Acordando com Yeda

Depois que descobrimos que nossa TV pode ser um despertador, deixamo-la sempre preparada para nos acordar às 6h45. A TV, claro, mostra o último canal sintonizado, normalmente o Telecine Cult. Porém, hoje pela manhã, estava ligado na RBS TV. Foi quando noticiaram a morte do deputado Bernardo de Souza (PSB, depois PPS), um dos políticos mais dignos de nosso estado e que lutava há anos contra uma doença degenerativa.

A notícia vinha normal até o momento em que anunciaram a presença de Yeda Crusius no velório. Corte. Entra Yeda.

— Bernardo foi um homem único e especial, que escreveu a história. Só temos a agradecer que ele tenha dedicado sua vida ao bem público — disse Yeda.

Até aí tudo bem, mas então ela fez aquele olhar de louca para a câmara (contraí-me na cama) e raivosamente soltou mais uma pérola (pedrada):

— Ao contrário do que pensam alguns, foi ele quem inventou o Orçamento Participativo!

Todos sabem que o PT de Porto Alegre copiou a ideia de Bernardo de Souza, que a aplicou e desenvolveu, mas a maluca tinha que fazer o ataque, desrespeitando o velório. Sinceramente, a desgovernadora me envergonha, apesar de eu não votado nela.

Uma vez Yeda, sempre Yeda.

Sobre Ulisses, de James Joyce (comentários que são colaborações)

Por Charlles Campos

Uma breve intromissão do dono do blog: afora a demonstração de conhecimento e vivência literária, o que me interessou no comentário do Charlles foram as afirmações que costumam ser evitadas por quem “canta” as qualidades do romance de Joyce: sua falta de sutileza, de coqueteria, sua essência antiburguesa e até antiliterária. Acho que ele resumiu bem uma característica que  tentei expressar sem o menor sucesso — “romance duro, engraçado, divertido, complicado, pornográfico, sexual e erudito”.

Também gostei muito das observações de outro leitor, Raphael Gomes, que escreveu assim:

Realmente o que mais afasta o leitor dos livros do Joyce é a idéia preconcebida de que Joyce é difícil. Mesmo mal de que sofre Beckett. Pobres irlandeses… Se você pega um livro com a convicção de que não irá entendê-lo,  já entra em campo perdendo. Ulisses é a epopéia do homem comum, e mesmo que não tenha sido escrito para esse homem comum, também não é privilégio apenas de quem, para falar da dor nas costas da avó, se expressa no mais erudito/vernacular jargão filosófico/teórico/literário, coisa que aliás, Joyce nunca fez.

E saio de cena deixando a palavra ao Charlles:

Esse é um dos livros em que o enredo é o de menos. Importa a incrível vivacidade e energia verbal de Joyce. É o anti-limite de sua superioridade como escritor acima de todos os outros_ de Mann, de Faulkner, Proust, Kafka_ que iria subir à estratosfera e se perder com o livro seguinte, o ilegível Finnegans Wake. Trata-se de uma brincadeira bem urdida, uma ciranda calculada na espontaneidade de um severo trabalho de anos, não uma tentativa, mas uma culminação do resumo do ser humano e de sua história, e um enorme deboche à febril ciência da psicanálise (se tudo que passa pela cabeça de um homem comum é divinamente banal, é ridículo sistematizar seu comportamento contraditório numa cabala do subconsciente). Ama-se Bloom e sua esposa, ama-se Dedalus e o excessivamente extrovertido Buck Mulligan, com todos os seus pecados, suas desimportâncias, suas carências.

É o romance da falta de sutilezas, da falta de coqueteria, o romance essencialmente não-burguês (não ANTI-burguês, pois revela o enorme descaso do autor para contrapor uma reação à uma sociedade medíocre), não-científico, e, por mais que possa ser surpreendente, não-literário. Dedica-se todo à celebração da literatura, mas é anti-empolação e anti-oitocentismo. Tanto que depois de Ulisses, aboliu-se a possibilidade de escrever como Victor Hugo, Sully Prudhomme, Romain Rolland, e outros. Ulisses aboliu a literatura em diversos países, obrigando os novos escritores à adaptação. É a suprema manifestação do humor, do humanismo, da redenção velada. Uma mistura de Nona Sinfonia com a fuga da última parte da Sinfonia Júpiter, com cabrioladas de um jazz que abriu as portas para as correntes de ritmos de Coltrane e dos minimalistas. O maior mérito de Joyce foi ter controlado sua extraterrestridade para dar à obra um caráter perfeitamente legível, pois seria natural que depois de ter rompido todos os limites, seu último passo seria Finnegans Wake, assim como o passo seguinte_ o estilo tardio_ de Beethoven fosse os ùltimos quartetos húngaros e a Missa Solemnis.

Aldous Huxley lamentou que Joyce tivesse optado pela abdução. Poderia ter escrito importantes livros da estatura dos de Stendhal. Mas é compreensível. Deportou-se do mundo dos viventes. Não lhe dizia nada a estranheza e prazer de incompreensão libidinosa que o mundo adotaria ao analisar as cartas singelas que escrevia para Nora Barnacle, seu amor de toda a vida. Onde revelava a leveza de seu espírito, a ralé via apenas a sujeira sexual de um intelectual reprimido. Por isso é desconcertante que achemos de uma beleza sem igual as passagens de Bloom se masturbando, de Molly cedendo-se mais uma vez com seus repetitivos sim, sim,sim, da última página, de Mulligan se atirando seminu ao mar, ao lado dos pescadores. Uma impossível beleza nesses gestos prosaicos, e uma lucidez que desmascara toda a hipocrisia, toda pompa. Uma declaração de amor à humanidade, antes de mais nada, mas uma humanidade ainda de um distante porvir, livre das tralhas da ciência e das hierarquias, e centrada no cultivo das idiossincrasias soltas e intimistas de si mesmo.

Por isso que é tão espantoso a Buck Mulligan quando Stephen Dedalus revela que, no leito de morte de sua mãe, se recusou a se ajoelhar; mas não pelo constrangimento à mãe, mas pelo constrangimento contra si mesmo. A liberdade do homem que tomou as rédeas de si mesmo e manda as convenções e a opinião alheia às favas…

Um dia o Charlles há de me explicar o fato de ter chamado os últimos quartetos de Beethoven de “húngaros”. Não entendi. Uma referência à Bartók?

Bloomsday

Além das datas religiosas, não creio haver outro feriado nacional dedicado a um personagem de ficção. O Bloomsday é um feriado comemorado no dia de hoje, na Irlanda, em homenagem ao livro Ulisses, de James Joyce. Atualmente, a amplitude do Bloomsday ultrapassa em muito à esfera de Ulisses. É, em verdade uma data em que se homenageia toda a literatura. Só os joyceanos absolutos — dentre os quais humildemente me incluo — relembram os acontecimentos vividos pelos personagens de Ulisses por dezenove ruas da cidade de Dublin e dezesseis horas no dia 16 de junho de 1904. Para os leitores restantes de todo o mundo, é a data em que se comemora toda a literatura.

Há controvérsias sobre quando o Bloomsday começou. Alguns especialistas indicam 1925, três anos após o lançamento do livro; outros dizem que foi na década de 1940, depois da morte de James Joyce. A hipótese mais aceita indica é que foi em 1954, na data do quinquagésimo aniversário do dia retratado em Ulisses.

Joyce escolheu o dia 16 de junho para ser imortalizado em sua obra porque foi nesse dia que ele teria mantido relações sexuais com sua futura companheira Nora Barnacle, na época uma jovem virgem de vinte anos. Estudiosos afirmam que, na verdade, o casal apenas “caminhou junto” pela primeira vez neste dia. O que sabemos é que, quando da primeira relação sexual, Nora teve medo de completar o coito e o masturbou “com os olhos de uma santa”, como Joyce relatou em carta.

Ao lado dos devotos de Joyce, criou-se uma curiosa seita de tementes (ou hostis) a Joyce. É como se sentissem obrigados àquilo — a tentar entendê-lo totalmente ou repeti-lo. É uma tolice bastante difundida. Ulisses é tão irrepetível quanto a Arte da Fuga de Bach e sua leitura, para o leitor comum,  é tão necessária quanto a audição de A Arte para o ouvinte de iPods. Apenas fico desconfiado quando um autor nega-se a conhecer a obra. Porém, como há historiadores que preferem desconhecer largos períodos…

Mas tergiverso. Assim como falta-nos tudo para que nossa cultura recrie um Bach, assim como algumas obras deste são tão impenetráveis e intricadas que alguns dizem terem sido escritas mais para a leitura de eruditos do que para a audição, o livro de Joyce é um complicadíssimo monumento cultural do qual temos a impressão de nos afastar a cada dia. Mas não me digam que não pode ser lido. Tanto quanto ouço A Arte Da Fuga, li o livro de Joyce desde minha pobre perspectiva e diverti-me muito.

Pois o romance é perfeitamente compreensível. Há pontos de inserção para mortais. As minúcias e a complexa teia de referências são importantes, mas podem permanecer semi-entendidas sem esfacelamento de sua essência. Prova de que o ludus nem sempre está associado à compreensão cabal. (Como disse Karen Blixen, não há nenhum problema em não entender inteiramente um escrito poético).

A história do livro é simples. Trata-se da vida de pessoas comuns da amada/odiada Dublin de Joyce: o professor secundarista  Stephen Dedalus; seu amigo Buck Mulligan; o vendedor Leopoldo Bloom — angustiado com a possível traição de Molly, sua mulher — ; conversas sobre Shakespeare numa biblioteca; a surra que Bloom toma de um antissemita; sua mastubação observando duas mulheres; a mijada no jardim com Stephen; e a chegada em casa, onde deita-se com Molly, a qual finaliza maravilhosamente o romance num monólogo interior prenhe de pornografia. E é isso.

Cada um dos capítulos cobrem aproximadamente uma hora do dia e guarda debochada relação com a Odisséia, de Homero. E aqui tenho de referir os milhares de torcadilhos, paródias — que parece ser a maior arma da arte moderna — , neologismos e arcaísmos.

Eu coloquei nele tantos enigmas e quebra-cabeças que ele manterá os professores ocupados durante séculos, disse Joyce.

Então, hoje é o dia de comemorar a existência do duro, engraçado, divertido, complicado, pornográfico, sexual e erudito livro de Joyce. Lembremos de Leopold Bloom, de sua mulher Molly, de Stephen Dedalus e de Buck Mulligan!

Obs.: As fotos de Marilyn Monroe lendo Ulysses e outro livro são da autoria de Eve Arnold e são de 1955.

Declaro o futebol expulso deste blog

Enquanto ouço o hino do Chile, acompanhado do choro das vuvuzelas, cumpro o dever de avisar a meus sete leitores sobre a expulsão do futebol neste espaço. Todas as crônicas e pitacos sobre o esporte bretão sairão agora no Sul 21. Inicialmente, estarei incluído no time de colunistas do Direto da Redação, depois haverá um link separado para o futebol.

Lá, minhas crônicas serão diárias, acompanhando a movimentação — principalmente a regional — da coisa mais importante dentre as desimportantes. Portanto, não se trata de uma morte nem do fato de eu estar traumatizado por alguma atuação dos times que desejo ver vencedores, é apenas uma mudança. O que aparecia às vezes por aqui, passará a aparecer lá de forma sistemática.

Cumpra-se.

Time dos Sonhos, de Luís Fernando Verissimo

O problema de Time dos Sonhos (Objetiva, 2010) não é o autor, mas sim a forma como o livro foi montado. Trata-se de crônicas futebolísticas — quase todas referindo-se a Copas do Mundo — publicadas em jornais entre o anos de 1997 e 2009. Ou seja, há unidade temática, porém esta é desfeita pelo fato dos textos não obedecerem à ordem cronológica. Para quem acompanha futebol, é desagradável ter de adivinhar o contexto de cada crônica ou olhar o final do livro em busca da data de publicação original. A todo momento, saltamos da Copa de 2006 para a de 1998, para depois cair em lembranças de 1990 e voar para a vitória de 2002. As quatro subdivisões do livro — Para que serve o futebol, O time dos sonhos, Ser Brasil e Jogo de cintura — , não me disseram muito. Não obstante este chateação, o texto de Verissimo permanece enxuto, engraçado e compreensivo para com a loucura dos tarados pelo esporte.

Há crônicas extraordinárias, principalmente aquelas sobre com referências a João Saldanha, às domingadas, à comida mexicana, à vida dos jornalistas durante uma Copa do Mundo e aos principais jogadores que encantaram o autor. Este, excelente observador e escritor, é exato, jocoso e nunca inferior aos fatos descritos, mesmo que os conheçamos em detalhes. Uma pena a desorganização do volume. O que poderia ser um livro de referência é confusão.

Indico o livro aos loucos por futebol e aconselho que sua leitura seja feita na base de uma crônica por dia. A leitura de todas em sequência prega sustos e nos faz cometer repetidos equívocos.

Motel Sheraton de Porto Alegre (Dia dos Namorados de 2006)

O Hotel Sheraton de Porto Alegre realizou uma promoção especial em 12 de junho de 2006, Dia dos Namorados. Por um preço mais ou menos módico para seus padrões, foi oferecido jantar e hospedagem de uma noite em suas luxuosas instalações. Era como se o grande hotel se transformasse em um supermotel. Estava lotado de casais e eu era a metade de um deles. Só que o Sheraton não é um motel; isto é, não é aquele local em que se vai mais ou menos escondido com o propósito de ter por algumas horas um ambiente privado, quase sempre kitsch e que nos provoca irrefreavelmente a libido. A primeira diferença já se notava na chegada: não saíamos de nossos carros em garagens escondidas e sim entrávamos numa féerica fila de casais. Um check-in de aeroporto, entende? Os que estavam ali conosco pareciam ser pessoas estáveis, rotineiras e felizes, donde concluo que esta devia ser minha cara. É claro, era aproximadamente 21h, era o notório Dia dos Namorados ou, mais exatamente, a notória noite do notório Dia dos Namorados. Seria intolerável para qualquer um que tenha seu par ficar sozinho esta noite, assim como seria estranha a presença de amantes eventuais.

Mas era um ambiente cômico. As duplas iam chegando ao balcão, todos sem malas, com as mulheres portando pequenas nécessaires. Todos olhávamos reto para o balcão, pois não apenas qualquer amigo ou conhecido seria indesejável numa hora daquelas, como havia a estranha sensação de se estar entrando em grande grupo num motel. Quem chegava finalmente ao balcão era saudado pelo atendente com um festivo “Feliz Dia dos Namorados” que soava como um ditoso have a nice fucking. Por sorte, a tortura era rápida e entrávamos rapidamente.

Depois de deixarem a pequena bagagem no quarto, os casais desciam para a soberba refeição. Todas as mesas eram pequenas e estavam belamente decoradas. Havia um violinista que ia de mesa em mesa. Aqui acabava o constrangimento inicial, pois a comida e o vinho faziam o habitual milagre de tornar-nos felizes, falastrões e, afinal, podíamos observar abertamente quem praticaria intercurso após a sobremesa. Era interessante, às vezes bonito ou enternecedor. Havia um casal de septuagenários; quando subiram para o quarto, ambos sorrindo intensamente, viu-se que a senhora amparava-se em uma bengala. Havia a falsa loira envelhecida acompanhada de seu jovem, impressionável e anabolizado consorte. Havia o japonês apaixonado que chegou ao restaurante com um copo de champanhe na mão, máquina fotográfica no pescoço, e que levou carinhosamente sua dama para a mesa que lhes fora destinada. (Depois o mesmo solicitou que um garçom lhes tirasse uma foto. Japonês é sempre japonês.) Havia as grandes personagens, como Paulo Roberto Falcão e senhora, etc. Porém, lá também estava o cronista que só fala em sexo, o Casanova, o tarado-mor da cidade: o gremista David Coimbra. Era impossível observar a mulher que o acompanhava sem pensar que — pequenina e delicada — ela seria destroçada dali a minutos.

Sinto decepcioná-los ao ignorar o longo espaço narrativo entre a sobremesa e o check-out. Lá, pudemos ver mais casais saindo abraçados. Aparentemente tudo tinha dado certo. O único casal já visto que estava no check-out era o Garanhão Gremista e a Pequenina Delicada. Ela estava viva e movimentava-se normalmente. Ele não deve ser toda esta coisa. Apenas um fato os diferenciava. Ela não carregava uma nécessaire, mas sim uma enorme — e vermelha — mala.

É difícil encontrar um homem bom, de Flannery O`Connor

O escritor Fernando Monteiro presenteou-me com este livro para que eu lesse o conto de abertura. Ele sabia que eu leria o resto, é claro. Flannery O`Connor (1925-1964) foi uma extraordinária escritora. A leitura dos contos de É difícil encontrar um homem bom é, no mínimo, uma experiência diferente. Escritos com economia, são histórias povoadas por vítimas odiosas, mesquinhas ou ridículas, acompanhadas – o termo é exatamente “acompanhadas” – de algozes involuntários ou indiferentes. Em comum, poderia dizer que todos são estúpidos, têm vozes desafinadas, são crentes e estão irremediavelmente perdidos. Parecendo detestar os próprios personagens, a autora deixa-os ir em direção do grotesco e do gratuito e é duríssima para com o sul dos Estados Unidos, terra de Bush e de proto-Bushes. Não obstante, a contradição entre estupidez e tensão torna algumas histórias extremamente engraçadas. Afinal, um dos modos de se descaracterizar desgraças é recorrer à hipérbole, ou seja, levá-las a inconcebíveis exacerbações. É isto que Flannery faz com maestria e é compreensível que a autora desse gargalhadas enquanto lia seus contos para os amigos. Fortemente recomendado por este blogueiro, o livro está à venda numa edição da Arx.

Três peças de Carl Philipp Emanuel Bach

Hoje, há um belo esforço para a recuperação de C. P. E. Emanuel Bach como um dos principais compositores da história da música. Ele não tinha as qualidades de papai Johann Sebastian, um verdadeiro semideus, mas merece figurar nas mais exclusivas galerias. Carl Philipp foi imenso e imensamente injustiçado. Certamente, o motivo disto é o de ostentar o nome Bach e ser menor… Mas quem não é filho de Bach e menor?

Encravado naquele estranho período — o barroco tinha acabado e Haydn e Mozart ainda não tinham definido o “novo estilo clássico” — Carl Philipp demonstra notável originalidade e até antecipa Beethoven em seus temas curtos e afirmativos.

Abaixo, o registro de dois concertos. No primeiro, Christopher Hogwood dirige o Collegium Bach de Munique e o violoncelista David Adorjan em um Concerto para Violoncelo e Orquestra.

No segundo, a Orquestra Barroca e Coro da Universidade de Innsbruck mostra uma face bem bachiana deste Bach “menor”.

E aqui a linguagem já muda bastante. Estamos fora do barroco. Trata-se do oratório Die Auferstehung und Himmelfahrt Jesu com La Petite Bande, dirigida por Sigiswald Kuijken. O cantor é Stephan Genz.

Um Quiz!

Quem falou o quê? Quem disse algo brilhante, engraçado ou o maior dos disparates? O leitor que acertar mais ganha o livro Satori em Paris, de Jack Kerouac (L&PM), e As Confissões de Lúcio, de Fernando Monteiro (Francis). Coisas boas, é claro. São 20 citações inteligentes ou tolas, lógicas ou destrambelhadas, sobre quaisquer assuntos.

Aviso: a esmagadora maioria delas você não encontrará no Google.

RESPOSTAS PARA [email protected]

1. “Fora tu, G. K. Chesterton! Cristianismo para uso de prestidigitadores, barril de cerveja ao pé do altar, adiposidade da dialética cockney com o horror ao sabão influindo na limpeza dos raciocínios!”
a) Graciliano Ramos
b) Fernando Pessoa
c) Idelber Avelar
d) Arnaldo Jabor

2. “Elegem Clodovil, reelegem Maluf, Collor e Sarney. Depois vão passar quatro anos dizendo que todo político é ladrão.”
a) Élio Gaspari
b) Luiz Carlos Azenha
c) Emir Sader
d) Natal Antonini

3. “O otimista é um mal informado.”
a) De um líder palestino não identificado
b) Hardy, a hiena
c) Millôr Fernandes
d) Olavo de Carvalho

4.”O tempo vai passando e o espaço entre você e o final vai se apertando. O que resta é tentar levar a palavra à festa.”
a) João Gilberto Noll
b) Clarice Lispector
c) Guimarães Rosa
d) Joãosinho Trinta

5. “Morrer é como antes de nascer.”
a) Bertrand Russel
b) Claudia Antonini
c) Werner Herzog
d) Joseph Ratzinger

6. “É mais difícil esquecer os ódios do que os amores ou, de outro modo: é mais fácil detestar o Inter, por ligações directas, no meu cérebro, ao Benfica, do que juntar ao clube que amo – o Porto – outros clubes para amar.”
a) Lobo Antunes
b) Jorge Sequeiros
c) Paulo José Miranda
d) José Saramago

7. “Sempre espero o pior dos seres humanos e raras vezes me decepciono.”
a) Heloísa Helena
b) Machado de Assis
c) Ronaldinho Gaúcho
d) Álvares de Azevedo

8. “A cultura é a sublimação das verdades ontológicas.”
a) Martin Heidegger
b) Carl Gustav Jung
c) Sigmund Freud
d) Anthony Garotinho

9. “I fuck on the first date.”
a) Michel Douglas
b) Mick Jagger
c) Menino obeso americano não identificado
d) Angelina Jolie, sussurrando para uma amiga

10. “Diga que descobriu o Hitler que existe dentro de você e que dedica o flagrante a toda a direiteca brasileira, que sempre teve razão quando xingava a esquerda. Eu tenho que explicar tudo, bagual?!?”
a) José Dirceu a Olívio Dutra
b) Nelson Moraes a Milton Ribeiro
c) José Genoíno a Raul Pont
d) João Goulart a Emílio Médici

11. “Provavelmente, Jesus e Maomé eram esquizofrênicos. Viam e ouviam coisas.”
a) Marcos Nunes
b) Charlles Campos
c) Bernardo Ribeiro
d) Ramiro Conceição

12. “Onde não há prazer não há proveito.”
a) Cicciolina
b) William Shakespeare
c) Fernando Gabeira
d) Daniela Ciccarelli

13. “Eu desconfio de tudo o que sangra por três dias e não morre.”
a) Rafael Galvão
b) O cozinheiro negro de South Park
c) Jece Valadão
d) José Serra

14. “É estranho que, sem ser forçado, alguém saia em busca de trabalho.”
a) Provérbio baiano
b) Garfield
c) William Shakespeare
d) Karl Marx

15. “O Congresso Nacional, com seus integrantes honestos, corruptos, ingênuos ou oportunistas, deverá ser a representação aproximada do país. Nunca fugiremos disto.”
a) Roberto Pompeu de Toledo
b) Reinaldo de Azevedo
c) Jânio de Freitas
d) Eu a escrevi agora

16. “Vou escrever um post sobre o tema E se Jesus tivesse morrido empalado? – Repercussões na Cultura Ocidental.”
a) Flavio Prada
b) Caminhante
c) Diário Ateísta
d) Jesus me chicoteia

17. “Não aprendemos a fazer o que nos dizem; aprendemos a fazer o que nos fazem.”
a) Marcos Ferreira Santos
b) Samantha Gailey
c) Renato Mezan
d) Claudio Costa

18. “Isto não é uma ópera, é uma pornofonia!”
a) Lênin
b) Stalin
c) FHC
d) Jânio Quadros

19. “Se naquele dia alguém olhasse as pessoas na rua através de uma janela, seria difícil não pensar nos primórdios do cinema, quando a cadência excessivamente rápida das imagens mostrava os personagens correndo e gesticulando como marionetes desarticuladas.”
a) J.M. Coetzee
b) William Faulkner
c) Ian McEwan
d) Georges Simenon

20. “Ou eu corro ou eu penso. Os dois não dá.”
a) Claudiomiro, ex-centroavante do Internacional
b) Edu, ex-ponteiro direito do Palmeiras
c) Dario, ex-centroavante do Atlético-MG e do Internacional
d) Nélson Piquet, ex-piloto da Fórmula 1

As respostas serão publicadas terça-feira, ao meio-dia. Vocês têm até lá para gabaritarem.

Campeonato Gaúcho de Literatura

Hoje, está sendo lançado o Campeonato Gaúcho de Literatura. O primeiro jogo já foi jogado. Trabalharei como árbitro numa das partidas: Cris, A Fera x O Girassol na Ventania. Como hoje estou misterioso (vide post abaixo), não vou divulgar o placar de minha peleja. Cada árbitro trabalhará em apenas um jogo. O legal neste Gauchão é que os livros jogam entre si em triangulares, o que significa dizer que nenhum será eliminado por apenas um juiz, quem sabe especialmente hostil ou desatento. Além disso, os árbitros declararam quais os livros que não podiam julgar devido à problemas de consciência, amizade, inimizade, etc. Segundo Lu Thomé, uma das organizadoras do torneio, as regras serão as seguintes:

Dos 27 iniciais, tira-se 15 livros seguindo a fórmula: os nove campeões de cada grupo e os seis melhores segundos colocados. Como cada jurado foi instado a elaborar um “placar” para cada jogo, se necessário haverá desempate no confronto direto e no “saldo de gols”.

A fase seguinte funciona parecido: dos 15 classificados, formam-se outros cinco grupos com três livros cada. Desses cinco grupos, classificam-se seis competidores: os cinco campeões e o melhor segundo colocado.

A fase semifinal também será triangular: os seis grupos serão divididos em dois triangulares. Os campeões de cada grupo fazem a final. A ideia é equilibrar o poder de um único jurado oferecendo a cada fase duas chances de avaliação para cada livro.

Os grupos:

GRUPO 1:
Atalhos
, de Luís Dill (WS Editor)
Mar Quente, de Enio Roberto (Dublinense)
No Limite dos Sentidos, de Jacira Fagundes (Movimento)

GRUPO 2:
Cris, a Fera, de David Coimbra (L&PM)
Minicontando, de Ana Mello (Casa Verde)
O Girassol na Ventania, de Marco de Curtis (Dublinense)

GRUPO 3:
A Raiz dos Louros, de Faustino Machado (7Letras)
Play, de Ricardo Silvestrin (Record)
Pó de Parede, de Carol Bensimon (Não Editora)

GRUPO 4:
Aroma Hortelã, de Joselma Noal (Movimento)
As Grades do Céu, de Susana Vernieri (Libretos)
O Silêncio dos Amantes, de Lya Luft (Record)

GRUPO 5:
O Batedor de Faltas, de Cláudio Lovato Filho (Record)
O Ideograma Impronunciável, de João Kowacs Castro (Dublinense)
Flores da Cor da Terra, de Lívia Petry (Nova Prova)

GRUPO 6:
Entre Facas, de Liziane Guazina (Nova Prova)
Fora do Lugar, de Rodrigo Rosp (Não Editora)
Os Limites do Impossível, de Aldyr García Schlee (Edições Ardotempo)

GRUPO 7:
Guerrilha e Solidão, de Valdomiro Martins (Literalis)
Raiva nos Raios de Sol, de Fernando Mantell (Não Editora)
Trocando em Miúdos, de Luís Paulo Faccioli (Record)

GRUPO 8
Das Travessias I, de Sérgio Napp (WS Editor)
Sinfonia às Avessas, de Waldomiro Manfroi (Letra & Vida)
Veja se Você Responde Essa Pergunta, de Alexandre Rodrigues (Não Editora)

GRUPO 9:
Escuro, Claro, de Luís Augusto Fischer (L&PM)
O Homem Perplexo, de Edgar Aristimunho (Dom Quixote)
Um Guarda-Sol na Noite, de Luís Filipe Varella (Dublinense)

Nunca esqueçam que futebol é bola na rede. O vencedor receberá 1 milhão de dólares em precatórios da Secretaria da Fazenda do Estado do Rio Grande do Sul e um delicioso saco de pipocas doces da Redenção.

O Ataque do Presente ao Restante do Tempo (*)

Não vogando já na doce ilusão de uma sociedade sem classes, concordei em viver numa sociedade sem classe.

Do extinto blog português BOMBYX MORI

O cinema é, atualmente, nosso único bem cultural comum, aquele que pode mais facilmente tornar-se assunto de conversa. Se você, por exemplo, desejar discutir um livro, só conseguirá fazê-lo se for um daqueles bem clássicos e olhe lá; se for um livro novo ou um que poucos leram, esqueça, você terá de “discutir” com um crítico ou procurar uma alma gêmea, como o Charlles Campos. Porém, é muito mais fácil trocar idéias sobre cinema, já que quase todos vêem os principais filmes. Por isso, tenho a opinião de que a crítica cinematográfica profissional é a atividade que hoje requer a maior das competências, pois é certamente a mais contestada. E temos excelentes críticos de cinema, seja em blogs, seja em jornais, mas há outros autenticamente ridículos.

Conheci um desses na última sexta-feira à noite. O autor, bastante lido, me assustou. É  análogo a certa casta de meninos que era obrigado a suportar na minha infância e adolescência: os que adoravam jogar futebol, não obstante serem irremediáveis pernas-de-pau. O pior é que, tal como o citado (ou não citado) blogueiro, aqueles meninos eram realmente fanáticos pelo jogo, eram os primeiros a chegar à nossa pracinha e muitas vezes eram os donos das melhores bolas. Estratégia.

Esse perna-de-pau — cujo nome não vou revelar e que não é o único — simplesmente não compreende o que vê na tela, possivelmente por falta de conhecimento e de bordel. Para escrever a respeito de determinados filmes são necessárias algumas interpretações e para tanto é imprescindível o conhecimento e/ou vivências e/ou referências e/ou esperteza; ou seja, cultura e algo mais.

Chutando para todo lado e pontificando sobre conceitos fundamentais suspeitos, usa uma arma que costuma ser sedutora aos crédulos: a arrogância sem justificativa. Este novo candidato a representante da ignorântzia escreve frases curtas e definitivas sobre todos filmes e é capaz de emitir involuntariamente os juízos mais cômicos. Patético. O único mérito que vejo neste blog de casa nova é o fato do homem realmente gostar de cinema; ele vê quase todos os filmes, dedica-se comovedoramente a correr de sala em sala, bem como fazia o menino perna-de-pau de minha infância — aquele que nos esperava para correr atrás da bola, raramente logrando tocá-la… Outro mérito, este mais duvidoso, é que ele parece ter o sério compromisso de resenhar todos os filmes. Aliás, é instado a isso por seus leitores nos comentários. Ou seja, há toda uma leva de jovens prontos para serem “orientados”.

Gostaria MESMO de explicitar algumas pérolas que andei lendo lá, mas tenho certeza que não devo fazer isso. O Google funciona muito bem e chega de confusões. Mas digo-lhes ao pé do ouvido que há coisas engraçadíssimas, se não fossem antes tristes. O que me deixa desconcertado é que um sujeito desses possa ter muitos leitores e que auxilie, sob aplausos, a confundir. Mas por que estou tão preocupado com isso quando há a Veja fazendo coisas piores em todas as áreas? Puff!

(*) Título copiado de outro título: o do filme de Alexander Kluge.

Quem vai ganhar a Copa

Tivemos até hoje 18 Copas do Mundo. O Brasil ganhou cinco, a Itália, quatro, a Alemanha, três, o Uruguai e a Argentina levaram duas e a França e a Inglaterra ganharam uma vez. Apenas sete países e eu sacanamente retiro da lista de principais vencedores a França e a Inglaterra, por terem vencido apenas Copas realizadas em seus países, e o Uruguai por não ser mais um player que deva ser levado muito a sério.

Sobram quatro: Brasil, Itália, Alemanha e Argentina. São os eternos favoritos, the usual suspects. Porém, se fizer um alongamento de vontade e incluir as – em tese – outras boas seleções presentes, incluirei na minha lista de favoritos as inéditas Espanha e Holanda e farei retornar a Inglaterra. Mas como ninguém aceitaria uma aposta em sete seleções, farei algo muito perigoso: por achar que a derrota fica bem a um país tão literário, voltarei a retirar dentre minhas favoritas o ioiô Inglaterra, acompanhada da Alemanha – pois quem considera Ballack um grande desfalque não pode ter um bom time – , da dura de matar Itália e da estoica Espanha.

Certamente trata-se mais de um desejo do que uma avaliação técnica o que me faz colocar minhas fichas em Brasil, Argentina e Holanda, apesar do medo pânico que sinto do feio futebol italiano e dos obstinados alemães.

Comecemos pela Holanda. Quando disse que seu favoritismo era um desejo meu, não estava brincando. Não confio na capacidade defensiva dos holandeses. É um time sonhador, qualidade que costuma ser fatal… para o próprio sonhador. O técnico Bert Van Marwijk vai colocar em campo um time semelhante àquele que conseguiu 100% de aproveitamento nas eliminatórias: esquematizado em rigoroso 4-3-3 com o talentoso Snejder fazendo o enganche. Ou seja, fará o que Mourinho e Felipão consideram suicídio: manterá somente 6 ou 7 homens atrás da linha da bola. O time-base da Holanda é Stekelenburg; Heitinga, Ooijer, Mathijsen e Van Bronckhorst; De Jong, Van Bommel e Sneijder; Kuyt, Van Persie e Robben, mas temo que, na última hora, o treinador holandês enlouqueça e arranje um lugar para o merengue Rafael van der Vaart, eleito o mais atraente jogador da Copa de 2010 pelas mulheres alemãs. Resta saber o que Lúcio e Juan pensam disso.

A Argentina é a Argentina, expressão idiota que não diz nada e diz tudo a nós, brasileiros. Nesta Copa, nossos vizinhos vêm com um time espetacular, tanto que esnoba ao não convocar Zanetti e Cambiasso, ambos da Inter de Milão. Com seu jeito marrento, Maradona anunciou o time da estreia e, olha, não é mole.

– Romero; Otamendi, Demichelis, Samuel e Heinze. Um pouco à frente o Mascherano e o meu Xavi é o Verón, que faz o jogo fluir. Pelos lados Jonas Gutiérrez e Di María. O Messi vai jogar mais solto e o Higuaín só para botar as bolas para dentro – disse o gordinho.

Imaginem, se Maradona falou a verdade, Diego Milito estará no banco ao lado de Tevez, Aguero e Palermo. Sim, eles vêm muito bem para a Copa, apesar dos substitutos da citada dupla da Internazionale serem Garcé e Bolatti. Jogam num 4-4-1-1.

E então nós temos o time treinado por Dunga. Não faço coro com quem criticou a convocação. Vi nela apenas um erro grave: a não convocação de Paulo Henrique Ganso, um craque numa posição rara e valiosa, mas tudo bem, há uma linha política interna que torna cúmplices os jogadores e o treinador — e esta deve ser respeitada. E Ganso seria reserva. O time do Brasil tem um dos melhores goleiros do mundo, Júlio César; uma zaga forte formada por Maicon, Lúcio, Juan e Michel Bastos; uma linha de 3 volantes com Elano (“El Ano” ou “O Ânus”, em espanhol), Gilberto Silva e Felipe Mello; dois jogadores soltos mais à frente, Kaká e Robinho; e Luís Fabiano fincado como centroavante.

Para os sonhos dos brasileiros, é um time defensivo e realista demais, porém os resultados são tão bons que seguram firmemente e há quase quatro anos o antipático Dunga como treinador. Sua capacidade expressiva beira o zero, mas os jogadores o compreendem. O que ele demonstra em campo está no livro de cabeceira de José Mourinho, Luís Felipe Scolari, Fabio Capello, etc.: primeiro a gente segura o adversário, depois especula na frente. Com jogadores de qualidade, funciona.

Antes de finalizar, quero dizer que uma de minha maiores curiosidades é ver o Chile de Marcelo “El Loco” Bielsa. Em sua última Copa do Mundo, em 2002, ele já aplicava seu espetacular e frenético 3-3-1-3. Os resultados, tão bons fora das Copas, foi a eliminação de nossos vizinhos na primeira fase. Agora, com “material” chileno, ele volta com seu esquema predileto. É bonito de ver.

Celebridades

Curioso o post de Augusto Maurer sobre celebridades na música. Achei cômica a frase de Mick Jagger que pode ser encontrada nos links do post: “Éramos jovens, bonitos e estúpidos. Agora somos só estúpidos”.

Jagger, assim como Paul McCartney, já disse que fazer rock é a coisa mais fácil que há no mundo. E eu acredito que seja mesmo. Eles entram na categoria dos que se consideram superestimados, enquanto que os artistas “de raiz” orgulham-se de serem mais ou menos obscuros e outros têm personal networkers (fabricantes de onipresença e de factóides em escala industrial).

Muito me surpreende o interesse do Augusto sobre o assunto. Ele — que é primeiro clarinetista da OSPA e professor universitário na UFRGS — é certamente o amigo mais inteligente que tenho ao vivo e a cores. Quando com ele, tenho sempre a impressão de que ele já entendeu o que recém estou introduzindo na conversa. E que já discordou ou não. E que já concebeu do quase nada uma teoria maior e para mim inatingível a respeito. Nunca pensei que ele se interessaria por isto.

Lily Allen: a que se considera “uma bobagem”. Provavelmente é mesmo.

Para quem escrevemos

Acho que alguns de nós, de uma forma indireta, escrevemos posts direcionando-os a determinadas pessoas que, provavelmente, o lerão. O besteirol é para ser lido por meu filho e por aqueles leitores que eu sei que os apreciam, o post de ficção vai para principalmente aquele determinado blogueiro que o lerá com extrema atenção e que comentará elogiando ou enviará um e-mail criticando (Ramiro, normalmente elogiando, ainda bem), o post sobre música vai para o pessoal do PQP Bach mais a Caminhante e a Anna, o post sobre o meu umbigo é para os amigos lerem e comentarem comigo, as resenhas vão para o Charlles, o Marcos Nunes e a Caminhante, os sobre futebol são para o Dario e o Fernando, etc. A verdade é que não apenas esqueço de muitos em minha listinha, mas que todos acabam indo para todos. É claro que o leitor-objetivo está presente em todas as áreas. Saul Bellow dizia escrever para suas mulheres, Thomas Bernhard escrevia para que seu país lesse e o odiasse mais, Clint Eastwood confessou ter feito filmes por vingança de uma só pessoa (e acabou sendo premiadíssimo), Paulo José Miranda escreveu um livro contra uma ex-mulher (e ainda solicitou que ela o revisasse…), Franz Liszt e o último Beethoven diziam escrever para o futuro. Já Fernando Monteiro diz que grande parte dos escritores atuais escrevem seus livros para um passado que, infelizmente, não pode lê-los nem comprá-los…

Já eu, aqui do meu cantinho, estava começando uma crítica simples e curta sobre um ótimo livro de Simenon e sei que a leitora-objetivo deste tipo de post era uma amiga que faleceu há dois meses. Então, ontem, eu começava, recomeçava e não encontrava o tom. Nunca tive bloqueios; sento e escrevo, analogamente ao que faço na privada e com resultados semelhantes. Eu escrevia, tentava ser inteligente, informado, sensível e bom observador porque ela era assim, porque, se eu fosse diferente, ela não daria importância. Aí, depois de algum tempo olhando para a tela, descobri: é muito mais fácil escrever dirigirindo-se a alguém. Só que este alguém me falta. “Saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu”. Pois nem isso consigo, não consigo ainda encarar a saudade. Por enquanto, o quarto ficará fechado, de pernas para o ar, até eu arranjar coragem.

Cena de The Pillow Book (O Livro de Cabeceira), de Peter Greenaway

Instruções para votar — é simples assim:

Não votar em:

— quem mistura religião com política;
— quem parece ou é pastor;
— quem é conservador ou de direita (não me digam que direita e esquerda não existem mais, por favor);
— quem criminaliza sistematicamente os movimentos sociais (MST, povos indígenas, etc.);
— quem é criacionista;
— quem é homofóbico;
— quem é sexista;
— quem, gratuitamente, fala mal da América Latina;
— quem usa a frase “meu antecessor ou quem está lá não fez nada”, pois fizeram sim.

Agora é só procurar…

Escrito com ajuda das tuitadas de Fabiane Lima e Maria Frô.

FM acrescenta:

— quem acha que governar é abrir estradas e fazer usinas;
— quem falsifica documentos acadêmicos;
— quem troca de partido prá se manter nos cargos;
— quem não entende o que é sustentabilidade;
— quem não consegue conciliar desenvolvimento (ou “crescimento”) com educação, ciência e cultura.

Quando pensamos sem a sombra das bandeiras, cresce a lista, e voltamos aos trágicos, entre Sófocles e Nietzsche.