O último dia: 12h em Florianópolis

O último dia: 12h em Florianópolis

A vida não é mole e, sem amigos, amor e cultura, a coisa não vai mesmo.

Pulo o penúltimo dia — um dia chuvoso em Bombinhas e ao qual devo voltar logo depois num resumão das férias — para ir ao frutífero e mais prazeroso dia final. Tínhamos 12h em Florianópolis e desejávamos fazê-las as melhores. Para conseguirmos, pedimos sugestões a um facefriend da Elena que mora na cidade: o médico, pianista e ciclista gaúcho Henrique Bente. Pedi amizade a ele a fim de conversarmos os três juntos no bate-papo e qual não foi minha surpresa ao saber que ele era um dos sete leitores deste blog e usuário do PQP Bach. Anos atrás, tinha inclusive enviado colaborações musicais ao blog que poliniza a beleza musical pelo mundo. OK, exagerei, mas deixa.

A empatia foi instantânea. Sob os olhares compreensivos de Obama e de Zuckerberg, tivemos um diálogo muito animado e interessante. O Henrique, como conhecedor de nossos interesses, foi cirúrgico ao nos indicar dois locais quase contíguos e perfeitos para quem não iria às praias da ilha: o Café François e o Paradigma Cine Arte. Nossos banhos em Bombinhas foram sensacionais, inesquecíveis mesmo, mas é claro que estávamos saudosos de um bom filme e de um café. Como ele sabia? Então chegamos à cidade e fomos direto para lá. No Paradigma, vimos o bom argentino O Crítico e o esplêndido canadense Mommy, entremeando as sessões com visitas à sublime — sem exagero — boulangerie.

Depois do trabalho, lá pelas 19h, o Henrique veio até nós. Não o conhecíamos pessoalmente. Meio tímido, filho de um casal que mistura sangues japonês e alemão, o Henrique chegou primeiramente desfazendo a impressão inicial. Fez uma reverência oriental e beijou a mão da Elena. Mas logo a impressão retornou. Mais ouvinte do que falante, observador, gentil, inteligente e reflexivo, deixou-nos encantados. Falamos e contamos piadas como velhos amigos. Saímos do François e passeamos por Santo Antônio de Lisboa, acabando no Restaurante Chico.

Por esta razão escrevi “dia frutífero”. Fizemos mais um amigo. Na saída, ainda soubemos que ele tinha pendente uma diária de carro alugado e que decidira utilizá-la conosco. Não adianta, tenho (temos, Elena) muita sorte. É certo que vamos nos reencontrar.

Por isso que a categoria que fala dos amigos, neste blog, chama-se “Amigos, tudo”.

Este é o tiramisu da Boulangerie François de Florianópolis
Este é o tiramisu da Boulangerie François de Florianópolis devorado antes de assistir Mommy. Não é apenas bonito.
Antes do cinema, a Elena Romanov come um divino pão de centeio com geleia
Antes do cinema, a Elena Romanov come um divino pão de centeio com geleia.
Meu croissant de goiabada com minas
Meu croissant de goiabada com minas.
O baguete de pastrame da Elena
O baguete de pastrame montado para a Elena.
Elena Romanov, indócil no partidor
Elena Romanov, indócil no partidor.
Mas por que não come?
Mas por que não come?
Henrique Bente é um hábil abridor de ostras
Henrique Bente demonstrou sobejamente ser um hábil abridor — e um voraz comedor — de ostras.
Quem pagou por isso?
Quem pagou por isso?
Henrique Bente e Elena Romanov apresentam suas ostras a meus sete leitores
Henrique Bente e Elena Romanov apresentam seus troféus a meus sete leitores.
Elena Romanov e Milton Ribeiro em momento visigodo
Elena Romanov e Milton Ribeiro em momento visigodo.
Henrique Bente, Elena Romanov e Milton Ribeiro
Henrique Bente, Elena Romanov e Milton Ribeiro, todos imitando a corujinha querida ao centro.

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Bombinhas: o 6º Encontro Internacional PQP Bach

Bombinhas: o 6º Encontro Internacional PQP Bach

Em meu vocabulário de ateu, uma única palavra é sagrada: a amizade.
Milan Kundera — A Festa da Insignificância

Já estamos indo para a primeira década do PQP Bach e ainda não conheço todas as pessoas que fazem este grande blog. Um morava no Casaquistão e agora está em Moscou. Não o conheço, apesar de já ter-lhe enviado partituras de autores brasileiros que foram interpretados em recitais moscovitas. (Sim, a coisa é chique). Já jantei com outro de São Paulo e com nosso homem em Vitória (ES). Mas não conhecia nosso agente secreto de Blumenau, assim como não conheço o restante da turma. O Luiz Blasi é a pessoa com a qual mais converso sobre música e as postagens bagunçadas do blog.

Ontem, domingo (25/01), ele e sua esposa Rose desceram até Bombinhas para fazer o reconhecimento mútuo. Para os iniciados na terminologia pequepiana, foi o encontro de PQP Bach com FDP Bach, dois filhos bastardos de Johann Sebastian. Simples assim. O casal visitante chegou secretamente à pequena cidade em carro próprio, por volta das 7h da manhã de domingo, trazendo um pen drive com a integral das Sonatas de Beethoven, tocadas por Maurizio Pollini, e o filme dos 125 anos do Concertgebow de Amsterdam, concerto completo. Sem se anunciarem, é claro, ficaram ocultos na recepção até que eu e Elena descemos às 8h, cuidando para não sermos vistos.

A Andréia, dona de nossa Pousada, recebeu a todos com um belo café. Eu e a Elena comemos pouco devido aos acontecimentos traumatizantes da noite anterior, mas espero que o Luiz e a Rose tenham aproveitado, porque os cafés da Andréia são esplêndidos.

Após o café fomos a Zimbros, uma bela e calma praia ideal para crianças.

A praia de Zimbros | Foto: Luiz Antonio Blasi
A praia de Zimbros | Foto: Luiz Antonio Blasi

Mas lá havia aquilo que nos persegue onde quer que compareçamos: a boa gastronomia. O maestro Tobias Volkmann, através de bate-papo no Facebook, dirigiu-nos de forma firme e afinada ao restaurante Berro D´Água. Meu deus, o que foi aquilo?

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Olha, até agora, 36 horas depois, ainda estamos comentando aquela massa. A boa comida conhece caminhos inescrutáveis para nos alcançar. Eu nem queria comer muito depois da vandalização do dia anterior, mas o que podemos fazer além de aceitar a felicidade que nos chega a um custo adequado?

Depois de várias fotos documentais …

Milton Ribeiro e Luiz Antonio Blasi

Milton Ribeiro e Luiz Antonio Blasi 2

… e de uma uma amizade virtual passada ao mundo real, despedimo-nos de nossos amigos, não sem antes termos um curioso encontro no estacionamento. Ali estava uma família de corujas buraqueiras, hoje raras. A Elena sempre diz que é uma coruja. Refere-se, é claro, ao modo como fica alerta à noite. O encontro dela com os pássaros foi tímido.

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Abaixo, uma foto de Luiz Antonio Blasi mostrando o making off das fotos acima.

Foto: Luiz Antonio Blasi
Foto: Luiz Antonio Blasi

Rose e Luiz, foi um belo encontro. Nada surpreendente que vocês fossem exatamente como nós imaginávamos: de fala mansa, boa e inteligente conversa e muito agradáveis. Não querem se mudar para Porto Alegre a fim de que a gente se veja mais vezes?

Gostei tanto de vocês dois que deixei minha mochila no porta-malas deles… A coisa já está voltando por Sedex…

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Violência

Violência

Sábado à noite, convidei o Carlos Latuff para comer uns coelhos na casa de um amigo e o cara se ofendeu, me chamou de insensível, etc. Veio aqui no Sul Vinte Um indagorinha e elaborou este protesto aí. Ora, Latuff.

Milton Ribeiro bárbaro
Milton Ribeiro, o huno

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Eu, o Código Marshall e o Método Elena

Eu, o Código Marshall e o Método Elena
Francisco Marshall: autor de um rigoroso octálogo que define como deve ser a relação dos músicos com a crítica | Foto: Ramiro Furquim / Sul21
Francisco Marshall: autor de um rigoroso octálogo que regula a relação dos músicos com a crítica | Foto: Ramiro Furquim / Sul21

Pois, meus preciosos sete leitores, sabiam que na semana passada, fui pela terceira ou quarta vez alvo de ácidas críticas por externar simples opiniões a respeito de concertos? Meu perfil do Facebook foi bombardeado por toda sorte de mau humor e truculência. O motivo do ataque foi isto aqui, uma tranquila, educada e zombeteira resenha. Vocês não imaginam, me chamaram de tudo! Eram só quatro ou cinco, enquanto vinte silenciosos vieram se solidarizar e contar histórias no meu inbox. Eu, como a mula empacada que sou, permaneço ainda com o pensamento de que, se não há mais crime de opinião no país, posso achar o que quiser sobre qualquer concerto, livro ou fato. E aceito que as pessoas discordem ou me achem burro ou ignorante. Sem problemas.

Depois de apanhar por algumas horas, veio a primeira defesa muito bonita. Coloco-a abaixo porque vale a pena ler. É de Francisco Marshall, curador do StudioClio Arte E Humanismo.  Ele responde a um indignado.

Desculpa, sabes que te admiro como músico e que, igualmente, esta é o cimo das artes e merece nossa melhor atenção. Por outro lado, sou amigo do Milton Ribeiro, gosto de seu estilo e acho que ele é, ao contrário do que conjeturas acima, um forte apoiador da música erudita. Isto posto, cabe dizer que conquanto compreensíveis (é desagradável ser criticado, ainda mais por quem julgamos ser inferior), as reações tuas e de outros músicos acima concentraram-se neste pathos penitente, em acusações anacrônicas (alergia a música registrada? Me poupe), em preconceitos e em pouquíssimo conteúdo musicológico. O pouco que li acima sobre a música e sua execução poderia ser discutido ou mesmo dialogado serenamente, sem tanto patetismo e grosserias. Poderíamos falar com espírito (humor e ironia), mais de acordo com a qualidade da música erudita, e avançar no que importa, a compreensão e fruição da arte. A opção pelo ataque ao crítico revela insegurança, narcisismo, infantilidade, imaturidade e outras características que ninguém admira. Sei que é difícil, mas é preciso serenidade e tolerância diante das críticas. Não as considerei levianas, mas próprias de um ouvinte interessado e com critérios. Podemos discutir critério e conteúdo, mas este papo de exigir “críticas, somente as construtivas” ou de estigmatizar o interlocutor me parece menos Voltaire e mais Medici (o Emílio G., não o Lorenzo…).

Depois, de forma um muito zombeteira, Francisco Marshall sintetizou como deve se comportar o crítico musical da OSPA. Será que todos os músicos exigem este comportamento?

“Podemos então sintetizar o Código Deontológico para a Crítica Musical da OSPA:

1. O crítico deve ser músico, de preferência com formação em musicologia e estágios em Freiburg, Weimar e Berlim. 
2. Só pode elogiar, jamais criticar (!), ops, deixar de elogiar.
3. Nada de humor ou ironia, pois música de concerto é assunto sisudo, ainda mais quando executada em igreja. Roga-se tom solene. 
4. Jamais comentar sobre a plateia, seus comportamentos e anedotas (3) pois os agentes únicos em um concerto são O Regente e Os Músicos.
5. O crítico deve também considerar, sempre elogiosamente, a trajetória de paixão musical e de excelência acadêmica e artística do Sr. Regente e dos Srs. Músicos. 
6. O ideal é que o crítico consulte a Orquestra antes de publicar. 
7. Se o crítico transgredir alguma das condições acima, deve ser insultado, achincalhado e até mesmo ameaçado, podendo, conforme o caso, ser surrado por um ou mais Músicos. 
8. Sabedores de que a melhor forma de propiciar o aperfeiçoamento é colecionar louvores, fica estabelecido que quem não aplaudir efusivamente a Orquestra deverá ser desdenhado, preferencialmente por meio de dezenas de postagens irritadas. 

Estás de acordo, Milton Ribeiro? Vamos assinar um Termo de Conduta?”

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Ela poderia ter mostrado esta foto pro cara, né?
Elena Romanov: criadora de um método soviético e revolucionário de controle crítico

Copiei o Octálogo de Marshall no meu perfil e os comentários foram sensacionais. Vale a pena lê-los abaixo. Assim como os dois textos do Marshall, a intervenção da Elena foi antológica, mas em outro registro. Registro que não sei explicar muito bem.

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Pessoal, eis o cartaz de meu novo filme, “Não fechem minhas abas!”.

Pessoal, eis o cartaz de meu novo filme, “Não fechem minhas abas!”.

A obra é do amigaço Carlos Latuff, como não seria? Obrigado.

Milton Ribeiro era um homem pacato, até que...
Milton Ribeiro era um homem pacato, até que…

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Latuff invade minha mesa de trabalho

Latuff invade minha mesa de trabalho

Eu gosto de manter as 12 abas de meu Google Chrome organizadinhas… Elas sempre estão na ordem que segue: as 4 primeiras são as do Sul21 (post que está sendo trabalhado, capa, geração da capa, Sul21), depois vêm as dos blogs Milton Ribeiro e PQP Bach, PqpShare, Gmail, Feedly, Facebook, Gmail do PQP Bach e Google Calendar. Posso trabalhar com mais, mas estas 12 primeiras são fixas.

Só que frequentemente aparecia um xarope que, depois de meu horário de saída, esculhambava esta ordem de comprovada eficácia, apagando parte das abas ou todas. Então, coloquei um post-it no meu monitor ameaçando os invasores. Ele dizia: EU MATO QUEM APAGAR (EXCLUIR) AS ABAS DO GOOGLE CHROME!

Ontem, na minha ausência, meu pequeno post-it ganhou um desenho do Latuff. Ficou sensacional.

Abas de Milton Ribeiro

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O dia em que o saudoso Antônio elogiou um professor

O dia em que o saudoso Antônio elogiou um professor

angry_teacherEssa história do Antônio é sensacional, mas temo ser um narrador muito inferior a ela. Vou tentar, tá?

Na engenharia, naquele final dos anos 70, nós tínhamos um semestre de Cálculo Numérico e duas opções de professores. A primeiro chamava-se Porto e a segunda Cláudio. Excelente professor, Porto era tido por um gênio e talvez fosse. Hoje, além de gênio, ele seria um grande riponga. Vinha para a aula de sandálias quando estas eram usadas somente por religiosos; usava cabelos compridos, mas não penteados como os nossos daquela época — os dele eram uma zona. As roupas eram andrajos e todos os caras mais inteligentes o escolhiam. Porém, ele tinha duas características da qual eu não gostava: evitava o olhar direto e parecia destituído de humor. Já Cláudio era considerado um sujeito muito competente, mas convencional. Era respeitado. Baixinho, careca, de óculos… Ninguém ousava referir-se a seu estrabismo convergente. E eu me matriculei junto com meu amigo Antônio para fazer a cadeira de Cálculo Numérico com Cláudio. As aulas eram terças e quintas no horário das 20h30 às 22h10.

O que ninguém tinha me contado era sobre a voz monocórdica do professor. Aquilo era pior do que ingerir um vidro inteiro de Dramin estando com o estomago vazio. O cara começava a aula e, em quinze minutos, via-se corpos esparramados pela sala. Se alguém tirasse uma fotografia de nossa sala durante aqueles momentos terríveis, veria todo o tipo de posturas cansadas: gente atirada com a cabeça e os braços sobre a mesa, gente olhando o vazio, gente com os pés para cima, bocejos, gente conversando, conversando, conversando. Cláudio tinha uma mania. Quando finalizava uma demonstração, olhava-nos com ar vitorioso. Então víamos um sutil sorriso manter-se por um longo minuto em seu rosto enquanto nos observava. Eu via aquilo e pensava no quanto ele nos ignorava. Ele era feliz explicando seus teoremas e isso lhe bastava. E a gente, vendo aquele perigoso sorriso, copiava rapidamente o conteúdo do quadro-negro para estudar tudo em casa, quando estivesse efetivamente acordado.

Um dia a coisa foi longe demais. Estava quente, úmido, insuportável como só Porto Alegre sabe ser e a atenção ao professor conseguia ser menor que o habitual. Para completar, parecia que ele não gostava daquele trecho da matéria. A aula estava tão ruim e desinteressante que ele não mostrara ainda seu ar vitorioso. O sofrimento encaminhava-se tristemente para o final quando o Antônio ergueu o braço para fazer uma pergunta. Cláudio atendeu-o de pronto. Para a surpresa de todos, Antônio levantou-se da cadeira. Pelo visto, não podia fazer a pergunta sentado. A coisa ficou ainda mais séria quando ele iniciou sua fala com um sonoro “Prezado professor Cláudio”:

— Prezado professor Cláudio. Gostaria de dizer algo muito importante para mim e que certamente o deixará feliz.

A turma começou a se mexer, acordando da longa aula, verdadeira cura para a insônia. Cláudio observou Antônio de pé e pediu:

— Sim, o que é?

Antônio fez uma cara de absoluta paixão pela ciência matemática e, com voz embargada, começou:

— Professor, eu gostaria de lhe dizer que esta foi a maior e melhor aula que já tive em toda minha vida. O Sr. foi de um brilhantismo irrepetível. Nunca, em minha experiência universitária ouvi observações de tanta pertinácia, explanadas com tanta didática, clareza e talento. O Sr. torna minha vida mais feliz.

É claro que já havia gente rindo, na verdade havia gente dando gargalhadas descontroladas, tal a surpresa e a inadequação àquilo que ocorrera em aula. A coisa era tão inacreditável que o professor quedou-se inteiramente paralisado, sério, no estrado, observando detidamente o autor do discurso, como se ele fosse um ET. Depois, ele passou a olhar também os alunos que riam, dentre eles eu. E passava o olhar de nós para Antônio e de Antônio para quem já chorava de tanto rir. Ator perfeito, Antônio mantinha-se contrito, com cara de devoção. Eu já estava me sentindo mal, quando o professor perguntou a Antônio:

— Tu estás falando sério?

Foi a pergunta mais tola possível. Foi a pergunta de uma pessoa que não está impermeável ao elogio mais chão. Ele queria acreditar no Antônio. A resposta do meu amigo foi mais uma torrente de elogios.

— Professor, faz algumas semanas que me embeveço suas aulas, mas a de hoje ultrapassou tudo o que eu tinha presenciado até hoje nesta universidade. Eu estou agradecido por sua competência e dedicação a nós — disse com toda a seriedade.

Todos estavam quase rolando de rir, quando o professor nos mandou calar a boca em voz tonitruante. A aula continuaria.

Antônio sentou-se. Antes de seguir a tortura, Cláudio ainda voltou-se novamente para o aluno e o encarou longamente. Sua vaidade estava perdendo a guerra interna e ele finalizou o olhar inteiramente vermelho. Viu-se claramente que ele passara a acreditar mais nas risadas.

Aqui, a primeira história de Antônio.

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O dia em que o saudoso Antônio pulverizou uma prova

O dia em que o saudoso Antônio pulverizou uma prova

provaEu fazia Engenharia Elétrica na UFRGS — jamais me formei — e tinha um colega chamado Antônio Carvalho Sarmento, que não sei onde anda. Ele não tem Facebook nem há referências a ele no Google. O cara aparentemente volatilizou-se. Ele era o mais engraçado, o mais louco e corajoso dos colegas. Nós fazíamos várias disciplinas juntos. Na verdade, éramos bons amigos e procurávamos nos inscrever nas mesmas cadeiras, normalmente acompanhados pelo Ricardo Branco e pelo Pedro Spohr, o primeiro se formou, o segundo é cantor lírico dos bons.

Então, estávamos numa aula de Mecânica dos Fluidos, uma dessas coisas que a gente aprendia para nunca usar. Havia várias cadeiras assim. Talvez a ideia fosse nos torturar, incentivando-nos a largar o curso, coisa que acontecia com metade dos alunos naquela segunda metade dos anos 70.

Vou focar no dia de nossa primeira prova da cadeira. O professor distribuiu as questões e eu e Antônio nos olhamos. Não sabíamos responder a nenhuma delas. Ele abriu os braços sorrindo, como quem diz: “Tiramos zero”. Era um sujeito pequeno, mas tinha voz poderosa e um talento natural de ator. Passaram-se uns cinco minutos e ele se ergueu subitamente, anunciando com toda a seriedade:

— Professor, eu me nego a fazer esta prova!

O professor era um sujeito muito inseguro de sobrenome Maestri — esqueci o primeiro nome — e gaguejou lamentavelmente.

— Mas… Por quê?

— Ora, esta prova é um lixo de mal escrita, contém claras inconsistências, é uma vergonha para a Escola de Engenharia desta Universidade! — disparou Antônio com ar doutíssimo.

— Que inconsistências?

— Céus, e eu ainda vou ter que lhe explicar, criando constrangimento para o senhor na frente de seus alunos? Quem sabe o senhor reescreve tudo e fazemos nova prova?

Neste momento, a tese de Antônio ganhou muitos adeptos, pois ninguém sabia porra nenhuma, ninguém dava importância àquela cadeira. Claro que os dois ou três mais estudiosos protestaram, dizendo que a prova era bem feita. Porém…

— Isso, isso, fazemos nova prova na próxima aula — dizia a voz do povo.

— Mas…. Ao menos assina o teu nome — pediu o professor a Antônio.

— O quê? Eu, botar meu nome nesta merda?

Naquele momento, a turma já se levantava indignada, pronta para ir embora. Não havia mais clima. Quem não sabia nada, ou seja, a maioria absoluta, rindo muito, devolvia a prova para o pobre professor Maestri.

Grande Antônio! Na aula seguinte, Maestri deu uma prova bem fácil, cheia de questões que já tínhamos resolvido em aula.

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Festa de aniversário da Elena e do Augusto (com fotos)

Festa de aniversário da Elena e do Augusto (com fotos)

No último sábado, tivemos um baita festerê na casa da Astrid e do Augusto. O pretexto eram os aniversários da Elena (19 de maio) e do Augusto (23), ao qual veio se juntar o Valter (22). Vi o anfitrião tirar fotos das comidas, coisa que não fiz. O que fiz foi comê-las, fato que me impediu de voltar à mesa antes das 22h de ontem, domingo. Sim, até Pantagruel tem que dar um tempo.

E céus, como fomos bem recebidos e como a comida estava boa! O que eram aquelas tapas? E o caldo de camarão? E a torta? Pessoalmente, agradeço a generosidade da Astrid e do Augusto. Eles mostraram que receber e cozinhar é um ato de amar os outros, como diz, penso, Mia Couto. Abaixo, algumas fotos das pessoas que participaram da orgia gastronômica. Mas, antes, uma …

Observação importante: Faltaram fotos das duplas de irmãos Pedro e Arthur, Miguel e Enzo. Os dois primeiros são filhos do Augusto com sua ex e a outra dupla é assim: Miguel é filho da Nikelen e do Farinatti, enquanto que o Enzo surgiu da Cláudia e do Dario (rimou!). Porém eles, no meio da festa, declararam-se espontaneamente irmãos de coração. Deste modo, este blog, não obstante a ausência de pais em comum, passa a considerá-los irmãos. Eu tenho grande e especial amizade com os filhos do Augusto, mas acho que já passou o tempo em que eu lhes ensinava sacanagens. Agora são eles que devem me tomar como aluno.

Bernardo entedia as moças  contando coisas sobre a página 23 da Superinteressante.
Bernardo visivelmente entedia as moças. Deve estar contando alguma coisa sobre ciência ou a respeito de um japonês serial killer.
Ah, elas (e ele) viram o fotógrafo legal!
Ah, elas (e ele) viram o fotógrafo legal!
Elena manifesta sua indignação pela falta de comida na festa. Liana já abriu da disputa, literalmente, das tapas.
Elena manifesta sua indignação pela falta de comida na festa. Liana já abriu mão da disputa pelas tapas.
Elena e Liana suportam a cantoria desafinada de Nikelen e Rovena.
Elena e Liana suportam com dificuldades a cantoria desafinada de Nikelen e Rovena. Elas procuraram o tom até o final da festa. São leitoras de Bulgákov, certamente.
Corredor polonês formado por Alexandre Constantino, Philip Gastal Mayer e pelo casal Kitty e Marcelo Piraíno. Renate Kollarz está preocupada em passar rapidamente, claro.
Corredor polonês formado por Alexandre Constantino, Philip Gastal Mayer e pelo casal Kitty e Marcelo Piraíno. Renate Kollarz está preocupada em passar rapidamente sem deixar cair seu prato.
Conheci Ricardo Branco em 1976, o Dario em 1984 e a Cláudia Guglieri ali por 2008 (?)
Constatação chocante: conheço o Branco há 38 anos — e, pasmem, conheci-o na universidade –, o Dario há 30, mas a Cláudia Guglieri veio muito depois. Também pudera, ela é muito mais jovem.
Sintam a elegância dos primos. Com Robson Pereira, Augusto Maurer e Lúcia Serrano.
Sintam a elegância dos primos. Com Robson Pereira, Augusto Maurer e Lúcia Serrano. A echarpe do Robson provocou suspiros.
Mais um casal: Renate Kolarz e Valter.
Mais um casal: Renate e Valter Souza.
Renate dá uma fugidinha com Phil.
Renate dá uma fugidinha com Phil.
Olha só que amor! Kitty e Marcelo posam para nossas câmaras.
Olha só que amor! Kitty — Cristina Bertoni dos Santos — e Marcelo posam para nossa câmera fora de foco.

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Paris, 24 de fevereiro: a visita aos amigos (II)

Paris, 24 de fevereiro: a visita aos amigos (II)

Se há uma coisa ruim em Paris é o metrô. Afirmo-lhes que, além de sujo, trata-se de um insulto aos daltônicos. Não sou nenhum macho-alfa, apenas acho que me oriento um pouco melhor que a Elena, mas lá tinha que deixar tudo para ela, tudo o que conseguia fazer era tatear cegamente no esquema padrão das linhas. Um dia, quando fomos para o Museu d`Orsay, por culpa minha acabamos numa cidadezinha da periferia chamada Juvisy-sur-Orge, a 19 Km de Paris. O esquema do metrô tem cor-de-rosa, violeta, vários tons de verde, lilás, púrpura e outras cores sabidamente inexistentes. Ou seja, era tudo com a Elena. Problema nenhum, mas e se eu estivesse sozinho? Em Londres, Roma, Rio e São Paulo há respeito conosco. Em Paris, não. São 14 linhas em estilo impressionista. Vão se fuder!

Clique na imagem para ver melhor o absurdo
Clique na imagem para ver melhor o absurdo

Então foi a Elena quem me levou até o hotel onde estavam hospedados a Liana e o Alexandre. Levou com competência, porém, quando chegamos na portaria do hotel não havia nenhum Alexandre Constantino nem nenhuma Liana Bozzetto na lista. O porteiro do Hotel Saint-Germain nos olhou com cara de quem estava vendo um casal de comediantes. (Numa cidade daquelas, eles não pensam num casal de assaltantes de hotéis, pensam em babaquice mesmo). Devíamos ser ainda mais engraçados por estarmos sem celular, desconectados do mundo. Perguntamos pelos brasileiros hospedados e o cara deu uma risada deliciosamente inconclusiva, respondendo que o hotel estava cheio de nossos conterrâneos, que a cidade e o mundo estava cheio deles. Olhei a lista de cima a baixo e nada. Vi quem tinha feito check-out naquele dia. Nada de Constantino, nada de Bozzetto. Mas eles tinham que estar ali. No dia anterior eles tinham sumido ali dentro. Foi quando vimos o Alexandre descendo calmamente as escadas. Porra, era ele mesmo. Com a tranquilidade habitual, ele me disse que devia estar registrado com algum de seus inúmeros nomes, pois, como um verdadeiro membro de nossa família imperial, nascera Alexandre Nogueira de Castro Constantino! Ah, voilá, c`est Monsieur Nogueirrá! E subimos com o Nogueirrá.

Nosso objetivo era o bebermos um dos vinhos franceses que compráramos, acompanhado da comida que eles tinham acumulado. (Em verdade vos digo, somos exagerados e gordos, levamos comida também…). E, como eles voltariam para o Brasil no dia seguinte, a ordem era vandalizar. Abaixo, nossa mesa antes de virem as coisas da geladeira.

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E comemos e bebemos e conversamos por horas. Era salmão pra cá, pão pra lá, pasta acolá, camarões alhures, vinho sob a cadeira e água aquecendo na mesa para o chá, tudo ao mesmo tempo. Primeiro falamos de coisas tristes, mas depois, sob a influência de baco…

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… ficamos mais alegres. Contamos sem maldade cada uma das últimas sacanagens que sofrêramos e sobre algumas iniquidades, também falamos sobre assuntos muito sérios e irreversíveis. Mas o vinho… A Elena contou que a escolha do vinho fora por ter sido produzido no mesmo ano em que seu filho nascera (hã?) e eu lembro que contei algumas de minhas histórias loucas. Mas nada pode comparar-se ao cartaz que vimos na estação de metrô onde pegamos o trem de volta. Pô, 20 cm de prazer? Mesmo sendo uns 20 placide, tô fora.

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Paris, 23 de fevereiro: com amigos, caminhando loucamente pela cidade (II)

Paris, 23 de fevereiro: com amigos, caminhando loucamente pela cidade (II)

Neste dia, sobre o qual comecei a falar aqui, Elena e eu nós caminhamos muito. Refazendo nosso trajeto a pé no Google Maps, e considerando que este propõe sempre o caminho mais curto — exatamente o que não tomamos –, chegamos a um total de 11,5 Km, ou 2h28 de caminhada. Mas garanto a meus sete leitores, foi muito mais. Depois dos Jardins de Luxemburgo, atravessamos a cidade até o Palais Garnier na Rue Scribe para encontrar nossos amigos Liana Bozzetto e Alexandre Constantino. Causa certa euforia encontrar queridos amigos fora de nosso habitat. Pensamos em parar num café, mas começamos a caminhar, a conversar, a caminhar, a conversar e a caminhar juntos. Atravessamos Champs-Élysées, vimos cartões postais, …

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… e mais cartões postais, …

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… paramos para fotos no meio do caminho, …

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… pedimos para um japinha tirar uma registro nosso na frente do Louvre, …

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… pedimos uma segunda foto para garantir, …

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… atravessamos o Sena e acabamos comendo um salmão genial num bistrô à beira do rio. Então, saímos novamente a pé até o hotel de nossos amigos em Montparnasse. Durante a caminhada, eu e Alexandre íamos léguas à frente das meninas. Conversávamos de forma copiosa fazendo um mix de algumas de nossas experiências. Quem conhece o Alexandre, sabe: ele não é um sujeito de jogar palavras fora; é um cara que pensa antes de falar, que se aprofunda nas coisas, que diz não ler muito, mas que cita autores de diversas áreas e tamanhos. É sempre um prazer conversar com ele.

Há cem metros, as meninas vinham nos seguindo. Liana e Elena contavam experiências uma para outra. Elena disse que sua conversa com ela valeu por várias sessões de terapia. Quando eu e Alexandre parávamos para que elas nos alcançassem, elas pareciam diminuir ainda mais a velocidade. Aquele avanço até Montparnasse era efetivamente meio louco — havia prazer em conversar com o Alexandre e culpa pela nossa velocidade alucinada, havia prazer na conversa entre Liana e Elena e algum desejo de privacidade, o que as tornavam lentas. Mas bastava que eu e Alexandre apontássemos nossos narizes para Montparnasse que a correria voltava. Era como se nossa prosa nos obrigasse àquilo.

Mas finalmente chegamos ao hotel deles. O objetivo era o de simplesmente tomar um chá. Foi tudo tão bom que marcamos um jantar para o dia seguinte. O retorno a nosso Tim Hotel foi feito a pé, passando novamente pelos Jardins de Luxemburgo e pelo Panthéon, sempre ignorado.

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Apesar do calor, Porto Alegre é uma festa (noite do dia 7, noite do dia 9)

Apesar do calor, Porto Alegre é uma festa (noite do dia 7, noite do dia 9)

Dia 7 era a noite de aniversário do Philip Gastal Mayer. As mulheres sempre demoram um pouquinho mais para sair.

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Mas o resultado vale a pena, claro.

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Infelizmente, não temos registros humanos do festim, pois o “fotógrafo” Augusto Maurer parecia mais apaixonado pelos assados preparados pelo Philip.

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Veganos e vegetarianos, voltem suas faces puras para o lado ou cliquem “Page Down”. Provei e comprovei. Espetaculares.

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Não pensem que sobrou.

Bérbara
Minha filha Bárbara e Elena Romanov

E ontem, no Comitê latino-americano, foi a festa de 23 anos de meu filho Bernardo.

Natália Karam, namorado do Bernardo, o próprio e minha filha.
Natália Karam, namorada do Bernardo, o próprio e Bárbara.

Como é bonita a juventude, né?

Elena e eu, fazendo palhaçada.
Eu, fazendo palhaçada, e Elena.

Um pouco mais velhos ma non tanto…

Um olha pro outro
Com Iuri Müller, Camila Costa Silva e André da Rocha.

Acima, eu contava um causo. Um olha pro outro. Eu olho o vazio.

Sim, eu disse uma besteira qualquer.
Os mesmos.

Fim de causo. E sábado tem mais festa. Haja disposição pra trabalhar!

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Para deixar registrado num meio menos volátil que o Facebook

Para deixar registrado num meio menos volátil que o Facebook

No início de dezembro, conheci uma finíssima figura com a qual só mantivera contato através do Facebook. O primeiro encontro (foto abaixo) foi inteiramente casual. Eu sabia que o carioca Marcos Vasconcelos — que na verdade é nordestino — viria para Porto Alegre e Montevidéu. Mas não sabia mais nada sobre sua viagem. Pois, como se estivéssemos numa cidadezinha do interior, ele e a Marília Bavaresco cruzaram comigo e a Elena na Independência. Ele me chamou, tiramos a foto e marcamos um encontro no dia seguinte no Tuim (segunda foto). Foi dos melhores encontros que tive nos últimos tempos.

Um grande abraço, Marcos. Saudades e nosso único e longo papo.

O encontro não marcado na Av. Independência
O encontro não marcado na Av. Independência
No Tuim: o cara é tão gente boa que torce pro Brasil de Pelotas!
No Tuim: o cara é tão gente boa que torce pro Brasil de Pelotas!

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Seu Hélio: Que missa de um ano de falecimento que nada!

Seu Hélio: Que missa de um ano de falecimento que nada!

Depois, quando eu digo que meus amigos são os melhores… Em termos de festas originais, tive uma no sábado que concorre com a do aniversário de Igor Natusch e a da célebre master class de Bernardo Ribeiro.

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Tratava-se da inauguração da despensa da casa da Astrid Müller e do Augusto Maurer, sucedâneo da tradicional Missa de um ano de falecimento. A homenagem seria para os pais do Augusto, Carmen e Hélio Maurer, principalmente para o Seu Hélio, que parecia não poder viver sem uma despensa, como está explicado no novo mural da entrada da despensa.

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Abaixo desta introdução, está um texto deste que vos escreve, amigo da família a obscenos e felizes 30 anos.

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Pois vocês acreditam que eu não tirei fotos da parte interna da despensa? Pois é, nem tudo é perfeito. Depois, nós tivemos o jantar in memoriam, que contou apenas com amigos da Carmen e do Hélio, fazendo com que eu me sentisse um garoto. Infelizmente, a Elena não pode comparecer, mas eu fiz uma fotinho com a capa do cardápio e a a fichinha dos nossos lugares na mesa.

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No cardápio, tudo o que o Hélio gostava.

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O Passeio Repentino de Kafka

O Passeio Repentino de Kafka

Estou com saudades de uma pessoa, de uma mulher. Acabei lembrando deste texto de Kafka. Ah, você acha que Kafka é sempre terrível e kafkiano? Negativo, meu amigo, negativo. Confira a seguir:

O Passeio Repentino

Quando à noite parece ter-se tomado a decisão definitiva de permanecer em casa, vestiu-se o roupão, depois do jantar ficou-se sentado à mesa iluminada, às voltas com aquele trabalho ou jogo ao término do qual habitualmente se vai dormir, quando lá fora há um tempo inamistoso que torna natural permanecer em casa, quando já se passou tanto tempo quieto à mesa que ir embora teria de provocar espanto geral, quando até as escadas já estão escuras e a porta do prédio fechada, e quando apesar disso tudo, num mal-estar repentino, fica-se em pé, troca-se o roupão, surge-se imediatamente vestido para ir à rua, se esclarece que é preciso sair, faz-se isso depois de breve despedida, acreditando-se ter deixado maior ou menor irritação conforme a rapidez com que se bate a porta do apartamento, quando se está de novo na rua com membros que respondem com uma mobilidade especial a essa liberdade inesperada que lhes foi concedida, quando se sente, através dessa decisão, concentrada em si mesmo toda a capacidade de decidir, quando se reconhece com um senso maior que o comum que se tem mais energia do que necessidade de produzir e suportar a mais rápida das mudanças, e quando assim se vai às pressas pelas longas ruas – então por essa noite está-se totalmente desligado da família, que desvia seu rumo para o inessencial enquanto, firme de alto a baixo, os contornos com as linhas carregadas, dando tapas na parte traseira das coxas, ascende-se à sua verdadeira estatura.

Tudo fica mais reforçado quando, a essa hora tardia da noite, se procura um amigo para ver como ele vai.

Franz Kafka (Trad. de Modesto Carone) – Retirado do livro “Contemplação / O Foguista” editado pela Brasiliense (1991) e reeditado pela Cia. das Letras .

Desenhos de Franz Kafka
Desenhos de Franz Kafka

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Enzo Francescoli, o medo e o coitado

Enzo Francescoli, o medo e o coitado

Uma vez, estava em Buenos Aires e consegui um ingresso para um superclássico na Bombonera. Sim amiguinhos, vi um Boca X River. Quando o River entrou em campo, a torcida do Boca começou a ofender violenta e continuamente a Enzo Francescoli, atacante uruguaio do River. Ele olhou bem para a torcida, chamou um repórter e disse:

— Viste o medo que eles têm de nós?

Foi esta história que relatei a um amigo ontem. Ele diz que o namorado da ex-mulher conta horrores a respeito dele. E para todo mundo. Diz até que ele não pagava as contas nos restaurantes, que deixava tudo para ela. Sugeri que ele avise ao sujeito que não está interessado nela, de modo nenhum. Ele tem que acalmar o coitado.

Enzo Francescoli, o supercraque que encerrou sua carreira no River Plate
Enzo Francescoli, o supercraque encerrou sua carreira no River Plate

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A incrível festa de aniversário do Igor

Iuri, Débora e o pouco feliz aniversariante.
Iuri (esquerda), Débora e o pouco feliz aniversariante.

Hoje é o dia do meu aniversário, mas estou ainda sob o efeito de outro, o do Igor Natusch (2 links). Não tinha planejado fazer festa para mim, mas a Astrid Müller e o Augusto Maurer providenciaram uma ontem. Estou bem, mas deveria estar de luto. Então, como desconfio que uno de los muertos de mi felicidad (como diria Silvio Rodríguez) seja uma das versões de mim, escolhi manter um impossível recolhimento, considerando os queridos amigos que tenho. Gente como o Igor, que tinha uma proposta de aniversário das mais estranhas:

Decidi, pela primeira vez na minha vida, fazer uma festa de aniversário. Completo trinta e três invernos chuvosos no dia 15 de agosto deste ano e decidi fazer uma festinha para comemorar. Todos estão convidados a me encontrar no Largo Glênio Peres na noite fatídica (será uma quinta-feira) trazendo bebidas (isopor ajuda, claro), comidas e lugar para sentar (cangas, cadeira de praia, almofadas, o que quiserem). Evidentemente, todos estão convidados. E a proposta é muito, muito séria.

Eu e a Bárbara nos dirigimos para a festa achando que íamos encontrar o Igor com dois ou três amigos no meio do Largo. Trazíamos um garrafa de bom vinho, abridor e duas taças. Quando dobramos a Borges, vimos que havia uma grande roda de pessoas conversando animadamente. Como o Igor tem 1,90m, foi fácil vê-lo de longe. Logo que cheguei, propus abrir o vinho, mas o pessoal estava todo no quentão. O que era bom, porque parece que estava 5 graus, mas eram 5 graus do bem, sem vento, sem umidade e ninguém tiritava.

O inusitado da festa deixou todo mundo alegre e vários grupos menores foram se formando e alterando durante toda a noite. O álcool rolava em boa velocidade. Logo chegaram vinho e cerveja. Do alto de um edifício, para os lados da Otávio Rocha, vinham alguns flashes, o que indicava a desconfiada presença dos homens da lei. O que fazia aquele estranho grupo ali parado, formando círculos, todos com copos na mão e pegando comida num espetinho ao lado? Mas não fomos abordados.

A coisa ia muito bem quando começou a ficar cômico-poética. Eu vi o cara de longe. Ele vinha completamente bêbado com os braços abertos, como se dançasse. Usava um casaco claro fechado até em cima, tinha uma micro mochila nas costas e uma cara nada rotineira.

Então, parou na frente de nosso grupo e perguntou daquela forma que só os gays muito engraçados conseguem fazê-lo. Mexeu os braços em círculo, deu uma meia volta e disparou em alemão:

— Was ist das? (O que é isso?)

Aparentemente, só eu tinha rudimentos de alemão e respondi:

— É uma festa de aniversário.

Ele deu um sorriso:

— Wie wunderbar! Und warum bin ich nicht trinken? (Maravilhoso! E por que não estou bebendo?)

Fui providenciar uma bebida para o homem, um certo Alexandre, que é esteticista e que se apaixonou imediatamente pela Bárbara. Quando falou com ela, tratou de usar o português.

— Ai, tu é linda e chiquérrima!!!!!! Que roupa perfeita, que cabelo de luxo! Deixa eu dar uma arrumadinha nele?

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E começou a arrumar o cabelo de minha filha, que não parava de rir. Depois de terminar, pediu que algum dos rapazes lhe acendesse o cigarro.

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Sobre Nietzsche e “O Cavalo de Turim”, obra-prima de Béla Tarr

Sobre Nietzsche e “O Cavalo de Turim”, obra-prima de Béla Tarr

Philip Gastal Mayer escreveu o que segue em seu Facebook. E me mandou ler, escrevendo apenas Milton Ribeiro. Maiores detalhes sobre o filme aqui. O Philip, além de bom amigo e excelente violoncelista da Ospa, é um grande leitor de Nietzsche e chega matando a pau.

Elena Romanov, esse é o trecho que te falei do eterno retorno de Nietzsche, é do livro “A Gaia Ciência”, foi o que me veio à cabeça quando assisti o filme:

“E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: “Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e sequência – e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez, e tu com ela, poeirinha da poeira!”. Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasses assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que lhe responderías: “Tu és um deus e nunca ouvi nada mais divino!” Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse: a pergunta diante de tudo e de cada coisa: “Quero isto ainda uma vez e inúmeras vezes?” pesaria como o mais pesado dos pesos sobre o teu agir! Ou, então, como terias de ficar de bem contigo e mesmo com a vida, para não desejar nada mais do que essa última, eterna confirmação e chancela?” – F. Nietzsche

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Os Amigos de Milton Ribeiro

Eu não me acho nada legal. Sou irônico, muitas vezes debochado e faço piadas fora de hora — normalmente de forma voluntária, só para ver o resultado. Também sou opiniático, crítico a um nível bastante chato e, de forma quase inevitável, reviro os olhos abertamente quando julgo ouvir absurdos. Também nunca tive o mel da beleza e já perdi o da juventude. Mas, por alguma razão que desconheço, sou um agregador. Tenho grande facilidade para arranjar amigos e agora vai o diferencial mais importante: meus amigos são os melhores. Não posso mudar a verdade, são os melhores. Tanto que eles invadem as vidas de quem se relaciona comigo, tanto que os apresento uns aos outros e todos se encantam. E são, contrariamente a mim, pessoas qualificadas e reconhecidas em suas áreas. Eles me usam como vetor de elogios que muitas vezes não são repassados, pois sou esquecido e indigno deles. Hoje NÃO tive comprovações disso — afinal, não apresentei ninguém a ninguém — , mas nesta manhã rolou uma estranha vontade nas pessoas de saberem como eu estava. Dentro de um período de relativo isolamento e tristeza, de um período em que este blog está uma bosta, recebi telefonemas e e-mails. E eu, muito ensaboado, pouco falei, quase não deixando minhas escamas no carinho dos amigos, apesar de louco para deixá-las. Peço desculpas.

Depois desta manhã original, tivemos o almoço do um milhão de acessos mensais do Sul21. Sim, um novo almoço, porque desta vez é para sempre, já estamos batendo lá no 1,2 milhão. (Meus sete leitores participam disto garantindo quase 3000 acessos diários aqui neste blog — não sei MESMO o que tanto leem em mim).

Então, vou misturar os dois fatos agradecendo a todos. E vou usar como exemplo alguém que mal falou comigo hoje, mas que é quem divide a editoria do site comigo: Igor Natusch. Ele figura entre meus amigos, claro. Somos ambos editores — ele muito melhor do que eu — e nunca, jamais tivemos uma discussão ríspida. Não somos íntimos, apenas trabalhamos juntos, mas nunca brigamos, o que não quer dizer que sempre concordemos. É difícil existir alguém mais polido do que ele, uma pessoa bem diferente de mim, que sou muito mais deselegante e grosseiro. E vi que o Igor era assim logo quando o entrevistei para o Sul21. Briguei para que ele fosse contratado. Deu certo. Voltando ao primeiro tema deste texto, acho que tenho a qualidade feminina (ui!) de avaliar corretamente pessoas em segundos. Ignoro onde aprendi isso e, assim como alguém me convence rapidamente, posso sentir asco e me afastar correndo. O resultado é conhecido: tenho o melhor grupo de amigos do mundo ocidental. E ponto.

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Chope e livros e riscos descontrolados

Após a entrevista que fiz com Ernani Ssó sobre sua tradução do Quixote, realizada sob os chopes do aprazibilíssimo Tuim, pegamos a mania de nos encontrarmos no mesmo local para falar de literatura e qualquer coisa. Não precisamos mais de pretextos, porém desta vez ele me pediu que, amanhã, eu levasse comigo meu exemplar de O mestre e Margarida, para lhe emprestar. Não há problema, costumo emprestar livros. Ou melhor, há um problema sim. É que, cada vez mais, faço anotações a caneta nos livros e não gosto que os outros as leiam, por serem feitas ao ritmo de meus imbecis pensamentos pessoais durante a leitura.

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