito mais rica de Mário de Andrade do que aquela poderíamos ambicionar.
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O Mário que eu conheci Antonio Candido
Acho que tomei conhecimento da obra de Mário de Andrade na antologia renovadora de Estêvão Cruz, adotada pelo meu professor de Português na 3ª série do curso secundário no Ginásio Municipal de Poços de Caldas. O primeiro livro dele que li deve ter sido Primeiro andar, comprado na excelente livraria da cidade, Vida Social, que além dos clássicos e das novidades, além de obras em francês e inglês, tinha essa coisa rara: alguns livros dos modernistas, sempre editados em pequenas tiragens e muito mal distribuídos. Foi a única livraria em toda a minha vida onde vi Serafim Ponte Grande, de Oswald de Andrade, cuja edição quase secreta foi de 500 exemplares. Em 1938, já em São Paulo, li Macunaíma. Em 1939 e 1940 li os outros livros de Mário.
Só em 1940 vim a conhecê-lo pessoalmente, numa visita que lhe fizemos Décio de Almeida Prado, Paulo Emilio Salles Gomes e eu. A partir dali tivemos relações cordiais mas meio cerimoniosas, embora nos víssemos com certa frequência, inclusive porque São Paulo era menor, com pouco mais de um milhão de habitantes e toda a gente se cruzava nas poucas exposições, livrarias e espetáculos.
No fim de 1942 comecei a namorar sua prima Gilda de Moraes Rocha. Ele sempre morou com a mãe, D. Mariquinha, e uma tia solteira, D. Nhanhã, da qual era afilhado. Em 1930 Gilda e a irmã, Maria Elisa, vieram de Araraquara, onde o pai era fazendeiro, estudar em São Paulo e ficaram residindo lá. O pai delas era sobrinho muito ligado a D. Mariquinha Andrade. Gilda tinha dez anos e se tornou uma espécie de pupila de Mário, morando na mesma casa até o dia em que se casou comigo, em dezembro de 1943.
Em 1941 fundamos a revista Clima e ele fez para o primeiro número, a pedido de Alfredo Mesquita, o admirável ensaio sobre a posição do intelectual naquele momento, “Elegia de Abril”. No número 8, janeiro de 1942, publiquei uma resenha da edição reunida das suas Poesias. Ele gostou e agradeceu. Antes de sua morte ainda publiquei uns três artigos sobre escritos dele.
Em 1942 foi fundada no Rio a Associação Brasileira de Escritores, a famosa ABDE, e logo se cuidou de criar a seção paulista. A finalidade era defender os direitos autorais e arregimentar os intelectuais contra a ditadura do Estado Novo. Lembro que assisti então a uma cena curiosa, que já contei em livro mas vale a pena repetir. Estávamos conversando sobre a fundação da seção paulista na sede provisória, um grupo grande, inclusive Mário de Andrade, quando chegou Oswald. Vendo Mário, com quem era brigado, parou na porta e disse: “Boa tarde a todos”. Todos respondemos, menos Mário. Então teve lugar um diálogo virtual entre os dois, que se comunicavam de certo modo sem se falarem. Oswald, que sempre quis sem êxito fazer as pazes com Mário, informou que estava chegando do Rio, onde era grande o entusiasmo pela associação e onde todos achavam que Mário deveria presidir a seção paulista, concluindo: “Esta é também a minha opinião.” Na conversa que se generalizou Mário disse, dirigindo-se ao grupo, que considerava de fato importante a ABDE, mas não aceitava ser presidente, achando que devia ser Sérgio Milliet. Esse diálogo sui generis continuou por algum tempo, até que Oswald soltou uma das suas piadas irresistíveis. Todos riram, Mário tentou ficar sério, não conseguiu e estourou também na risada. Afinal o presidente acabou mesmo sendo Sérgio Milliet. Mário ficou vice e eu, segundo-secretário.
Em janeiro de 1943 ele fez em sua casa uma leitura de “Café”, poema dramático que tinha acabado de redigir, estando presentes Gilda, Oneida Alvarenga, seu marido Sílvio, Luís Saia, um argentino de passagem, Norberto Frontini, e eu. Fiquei transportado ouvindo Mário ler. Hoje “Café” não me toca muito, mas lido por ele naquele momento me pareceu um exemplo extraordinário de literatura política, “participante”, como se dizia. Passados uns dias escrevi a ele uma carta longa manifestando a minha opinião. Ele respondeu com outra também longa, na qual explicava a gênese e a estrutura da peça. Nos anos de 1950 Décio de Almeida Prado a publicou no Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo.
A pedido de Otávio Tarqüínio de Sousa fui intermediário entre Mário e Frontini, que tinha vindo com o encargo de arranjar livros brasileiros para a coleção mexicana Tierra Firme, do Fondo de Cultura Económica, que estava começando. Ele queria que Mário escrevesse um livro sobre a música popular brasileira. Mário não quis, mas indicou Oneida, que fez uma obra fundamental sobre o assunto. Graças às gestões de Frontini, Caio Prado Júnior escreveu a História Econômica do Brasil para Tierra Firme.
Naquele janeiro de 1943 eu me tornei crítico oficial, chamado “crítico titular”, coisa que hoje não existe mais, da Folha da Manhã, atual Folha de S. Paulo, publicando todas as semanas um rodapé de cinco a seis laudas datilografadas tamanho ofício. Mário nunca comentou comigo artigos meus, mas acho que em geral os apreciava, porque uma vez me disse amavelmente: “Uma boa parada é artigo seu com caipirinha”, explicando que parada é como se designa no Nordeste uma boa combinação (goiabada com queijo, por exemplo), e contou: “Domingo (dia do meu rodapé) gosto de pegar o bonde, ir até o Largo Paissandu, tomar uma batida no Café Juca Pato, comprar o jornal e vir de volta lendo seu artigo”. Mas pelo menos uma vez criticou severamente um deles, de fato bastante errado, sobre mestiçagem e literatura, e mais tarde, quando Lauro Escorel começou a sua notável e infelizmente breve atuação como crítico titular d’A Manhã, do Rio, me disse rindo: “Tome cuidado, mineiro. Tem um paulista no Rio que está passando na sua frente.”
Eu costumava escrever os artigos à mão e ir à casa onde Gilda morava com as tias-avós para ela os datilografar. Eu tinha máquina, mas era um pretexto para vê-la. Às vezes, enquanto eu ditava, Mário entrava para pegar um livro e ouvia alguma coisa. Certo dia eu estava ditando um artigo sobre o novo romance de Oswald, Marco zero. Para me preparar, tinha lido a obra anterior dele e achara certos livros muito ruins. Aliás, sempre achei a obra de Oswald admirável numa parte e ruim na outra, e ele chegou a me atacar feio por escrito devido a isso, mas depois fizemos as pazes e ficamos bons amigos. Naquele momento eu estava comentando Estrela de absinto [de Oswald], quando Mário entrou e eu disse que o achava péssimo. Mário não retrucou, encontrou o livro e, saindo, virou-se da porta e disse com um sorriso meio sem graça: “Eu acho muito bom.”
Ainda nesse ano de 1943 dei uma grande mancada. Ele me pediu para ler um seu relato de viagem, O turista aprendiz, dizendo que não estava certo se valia a pena publicar e queria a minha opinião. Eu estava para casar, sobrecarregado de trabalho, fazendo a tradução de um enorme livro americano para juntar dinheiro, de modo que só dei uma olhada no texto e acabei não lendo, apesar do sentimento de culpa por essa desconsideração a um escritor da estatura de Mário, que tinha confiado em mim. Afinal chegou o dia do casamento. O civil foi na casa onde moravam a noiva e ele. Fui para lá com o manuscrito e quando entrei ele vinha descendo a escada. Entreguei-o dizendo que tinha achado muito interessante e depois conversaríamos a respeito…
Em 1944 resolvi fazer concurso para a cadeira de Literatura Brasileira da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo, na qual eu era assistente de Sociologia. Naquele tempo o sistema era diferente: abria-se a inscrição e qualquer pessoa que tivesse diploma superior podia concorrer. Eu era licenciado em Ciências Sociais, mas tinha vontade de passar para Literatura e pensei: “É uma oportunidade. Não vou ganhar a cadeira (tinha 25 anos), mas, se for aprovado, fico livre-docente, o que me dá o grau de doutor em Letras, e assim poderei um dia ensinar Literatura na Universidade” (o que de fato aconteceu anos mais tarde).
Para a tese resolvi pedir sugestões a Mário. Ele me escreveu então uma carta sugerindo vários temas, visivelmente de cunho acadêmico, tendo em vista a situação convencional. Acabei não aceitando nenhum, mas o interessante foram certas opiniões dele na ocasião.
O diretor da Faculdade (então de Filosofia, Ciências e Letras) era um biólogo eminente e muito culto, André Dreyfus, que insistiu com Mário para concorrer, mas ele não aceitou a sugestão. Pediu então que ao menos fizesse parte da banca, e ele recusou também isso. A mim, disse que detestava concursos, não acreditava na sua eficiência como critério de seleção e se tivesse aceitado seria para me dar o primeiro lugar (éramos seis concorrentes). Eu estranhei esta falta de objetividade e ele voltou ao argumento, dando um exemplo: só aceitara participar da banca de um concurso de História da Música, no Rio, porque decidira previamente votar num dos concorrentes, Luís Heitor Correia de Azevedo, por saber que era o melhor, independente de provas. E reiterou que achava detestável a situação de concurso e seu ritual. Eu disse que gostava, achava bonito. Ele comentou rindo: “Ô mineiro arrivista!” Afinal não chegou a ver o concurso, que começou cinco meses depois de sua morte.
Mário costumava ir à Livraria Jaraguá, na Rua Marconi, no mesmo lugar onde houve depois outra com o mesmo nome, mas esta não tinha nada a ver com a primeira, que era encantadora, com uma sala de chá no fundo. Mário saía do Patrimônio Histórico, quase em frente, e ficava lá batendo um papo. Para explicar a cena engraçada de que participou um dia na Jaraguá, abro parêntese.
Uma vez fiz uma brincadeira literária. Tendo dedicado um rodapé a certa tradução de Maiakovski para o espanhol, publicada em Buenos Aires, pouco depois escrevi em Clima, com pseudônimo de Fabrício Antunes, um artigo contra o meu, dizendo que o sr. Antonio Candido não tinha entendido nada. É que, comparando a tradução de um poema que em espanhol era “La nube en pantalones” com a francesa, intitulada “L’homme nuage” (O homem nuvem), dei um palpite: a tônica na tradução espanhola parecia ser a nuvem, vestida de calças, quando na verdade se tratava de homem se sentindo nuvem. A tônica se deslocava, portanto, do natural para o humano. Era um jogo mental para me divertir, mas então aconteceu o inesperado: uma senhora russa me telefonou entusiasmada, dizendo que Fabrício Antunes obviamente sabia russo e tinha razão, e me pedia para apresentá-la a ele. Eu lhe disse que se tratava de um rapaz muito esquisito do Sul de Minas, caixeiro viajante que passava raramente em São Paulo, de modo que talvez custasse a voltar, mas quando viesse eu certamente os aproximaria. Meus amigos da revista sabiam de tudo, é claro, e Gilda contou o caso a Mário, que se divertiu muito.
Ora, uma tarde estávamos na Livraria Jaraguá ele e eu quando entra Lívio Xavier, intelectual de grande saber, e me pergunta quem era esse Fabrício Antunes que certamente sabia bem russo. Repeti a história do rapaz sul-mineiro e Mário, da cadeira onde estava, vendo o desenrolar da conversa, tentou segurar o riso, mas não conseguiu. Felizmente, Lívio não percebeu.
Em 1944 veio a São Paulo um argentino chamado Luís Riessig, que fundara em Buenos Aires uma instituição interessante, o Colégio Livre de Estudos Superiores. Ele escreveu a Mário dizendo que gostaria de conversar sobre a possibilidade de fundar um igual aqui. Mário me pediu para participar da conversa e marcou encontro às duas da tarde em frente ao Mappin, na Praça Ramos de Azevedo. Cheguei pontualmente, antes do argentino, e vi que Mário estava aborrecido, por um motivo que logo explicou mais ou menos assim: “Agora no almoço, em casa, houve uma cena desagradável. De vez em quando, para brincar, eu espicaço minha mãe contra minha tia. Minha mãe fica irritada, briga com minha tia, eu aí entro no meio, fico do lado desta e sou bruto com minha mãe. Foi o que aconteceu hoje. Não sei por que faço isso. Complexo de Édipo não é, porque já me auto-analisei…”
Em janeiro de 1945 houve em São Paulo o I Congresso Brasileiro de Escritores, verdadeira arregimentação dos intelectuais contra a ditadura. Foi um acontecimento memorável, com delegações maiores ou menores de todos os estados. Mário estava na Paulista, com Oswald, Sérgio Milliet, Monteiro Lobato, Fernando de Azevedo e outros, num total de 26, dos quais eu era o caçula. Mário foi assíduo, vestido sempre de branco no calorão que fazia, mas calado, sem participar dos debates nem das comissões.
Durante o Congresso houve um grande jantar na casa de Lasar Segall. Eu não fui, mas Paulo Mendes de Almeida foi e me contou uma cena divertidíssima. Estava lá um jovem escritor hispano-americano que se pôs a dizer coisas de um complicado pedantismo sobre a poesia a partir de Rimbaud, segundo ele o poeta supremo. Paulo, para o descartar, disse que quem entendia de Rimbaud era Rubens Borba de Moraes, a quem o rapaz se dirigiu com a mesma parolagem abstrusa. Rubens, por sua vez, tirou o corpo dizendo que cuidara de poesia na mocidade, mas agora era apenas bibliotecário, e passou a bola adiante, dizendo que bom conhecedor de Rimbaud era Mário de Andrade, ali presente. O rapaz delirou, bradando: “Mário de Andrade, el grande Mário de Andrade está acá? Quiero conocerlo, quiero conocerlo!” “É aquele ali”, disse Rubens mostrando. O rapaz se precipitou excitadíssimo, repicando o estranho jargão, que Paulo Mendes reproduzia na chave do bestialógico. Mário, já meio no pileque, exclamou: “Quanta besteira! Olhe aqui moço, poesia é safadeza! A gente quer pegar uma mulher, não pode, aí faz um poema. E comigo é na piririca!” Atarantado, o rapaz perguntava ansioso para os lados: “Que es esto de piririca? Que es esto de piririca?“
Nesse Congresso Paulo Emilio e eu provocamos involuntariamente duas explosões de Mário. A primeira foi devida ao seguinte: Paulo alertou a mim e a outros que determinado intelectual, não sendo eleito por São Paulo, fora incluído meio de contrabando na delegação de outro estado, o que era irregular e nos contrariava politicamente. Redigiu-se então um protesto e fomos pedir a adesão de Mário, que ficou danado e recusou. Nós procuramos argumentar que era algo politicamente importante, aí ele estourou, dizendo que por isso é que não queria saber de política, que era uma indignidade e não assinava mesmo. Tremendo de raiva, foi se juntar a um grupo próximo formado por Caio Prado Júnior, Sérgio Buarque de Holanda e, se não me engano, José Lins do Rego. Trinta e sete anos depois, em 1982, pouco antes e morrer, Sérgio Buarque me disse, como quem quer tirar um peso da consciência, que precisava confessar uma coisa: certa vez tinha me censurado com Caio Prado Júnior e Mário de Andrade. Percebendo do que se tratava, não o deixei explicar, dizendo: “Eu sei. Foi no I Congresso de Escritores e vocês tinham toda a razão”. De fato, nós estávamos agindo mal por birras políticas.
A segunda explosão foi no encerramento do Congresso, no Teatro Municipal, onde Oswald fez um discurso notável, no qual lançou a candidatura do brigadeiro Eduardo Gomes à presidência da República. As oposições achavam que era cedo, o Partido Comunista não queria precipitação, mas nós socialistas independentes e também muitos liberais aplaudimos, porque era uma boa pancada na ditadura em declínio. Além disso, Oswald fez troças divertidas com a alta sociedade de São Paulo, provocando protestos violentos. Todo o mundo acabou berrando e lembro de um senhor agranfinado perto de mim que enfrentou as vaias (inclusive minhas) com muita coragem, parecendo pronto para dar bengaladas. Na saída, em frente do teatro, Paulo Emílio e eu fomos falar com Mário e gabamos o discurso de Oswald. Ingenuidade nossa. Ele perdeu a calma e falou exasperado que não reconhecia a Oswald autoridade moral para falar mal da sociedade paulistana. Nós ficamos passados e fomos tratando de dar o fora.
Isso foi no fim de janeiro de 1945. No dia 17 de fevereiro Gilda e eu recebemos um telegrama de Mário (não tínhamos telefone, coisa dificílima naquele tempo), convidando para irmos no dia 20 conhecer Henriqueta Lisboa, que viria a São Paulo e estaria presente na festinha de aniversário da sobrinha dele, em sua casa. Fomos, e em dado momento eu estava conversando com ele e seu irmão mais velho, Carlos de Moraes Andrade. Naturalmente ele tinha ficado constrangido por ter tido aquele rompante na porta do Municipal e perguntou risonho se eu o tinha levado a sério, alegando que era simples brincadeira. Eu fingi que acreditei e ele passou a manifestar muita amargura, dizendo já estar cansado de sofrer injustiças e ser atacado. Eu observei que não tinha razão, porque poucas pessoas eram mais estimadas e admiradas. “Eu é que sei”, disse ele bastante amargurado, e seu irmão o apoiou citando um dito popular: “Pimenta não arde no olho do vizinho.” Mário prosseguiu na mesma craveira, dizendo-se convencido de que o intelectual não devia se meter em política, que o recente Congresso lhe tinha ensinado isto e que a partir daquele momento se fecharia na torre de marfim. O que tivesse de dizer como cidadão diria da torre de marfim, não dentro de algum partido ou movimento.
Isso foi no dia 20 de fevereiro. No dia 25, morreu. Luís Martins foi nos avisar no começo da noite e Gilda e eu fomos para o velório. No dia seguinte vi uma cena impressionante: os Irmãos do Carmo, que ele fora e talvez nunca tenha deixado formalmente de ser, vieram rezar alinhados dos lados do caixão. Eram uns oito com o hábito, batina marrom e um manto comprido de lã creme.
Durante o velório, Edgard Cavalheiro, escritor bastante em voga naquele momento, autor de biografias de Fagundes Varela e de Monteiro Lobato, me perguntou, no jardinzinho que havia na frente da casa: “Para encontrar na literatura brasileira uma morte desta importância é preciso voltar até quando?” Respondi: “Até a de Machado de Assis.” “Pois é exatamente o que estou pensando”, disse ele. “Machado de Assis em 1908 e Mário de Andrade agora”. O enterro foi no Cemitério da Consolação, muito concorrido, e impressionava a tristeza profunda de todos, como se todos sentissem uma espécie de enorme vazio na cultura do Brasil.
Uns dias depois fui ao escritório do Serviço do Patrimônio Histórico Nacional e Luís Saia, delegado deste em São Paulo, me disse com os olhos espantados: “Tem um envelope com o seu nome na mesa do Mário”. Depois da morte de um amigo, coisas desse tipo parecem mensagem, e, meio perturbados, fomos abri-lo. Lá estava, com a letra de Mário no envelope grande: “Para o Antonio Candido”. Eram alguns poemas de Lira Paulistana, inclusive a versão final de “Meditação sobre o Tietê”, datada de poucos dias antes.
Naquele ano de 1945 preparei a primeira edição de Lira Paulistana e do Carro da miséria, pois Mário queria que saíssem em tiragem independente, antes de serem incorporadas às Obras completas que o editor José de Barros Martins estava publicando. Editei-os com um título que contrariou Oneida Alvarenga e Luís Saia, conhecedores mais seguros das intenções do amigo: Lira Paulistana seguida de O carro da miséria. Segundo eles, deveria ser: Lira Paulistana e O carro da miséria. Preparei também a edição de Contos novos, que só saiu em 1947, salvo engano. A Nota do Editor, anônima, foi escrita por mim.
Não lembro em que altura (fim de 1945, começo de 1946?) foi inaugurado o busto dele por Bruno Giorgi no jardim da Biblioteca Municipal, onde está até hoje. Na inauguração falaram Sérgio Milliet, diretor da Biblioteca, e Carlos de Moraes Andrade em nome da família. Oswald compareceu emocionado e discreto. (Não tem qualquer fundamento o boato segundo o qual teria escrito palavras desagradáveis no pedestal.)
Decidiu-se então promover a leitura pública de “Café”, ainda inédito, e eu achei que a pessoa indicada era Carlos Lacerda, que fora muito amigo de Mário, tinha uma bela voz abaritonada e viera para a inauguração do busto. Falei com ele e ele aceitou, mas foi precipitação minha, porque Oneida Alvarenga e Luís Saia, discípulos queridos muito chegados a Mário, vetaram, alegando que este desaprovaria totalmente as atitudes políticas que Carlos vinha assumindo, que aliás eu também reprovava. Muito sem graça, tive de lhe dizer que era melhor eu próprio ler. “Já percebi”, disse magoado. “É coisa da Oneida e do Saia”. Assim, em vez da bela voz de Carlos, “Café” foi comunicado ao público na minha, fraca e abafada.
Mário de Andrade era um homenzarrão feio e simpático, muito cordial, com um riso bom que quando virava gargalhada sacudia o seu corpo inteiro. Era certamente um feio charmoso que despertou várias paixões. Vestia-se bem, usava uns chapéus de aba meio larga enterrados na cabeça e calçava sapatos sob medida da Sapataria Guarani, a mais cara de São Paulo, sempre no modelo escocês furadinho de bico afinado. Os pés e as mãos eram enormes e ele me parecia ter pouca naturalidade, mas com os íntimos devia ser diferente.
Um dos seus hábitos mais constantes era ir, geralmente à noite, tomar chope no Bar Franciscano, que ficava na Rua Líbero Badaró perto de uma esquina da Avenida São João, com fundo envidraçado sobre o Vale do Anhangabaú. Sentava numa mesa redonda de canto, perto do balcão, e ia consumindo sucessivas “pedras”, que são canecas grandes de louça clara. Os amigos sabiam que podiam encontrá-lo no Franciscano e ele costumava marcar encontros lá, por vezes à tarde. Foi de tarde que me convocou uma vez para conhecer João Alphonsus, que estava de passagem e me pareceu de pouca fala. Outra tarde de 1942 fui conhecer Fernando Sabino, que ainda não tinha vinte anos e já publicara um livro de contos: Os grilos não cantam mais. Ele e Mário admiravam os romances de Otávio de Faria, de certo porque estes abordavam problemas da adolescência católica que lembravam os deles. Eu os achava ruins e nesse encontro Fernando os defendia enquanto eu os atacava. Ele quis conhecer as minhas razões e eu disse que eram várias, inclusive o fato de Otávio escrever prolixamente mal e os seus romances não questionarem a ordem burguesa, concluindo: “Eles não tiram o sono de Roberto Simonsen” ― figura de proa da alta burguesia industrial de São Paulo. O meu sectarismo elementar era devido ao período de militância bastante radical que eu estava vivendo. Mário escutava, risonho.
Em 1943 Jorge Amado publicou Terras do Sem Fim, que foi uma inflexão na sua obra, por ser menos panfletário e mais compreensivo, inclusive humanizando representantes da oligarquia agrária. Gostei muito e escrevi um artigo favorável, levando-o como de costume para Gilda bater à máquina. Vendo do que se tratava, Mário me disse: “Quero ver se você percebeu uma coisa em Terras do Sem Fim“, mas apesar da minha curiosidade, não explicou o que era. Mais tarde refiz a pergunta e ele disse com certa ironia: “Este livro não tira o sono de Roberto Simonsen (**)…”.
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Antonio Candido é professor aposentado de Teoria Literária e Literatura Comparada da Universidade de São Paulo. Foi professor de Literatura Brasileira da Universidade de Paris (1964-1966) e Professor Visitante de Literatura Brasileira e Comparada da Universidade de Yale (1968). Recebeu vários prêmios, entre os quais Machado de Assis (da Academia Brasileira de Letras), Almirante Álvaro Alberto, Moinho Santista, Jabuti, Camões e Alfonso Reyes. Entre os seus principais livros estão o clássico Formação da Literatura Brasileira (1959), Tese e Antítese (1964), Os Parceiros do Rio Bonito (1964), Literatura e Sociedade (1965), O Discurso e a Cidade (1993).
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(*) Com informações da resenha de Maurício Meireles, publicada em O Globo.
(**) Político, economista e escritor, presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP).
A Oferenda Musical é uma coleção de cânones, fugas e de uma sonata de Johann Sebastian Bach, baseada num tema musical escrito por Frederico II da Prússia (Frederico, o Grande) e a ele dedicada. A obra tem sua origem num encontro entre Bach e Frederico no dia 7 de maio de 1747. O encontro, que se deu na residência do rei em Potsdam, foi consequência do fato do filho de Bach, Carl Philipp Emanuem Bach, estar ali trabalhando como músico da corte. Frederico queria mostrar a J.S. Bach uma novidade: o pianoforte (piano), talvez o primeiro que Bach tenha visto. Bach, que era bem conhecido por seu talento na arte da improvisação, recebeu um tema, o Thema Regium, para improvisar uma fuga. Era uma sacanagem, o tema era complicadíssimo, quase inviável. Mas Bach não somente improvisou como mandou uma obra inteira para o Rei, toda ela de variações sobre o Thema Regium: A Oferenda Musical.
Bach não era de recuar diante de dificuldades. Ao contrário, costumava propor a si mesmo problemas e mais problemas. Abaixo, uma demonstração gráfica da complexidade da coisa. O exemplo abaixo é dos enigmáticos “Cânones Caranguejos“. O manuscrito retrata uma única sequência musical que é para ser tocada de frente para trás e de trás para frente. Um cânon caranguejo, também conhecido pela forma latina do nome: “Canon Cancrizans“, é um arranjo de duas linhas musicais que são complementares de frente para trás, semelhante a um palíndromo.
Também é conhecido como um cânone “Quaerendo Invenietis“, combinando retrocesso com inversão, ou seja, a música é virada de cabeça para baixo para ser tocada.
Ah, vocês pensam que toda aquela obra saiu de uma cabeça comum?
Antes de qualquer coisa, tenho que saudar os visitantes deste blog. Ontem, mesmo que a entrevista com Roberto Markarian fosse muito longa (e interessante), foram 5.061 page views. Muitas destas visitas foram em função de outros posts, mas o tempo médio de visitação subiu para quase 10 min. Isto, meus amigos, só vocês. Agradeço muito.
Sobre o jogo de ontem à noite dá para dizer duas coisas: (1) o Vasco não existe e (2) o Inter cumpriu seu papel. Em minha vida como torcedor, cansei de ver o Inter penar contra times ruins. Quem não lembra de nossa triste fama de ressuscitar os mortos? O Vasco vai para seu terceiro rebaixamento no século XXI. Seu torcedor não merece, já Eurico Miranda…
O jogo foi simples. O time carioca — como vai mal o futebol do Rio de Janeiro! — teve a bola por 56% do tempo, só que o Inter foi objetivo e impiedoso. Chutou 10 bolas a gol, acertou 6. Um placar nem sempre alcançado, mas totalmente explicado pela partida. Com a bola, os volantes do Inter e mais Sasha metralharam seus colegas vascaínos. Valdívia também esteve bem. Sem a bola, marcaram muito, deixando o Vasco girar sem objetivo. Uma grande atuação. Só Paulão fez uma de suas patacoadas no final do primeiro tempo.
Ah, no Vasco, Jorge Henrique deve ter feito uma atuação taticamente perfeita, como sempre.
O resultado fez o Inter dormir na décima posição, com 31 pontos, a cinco pontos de distância do G-4 e a oito do Z-4. No sábado (5/9), o adversário será o São Paulo, às 19h30, no Morumbi.
Chamar o Brasil de “Pátria Educadora” parece uma anedota, principalmente se compararmos nossa situação o aquilo que se faz há mais de um século no vizinho Uruguai. Com uma secular tradição de educação laica, gratuita e obrigatória, implantada pelo reformador José Pedro Varela (1845-1879), o Uruguai hoje está na ponta de lança da educação latino-americana. Na longa entrevista que segue, começo por uma curta biografia de Roberto Markarian Abrahamian, de quem sou amigo, e depois envereda pelos detalhes da universidade e da educação uruguaia de uma forma geral.
Conheci Roberto Markarian em Porto Alegre, quando estudava engenharia e ele era estudante do Curso de Matemática da Ufrgs, logo após os sete anos em que esteve preso pela ditadura uruguaia. Na época, ele era do Partido Comunista.
Não obstante o fato de sermos estudantes da área de exatas da mesma Universidade e de estarmos, por assim dizer, em trincheiras ideológicas muito próximas, nossa amizade mantinha-se mais pelo amor ao cinema, à música e à literatura. Demorou muito para eu saber que meu amigo era um matemático brilhante que, poucos anos depois, teria destaque mundial em sua área.
Neste ano de 2015, após quase meia década sem contato, tive de escrever sobre os 100 anos do genocídio armênio. E, já que Markarian é filho de armênios que fugiram da perseguição turca — há ainda um Abrahamian em seu nome — consultei sem maiores objetivos seu nome no Google, fato que me fez dar de cara com uma série de fotos de meu amigo com o presidente José Mujica. O que teria acontecido? Do que não me informaram?
Markarian é um sujeito amável e tranquilo, dono de uma respeitável e variada erudição. Nela, curiosamente, nunca coube o futebol e ele reclama que muitas vezes é confundido com o irmão Sergio, famoso treinador que já comandou, por exemplo, as seleções do Paraguai, Peru e Grécia. Roberto é chamado por Sergio de “o irmão inteligente”, enquanto Sergio, no dizer de Roberto, seria “o irmão famoso”.
Markarian tem pelo menos oito livros publicados e dezenas de artigos que refletem seu trabalho como pesquisador. Até sua eleição como Reitor, investigava principalmente as propriedades não uniformes dos sistemas dinâmicos. Com a modéstia habitual, como se fosse algo comum, ele diz ser difícil alguém estudar o tema sem se referir a seus trabalhos. Para os leigos, trata-se de movimentos semelhantes aos de bolas movendo-se numa mesa de bilhar, sem atrito. Tais movimentos acabam por enquadrar-se em algumas definições de caos e têm aplicações na área tecnológica.
Bilhar? Markarian adverte que esteve apenas duas vezes inclinado sobre o pano verde. No entanto, conta que recebe rotineiramente publicidade de fabricantes de mesas de bilhar. Além de propostas para treinar times de futebol.
Agradeço à Elena Romanov, minha violinista favorita que se travestiu de fotógrafa, e aos professores Nikelen Witter e Éder Silveira, que me sugeriram algumas perguntas que talvez não me ocorressem.
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Milton Ribeiro – Gostaria que tu descrevesses resumidamente tua atividade política e acadêmica até aquele período em que te conheci, no início dos anos 80.
Roberto Markarian – Comecei a estudar engenharia quando tinha 17 anos. Apesar de ir bem nos estudos, vi que a Engenharia não era minha vocação e fiquei na dúvida entre ir para a Geologia ou para a Matemática. Então eu visitei os dois institutos e decidi que a matemática era um bom lugar para mim. Obtive lá uma pequena posição de horista. E comecei a estudar dedicadamente matemática. Uns 4 ou 5 anos depois, entre 1968 e 1970, fiz um concurso para entrar como docente. O concurso era de nível de mestrado. E ganhei a posição mesmo sem ter qualquer outro título. Era outra época. Por exemplo, o maior matemático do Uruguai, José Luis Massera, não foi mestre em matemática, ele só tinha o diploma de engenheiro. Na época do concurso, eu já estava envolvido com a política. Entrei na escola de engenharia num ano e, no ano seguinte, era o secretário-geral do Grêmio Estudantil da Engenharia (CEIA). Era uma turma muito estudiosa, tentamos várias vezes expulsar professores ruins, mas acabamos renunciando após algumas derrotas…
Milton Ribeiro – Tu chegaste a assumir como docente ou não?
Roberto Markarian – Sim, assumi e comecei a dar aulas. Eu vivia disso. O dinheiro era bastante razoável. Quando veio a ditadura, em 1973, eu estava completamente envolvido com a atividade acadêmica e política, integrando a direção da juventude comunista. Também ocupava um cargo na Federação dos Estudantes (FEUU) e tinha sido membro do comitê de mobilização no agitado ano de 68. Acabei preso em 76 por minhas atividades no âmbito político. Fui processado e estive na prisão por 6 anos e 8 meses contínuos, mas já estivera lá outras vezes, entre 69 e 73, por um total de 4 meses.
Milton Ribeiro – Tu achas que a participação e a atuação política dos estudantes colaboram com a modernização educacional? Porque no Brasil, existe a política estudantil, a Universidade e há os professores, que costumam ficar alheios.
Roberto Markarian – Aqui no Uruguai, a influência do movimento estudantil foi e continua sendo muito forte. Por exemplo: a lei orgânica que regula o sistema universitário público, não existiria se não fosse pelo movimento estudantil. As formas educacionais são elaboradas pelos docentes, mas muitas coisas foram promovidas pelo movimento estudantil e continua sendo assim. Por exemplo, há uma influência muito forte dos estudantes nas eleições das autoridades das escolas. O sistema uruguaio é muito aberto, os estudantes têm influência real no corpo universitário. É difícil que uma autoridade importante seja eleita com oposição estudantil. No meu caso, na eleição de Reitor, eles se dividiram, mas tiveram participação ativa. Dos 105 votantes, 30 são estudantes. Eu diria que movimento estudantil tem uma influência muito grande, mas menor do que a que teve entre os anos 50 e 70. Depois da ditadura e modernamente, todo o sistema de influência democrática no mundo foi alterado, não só o do Uruguai. Mas os estudantes são sistematicamente ouvidos sim.
Milton Ribeiro – E tua vida depois da prisão?
Roberto Markarian – Depois de sair da prisão, decidi ficar no Uruguai por problemas familiares. Muita gente que saía da prisão saía do país também. Não foi o meu caso. Ficamos, eu, minha mulher na época e minha filha morando aqui e eu decidi que deveria continuar sendo matemático. Claro que perdi meu cargo em 1976, mas o recuperei em 85, quando voltou a democracia. Voltei ao mesmo cargo e ao mesmo nível que tinha na época anterior, quase dez anos antes. Então, meu amigo Marco Sebastiani e a professora Gelsa Knijnik me convidaram a ir para a Ufrgs. Eu fiz vestibular como se fosse um iniciante, consegui depois equivalência de algumas cadeiras. Eu tinha dificuldades para conseguir a equivalência porque estávamos ainda na ditadura. Os documentos me fugiam. Eu ficava viajando entre Montevidéu e Porto Alegre, dava e recebia aulas. Fazia provas e mais provas. A cada viagem, tinha que pedir autorização à polícia. Eu dizia sempre que ia visitar Marco Sebastiani e me autorizavam. No início, ficava na casa dele, depois na casa de outro grande amigo, Alejandro Borche Casalas. Nem tinha terminado o bacharelado e, simultaneamente, comecei a trabalhar na tese de mestrado. Em pouco tempo, dois anos, finalizei a graduação e o mestrado, tudo na Ufrgs. Então o pessoal do Impa, do Rio de Janeiro, ficou sabendo que tinha aparecido um cara com um trabalho grande de mestrado e com resultados interessantes — na verdade, meu trabalho foi publicado por uma importante revista — e me convidaram para ser aluno do Impa. E comecei a estudar lá no ano de 88. Doutorei-me em 1990. Foi tudo muito rápido. Entre 85 e 90, eu recebi três títulos: de bacharel, mestre e doutor.
Milton Ribeiro – Sempre indo e vindo, entre Brasil e Uruguai.
Roberto Markarian – Sim, fiz o mesmo sistema de ir e voltar. No Rio de Janeiro, morei menos de dois anos, foi o período que eu fiz cursos e a tese de doutorado.
Milton Ribeiro – Tu és um matemático muito respeitado. Quais são teus principais trabalhos?
Roberto Markarian – A disciplina a que mais me dediquei chama-se Dinâmica Caótica. É o estudo matemático da desordem. Há modelos simples de sistemas dinâmicos chamados de bilhares caóticos. Trata-se do estudo matemático dos movimentos desordenados. Nesta área, eu escrevi um livro, que só posso chamar de importante, com um colega russo chamado Nikolai Chernov, falecido faz pouco tempo. Trabalhamos a partir de modelos simples de movimentos desordenados e chegamos a resultados consistentes. Nosso trabalho foi publicado numa coleção de monografias da American Mathematical Society. O título é Chaotic Billiards. Publiquei outros livros, em parceria ou não, que serviram como preparação para este principal com Chernov.
Milton Ribeiro – Como foi teu contato com Chernov?
Roberto Markarian – Ele trabalhava em Moscou. Os principais estudos da área, naquele momento, vinham de Moscou. O grupo principal estava sediado lá com Chernov e seu chefe Yakov Sinai. Eu propus um pós-doutorado em Moscou, fui aceito, e viajei pouco tempo depois. Conheci Sinai e passei a trabalhar com Chernov, que estava no Centro Nuclear de Dubna, que fora criado pouco depois da 2ª Guerra Mundial por Stalin. Era o local de desenvolvimento de pesquisas nucleares para todos os países socialistas. A cidade fica a 110 km de Moscou, às margens do Volga. Chernov trabalhava no Centro Nuclear. Passei quase um mês morando com ele, fazendo matemática.
Milton Ribeiro – Eu imagino que esse teu trabalho com Chernov seja muito citado em trabalhos acadêmicos. Qual é a importância dele?
Roberto Markarian – Qualquer pessoa que queira estudar os elementos básicos da dinâmica caótica vai usar nosso livro como uma de suas principais referências. Eu não estava muito convencido disso, mas ultimamente, já como Reitor, fui a duas ou três grandes reuniões, uma delas em homenagem a Sinai, que tinha recebido o Nobel de matemática, o Prêmio Abel, concedido pelo noruegueses no valor de quase 1 milhão de dólares. Sim, é o maior prêmio para matemáticos. Depois, houve uma reunião de homenagem a Chernov, que morreu ano passado no Alabama, onde trabalhou no final de sua carreira. Aí, me convenci que era um livro de referência.
Milton Ribeiro – E isso é utilizado em quê?
Roberto Markarian – Além de ser usado nos cursos de pós-graduação de quem queira estudar o caos, é uma ferramenta teórica que serve à mecânica quântica e a outras aplicações tecnológicas. Há aproximadamente 30 pessoas no mundo que trabalham nisso no momento e eu fazia parte dessa turma.
Milton Ribeiro — Fazia?
Roberto Markarian — Porque agora, como Reitor, é muito complicado seguir produzindo.
Milton Ribeiro – O cargo de Reitor é muito importante no Uruguai. Até o presidente Mujica veio te saudar quando foste eleito.
Roberto Markarian – Sim, quando eu tomei posse no cargo, Mujica apareceu aqui. Afinal, era o Presidente da República e a posição de Reitor em nosso pequeno país é importante. Tabaré Vázquez também já veio nos visitar.A relação da Reitoria com o sistema político é muito grande e Mujica apareceu logo após a eleição, fez um discurso elogioso. Usou um provérbio que me parece ser utilizado no Quixote, Genio y figura hasta la sepultura, que significa que as características de algumas pessoas duram toda a vida, que não são fáceis de mudar.
Milton Ribeiro – Tua neta diz que és a terceira pessoa mais importante do país….
Roberto Markarian – (risadas) A Udelar é uma grande Universidade pública e de livre acesso em um país pequeno. Não há vestibular, quem desejar entrar, entra. Temos 100.000 estudantes e 10.000 professores. Do ponto de vista numérico ela é maior do que a Ufrgs. No Uruguai há uma outra Universidade, a Utec, com menos de 1000 estudantes. Ou seja, praticamente só existe a Udelar. Dos 10.000 professores, temos alguns que cumprem uma hora de obrigação semanal de trabalho e outros com dedicação exclusiva. O número de docentes com dedicação exclusiva são aproximadamente 1000.
Milton Ribeiro – Há estabilidade para os professores?
Roberto Markarian – Não, todas as posições docentes na Universidade são ocupadas inicialmente por dois anos e, depois, há as chamadas reeleições a cada cinco anos. Eu, por exemplo, mesmo depois que ganhei posições mais altas, tive que continuar comprovando merecimento para permanecer naquela posição. Cada professor tem que apresentar um informativo do que produziu, dos planos que tem para o período seguinte. Os Conselhos decidem se cada professor vai continuar ou não. A cada cinco anos, há possibilidade de você não ser eleito. A cada cinco anos, sua cabeça é colocada a prêmio. Não temos maiores proteções.
Milton Ribeiro – Em que casos acontecem as demissões?
Roberto Markarian – Se o professor não faz pesquisas, se ele não produz nenhum trabalho original ou criativo. Falo em criativo porque, se você é um artista deve produzir arte — ou projetos artísticos ou de pesquisas sobre arte — , se você é engenheiro tem que fazer projetos, patentes ou coisas referentes a alguma pesquisa. Se você é um professor muito ruim também pode não ser reconduzido, pois os estudantes podem te “jogar fora”, o que já aconteceu. Eu diria que, em geral, o sistema é muito bom. Não se pode dar nunca lugar à arbitrariedade. Claro que membros do Conselho podem detestar certos professores, mas normalmente prevalecem os critérios objetivos. A capacidade de autocrítica, de aplicar bem os critérios, está funcionando adequadamente. Houve um período em que algumas pessoas saíram por razões subjetivas ou políticas, mas isto não ocorre mais.
Milton Ribeiro – E como são os salários desses professores?
Roberto Markarian – O salário do professor melhorou nos últimos dez anos, especialmente no primeiro período do governo da Frente Ampla. Porém, se comparados com os salários da região, continuam baixos. É muito difícil comparar nossa remuneração com a dos professores brasileiros, porque o custo de vida está sempre se alterando, as moedas se desvalorizam, etc. Eu diria que, no início da carreira, os docentes daqui ganham menos que seus colegas brasileiros. Se você chega a um nível mais alto na carreira, os valores são semelhantes aos normalmente pagos pelas Universidades federais brasileiras, só que sem os extras que os professores brasileiros ganham. Não temos isso aqui. Ou seja, se você comparar, o salário básico é parecido, mas se você comparar o salário total, os salários dos brasileiros são melhores.
Milton Ribeiro – O Uruguai é atrativo para um jovem doutor ou há muita fuga de cérebros? É bom para um jovem doutor permanecer aqui, ter uma carreira ou é melhor ir embora?
Roberto Markarian – Depende muito da área. Temos áreas onde a capacidade de absorção dos jovens doutores pelo sistema acadêmico é muito grande. Praticamente não há fugas de matemáticos, por exemplo. Em outras áreas, como as engenharias, existe uma saída maior, não obstante o fato de que há mercado de trabalho para todos engenheiros uruguaios dentro do país. Mas mesmo assim existe a fuga. De um modo geral, a fuga foi diminuindo. Sendo mais específico, há 4 ou 5 anos a situação era melhor e agora tem aumentado novamente. Há um fato dentro da Udelar que tem evitado a fuga do pessoal acadêmico: é que a Universidade, com o apoio do governo, cresceu no interior. Com isso, foram criadas muitas novas posições.
Milton Ribeiro — Como está sendo feita tal expansão?
Roberto Markarian — A Udelar expandiu-se muito pelo país e agora temos que concentrar esforços em manter a qualidade do trabalho em todos os lugares. Não pode haver uma Universidade do interior e outra de Montevidéu. Ambas — ou todas as unidades — têm que ser de mesma qualidade. Isso não é fácil, os recursos humanos no interior são diferentes dos de Montevidéu. O Uruguai é subdividido em 19 departamentos e todos nós sabemos que é um exagero. A Udelar tenta promover uma estrutura administrativa mais racional e eficaz. É um problema.
Milton Ribeiro – E a tua vida como Reitor, quais são os outros desafios?
Roberto Markarian – Olha, minha principal obrigação como Reitor é assinar todos os títulos que a Universidade dá… É um trabalho maluco. Hoje já assinei mais de cem certificados e títulos. (risadas) Qualquer categoria de título tem que ser assinada pelo Reitor da Universidade. A lei é esta. (Ele pega um certificado) Veja só, aqui temos uma nova contadora pública, que se chama Griselda. Seu documento tem que ser assinado pelo Reitor. (Markarian assina) Aqui temos uma licenciada em economia, a Maria Catalina, que também vai ter o título legalizado por mim. (Markarian assina) Só Bach e Beethoven me ajudam nestas leituras e assinaturas! Mas vamos à pergunta. Neste momento, estamos às voltas com a questão orçamentária. Ontem, o Conselho Universitário aprovou o período para os próximos cinco anos. Essa não é uma responsabilidade exclusiva do Reitor. O Reitor preside de um Conselho de 25 pessoas, que funciona a cada duas semanas. Então, a decisão é coletiva. Os planos de estudos de todas as carreiras dependem de questões orçamentárias que temos que discutir com o governo nacional, porque somos praticamente financiados por ele. Cerca de 80% do orçamento da Universidade é financiado pelo governo. Apenas 20% vêm de recursos de contratos e convênios com organismos estatais e privados.
Milton Ribeiro — E quanto vocês pediram para o próximo quinquênio?
Roberto Markarian — O Conselho aprovou um pedido de aumento de 90% em valores nominais. Agora aguardamos a resposta governamental. Temos que preencher várias lacunas que ficaram em aberto a partir do orçamento anterior. A proposta é de que se eleve o investimento na educação para 6% do PIB.
Milton Ribeiro – O ensino uruguaio parece muito avançado em relação ao brasileiro.
Roberto Markarian – Talvez. Estamos aplicando algumas tecnologias modernas no ensino. Temos o Plano Ceibal, que distribui as “ceibalitas” [pequenos computadores pessoais para atividades educacionais. O plano será melhor explicado na sequência da entrevista] para cada estudante e docente do ensino básico. São equipamentos que eles recebem de graça. Temos mais de meio milhão dessas máquinas e a foto que vocês estão tirando será curiosa porque o quadro que está por trás, o quadro de Simon Bolívar, foi um presente de Hugo Chávez para o Reitor anterior. Chávez morreu antes de eu assumir. Voltando a uma pergunta que fizeste anteriormente, aquela sobre a importância que o Reitor da Udelar tem neste pequeno país: desde agosto já recebi a presidente do Chile e o presidente da Bolívia. Muita coisa passa pela Universidade. Ontem, tive uma reunião para discutir o Plano Ceibal e outra com o presidente da Corte Eleitoral, a qual controla o sistema eleitoral uruguaio e o sistema eleitoral universitário, para decidir quem pode votar ou não, etc. E ainda tento desenvolver projetos na área da matemática.
Milton Ribeiro – Essa era a minha próxima pergunta: como é que consegues conciliar o matemático com o gestor?
Roberto Markarian – Terminei de revisar uma tese de mestrado. Sou orientador de um aluno da USP. Acho que em outubro ele vai defendê-la. Viajei há dois meses para participar da qualificação dele lá na USP e estou tentando terminar dois trabalhos que havia começado antes e que estão aí sobre a mesa. Isto é, faço pouco. Aqui no reitorado, sou obrigado a mudar constantemente de foco. Não há como me concentrar em apenas um tema. Tento ouvir música para auxiliar nas tarefas mais burocráticas. Ter sempre um Bach à mão é fundamental.
Milton Ribeiro – Os ideais de [José Pedro] Varela são de um ensino laico, obrigatório e gratuito. Isso permanece?
Roberto Markarian – Sim, o ensino público é gratuito, de livre ingresso e, para você fazer algumas carreiras, é necessário que tenha feito um determinado tipo de secundário. Se você quer engenharia, terá de fazer um preparatório científico no estudo secundário. Se você quer ir pra medicina, faz outro curso secundário. Minha filha, por exemplo, começou estudando o científico e, quando eu estava em Porto Alegre, passou para o humanístico. Foi uma briga familiar. Hoje é historiadora, doutora em História pela Universidade de Columbia, Nova York. O sistema é livre e universal e isso tem vantagens para os estudantes, mas às vezes gera problemas para a Universidade pela convivência de alunos muito heterogêneos. A diferença de conhecimento dentre eles é muito grande. Quando dei aulas para os primeiros anos de ensino universitário, notava que a diferença entre os estudantes, dependendo da escola onde estudaram, era imensa, mesmo dentro de Montevidéu. Havia gente que sabia tudo e gente de escassos conhecimentos, e todos eles estavam juntos na Engenharia… Você tem que fazer com que aprendam. O que sucede é que, fazendo um cálculo grosseiro, dois anos depois temos apenas a metade dos que iniciaram o curso de Engenharia e apenas 1/3 dos alunos se forma. Em outras carreiras este percentual não é muito diferente.
Milton Ribeiro – O que faz um aluno do científico que decide fazer História, por exemplo?
Roberto Markarian – Bom, agora temos um sistema bastante estranho. Se você faz uma certa quantidade de créditos de qualquer carreira, pode passar para outra. Isto é permitido. Não lembro dos números exatos, mas, por exemplo: se um aluno tiver 15% da Medicina feita, estará autorizado a passar para a Engenharia. Não tem que ir para trás e recomeçar tudo de novo.
Milton Ribeiro – E é possível fazer duas faculdades?
Roberto Markarian – Sim. Por exemplo: tem muita gente que entra na Engenharia e faz Física ou Matemática ao mesmo tempo. Tem gente que acaba uma faculdade e, depois de um período, retorna para outra, dependendo do interesse ou da vocação pessoal. Foi o meu caso. No início eu não fazia faculdade de Matemática, entrei pela Engenharia.
Milton Ribeiro – 20% dos alunos vão para as universidades privadas. Por quê? Se eles podem ter algo de graça, por que pagam?
Roberto Markarian – Temos três universidades privadas e alguns institutos, que se chamam institutos universitários, que têm mais ou menos 20% dos estudantes de nível superior. É um cálculo grosseiro, novamente. Eles vão para lá por razões particulares. Uns vão pela tranquilidade, por ser um lugar mais limpo ou porque fizeram o ensino secundário em escolas privadas. Isto certamente influencia. O dinheiro também. Uma parte dos filhos das pessoas mais ricas procuram as instituições privadas. Seguramente os alunos destas universidades provêm dos 2/5 mais ricos do país. São pessoas que podem pagar o curso que desejam para si ou para seus filhos. Porém, temos muitíssimos alunos dentre os 20% mais ricos.
Milton Ribeiro — A Universidade dá bolsas para os mais pobres?
Roberto Markarian – Sim. O sistema uruguaio pode dar pequenas bolsas para estudantes. Temos hoje 7.000 estudantes nesta situação. Os beneficiários deste programa, cinco anos depois de se graduarem, começam a pagar um imposto que vai direto financiar um fundo de solidariedade para estudantes pobres. Para seguir recebendo a bolsa, o beneficiado tem que ser um estudante razoável, mas o critério principal é o econômico. É realizada uma verificação da renda familiar e de outros fatores sociais. Muitas pessoas que não foram beneficiárias de bolsas colaboram para o fundo de solidariedade. Eu sou uma delas.
Milton Ribeiro – O imposto é mensal ou anual? Qual é o valor da bolsa?
Roberto Markarian – É um pequeno imposto anual. A universidade também tem um sistema de bolsas próprio, mas que só financia os restaurantes universitários e os alojamentos de alguns estudantes. Perguntaste sobre o valor das bolsas para os alunos carentes. É pequeno: é de aproximadamente 7 mil pesos, algo em torno de R$ 1.000. Eles só têm obrigação de passar em uma quantidade mínima de matérias. Não é um benefício dado aos melhores alunos, é para os pobres poderem estudar. Porém, se alguém ficar três anos sem passar em nenhuma disciplina, perderá a bolsa.
Milton Ribeiro – Raros estágios pagam isso no Brasil… Você disse que o Reitor não fala em política. Fale-me sobre a participação dos intelectuais na vida política do Uruguai. No Brasil, atualmente, poucos escritores opinam por receio de se comprometerem, por medo de perderem convites de prefeituras e governos para Feiras e eventos, etc. Como é aqui?
Roberto Markarian – Aqui é o inverso. Falam até demais! [risadas] A posição do Reitor é bem diversa. Ele e os membros do Conselho Universitário têm proibidas quaisquer atividades político-partidárias. Isso está na Constituição da República: os membros das direções e dos organismos autônomos não podem ter participação política. Mas a Universidade é normalmente acusada de ser um organismo de esquerda. Não é, a Universidade é do estado uruguaio, não é de esquerda nem de direita. É uma Universidade. Ontem mesmo me perguntaram porque os esquerdistas dominam a universidade e eu respondi que isto não é verdade. Você tem um Conselho e um Reitor, isso sim. Aqui, eu não sou de esquerda nem de direita. Sou Reitor. Dirijo uma instituição acadêmica e particularmente faço questão de não me posicionar. É muito importante, porque fui eleito por uma coalizão impossível de se explicar do ponto de vista político. Tinha gente da ultra esquerda e da direita. Se me posicionar, serei fatiado, tomografado.
Milton Ribeiro: Mas a Universidade participa intensamente das grandes discussões do país.
Roberto Markarian – Sim, claro! Agora mesmo nós estamos discutindo sobre a atualização do Plano Ceibal, que é o plano implantado no Uruguai em 2007 de “Um computador por aluno”. Todos os alunos de escolas públicas recebem computadores portáteis. A distribuição também chega aos professores e a iniciativa é bem-sucedida. O programa aumentou a frequência dos alunos nas escolas, diminuiu a exclusão digital dos adultos e tem contribuído para a melhoria da educação infanto-juvenil. É um sucesso, mas tem de ser monitorado. As tecnologias e os programas mudam e é importante manter esta ferramenta de ensino. Na Universidade, estamos na ponta superior, mas nossos estudantes vêm do ensino básico. Temos que dar nossa contribuição. Estamos também opinando sobre a Lei de Competitividade que está em discussão no parlamento. Encontramos problemas e alertamos o governo, que muitas vezes nos consulta. A Universidade não dá opiniões políticas, mas avaliações técnicas, gerais, abalizadas e abertas. Temos boa relação com os poderes políticos. Uma vez por semana, em média, recebo um ministro aqui. É verdade que muitas vezes acontece de gente sair de posições universitárias para posições políticas. Vários ministros da Cultura, por exemplo, saíram do sistema universitário. Há efetivamente um trânsito entre o sistema universitário e o sistema político, mas eu diria que nenhum dos reitores, dos que eu conheci em minha longa vida universitária, chegou ao reitorado pensando em ocupar posições políticas.
Milton Ribeiro – Te confundem muito ainda com o teu irmão Sérgio Markarian, o célebre técnico de futebol, ou não?
Roberto Markarian – Sim, sim. Tive que mandar uma declaração ao El Pais. Eles colocaram Sérgio Markarian como Reitor da Universidade do Uruguai. Recebi um pedido de desculpas. Mas nunca me colocaram como técnico de time de futebol. [risadas]
Milton Ribeiro – Onde está o Sérgio agora?
Roberto Markarian – Ele está voltando da Grécia, onde treinava a seleção.
Milton Ribeiro – Nós falávamos sobre como sobrevive o pesquisador e o reitor. E como é que sobrevive o Markarian que conheci, que estava sempre indo ao cinema e lendo livros?
Roberto Markarian – Ah, esse Markarian continua… Lendo poucos livros. A última coisa grande que eu li foi a trilogia americana de Philip Roth, além de literatura japonesa. Sou apaixonado pela literatura japonesa, em especial por Yasunari Kawabata, Nobel de 1968, cujas obras me impressionam pela sensibilidade com que falam do mundo oriental e pelo retrato das relações humanas dentro do cenário dos anos 60. Em agosto, em plena campanha para Reitor, viajei à Coréia e ao Japão para um Congresso Mundial de Matemáticos [ICM Seul 2014]. Minha única viagem extra foi para conhecer Kamakura, a antiga capital do Japão, onde se passam várias de suas obras.
Milton Ribeiro — Não conheço Kawabata…
Roberto Markarian – Problema teu! [risadas] Falando sério, tenho certeza de que tu gostarias muito dos livros dele.
Milton Ribeiro – Mas leste Padura agora também né?
Roberto Markarian – Não, na verdade El hombre que amaba los perros está ali sobre a mesa, mas ainda não o li.
Milton Ribeiro – Tu disseste em algum lugar que vais duas vezes por semana ao cinema…
Roberto Markarian – Sim, eu sou sócio da Cinemateca Uruguaia. Vejo dois filmes por semana, qualquer coisa que possa ser boa. Na semana passada vimos um filme de John Huston que se chama Paixões em fúria [no Brasil]. É um filme extraordinário do final dos anos 40. Também vimos Quando Voam As Cegonhas, de Mikhail Kalatozov, autor também de Soy Cuba. Quando Voam As Cegonhas é um filme primoroso sobre a ausência e a morte. Nossa Cinemateca é muito boa. Eu diria que vou ao cinema duas vezes a cada sete dias quando o negócio não está muito complicado aqui na Universidade. Mas eu tento. E tem que ser no cinema. Comprei uma TV enorme e todo o material para ver filmes em casa, mas não é a mesma coisa.
Yeda Crusius será a estrela da reunião-almoço que 80 tucanos farão ao meio dia no restaurante Copacabana, Porto Alegre. São setores do PSDB que querem vê-la candidata a prefeito de Porto Alegre no ano que vem.
O caos das finanças públicas e da administração estadual, segundo o PSDB por culpa exclusiva de Tarso Genro, daria condições políticas e eleitorais a Yeda, em cujo governo teria sido alcançado o chamado déficit zero e controladas as finanças públicas.
A comida do Copacabana andou piorando muito ultimamente. Eu acho.