Em tempos pré-internéticos, não era possível simplesmente jogar o nome de uma música estrangeira no google para ficar sabendo qual era a tradução. Então, só havia duas opções: ou traduzia por conta própria ou então torcia para sua música favorita aparecer traduzida em alguma publicação.
Em março de 1969, os beatlemaníacos brasileiros devem ter feito a festa quando viram a matéria especial sobre o livro-biografia da banda, escrito por Hunter Davies, da antiga revista “Realidade”. Isso porque, seis canções do maior grupo de todos os tempos vieram escritas em português ilustrando o texto jornalístico. Versões criadas por ninguém menos que Carlos Drummond de Andrade, um dos poetas brasileiros mais renomados no mundo.
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O poeta mais ilustre de Itabira traduziu cinco músicas dos Beatles, todas presentes no “White Album”: Ob-la-di, Ob-la-da, Piggies, Why we don’t do it in the road?, I will, Blackbird e Happiness is a warm gun. As versões foram feitas em tradução livre e alguns versos acabaram saindo bem engraçados.
OBLADI, OBLADA
(Paul McCartney – John Lennon. Tradução de Carlos Drummond de Andrade)
Desmond tem um carrinho na Praça do Mercado.
Molly vocaliza num conjunto.
Desmond diz a Molly: Por teu rosto sou vidrado
Molly diz-lhe: O quê? E pega-lhe na mão.
Obladi, obladá, a vida continua: olá,
olalá, como a vida continua!
Obladi, obladá, a vida continua… Olá,
olalá, como a vida continua!
Desmond toma o ônibus, vai à joalheria
compra anel de ouro de ofuscar
e leva-o a Molly, que espera junto à porta.
De anel no dedo, eis Molly a cantar.
Em um par de anos terão construído
um lar bacana doce que nem cana.
Um par de garotos corre pelo pátio
desse casal unido.
Olha Desmond feliz na Praça do Mercado.
Ao lado, os molequinhos ajudando.
Molly ficou em casa se enfeitando
e à noite ainda canta no conjunto.
Olha Molly feliz na Praça do Mercado.
Ao lado, os molequinhos ajudando.
Desmond ficou em casa se enfeitando
e à noite ela ainda canta no conjunto.
E se querem se divertir, obladi, obladá!
PORCOS
(George Harrison. Tradução de Carlos Drummond de Andrade)
Viste os porquinhos
rebolando na imundície?
Para todos os porquinhos
a vida está cada vez mais difícil
e brincam sempre na sujeira por aí.
Viste os mais taludos porquinhos
em suas engomadas, alvíssimas camisas?
Olha os mais taludos porquinhos
em algazarra na imundície
com camisas alvíssimas a folgar por aí.
Em seus chiqueiros, plenamente protegidos,
ao que vai por aí nem ligam.
Nos olhos deles falta uma coisinha:
precisam mesmo é de suma porcaria.
Por toda parte há muitos porquinhos
vivendo suas porquinhas vidas.
Podes vê-los para o jantar saindo
com suas porquinhas mulherinhas
de garfo e faquinha para comer presunto.
E POR QUE NÃO AQUI NA ESTRADA?
(Paul McCartney – John Lennon. Tradução de Carlos Drummond de Andrade)
E por que não aqui na estrada?
Não há ninguém para ver nada
E por que não aqui na estrada?
FAREI TUDO
(Paul McCartney – John Lennon. Tradução de Carlos Drummond de Andrade)
Desde sempre te amei
e bem sabes que ainda te amo.
Devo esperar toda a vida?
Se quiseres – esperarei.
Se alguma vez te vi
nem sequer teu nome escutei.
Mas isso não faz diferença:
sempre a mesma coisa sentirei.
Eu te amarei por todo o sempre, sempre,
desde a raiz do meu coração
e te amarei quando estivermos juntos
e te amarei na solidão.
Quando finalmente te encontrar
tua canção envolverá o espaço.
Canta bem alto, para eu escutar.
Tudo farei para te dar o braço
pois tudo em ti me prende a mim.
Bem sabes que farei tudo
Tudo farei.
MELRO
(Paul McCartney – John Lennon. Tradução de Carlos Drummond de Andrade)
Melro que cantas no morrer da noite,
com estas asas rotas aprende teu voo
A vida toda
esperaste a hora e a vez de teu voo.
Melro que cantas no morrer da noite,
com estes olhos fundos aprende a ver
A vida toda
esperaste a hora e a vez de ser livre.
Voa, melro, voa, melro,
para o clarão da escura noite.
Voa, melro, voa, melro,
para o clarão da escura noite.
Melro que cantas no morrer da noite,
com estas asas rotas aprende teu voo
A vida toda
esperaste a hora e a vez de teu voo
esperaste a hora e a vez de teu voo
esperaste a hora e a vez de teu voo.
A FELICIDADE É UM REVÓLVER QUENTE
(John Lennon – Paul McCartney. Tradução de Carlos Drummond de Andrade)
Até que essa garota não erra muito
oi oi oi oi oi oi oi oi
Acostumou-se ao roçar da mão-de-veludo
como lagartixa na vidraça.
O cara da multidão, com espelhos multicores
sobre seus sapatões ferrados
descansa os olhos enquanto as mãos se ocupam
no trabalho de horas extraordinárias
com a saponácea impressão de sua mulher
que ele papou e doou ao Depósito Público.
Preciso de justa-causa porque vou rolando para baixo
para baixo, para os pedaços que deixei na cidade-alta,
preciso de justa-causa porque vou rolando para baixo
Madre Superiora dispara o revólver
Madre Superiora dispara o revólver
Madre Superiora dispara o revólver
A felicidade é um revólver quente
A felicidade é um revólver quente
Quando te pego nos braços
e meus dedos sinto em teu gatilho,
ninguém mais pode com a gente,
pois a felicidade é um revólver quente, lá isso é.
Fonte: Outros 300