Preguiça

Por mim, se eu tivesse possibilidade de mandar no meu tempo, hoje ia passear na Redenção com a Juno. Ia ficar lá no local dos cachorreiros falando sobre Nietzsche, ops, sobre cachorros, é claro. Adoro. Levaria um monte de saquinhos para limpar os cocôs e ia dividir o mate de alguém, pois não sei montar aquela merda e aliás, nem tenho bomba e cuia. Mas fazer o quê? Acordei na maior correria. Tinha que levar um amigo com malas para o trabalho — ele ia para Buenos Aires para uma reunião de seu partido, o PD — e a Bárbara para o colégio. No fim-de-semana, tenho que ler dois livros para fazer uma resenha comparativa, mas… Não poderia lê-los numa praça com cachorro? É raríssima em mim esta vontade de fotossíntese. Acho que é o resultado de tanta chuva.

Hoje, recebi um convite para participar de uma Marcha pelo Sedentarismo. Sensacional. O evento se daria na Plataforma de Pesca de Cidreira no dia 7 de setembro. Confirmei minha presença no Facebook. Talvez haja cerveja lá, quem sabe? Vou tratar de esconder dos caras que corro 8 Km para vir aquela endorfina legal e ainda faço academia e regime. Pegaria mal pra caralho.

Parque da Redenção | Foto Ricardo Stricher/SMAM

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Símbolos

Não ignoro que este assunto só poderia ser discutido em calhamaços, mas vou tentar fazer uma pré-introdução-resumida-e-sumular ao assunto da simbologia na arte.

Ela existe desde tempos imemoriais. Creio que as primeiras representações através de símbolos ocorreram na pintura. Há sempre um livro ou alguém disponível para nos explicar o que estão fazendo aquelas pessoas estáticas. Uma vez, li um tratado sobre as gravuras de Brueghel e Dürer. Impressionante. Bach também punha recadinhos nada inconsistentes em sua música.

Na literatura e no cinema, o mainstream da linguagem subliminar corre por dois veios. O primeiro é visto ou lido. É o planeta Melancolia do filme comentado ontem. Por ser visto e palpável, ele é um veio MacGuffin, para falar em linguagem hitchcockiana. O que em Hitchcock é mero pretexto para ação ou suspense, aqui é o cerne de uma história qua aponta para fora de si. Deste modo, sua realidade é melhor compreendida como uma representação de algo maior ou que simplesmente não está ali. Os MacGuffins de Lars von Trier são realmente grandes demais, deselegantes demais, claros demais.

Mas há um o outro tipo de símbolo que eu chamaria de símbolo-situação. Os personagens são colocados de tal modo que o contexto onde se encontram passam a fazer referência a outras camadas de realidade — superiores ou inferiores ou ambas. A situação fala de forma triste, cômica, irônica e o escamabu, dizendo-nos muito mais do que aquilo que é mostrado ou falado. E é aqui que gente como Philip Roth e Lars von Trier fazem suas festas. A liberdade que suas histórias — e as de tantos outros, pois a expressão “outras camadas de realidade”, por exemplo, é de Tchékhov” — nos dão para imaginar tais camadas é algo glorioso e este diálogo que me deixa eufórico com alguns livros e filmes.

Albrecht Dürer e seu Melancholia (1514): com um planeta aos pés? Ou outro está vindo lá atrás com uma faixa de Melencolia?

Quando Justine arruma aqueles quadros, há muito Brueghel (aliás, na abertura já aparece Os Caçadores na Neve), mas vocês viram o Dürer ali atrás? Ah, pois é. Para Lars von Trier ser um formidável, só lhe falta morrer.

O Quadrado Mágico de Dürer em Melancholia. Tudo soma 34

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Mudança II

Relativamente ao post Mudança, o Ivo Moreno Neto completa (estou a 50 metros da esquina com a Riachuelo):

Entra à esquerda na Riachuelo tem o café do Cultural, outro Beco, Livraria Isasul, Livraria Mosaico, Martins Livreiro, Livraria Solaris, Livraria Vozes, Instituto Histórico Geografico, duas livrarias jurídicas, Kantô – comida japonesa , Casa do Estudante, 2 butecos, uma lotérica, e deve ter uns dois puteiros discretos, familiares, nos andares de cima.

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Mudança

O estranho em tudo isso é que nunca dei muita importância à localização de meu trabalho, sempre pegava minhas coisas, ia e fim. Mas agora é impossível ignorar. O Sul21 mudou-se para a Rua da Ladeira, também conhecida por seu nome oficial, Rua Gen. Câmara. Ficamos entre a Rua da Praia, de nome oficial Rua dos Andradas, e a Riachuelo.

Neste trajeto em subida, encontramos muitas atrações:

1. À direita, o Bar e Choperia Tuim (desde 1941).

2. Depois, ainda à direita, o sebo Ladeira Livros.

3. Atravessando a rua, o sebo Nova Roma.

4. Voltando ao lado direito da rua, um pequeno restaurante chamado Gramado Gold. Serve almoço ao custo de R$ 8,90 e, ao menos ontem, um café espresso aguado. Vão melhorar, espero.

5. No mesmo lado, o sebo Beco dos Livros.

6. Bem na frente, do outro lado da rua, claro, o prédio do Sul21.

7. Adiante, ao lado, o Cine Bancários.

8. Ainda à esquerda, o sebo Dante, que ou está em reformas ou está fechando.

9. Voltando ao lado direito, O sebo Estação Cultura e,

10. do outro lado, a Biblioteca Pública do Estado.

Nada a reclamar.

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Minha Mãe, Um Réquiem Alemão e a Crônica de um concerto não visto

Minha Mãe, Um Réquiem Alemão e a Crônica de um concerto não visto

Minha mãe está internada na CTI (UTI) do Hospital Moinhos de Vento. Está com insuficiência respiratória aos quase 84 anos. Entubada, com respirador artificial, o prognóstico do médico e a cara de minha irmã — que também é médica — não são das coisas mais animadoras. Para completar, o horário noturno de visitação é o pior possível: das 20 às 21 horas. Então, o resultado é que ontem saí do hospital às 20h40.

O concerto da OSPA que ocorria quase no mesmo horário não era nada trivial. Era um programa de só uma obra, mas esta é das coisas que mais amo neste mundo e das quais tenho umas dez gravações: o notável Um Réquiem Alemão, de Johannes Brahms, aquele mesmo que é chamado pelos tolos de O Réquiem Ateu, como se falar pouco de deus o tornasse ateu. (Ateu sou eu, Brahms não era). Só que, como disse, eram 20h40, o concerto começava às 20h30 e eu estava longe do local onde ele já iniciara.

Comecei a dirigir para casa pensando que talvez eu não quisesse ir por superstição ou quisesse ir para quebrá-la. Afinal, este Réquiem existe por um só motivo: a morte da mãe do compositor em fevereiro de 1865. O Réquiem de Brahms, escrito entre 1865 e 1868, tem várias curiosidades: é composto de sete movimentos, que juntos resultam em algo entre 65 a 75 minutos, tornando-o a mais longa composição de Brahms. Há mais: Um Réquiem Alemão é música sacra, mas não é litúrgica e, ao contrário de uma tradição musical de séculos, não é cantado em latim e sim em língua alemã, de onde vem seu título Ein deutsches Requiem ou Um Réquiem Alemão. Pois aquela bosta que me caracteriza de projetar um problema onde ele não está, naquele dilema desesperado entre ir ou não ir a um concerto em andamento acabou por furar um bloqueio longamente preparado e meu pragmatismo começou a desabar lentamente.

Enquanto os carros e as pessoas na rua perdiam seus contornos e algo quente descia pelo meu rosto, resolvi comer alguma coisa. Com a mulher viajando, a vizinha namorando e a Babi na mãe dela, estava condenado a comer mal se fosse para casa. E da forma mais imbecil possível comecei a procurar um lugar e a juntar na cabeça as informações que sabia para escrever um texto sobre o concerto não assistido. Sabem vocês que a primeira referência ao Réquiem está em uma carta de 1865 que Brahms escreveu para Clara Schumann, viúva de Robert? Escreveu que pretendia desenvolver uma peça a ser “uma espécie de Réquiem alemão”. Depois, Brahms teria dito ao diretor de música na Catedral de Bremen, que teria de bom grado chamado o trabalho de Um Réquiem Humano. Mais adiante, vocês verão que este sujeito de Bremen era um cagão pior do que eu.

Embora as Missas de Réquiem na liturgia católica comecem com orações pelos mortos, o de Brahms centra-se na vida, começando com o texto “Bem-aventurados são aqueles que suportam a dor, porque serão consolados”. O tema do conforto aos que ficam repete-se em todos os movimentos seguintes, exceto o final, e era exatamente isso o que furara meu bloqueio. Simplesmente não deveria ter pensado. Acho que consigo passar longos dias só agindo. Ao menos tenho esta impressão.

Em seu Réquiem, Brahms omitiu propositalmente qualquer dogma cristão. Até pelo fato da ideia de deus ser visto sempre como fonte de consolo, a simpatia pelo humano persiste por todo o tempo, o que não significa dizer que o Réquiem seja ateu, apesar de sua contenção religiosa, longe daquele hábito de rasgar-se musicalmente pelo criador. De qualquer forma, a enigmática escolha dos textos fica para os musicólogos decifrarem. Quando o diretor da Catedral de Bremen expressou sua preocupação com isso, Brahms recusou-se a adicionar o movimento que lhe fora sugerido: “A morte redentora do Senhor, etc.” (João 3 : 16). E, por incrível que pareça, em Bremen, o citado diretor obrou finalizar o Réquiem por uma ária do Messias de Handel, — ??? — “I know that my redeemer liveth”. Tudo para satisfazer o clero. Um total abuso.

Sem encontrar um local para comer e pensando pouco, acabei voltando para o hospital, indo a um restaurante que há ali. Caro. Já tinha acabado o horário de entrar na CTI. Comi muito lentamente, refazendo várias vezes o texto sobre Brahms, imaginando que a OSPA já estaria finalizando o concerto. Sei que quando a música exige, a OSPA cresce. Certamente deveria ter atravessado a cidade furando todos sinais para que visse ao menos um pedaço.

Meus pensamentos giravam sobre como o Réquiem fora inicialmente detestado. Wagner mandou bala contra ele, mas temos que lhe dar o mérito da coerência e Wagner: ele erra quase sempre e sempre com farta documentação. Na verdade, estava apenas puto com o título “Alemão”. Nada mais “Alemão” do que ele, o que Brahms estava pensando? A reavaliação do Réquiem veio através de Schoenberg e seu brilhante ensaio Brahms the progressive. Então, a história da percepção a Brahms  descreveu um círculo completo: a partir da década de 1860, seu trabalho passou a ser visto como “moderno” e “difícil”. As depreciações do inimigo Wagner o tornaram “clássico” e “‘acadêmico” em 1880. E, em meados do século XX, o homem voltou a ser moderno e denso. Agora, é eterno.

Fui embora do restaurante e do hospital de novo pensando na Dra. Maria Luiza. E em mim — pois assim como o homem de Bremen cometera um abuso, era um total abuso uma pessoa tentar agir como se não fosse um mamífero, fingindo preocupar-se apenas com o operacional. E fui finalmente para casa, onde fiquei sozinho.

~o~

Abaixo, o Réquiem de Brahms:

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Palocci e os seios

No meu Google Reader, uma imagem seguiu imediatamente a outra. Eram duas pessoas diferentes, certamente em circunstâncias diferentes, mas o gesto era o mesmo. Curioso. Vieram de dois grandes blogs que todos deveriam conhecer. A primeira imagem veio do blog de Lucas Figueiredo e o título do post é Palocci é passado. A segundo veio do Ateísmo e peitos e o post não tinha título. Mas confesso que fiquei assustado com a ligação gestual. Tenho certeza de que um de meus sete leitores decifrarão o que há mais em comum entre as duas imagens, além do simples abaninho…

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Sugestões de leitura para uma manhã pré-feriadão

Muito boas as leituras matinais do pré-feriado. Sugiro que meus sete queridos e fieis leitores comecem por Roberto Carlos não morreu (ele não morreu assado como uma galinha na estrada de Santos). Depois podem visitar Um mundo carente de terapia. Os que gostarem de futebol, pode ler minha crônica para Inter x Emelec — que incluo nas “boas leituras” apenas para me unir aos dois primeiros. Se quiser enojar-se vá ao amigo Mário Marcos e, se quiser rir, informe-se sobre como o Rio Grande do Sul se protegerá dos termos estrangeiros.

No mais, devo passar o feriado em Porto Alegre pondo alguma coisa em dia. Pois, apesar de curta, êta semaninha de merda que foi essa!

Consolo? Ah, esta foto de puro deboche pascoal que minha filha tirou no colégio:

Garanto que exportei para a Bárbara grande parte do meu espírito zombeteiro. E sou vítima dele, não pensem que não.

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Minha loucura de volta

Antes, gostava de dias de chuva. Na verdade, a chuva nunca me incomodou muito e não costumo mudar de planos em função dela. Ademais, gosto do barulho dos pneus dos carros na chuva e do reflexo do céu e das luzes no asfalto. Meu gosto pelos dias plúmbeos diminuiu quando as crianças eram pequenas. Como ir aos parques ou passear com eles na chuva? Passei anos torcendo contra a chuva, acompanhando a previsão do tempo, o diabo.

Agora, tardiamente, depois que o Bernardo já chegou aos 20 anos e a Bárbara aos 16, meu gosto pelos dias chuvosos retorna. Ontem, estava bobamente eufórico. Acho que a promessa de frio que vem com a chuva também a faz simpática a mim. Por isso, gosto dos dias secos e frios do inverno e de chuva no verão. O dia de ontem, de calma chuva ininterrupta, estava ótimo. Agora já há uma nesga de sol. Espero que não esquente muito.

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Ônibus errado, carajo

Ia fazer um rescaldo dos fatos de ontem (ver post abajo), mas estou todo atrasado. Sou um apologista da rotina; ela me tranquiliza. Escrevo meus posts à noite e os reviso pela manhã. Ontem, houve a audiência e depois vi Inter x São José e Fluminense x América. Para completar, hoje, cedo pela manhã, eu e meu filho fomos para a parada de ônibus conversando animadamente sobre as possibilidades de Roger Federer, no ano em que completa 30 anos de idade, voltar a ser o número 1 do tênis mundial. Resultado: pegamos o ônibus errado. O motorista entrou pela Vila Cruzeiro — um bairro pobre e de alta criminalidade que poderia ser muito aprazível com sua vista para o Guaíba — e deu todas as voltinhas possíveis. Perguntei para o Bernardo se ele queria sair, “ah, não pai, agora estamos sentados”. OK.  Agora só me resta trabajar!

Imagem de protesto na Cruzeiro. Retirado do blog "Somos andando".

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Mônica Leal me processa em razão disso, quando na verdade refere-se àquilo

Hoje, no Fórum da Tristeza, haverá a audiência de instrução do processo que me move a ex-Secretária da Cultura do RS Mônica Leal. Não houve acordo na audiência de conciliação em razão de que, além da retirada do post, ela deseja uma indenização. Pensei em digitar a inicial aqui, porém desisti – era óbvio que seu potencial cômico atrairia todo o tipo de chacotas. Afinal, ela está me processando porque escrevi uma colorida narrativa de um episódio real: o atropelamento do pé de minha filha por um carrinho de bebê dirigido pela ex-secretária num elevador. Mais: nem vi a coisa ocorrer, apenas vi minha filha saltar para trás com cara de indignada. Soube do pé logo que saímos do elevador. Fiquei puto e por isso escrevi a respeito. Quem acompanha o blog deve lembrar de como Mônica entrou no recinto…

Todos me cumprimentam por ter conseguido irritar Mônica Leal, mas não pensam na incomodação. Vou ter que sair de casa no dia de visita de meu filho, tive que constituir advogado, enchi o saco de amigos, perdi tempo explicando coisas fúteis, me preocupo com o que pensará o juiz disso tudo e sei que estou numa posição falsa.

Pois o verdadeiro motivo da ação não é o carrinho de bebê e sim são os diversos posts em que combati a gestão da secretária. O verdadeiro motivo da ação é o de eu ter dado espaço em meu blog para sua – penso – maior inimiga: a ex-presidente do Conselho Estadual de Cultura Mariângela Grando, a qual também foi processada por Mônica (fui informado pela Mariângela no Facebook que Mônica Leal viu frustradas suas intenções de vingança em primeira instância). Deste modo, a ação é intimidatória e alcança seus objetivos. Estou louco para não ir ao Fórum, para esquecer da ex-secretária e até, fato ridículo, pedi para que meu amigo Alex Haubrich não escrevesse sobre o assunto, ele que apenas queria prestar solidariedade. (Alex, pode escrever o que quiser, bobagem minha).

Então, hoje, às 19h, falaremos de elevadores e bebês, mas o real motivo não será objeto da ação. Por isso, sou dos poucos que veem toda a comicidade latente dos fatos. E tenho-os evitado por medo. Por medo do juiz, claro. Mas, se vier a perder a ação e tiver que pagar a indenização, já convoco meus amigos para o Bailão da Mônica, com a finalidade de arrecadar fundos.

Ontem, uma amiga publicou um pequeno vídeo em seu Facebook. Sua intenção era outra, ela nem sabe deste caso. Mas vejam se não é pertinente. O medo do estado todo poderoso (dos juízes que mal leem ou ouvem nossos argumentos) não nos torna estéreis? A voz é do grande filósofo e sociólogo esloveno Slavoj Zizek:

http://www.youtube.com/watch?v=NggzAyHqfkQ&feature=player_embedded

Ou clique aqui.

Ah, peço muita tranquilidade nos comentários. Não quero “engordar” o processo; estou de regime.

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Mês 80

Hoje é dia de comemoração íntima. Afinal, aquele ansiado número apareceu na balança. Explico: em novembro passado fui ao cardiologista, o qual ficou bastante contrariado com meu peso — 84 desarmônicos quilos espalhados por parcos 1,71 m — e me mandou baixar de peso. Eu sei que não parece, mas em novembro estava com 84 Kg. Bem, as coisas que funcionam na minha vida são aquelas que consigo transformar em jogos, principalmente numéricos. Não vou entrar em detalhes das coisas que sei através dos números, mas uma delas é a média de minutos concedidos de descontos por cada juiz — sei, portanto, quando há uma enorme anomalia — , assim como o tempo que uma sinfonia de Bruckner demora para o primeiro tutti, o número de páginas que um escritor leva para montar um bom conflito num romance e também o número de páginas de livros lidas por mim durante o ano e sua média diária… Também faço descobertas revolucionárias como a que explico ao final deste post… (E que depois é transformada em equação pelo compositor Gilberto Agostinho nos comentários).

Então, quando me vi no canto do ringue sendo açoitado por maravilhosas comidas trazidas por sedutoras e cheirosas garçonetes, decidi que dezembro seria o mês 83 Kg;  janeiro,  o 82; , fevereiro, o 81; março, o 80. Não interessa o que vem depois da vírgula, só o número inteiro. Os objetivos são lentos e modestos — factíveis, portanto, penso eu. As previsões para os meses anteriores tinham sido alcançadas sem sustos e grandes cortes, mas, olha, estava foda de aparecer um 80 na balança. Apenas hoje, dia 11, é que ele deu o ar da graça.

Acordei já preocupado e fui cumprir o ritual. Fui ao banheiro e fiquei nu, depois dirigi-me à privada a fim de depositar 300 g de urina (sim, uma boa mijada dá entre 200 e 300 g, eu conferi) e subi na insidiosa balança. 80,7. Foi como um gol em final de Copa do Mundo. Agora é manter o peso durante todo o mês sabendo que abril é o mês 79.

Eu sei que todo avião tem pneus, mas os meus eram assim de caminhão. Não precisa, né?

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Sono atrasado, Bach e sobre ontem à noite

Em cada um dos quatro dias de carnaval, corri 5 Km pela manhã. Algo leve, para todos os dias, tanto que ganhei um 1 kg. Às vezes, dormia à tarde, perfazendo horas e horas da vida besta que não tinha há meses. Durante a noite, dormia umas 7h. Digamos que dormisse mais 2 à tarde, completando aproximandamente 9 horas diárias de sono. O milagre foi acontecendo aos poucos: a sensação de cansaço que me perseguia há meses foi me abandonando aos poucos. Nunca pensei que essa coisa de “sono atrasado” existisse mesmo. No passado, uma noite normal já me deixava em forma. Agora, nesta sexta década — estou com 53 anos — , preciso de muitas horas de sono para me sentir bem de novo.

Temakeria Japesca

Passar um feriado longo em Porto Alegre com temperatura amena é reencontrar a qualidade de nossa vida junto aos amigos, no cinema à tardinha, na leitura a qualquer hora ou no passeio à Redenção com os cachorros. Com grande parte dos restaurantes fechados em férias coletivas, sobrou de bom a Temakeria e Empório Japesca do Mercado Público, espaço onde a gente pode se empanturrar de temakis de salmão ao preço de R$ 5,00 cada. Esta é uma iniciativa muito boa, espero que ela auxilie a fazer o preço da comida dos japas recuar a valores mais justos. E o temaki dos caras é de primeira categoria. Mesmo num sábado de carnaval, ficamos na fila. Coisa pouca, 15 minutos e olhe lá.

Estou lendo um livro sobre Bach. É tão bom que não quero terminá-lo. Franz Rueb dá uma visão muito realista e documentada da vida de repetidas discordâncias entre o compositor com seus chefes. Em 48 flashes de 5 a 10 páginas cada um, Rueb faz a descrição de todos os problemas, das demissões, das relações com a sociedade, com seus pares e também da educação de Bach desde a infância. Naquela época, a falta de títulos já fazia de alguém um idiota e, bem, Bach era autodidata. O livro faz surgir um ser humano interessantíssimo e muito brigão por trás da obra sobre-humana legada a seus filhos e que chegou a nós muito, mas muito incompleta. Foi tão grande quanto Shakespeare, certamente. É curioso. Livros muito mais analíticos não conseguem fazer surgir o homem que há em Bach, um empregado tão obediente que levava sua mulher para cantar na igreja quando isto era um importante pecado. De santo, o cara não tinha nada.

Urretaviscaya

Vi o jogo do Grêmio ontem. Pobre Caxias, ser time do interior é complicado. Nunca vi tantos e tão injustos descontos. Quando o Grêmio marcou seu gol, aos 53 do segundo tempo, perguntei aos amigos o que o juiz faria em reparação. A responsabilidade pelo resultado passava tanto por Márcio Chagas que ele precisava fazer alguma bobagem para demonstrar que era probo, honesto, ilibado. Bingo!, acertei na mosca: ele expulsou inexplicavelmente um jogador do Grêmio. Havia culpa, claro. Acredito que ele escreverá horrores na súmula. Porém, se houve emoção no Olímpico, o grande futebol apareceu antes, às 19h30, no tremendo jogo entre Peñarol e LDU. Os uruguaios estão renascendo de verdade. O Peñarol tem um atacante chamado Urretaviscaya que é uma verdadeira joia. O incrível é que ele, aos 21 anos, é jogador do Benfica de Portugal, que o empresta há 3 anos para manter jogadores duvidosos em seu elenco. Bem, o futebol não é para ser entendido completamente.

Hoje, o Inter joga contra o Ypiranga. Se não ganhar fácil, o juiz dá uma mão, imagina se não?

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Merda

Quando a gente está lendo um livro e vemos que a página seguinte à 32 não é a 33 e sim a 49. O livro? A Denúncia, de Leonardo Sciascia, comprado num sebo da última Feira do Livro por R$ 2,00. Tinha iniciado bem pra caralho.

A propósito, ninguém mais lê, cita ou fala sobre Uma Confraria de Tolos, de John Kennedy Toole?

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Temperatura possível

Quem conhece Porto Alegre sabe o quanto ela pode ser quente no verão. É o chamado Forno Alegre. Há locais no interior que é ainda pior, mas vivo aqui e já é ruim o suficiente. Fico desanimado para trabalhar, mas ontem houve algumas horas — entre às 18 e às 24h — de trégua do calor. Estava uns 26-28 graus, acho, e quando cheguei em casa tinha 6 horas pela frente nas quais poderia produzir alguma coisa confortavelmente, sem ficar suando como um louco.

Aquilo — a possibilidade de não precisar correr para o quarto onde tem ar condicionado — me causou uma certa vertigem. Havia imenso e inédito tempo livre pela frente, 6 horas! Fui olhar meus e-mails e havia dois bastante graves. Um erro bobo num conto meu que será publicado e , putz, eu tinha prometido (e esquecido) um artigo para quinta-feira de 4000 caracteres sobre jornalismo eletrônico. Só que a vertigem foi tanta que me deitei na sala e dormi um raro sono fora do ar condicionado e dos sprays de Repelex e Off, meus perfumes desta época. Acordei às 20h, tomei um banho e fui jantar. Depois, fui ver um jogo de tênis na TV e não fiz nada.

Sou um neurótico que fica puto com a perda de tempo. Se é para fazer nada, melhor fazê-lo interagindo com outras pessoas. Mas ontem, não. O alívio era tamanho que gostei de ficar vadiando. Não abri um livro, não escrevi nem corrigi nada, não olhei o twitter, não procurei aquele livro perdido. Nada.

Bom, vou corrigir o conto. Com licença.

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A Grande Irritação

Lá em casa, estamos todos irritados. Não pretendemos fazer nada com nossa irritação, até porque ainda achamos que não devemos e porque — pessoas sensíveis e centradas e tolas que somos — ela, a irritação, é tão grande que a gente nem consegue raciocinar direito. Se fizéssemos, o natural seria quebrar tudo. Não, nada de brigas de casal. De minha parte, só sei de uma coisa: do jeito que vai eu não aceito continuar. Na verdade, não aceito continuar com a atitude bovina, bondosa e indulgente que me caracteriza. Pois minha atitude favorece a postura passivo-agressiva de outros. Sistematicamente, tomo (tomamos) no rabo. Esta postura nos deixa sempre eticamente tranquilos, mas o fato é que temos que nos tornar culpados por alguma coisa! A santidade tem de ser deposta, a transparência ética não favorece mais meu sono. Pagamos fábulas mensalmente, privamo-nos disso e daquilo, alteramos planos e tudo parece fazer parte de uma obrigação, quando, na verdade, a maioria de nossas prodigalidades são opcionais e raras. A contrapartida? Hum, vocês são legais. E só.

Somos especializados em engolir sapos. Precisamos treinar o arremesso dos bichinhos.

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Meu filho

Hoje, às 9h40, Bernardo faz 20 anos.

Minha mulher postou no Facebook:

Acho esta foto do meu enteado tão meiga que resolvi postar junto com meu beijo de aniversário. Um momento humano do Batman. Já sei que as gurias vão dizer: “Ahhh, que amor!” No início teve medo de me conhecer, tinha 12/13 anos e um cabelão de dar inveja ao Bode… Hoje é um super amigo e meu provador oficial de quitutes quando está na área. Dado, querido: Feliz Aniversário!

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Faço 50 anos no próximo domingo. Pânico nenhum.

Publicado em 13 de agosto de 2007

Faço 50 anos no próximo domingo. Não sinto nada… na coluna… Hoje.

A Rádio da Universidade também completa 50 anos em 2007. Seu sinal está cada vez mais forte, o que mostra que os anos podem pesar, para uns e outros, de forma inversamente proporcional.

Leio um livro extraordinário: Espingardas e Música Clássica, de Alexandre Pinheiro Torres (1923-1999). Viveu 76 anos. Hum. Passou muitos anos doente. Que interessante.

Como todos sabem, a fundação da Igreja do Evangelho Quadrangular foi em 1957.

Ter um bicho de estimação reduziria em 40% as probabilidades de encontrar o amor, segundo estudo britânico. Se o bichano for um gato, o percentual sobe que é uma beleza. Notícia de hoje.

Você viu uma Romi-Isetta andando na rua? Eu vi. E não diga que era um triciclo, seu idiota. Tinha quatro rodas que nem qualquer carro, só que o eixo traseiro era mais curto. Quando vi? Ah, não enche o saco que estou estressado!

Angelina Jolie avisa que é bissexual, mas que agora, com Brad Pitt, não há mais espaço para este tipo de relacionamento em sua vida. Trata-se de uma notícia muito importante.

Em 1957, William Faulkner visitou a Grécia. Sim, Faulkner vivia quando nasci. Não, Sócrates veio bem antes. 1957 também foi o ano de nascimento de Osama bin Laden.

Hoje, isto é, no dia de hoje, Karl Rove, chamado o “cérebro de George Bush”, anunciou que deixará o governo. Sempre desconfiei que o cérebro de Bush estava fora de seu corpo.

Em 1957, John Lennon e Paul McCartney encontraram-se pela primeira vez.

Mas se você ainda acha que a Romi-Isetta tinha três rodas, veja as figuras ao lado. Viu? Não, meu pai tinha um Skoda, um carro moderno, tcheco-eslovaco, um carro comunista. Sim, tal país não existe mais. A capital era Praga. É, nem o comunismo. E nem Níkos Kazantzákis e Christian Dior, mortos em 1957. Andar de Skoda, no verão gaúcho, era algo como uma visita ao inferno. Era um carro feito para temperaturas baixas; acho que sua carroceria era de lã, com resistências incandescentes por dentro. O carro simplesmente absorvia o sol. Vocês não podem imaginar o que suei durante minha infância. Era magérrimo.

Hoje, aliás, sexta-feira passada, meu time recontratou o treinador que deixou Alexandre Pato na reserva, escalando Adriano Gabiru e Michel. Resultado: Velez 3 x 0 Inter.

No mesmo ano de 57, Carl Gustav Jung inaugurou a a exposição do Museu de Imagens do Inconsciente. Não, Freud já estava morto há trezentos anos.

Uma loja vende Bíblias camufladas e à prova d`água. “Nossa Bíblia em camuflagem arborizada é nosso produto mais vendido, seguida de perto por nossa Bíblia camuflada à prova d´água”, disse David Lingner, presidente da loja Christian Outdoorsman, do Arkansas, que vende artigos de caça e pesca com temática cristã pela internet. A capa da Bíblia traz folhas e cascas de árvore. Com isso, os cristãos podem levar os livros quando caçam. Ainda sobre a Bíblia camuflada e à prova d’água: “Água, gelo ou condensação não prejudicarão esta palavra de Deus resistente”, proclama a publicidade. Isto são trevas de 2007, não de 1957, claro.

Em 1957, morreu Sibelius e François Duvalier (Papa Doc) foi eleito para a presidência do Haiti. Uma flor de pessoa, o primeiro.

No mesmo ano, o Afeganistão tornou-se membro do International Finance Corporation.

Voltando ali atrás: a Associação Pescadores por Cristo afirma em Missão que “está ouvindo o chamado de Cristo para arrebanhar os extraviados e ser ‘pescadora de homens”‘.

No ano em que cheguei ao mundo, a cachorra ‘Laika’ foi para o espaço. Wilhelm Reich e Rivera, aquele pintor mexicano, também.

De volta a 2007: acabo de saber que o órgão regulador dos meios de comunicação em Hong Kong recebeu na última semana 2.041 pedidos para que a Bíblia fosse considerada uma publicação “indecente” por causa de seu conteúdo violento e sexual – que inclui estupro e incesto.

No ano em que nasci, o decreto Lei nº 3.357 criou o Museu da Abolição em Recife. Prova de que a Abolição já tinha ocorrido antes de eu nascer.

Agora, inventaram que sou parecido com o Frank Zappa. Já fui o Pete Townshend depois que ele ou nós envelhecemos. Sinceramente, prefiro ser parecido com Erik Satie, como também fui acusado há duas horas (descoberta de Marconi Leal e da SGC). Minha cara deve ser uma coisa muito estranha e adaptável. Em comum, o generoso nariz. Porém Satie (caricatura ao lado onde até eu me reconheço) era muito mais interessante. Compunha Prelúdios Flácidos, Penúltimos Pensamentos, escreveu Duas Peças Frias, uma Sonatina Burocrática e cometeu Pecadilhos Inoportunos. Nada me cai melhor nesta altura da vida.

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Fui Roubado!

Publicado em 12 de setembro de 2007

Pois não é que fui roubado? Grande novidade, não? Quem ainda não foi? Na entrada de um jogo de futebol, no meio daquela aglomeração, alguém pôs a mão no meu bolso para levar apenas R$ 30,00, mas também quatro cartões de crédito, identidade, CPF, carteira de motorista, Unimed, enfim, toda a tralha.

Para a sorte dos gaúchos, existe um local chamado Tudo Fácil, onde a gente entra e sabe que os problemas acabaram ali, bem na porta. Sem existir na prática, sem ter como me identificar, munido apenas de uma das poucas coisas que me documentam neste mundo, minha certidão de nascimento, e de minha foto – pois, surpreendentemente as máquinas fotográficas não recusam pessoas mui discretamente existentes – cheguei ao balcão para solicitar a segunda via de minha carteira de identidade.

– Bom dia. Eu quero tirar a segunda via de minha identidade. Aqui estão duas fotos, a ocorrência policial relatando o roubo, minha certidão de nascimento e o número do CPF com meu nome emitido pela Receita Federal.
– Para que a segunda via da identidade tenha o CPF impresso, preciso do cartão do CPF.
– Ele foi roubado também, veja na ocorrência, e, como já lhe disse, eu tenho um documento da Receita que obtive na Internet. Aí está até um código que garante sua autenticidade.
– Não serve, preciso do cartão.
– Isto aqui não vale nada? Foi emitido pela Receita!
– Não serve, o Sr. pode solicitar uma segunda via, mas vai sair sem o CPF.
– Bem, então não quero fazer. E onde posso conseguir a segunda via do cartão de CPF?
– Nos correios.
– ?!?

Sem saber qual é a relação dos correios com a Receita Federal, fui à agência matriz do correio e me informaram que, para tirar o cartão do CPF, eu precisava apresentar o Título de Eleitor. Querendo saber o que tinha a ver o cu com as calças, perguntei:

– Para quê?
– É exigido, Sr., não há assim um motivo tipo causa e conseqüência, entende?

Então, resolvi ser brasileiro. Fui a uma agência do Banco do Brasil onde trabalha um conhecido e relatei-lhe o problema e que achava ridículo pegar o Título de Eleitor para algo que não tinha relação alguma com eleições. Ele me ofereceu um café e demos gargalhadas com as piadas que inventamos sobre a burocracia. Como ele trabalha no Banco do Brasil, tinha histórias muito mais kafkianas. Fiquei quase feliz. Por R$ 5,50, o banco poderia solicitar outro cartão de CPF para mim, mas na hora do pedido, no computador, veio a pergunta: qual é o número do Título de Eleitor do Milton?

Sei lá, ora. Entramos na Internet e fomos ao site do TRE. Lá, havia uma forma de pesquisar eleitores pelo nome. Pesquisamos e encontramos Milton Luiz Cunha Ribeiro. Como informação principal, dizia que eu votara sempre, desde pequenininho, que era um bom cidadão e, como complemento, dizia que o número do meu título era o 861762778272816716 ou algo parecido. Fiz o pedido. Demorará trinta dias para chegar…

Agora, vou ver como tiro a segunda via da Carteira de Motorista. Já sei que preciso de fotos, da ocorrência e de um comprovante de residência. Ai. Como farão para me surpreender desta vez?

Observação nada a ver: uma pessoa chegou aqui através desta pesquisa no Google: “nao sei que movimento devo fazer com a língua na hora de dar um beijo”.

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Depois da Cirurgia

Publicado em 24 de julho de 2007

E quando, ademais, abro o pacote diante de testemunhas, como agora, ao desempacotar estas frases cruas, brutais, muitas vezes sentimentais e banais também, escritas, porém, com mais despreocupação do que quaisquer outras, não sinto nem mesmo a menor vergonha. Se sentisse a mínima vergonha, não conseguiria escrever coisa alguma, apenas o desavergonhado é capaz de escrever, apenas o desavergonhado está capacitado a apanhar as frases, desempacotá-las e simplesmente arremessá-las, só o desavergonhado supremo é autêntico. Mas também isso, como, claro, tudo o mais, é apenas uma falácia.

THOMAS BERNHARD

A citação acima é mais do que necessária. Afinal, esta será uma desavergonhada anotação de pensamentos e de atitudes durante uma situação de crise e medo. Crise e medo injustificáveis, no final. Sinto certo constrangimento por ter sentido tanto medo, tanto receio; agora que tudo deu certo, em vez de ficar feliz, tenho vontade de dizer que sou um cagalhão. Tento inutilmente me convencer de que fiz uma cirurgia que poderia ter deixado feias seqüelas, mas não acredito mais nisso, é como se tudo fosse um embuste. Mas, vá lá. Vou escrever sobre o que aconteceu procurando desligar todos os filtros que me tirem da linha reta. Obviamente, isto é impossível: os fatos ocorrem é já os tornamos história catalogada em belos ou feios volumes encadernados em nossa memória, porém não custa tentar o impossível de anotá-los friamente. Como se não bastasse, toda anotação de uma história pessoal e tensa fica ridícula quando o resultado é alcançado rapidamente e é melhor que nossa mais feliz expectativa. Os registros de histórias que dão certo são um pouco nauseantes, sei lá.

O fato é que fui ao jogo de quarta-feira com a clara finalidade de esquecer a cirurgia do dia seguinte. Deu certo. Saímos eufóricos e arrumei as coisas para ir ao hospital sem pensar no medo que tinha de minha primeira operação na vida adulta. Dormi pouco, pois tinha que chegar ao hospital às 6 horas. Saímos cedo, eu, a Claudia e minha sogra; lá, fiz a internação e – por volta das 7h15 – fui encaminhado para uma salinha onde tirei toda a roupa e pus aquelas roupas engraçadas de doente. O único momento em que fui deixado sozinho com meus pensamentos foi na tal salinha, sentado no sofá, enquanto esperava a chamada. Como uma criança, juntei lado a lado os polegares das mãos e vi como eles refletiam a luz que entrava pela janela. Vi como a superfície das unhas não forma curvas perfeitas e sim diversas faces planas e paralelas, unidas entre si. Girava lentamente os polegares e via o reflexo da luz passar de uma faceta a outra. Olhava as linhas paralelas que vinham da raiz da unha e pensava em como sempre me dei mal nos momentos de crise em que permaneci passivo. Pensava em como escolhia a passividade nos momentos de crise e deixava para outros a resolução de meus problemas. Pensava em quão prejudicial esta “estratégia” havia se mostrado em outras ocasiões, em como tinham me roubado e prejudicado, talvez irremediavelmente, e concluí que tinha que estar, desta vez, ligado. Talvez porque me fosse mais fácil sucumbir do que me revoltar, do que ser contra tudo aquilo, essa era a verdade pura e simples. Muitas vezes nós cedemos, desistimos porque é mais confortável, essa é que é a verdade. (…) Eu tinha escolhido o conforto, a pequenez do adaptar-me e desistir, em vez de me opor, de partir para a luta, independentemente do resultado. Quando acordei, vi talvez três enfermeiros a meu redor discutindo se eu seria bradicárdico ou não. Eles comentavam entre si que eu estava com cinqüenta batimentos por minuto e que talvez o médico devesse ser chamado a fim de acelerar a coisa. Não, não fiz uma revolução, mas saí dizendo com certa veemência que eu costumava correr, estava em boa forma e que aquela era minha freqüência normal. Só havia uma coisa… Eu estava falando e mexendo o rosto normalmente! Fiz testes com minha boca sem sentir dor e entrei numa enorme euforia que me fez passar o resto da quinta-feira falando e defendendo minha alta de tal forma que minha cara acabou por ficar inchadíssima e repuxada para o lado direito. No outro dia, já estava bem novamente e recebi a esperada alta.

Sábado, já livre dos efeitos dos remédios, dormi quatorze horas. Ontem, doze. Nestas condições, e ainda bem cuidado pela Claudia, qualquer cicatrização ocorre rapidamente, creio. Não sinto dor alguma, o Grande Medo simplesmente não se fez presente. Nunca sofri grandes dores físicas, a não ser em dentistas e isto é o suficiente para detestá-los.

Agradeço muitíssimo às manifestações de carinho e interesse através de telefonemas e e-mails. Muitas ligações me encontraram dormindo e eu não as respondi porque sei que falar muito faz com que meu rosto inche, como voltou a acontecer ontem, no almoço.

P.S.- A citação grifada dentro do texto também é de Thomas Bernhard. Aliás, ambas foram copiadas de seus relatos autobiográficos reunidos no volume Origem.

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A Cirurgia

Publicado em 19 de julho de 2007

Muitos perguntaram, enviaram e-mails, etc. e aqui está a resposta. Amanhã de manhã, serei operado da parótida direita. Não sei quantas destas glândulas possuímos, mas sei que o apelido mais famoso delas é o de “glândulas salivares”. O exame – punção aspirativa por agulha fina de glândula parótida direita – deu negativo para células malignas. Mas a coisa segue crescendo do lado direito do meu rosto (mais ou menos à altura do vértice das mandíbulas). Hoje, após ter tirado a barba, pude ver a saliência em todo seu esplendor. Grande.

Tenho irmã endocrinologista; ela disse que é algo tranqüilo, porém, quando perguntei ao cirurgião, ele respondeu que, neste tipo de operação, havia por volta de 2% de chances de o paciente perder os movimentos daquele lado do rosto. Ela confirmou. Não estou apavorado, mas posso dizer que não gostaria de ser conhecido como babão. Ainda mais um babão assimétrico.

O tempo de recuperação é de sete dias e não sei em que condições estarei durante este período. Gostaria de, no mínimo, ouvir muita música. Minha última cirurgia ocorreu quando tinha 5 anos de idade e não imagino como vá me comportar. Deixei pronto o post de sábado – mais uma bela foto de atriz -, porém, depois, não sei quando volto a publicar. Para que vocês, meus sete fiéis leitores, possam avaliar o grau de tranqüilidade (ou negação do fato, isto é, loucura), vou hoje à noite – já dentro do período de jejum – ao Beira-rio assistir meu time tentar uma vaga nas semi-finais da Libertadores contra a LDU.

O motivo de eu estar visitando tão pouco os blogs amigos e de não ir conhecer os que aqui se apresentam comentando, está nos preparativos para este descanso forçado. A correria para deixar tudo organizado e para que minha ausência não seja sentida profissionalmente é grande. Mas é estranho, quanto mais a gente apressa as coisas, mais a demanda nos solicita. Simplesmente não há momento adequado para tirar sete dias em pleno mês de julho.

Até a volta.

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