Pollini em 18 de fevereiro de 2014

Pollini em 18 de fevereiro de 2014

Hoje foi um dia especialíssimo e irrepetível — quem sabe? — em Londres. Eu e Elena assistimos ao concerto de Maurizio Pollini no Royal Festival Hall, sala principal do Southbank Center. O programa era vasto, mas centrado em peças de Chopin e Debussy. Ele tocou o primeiro livro dos prelúdios do francês e peças esparsas do primeiro. O concerto foi dedicado por Pollini à memória de Claudio Abbado. Talvez isso explique a recolocação no programa da Sonata nº 2 para piano, Op. 35, cujo terceiro movimento é a célebre Marcha Fúnebre.

Tudo isso contribuiu para que a eletricidade estivesse no ar. Mas talvez o melhor seja passar a palavra para a Elena, que não tinha tido ainda muito contato com Pollini, enquanto que eu o conheço desde os anos 70, chamo-o de deus no PQP Bach e considero-o um dos maiores artistas vivos de nosso planeta, tão vulgar.

No intervalo, após uma série de Chopins, a Elena já me dizia: “Ele tem altíssima cultura musical e concisão. Enquanto o ouvia, pensava em diversa formas de reciclagem: ecológica, emocional, psíquica… Sua interpretação é a de um asceta que pode tudo, mas demonstra humildade e grandeza em trabalhar apenas para a música. Pollini não fica jogando rubatos e efeitos fáceis para o próprio brilho, mas me fez rezar e chorar. Que humanidade, que sabedoria! Depois desse concerto, minha vida não será a mesma”.

Foi a primeira vez que vi Pollini em ação, após ouvir dúzias de seus discos. Acho que não vou esquecer da emoção puramente musical — pois ela existe, como não? — de ouvir meu pianista predileto. Para Pollini ser absolutamente fabuloso, só falta o que não quero que aconteça e que já ocorreu com Abbado.

Foi isso que nos aconteceu hoje.

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Morre Mariss Jansons

Morre Mariss Jansons

Aos 76 anos, Mariss Jansons morreu na noite passada em sua casa em São Petersburgo. Ele tinha problemas cardíacos há bastante tempo.

Este ano, sua saúde tinha se deteriorado dramaticamente.

Mariss foi um sensacional regente. Filho do maestro letão Arvid Jansons e Araida, uma judia, Mariss permaneceu escondido durante sua infância na Riga ocupada pelos nazistas. Durante os anos em que Arvid foi vice-diretor da Filarmônica de Leningrado, Mariss memorizava o que ouvia.

Mariss foi autorizado a partir para o País de Gales na década de 1970, onde um impressionante ciclo de Tchaikovski foi transmitido na televisão nacional, e para Oslo, onde se tornou o diretor de sua orquestra em 1979.

Em 1996, Mariss sofreu um ataque cardíaco quase fatal enquanto dirigia La Bohème em Oslo. Somente a presença de um médico de ágil e a proximidade de um hospital salvaram sua vida.

No ano seguinte, tornou-se diretor musical em Pittsburgh, revitalizando a orquestra por mais de meia década até se cansar dos vôos transatlânticos. Desde 2002, dirigiu a Orquestra Sinfônica da Rádio da Baviera, mantendo seu status de melhor século na Alemanha, atrás apenas da Filarmônica de Berlim.

Ao mesmo tempo, ele ocupou a posição de maestro titular no Concertgebouw de Amsterdã entre 2004 e 2014. Suas gravações incluem leituras absolutamente magistrais das sinfonias de Mahler e Shostakovich.

Ele deixa uma filha, Ilona, ​​de seu primeiro casamento, e sua segunda esposa, Irina, que sempre o acompanhava.

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Imagens cruzadas durante ‘O Messias’ de Händel na Igreja das Dores

Imagens cruzadas durante ‘O Messias’ de Händel na Igreja das Dores

Eu estava assistindo ao Messias de Händel na Igreja das Dores com uma série de amigos. Quando olhei para trás, vi Elena sentada na lateral do confessionário ao lado de Jonatha Arruda.

Foto: Milton Ribeiro

Ela me viu.

Foto: Milton Ribeiro

Ao meu lado, a Cláu Paranhos me fotografava com Marisa Monte — na verdade Marina Vilaça — em primeiro plano.

Foto: Cláu Paranhos

O Jonatha também fotografou a mim e à Elena.

Foto: Jonatha Arruda

Na nossa frente, estava o Mateus Rosada, mais conhecido pelo apelido de Bisnaga.

Foto: Elena Romanov

Ele é um talentoso arquiteto e desenhista e, enquanto ouvia  música, registrava a Igreja.

Desenho de Mateus Rosada

E, no celular da Lia Maria de Medeiros, apareceu isto…

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Quando a Elena indica…

Quando a Elena indica…

Quando a Elena indica, é garantia de alta qualidade. Em outras palavras, não percam!

Johannes Brahms era mestre em incorporar e reinterpretar o passado em suas obras. Sua última sinfonia contém um dos exemplos mais sublimes disso. No quarto movimento, ele adota um tema em forma de coral — com ligeiras modificações — extraído da Cantata BWV 150, de Bach, e constrói sobre ele um conjunto de 35 variações em forma de passacaglia. São os sopros (metais e madeiras) quem apresentam o tema circunspecto e austero que dá início a uma estrutura monumental que é um ponto final da última obra sinfônica do compositor nascido em Hamburgo. Tudo isso após um terceiro movimento fofo, onde a ‘melancolia generalizada’ de Brahms não aparece.

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E Andris Nelsons grava sua integral das Sinfonias de Beethoven

E Andris Nelsons grava sua integral das Sinfonias de Beethoven

Andris Nelsons (1978) é um jovem maestro letão. Atualmente, ele é o diretor musical da Orquestra Sinfônica de Boston e da Gewandhaus Orchestra de Leipzig. Também já foi chefe da respeitada City of Birmingham Symphony Orchestra (CBSO). É uma estrela em plena ascensão e a Deutsche Grammophon já o contratou para gravar integrais das Sinfonias de Bruckner (Gewandhaus), de Shostakovich (Boston) e de Beethoven (com a Filarmônica de Viena).  As duas primeiras séries ainda estão sendo gravadas, mas a de Beethoven foi lançada neste mês.

E que esplêndido trabalho Nelsons fez com os filarmônicos de Viena! Um Beethoven forte e redondo, escandaloso e alegre, porém jamais, mas jamais mesmo, grosso. Certo pessoal do século XX achava que para tocar Beethoven, em certos trechos mais agitados, era só dar ênfase e berrar que estava bom. Era tudo muito emocional. Isso é ignorar a cultura. Beethoven foi um enorme artista de transição do classicismo para o romantismo. Se este é um dos fatores que o torna tão grande, também nos obriga a abordá-lo com conhecimento.

E Nelsons, com fraseados muito trabalhados, vai pelo outro lado e mata a questão com classe. E a Filarmônica de Viena fala beethoveniano, respira Beethoven. Creio que Nelsons deva ter ouvido muito os músicos da orquestra. Sei que se trata de um homem profundamente sensível e inteligente, conheço músicos que trabalham com ele. Sei das surpresas que apronta e que costuma dialogar.

O desenho do primeiro movimento da Eroica é quase erótico com a mágica das passagens da melodia de um instrumento para outro. Isso se repete a cada sinfonia, sublinhando a qualidade da orquestração. Raramente ouvi coisa mais natural, fluida e perfeita. E a sonoridade nem se fala.

Bem, ouvi as 4 primeiras sinfonias de Beethoven com Nelsons de enfiada. As duas primeiras — que jamais chamaram minha atenção — cresceram muito. A Eroica está sensacional, apesar de certas alegres liberdades tomadas na Marcha Fúnebre. A 4ª nem se fala. Mas logo voltei à Eroica (3ª), que está anormal de tão boa. Depois fui para uma excelente 5ª, cheia de sinuosidades e plena de tradição no terceiro movimento. Mas parece que Nelsons se dá melhor na delicadeza, pois sua 6ª é um primor, uma campeã.

Não, me enganei, sua sétima — com a sucessão fantástica de danças e o rock pauleira do último movimento — é um primor.

(Comecei a frequentar os concertos de música erudita com a idade de 4 ou 5 anos. Meu pai me levava. Ele disse que, por uns 5 anos, eu sistematicamente dormia após dez minutos. Ele queria saber quando eu pararia com aquilo, ainda mais porque eu dizia que gostava de ir… Certamente gostava era da companhia dele, claro.

Mas houve um dia em que eu passei a não mais dormir. Foi quando assisti uma 7ª Sinfonia de Beethoven regida por Pablo Kómlos. Aquilo era enlouquecedor. Uma sucessão de agitadas danças com aquele Alegretto (uma Pavana) no meio.

Ouvi hoje a 7ª e, pela enésima vez… Toda aquela primeira impressão permanece viva. Eu sou o mesmo, de certa forma. De certa forma bem distorcida.)

A oitava está menos haydniana do que o costume e mais parruda. A nona se vem dentro do padrão de alta qualidade do restante. Adorei.

A DG rouba sempre a cena quando o assunto é Beethoven, né?

E Nelsons, contrariamente àquela outra grande estrela da DG no século XX, está mais pela música do que pelo negócio. Isto é muito claro.

E, para deixar claro, QUE NOTÁVEL ORQUESTRA É A FILARMÔNICA DE VIENA. Não creio que possa haver algo melhor atualmente!

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Adeus, Jessye

Adeus, Jessye

— De Richard Strauss (1864-1949)
— Das “Quatro Últimas Canções”
— Im Abendrot (Ao Crepúsculo)
— Jessye Norman (1945-2019), soprano
— Orchestre de la Suisse romande
— Wolfgang Sawallisch
— Gravado em 1979

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Hoje, os 50 anos de Abbey Road

Hoje, os 50 anos de Abbey Road

O texto abaixo é um catadão recolhido por aí de várias fontes. Não tive tempo de fazer algo mais pessoal. Bem, ficou enorme e com umas coisinhas que eu jamais escreveria, principalmente lá na descrição das canções. Mas não poderia deixar passar a data. Afinal, amo Abbey Road.

Abbey Road completa hoje 50 anos. É o melhor disco do grupo e um dos melhores do rock, ainda hoje parece vem e atual. Foi o 12º álbum de estúdio dos Beatles. Foi lançado em 26 de setembro de 1969 e leva o mesmo nome da rua de Londres onde situa-se o estúdio Abbey Road. Foi produzido e orquestrado por George Martin para a Apple. Trata-se de um álbum denso, adulto, com evidente tom de despedida. Os quatro membros deram uma trégua nas discussões sobre quem geriria os assuntos da banda e se voltaram novamente para a música. Saindo da sombra que sempre lhe foi imposta pela dupla Lennon & McCartney, George Harrison veio à tona com Something e Here Comes the Sun. Ringo compôs e cantou Octopus’s Garden. Paul e John voltaram a colaborar um com o outro, não obstante a disputa de quem seria o melhor.

Agora, meio século depois, as desavenças pessoais e financeiras que levaram ao fim dos Beatles estão esquecidas e restam as canções. Não é pouca coisa!

A primeira semana de gravações do álbum começou com uma má notícia. George Martin, que acabara de reassumir a produção musical da banda, chamou Emerick de lado e disse: “John sofreu um acidente de carro na Escócia com Yoko. Não estão gravemente feridos, mas deverão ficar no hospital e John ficará longe do estúdio por pelo menos uma semana”.

Notícia ruim, pois John estava ferido, mas ao mesmo tempo boa. Semanas antes, Paul, George e Ringo pareciam ter voltado aos velhos tempos dos Beatles. Naquele junho/julho de 1969, eles estavam cordiais uns com os outros, cooperativos nas canções ainda em fase de elaboração e aparentemente distantes do fracasso e das tensões pessoais havidas durante as gravações de Let it Be. No fundo, todos temiam que a presença de John estragasse o clima.

Seu temperamento cáustico poderia minar a aparente boa vontade que reinava entre os demais. Nenhum deles tentou interferir de maneira impositiva no trabalho do outro. Na verdade, depois de uma imensa crise de egos durante as gravações do Álbum Branco e do desânimo que marcou Let it Be, os três músicos pisavam em ovos. Até cooperavam, mas mantinham entre si uma distância segura.

Apesar de ter sido o penúltimo álbum lançado pela banda, foi o último a ser gravado. As músicas do último disco lançado pelos Beatles, Let It Be, foram gravadas alguns meses antes das sessões que deram origem a Abbey Road.

George Martin produziu e orquestrou o disco junto com Geoff Emerick como engenheiro de som, Alan Parsons como assistente de som e Tony Banks como operador de fitas. Martin considera Abbey Road o melhor disco que os Beatles fizeram. E não é por menos: ele é o mais bem acabado de todos e um dos mais cuidadosamente produzidos (comparável somente a Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band). Sua estrutura foi bastante pensada e discutida, e as visões discordantes dos integrantes da banda só contribuíram para a riqueza da criação final.

Como dissemos acima, também foi em Abbey Road que George Harrison se firmou como um compositor de primeira linha. Após anos vivendo sob a sombra de Lennon e McCartney, ele finalmente emplacou dois grandes sucessos com este álbum: Here Comes the Sun e Something. Ambas as canções foram regravadas incessantemente ao longo dos anos, sendo que Something chegou a ser apontada pela revista Time como “a melhor do disco” e como a segunda música mais interpretada no mundo, atrás somente de Yesterday, também dos Beatles.

Após as desastrosas sessões de gravação do álbum então chamado de Get Back (mais tarde intitulado Let It Be), Paul McCartney sugeriu ao produtor George Martin que os Beatles se reunissem e fizessem um álbum “como nos velhos tempos… como a gente fazia antes”, gravado ao vivo, sem overdubs e, logicamente, livres dos conflitos que começaram com as sessões do White Album. Martin levou em consideração o acontecido de ter sido produtor secundário do álbum Get Back e aceitou, mas com a condição que a banda se comportasse “como nos velhos tempos”, e ele seria tratado como o “produtor dos velhos tempos” também. Queria o consentimento de Lennon, que aceitou. O resultado final acabou sendo este grande álbum, considerado por muitos críticos como o melhor da banda, e segundo a revista Rolling Stone o 14° melhor álbum de todos os tempos.

Quando foi gravado na época do vinil, o álbum tinha dois lados bem distintos entre si, a fim de agradar tanto a Paul McCartney como a John Lennon individualmente. O lado A, que ia de “Come Together” a “I Want You”, foi feito para agradar a Lennon. É uma coleção de faixas individuais, enquanto que o lado B (para agradar a McCartney) contém uma longa coletânea de curtas composições que seguem sem interrupção. A sequência de juntar músicas inacabadas criadas por McCartney e Lennon em um enorme pout-pourri foi ideia de Paul, constituindo-se numa espécie de ópera dentro do disco. No entanto, diferente de Sgt. Pepper’s, considerar Abbey Road um disco conceitual é um engano. “È um bom disco de Rock&roll”, disse Harrison.

Sobre as músicas:
Come Together

A música que abre Abbey Road é uma das marcas registradas de John Lennon. Foi feita a pedido do guru do LSD, Timothy Leary, que concorreria a governador da Califórnia e tinha como tema da sua campanha a frase: “Let’s Get It Together” ou “Vamos Pra Frente Juntos”. A inspiração política não veio, mas Lennon terminou a música e a incluiu no disco. A “luz” veio de uma canção de Chuck Berry, “You Can’t Catch Me”, da qual Lennon copiou inclusive parte de um verso. Anos depois, Lennon admitiu a “influência” de Berry e foi levado à Justiça, mas a ação acabou em um acordo. No decorrer da canção, Lennon faz um barulho com a boca, uma espécie de “chuuunc!”, que na verdade ele quer dizer “shoot me”, algo como “atire em mim”, ou “injete em mim” (uma gíria para o uso de heroína). Paul McCartney não gostava desse trecho por achar que teriam problemas com a Justiça, ou mesmo com os fãs e sabendo que Lennon não retiraria, ele decidiu tocar seu baixo tão forte e alto de maneira que cobrisse a fala. Lennon não queria guitarra nessa música, mas McCartney achou que sem base e só no piano, o som ficaria vazio. Também deu uma ideia do solo que acabou entrando. George Martin escreveu numa nota do disco LOVE que “Come Together” é sua música favorita da carreira dos Beatles.

Something
Escrita por George Harrison para sua esposa na época, Pattie Boyd. Foi escrita durante o White Álbum, e a primeira estrofe foi baseada na música “Something in the Way She Moves” de James Taylor, assinado pela Apple na época. Refinada durante as filmagens de Let It Be, (é possível ver Lennon dando umas dicas de composição para Harrison) a música foi oferecida para Joe Cocker, mas acabaram voltando atrás e gravando a canção. Primeira música de Harrison a ser lado A de um single, “Something” foi regravada por Frank Sinatra. McCartney cantou essa música com Eric Clapton no Concert for George em 29 de novembro de 2002, um ano após sua morte.

Maxwell’s Silver Hammer
Perguntado a Ringo Starr posteriormente qual foi o pior momento ao lado dos Beatles, Starr respondeu: ‘Sem dúvida, as gravações de “Maxwell’s Silver Hammer”‘. Também não é para menos: Levaram três dias inteiros para gravar, inclusive com Lennon desistindo de participar dizendo que “era mais uma ideia estapafúrdia de Paul”, Harrison teve que reprisar o solo muitas vezes e acabou cansando também e Starr odiava a ideia de ter que tocar bateria sem bater na caixa, com a baqueta batendo na coxa para marcar o tempo (só no refrão ele toca normalmente). McCartney argumentava que apenas queria “tudo dando certo”, ou seja, “tudo do seu jeito”. Apesar da melodia agradável, “Maxwell’s Silver Hammer” conta, através de versos cheios de humor negro, a história de um maníaco homicida chamado Maxwell, que com seu martelo de prata sai matando todos por aí. McCartney estava convencido de que ela seria um sucesso, o que acabou não ocorrendo.

Oh! Darling
Esta canção de McCartney é mais uma brincadeira ao estilo dos anos 50 do que uma composição a ser levada a sério. Toda a banda parece se divertir, e a qualidade dos Beatles como músicos fizeram famosa “Oh! Darling”. Para poder realizar o vocal gritado e rasgado que caracteriza a música, McCartney realizava apenas um trecho da gravação dela por dia, no início da manhã, para que sua voz tivesse o tom e a força necessária. Lennon dizia durante as gravações que ele deveria fazer essa parte por ser mais seu estilo de voz. No álbum Anthology 3 é possível ver uma versão em que Lennon canta esse trecho e no final alguns trechos dele comemorando a notícia do divórcio de Yoko do seu primeiro marido.

Octopus’s Garden
Segunda colaboração de Ringo Starr para a banda como compositor (a primeira havia sido “Don’t Pass Me By”, do Álbum Branco). Foi inspirado numa viagem à ilha italiana da Sardenha durante as férias do último disco, quando se deparou com uma excursão turística que falava sobre a vida dos polvos. A guia turística explicava que os polvos para se protegerem, juntavam pedras coloridas em frente às suas tocas criando uma espécie de jardim, assim sendo: “Octopus’s Garden” ou “Jardim dos Polvos”. Harrison ajudou Starr na composição (essa cena pode ser vista no filme Let It Be), porém deu total crédito a Starr. Além disso Harrison colaborou com Starr nas suas músicas a solo “Photograph”, e “It Don’t Come Easy”. A letra simples que lembra temas infantis, a simpatia de Starr e a competência dos outros Beatles em acompanhá-lo tornaram “Octopus’s Garden” uma canção muito querida entre os fãs ao longo dos anos. Embora o baterista já tivesse tido duas músicas cantadas por ele nas listas de sucesso (“Yellow Submarine” e “With a Little Help from My Friends”), essa foi a primeira e única vez que Starr faria sucesso com uma composição sua nos Beatles. Nalguns shows dos Oasis, Noel Gallagher cantava essa música no final da canção “Whatever”.

I Want You (She’s So Heavy)
A composição menos convencional de John Lennon em Abbey Road. Uma das músicas mais longas dos Beatles (com 7 minutos e 47 segundos), é formada por duas melodias inacabadas, unidas em uma só canção, sendo a primeira ensaiada durante as sessões de “Get Back” em fevereiro de 1969 com Billy Preston nos teclados, e a segunda durante as sessões de Abbey Road, com a duração de mais de 8 minutos (editada depois). Teoricamente esta é uma canção de amor, mas a fúria e a levada de Blues levam “I Want You” para o contraponto de “She’s So Heavy”. Muitos críticos a consideram como uma música de rock progressivo, por sua estrutura, o “solo falado” e a duração. Foi usado o sintetizador Moog durante a canção e no final, para o efeito “vento”. Foi pedido por Lennon ao engenheiro Geoff Emerick que “cortasse exatamente aqui” na marca de 7:44, criando um silêncio abrupto editado para o final do lado A. Outra versão é de que o rolo de fita teria acabado mesmo, durante a gravação. Nessa data, 20 de agosto de 1969, durante as finalizações dessa música, foi a última vez em que todos os Beatles estiveram juntos, tocando em um estúdio. Existe um bootleg com Paul cantando essa canção.

Here Comes the Sun
Este é outro grande sucesso de George Harrison em Abbey Road, regravado inúmeras vezes ao longo dos anos por artistas como Peter Tosh e Richie Havens. O clima cheio de otimismo desta música tem uma explicação, que ele deu em entrevista uma vez: “Escrevi essa música na época em que a Apple parecia uma escola: Assine isto, assine aquilo… Parecia que o inverno na Apple duraria para sempre, então um dia tirei folga pra ir a casa de Eric Clapton e o alívio de estar naquele jardim ensolarado era tão maravilhoso que peguei o violão de Eric e escrevi “Here Comes The Sun”. Foi inspirada na música “Badge” do Cream (banda de Clapton) e pode-se notar a presença forte do sintetizador Moog, muito usado em Abbey Road. Contou apenas com George, Ringo e Paul, pois John estava se recuperando de um acidente de carro. A banda gravou as “palmas” e George e Paul gravaram os “backing vocals” muitas vezes para sobrepor o som. Com um capotraste na 7ª casa do violão, foi possível deixar o riff num Lá maior e com a mesma estrutura de “If I Needed Someone” com o padrão de frases repetidas ao longo da canção. Joe Brown cantou essa música em “Concert for George.”

Because
Foi usado o sintetizador Moog por Harrison na introdução de guitarra e foi inspirada no “Moonlight Sonata” de Ludwig van Beethoven, que Yoko tocava enquanto Lennon pedia para tocar de trás para frente (John sempre pedia isso). Cada vocal foi gravado em cada linha de microfone e sobreposto 3 vezes cada, totalizando 9 vozes. Enquanto gravavam os Beatles exigiram a presença de Ringo na sala de estúdio, mesmo sem participar, apenas para “dividir aquele momento de harmonia” segundo o engenheiro de som Geoff Emerick. As versões solo dos vocais podem ser ouvidas no disco Anthology 3. “Because” é interpretada por Elliott Smith e está na trilha sonora dos créditos finais de Beleza Americana (1999), filme de Sam Mendes.

You Never Give Me Your Money
Aqui começa a grande obra de Abbey Road, o pout-pourri formado pelas canções inacabadas de John Lennon e Paul McCartney. Esta foi criada por Paul e divide-se, na verdade, em três cançonetas distintas: Em “You Never Give Me Your Money”, a música em estilo clássico e a letra pessimista, mal disfarça sua insatisfação com os rumos da banda, principalmente os financeiros – culpando seu agente na época, Allen Klein. Ele dizia: “Ele só nos dava papéis e mais papéis e quando perguntávamos sobre dinheiro e a situação da Apple ele desconversava dizendo que éramos músicos e não homens de negócios”. Logo em seguida entra “Magic Feeling”, com a voz de Paul lembrando cantores dos anos 50 e fala sobre estar desempregado e sem perspectivas de futuro, algo que remete em suas próprias situações: “But all that magic feeling/Nowhere to go” traduzindo: “Todo aquele sentimento mágico/Não há lugar para ir”. As vozes referenciais de “Because” e “Sun King” entram aqui também. Em seguida vem “One Sweet Dream”, que descreve um sonho dourado, algo como a volta por cima: “One sweet dream/Pick up the bags and get in the limousine” ou “Um doce sonho/Pegue suas malas e entre na limousine” nessa parte da canção, George usa arpejos similares aos de “Here Comes The Sun” com um “amplificador Leslie” o que registra essa espécie de guitarra que mais tarde se tornaria sinônimo do “estilo Harrison”. E para finalizar, com um baixo inspirado e sons de grilos e outros bichos no final, uma frase com rima, onde os Beatles contam até sete e dizem que “todas as crianças boazinhas vão para o céu”, emendando com a próxima, “Sun King”. Alguns trechos dessa canção voltam na música “Carry That Weight.”

Sun King
Música escrita por Lennon cujo nome original da canção era “Here Comes The Sun King”, mas foi encurtado para “Sun King” a fim de evitar confusões com a música de Harrison “Here Comes The Sun”. Com um vocal triplo não tão elaborado como “Because” a música utiliza em seu meio alguma palavras em Inglês, Espanhol, Italiano e Português. Segundo Lennon: “Começamos a brincar de falar outras línguas e simplesmente misturamos tudo! Paul sabia um pouco de espanhol que aprendeu no colégio, inventamos algumas palavras sem sentido e o restante tiramos de jornais. “Los Paranoias”, por exemplo, era uma notícia sobre a gente”. Outro ponto interessante nessa música foi o efeito “cross-channel movement” que consistia em mudar o som de um canal para o outro (direita para esquerda e ao contrário, simultaneamente). Em entrevista de 1987, George disse que, para o timbre da guitarra, se inspirou em “Albatross” da banda Fleetwood Mac com o reverb, “Na época eu disse, vamos fazer igual o Fleetwood Mac com reverb… Não ficou muito parecido mas foi o ponto de origem”.

Mean Mr. Mustard e Polythene Pam
Ambas as músicas são de John Lennon, compostas durante a viagem à Índia em 1968. “Mean Mr. Mustard” foi baseada num fato real descrito por um jornal sobre um homem miserável que escondia dinheiro onde podia para que as pessoas não o forçassem a gastá-lo. Ele não se inspirou muito para escrever e obviamente descreveu no Anthology, anos depois como “um lixo escrito num pedaço de papel na Índia”. Foi encontrada uma versão “demo” gravada na casa de Harrison em Esher que aparece no Anthology 3, onde é possível saber que o nome da irmã de Mustard era Shirley que foi mudado para Pam pela oportunidade de associar com a música seguinte: “Polythene Pam”. Para compor “Polythene Pam”, Lennon se inspirou no encontro que tivera anos antes com um amigo poeta de Liverpool, Royston Ellis (descrito por John na famosa entrevista pela Playboy em 1980, como “o homem que introduziu os Beatles nas drogas.”) e sua namorada Stephanie. Na ocasião, ela estava vestida com uma roupa de polietileno. Há também a história sobre Pat Hodgett, fã dos tempos do Cavern que costumava comer polietileno e era conhecido como Polythene Pat. Esta é a terceira música do medley seguida por “She Came in Through the Bathroom Window.”

She Came in Through the Bathroom Window
Esta música composta por Paul McCartney faz parte da última canção do primeiro medley. No começo da emenda, John Lennon diz, “Please, come out now. (risos) Oh, look out!” Então alguém diz “You should…” que é cortado pela entrada da música. Mike Pinder, da banda de Rock progressivo e psicodélico The Moody Blues, conta no DVD The Classic Artists Series: The Moody Blues, lançado em 2006, que contou a Paul uma história de uma groupie que entrou pela janela do banheiro de Ray Thomas (outro membro da banda) e passou a noite com ele. Paul ouvindo o conto com sua guitarra na mão, em seguida disparou: “Ela entrou pela janela do banheiro…”. Paul gravou a guitarra solo enquanto George Harrison gravou o baixo. Levaram 39 takes para gravar a guitarra base e a bateria, e essa canção do medley demorou quase 2 dias para ficar pronta.

Golden Slumbers e Carry That Weight
Estas são duas das mais conhecidas músicas de McCartney em Abbey Road. A primeira foi criada após o beatle ter visto em um livro de sua meia-irmã Ruth um poema de Thomas Dekker, do século XVII, em formato de canção de ninar. Paul disse: “Pensei que eram muito tranquilizadores, uma antiga canção de ninar, mas não conseguia ler a melodia na partitura. Então peguei os versos e coloquei minha música neles.” Ele também tentou atingir sua voz num ponto alto como se fosse uma ópera, porque era um tema muito épico. Na música seguinte, “Carry That Weight”, Paul aproveita para voltar a trocar farpas com os Beatles e com Allen Klein: “Boy, your gonna carry that weight/ for a long time” ou “Rapaz, você vai carregar esse peso/por um bom tempo”. Paul poderia estar cantando para Lennon, algo como “se você deixar a banda, você vai carregar esse peso por muito tempo” ou para si próprio que tentou ser o gerente da banda após a morte de Epstein. No filme “Imagine” de John Lennon, ele diz: “Paul estava cantando sobre todos nós”. No meio dela ele introduz trechos de “You Never Give Me Your Money”, com a letra diferente. Paul toca piano e guitarra, George toca baixo e guitarra e Ringo bateria. John não participou desse medley (apenas gravou os backings posteriormente, com os quatro juntos, uma raridade em suas canções) devido a um acidente de carro com Yoko e seu filho Julian. Uma orquestra foi adicionada após as gravações. Essa música é a terceira parte do segundo medley e conta com a próxima música “The End.”

The End
O título desta música de Paul McCartney diz tudo: ela não só fecha o disco, mas também a carreira dos Beatles antes da separação. Foi a última canção a ser gravada pelos quatro Beatles e a última canção do medley. Lennon disse na entrevista da Playboy: “Aquilo é Paul McCartney. A frase final carrega uma filosofia cósmica que prova que quando Paul quer algo, ele consegue.” Ringo faz o único solo de bateria em toda sua carreira. Paul dividiu o solo de guitarra em 3 partes e deu para George e John tocarem uma parte fazendo assim uma sobreposição de solos. “The End”, antes chamada de “Ending” era para ser a última música do disco, mas “Her Majesty” acabou entrando no álbum. Essa sequência está presente até hoje nos shows de Paul McCartney e a frase final ecoará para sempre como o epitáfio da banda na história da música: “And in the end/The love you take/Is equal to the love you make” ou “E no final/O amor que você recebe/ É igual ao amor/Que você faz.”

Her Majesty
Esta é a “faixa escondida” de Abbey Road. Ela surge após um silêncio de 14 segundos, no fim de “The End”, e dura apenas 23 segundos, com Paul cantando acompanhado do violão. Originalmente ela estava entre as músicas “Mean Mr. Mustard” e “Polythene Pam” (O primeiro acorde da faixa é na verdade a última nota de “Mean Mr. Mustard”, e a música acaba abruptamente porque ela emendaria com o primeiro acorde de “Polythene Pam”), mas como Paul não gostou da posição original da música, e pediu para o engenheiro de som John Kurlander, para retirar e destruí-la, porém era norma da EMI nunca jogar fora nem destruir nada dos Beatles. Então ele adicionou a música para frente do final do disco para separá-la e esperar por uma futura aprovação o que acabou acontecendo. Paul disse mais tarde: “Foi um acidente, coisa típica dos Beatles”. O estilo “dedilhado” foi tirado da música “They’re Red Hot” de Robert Johnson, que influenciou outros guitarristas como Eric Clapton e Keith Richards. Foi criada por Paul após os Beatles terem recebido os títulos de Membros do Império Britânico (MBE) das mãos de Elizabeth II, em 1965. Na primeira edição do disco, ela não foi creditada na capa do LP (vinil), apesar de vir creditada no selo do disco vinil.

Capa
A famosa fotografia da capa do álbum foi tirada do lado de fora dos estúdios Abbey Road em 8 de agosto de 1969 por Iain Macmillan. A sessão de fotos durou dez minutos. John, sempre muito apressado, só queria “tirar a foto e sair logo dali, deveríamos estar gravando o disco e não posando pra fotos idiotas”. Detalhe: a ideia da foto foi de Paul McCartney. Foram feitas seis fotos. Paul McCartney escolheu a que achou melhor. A foto foi objeto de rumores e teorias de que Paul estaria morto, vítima de um acidente de carro em 1966. Apesar de ter sido apenas uma brincadeira e puro marketing do grupo, a lenda ainda é assunto de alguns beatlemaníacos. Na capa do LP, os Beatles estão a atravessar a rua numa faixa de segurança a poucos metros do Estúdio Abbey Road, e ficou marcada para sempre para muitas pessoas.

A foto conteria supostas “pistas” que dariam força ao rumor de que Paul estava morto: Paul está descalço (segundo ele, naquele dia fazia muito calor, e ele não estava aguentando ficar com nada nos pés), fora de passo com os outros, está de olhos fechados, tem o cigarro na mão direita, apesar de ser canhoto, e a placa do fusca (em inglês, beetle) estacionado é “LMW”, referindo-se às iniciais de Linda McCartney Widow (“Linda McCartney Viúva”) e, abaixo, o “281F”, supostamente referindo-se ao fato de que McCartney teria 28 anos se (if, em inglês) estivesse vivo (o I em “28IF” é realmente um “1”, mas isso é difícil de se ver na capa. Um contra-argumento é que Paul tinha somente 27 anos no momento da publicação de Abbey Road, embora alguns interpretem isso como que ele teria um dia 28 anos se ele estivesse vivo.). Os quatro Beatles na capa, segundo o mito “Paul está morto”, representariam o padre (John, cabelos compridos e barba, vestido de branco), o responsável pelo funeral (Ringo, em um terno preto), o cadáver (Paul, em um terno, mas descalço – como um corpo em um caixão), e o coveiro (George, em jeans e uma camisa de trabalho de denim). Além disso, há um outro carro estacionado, de cor preta, de um modelo usado para funerais e eles andam em direção a um cemitério próximo a Abbey Road. Notem também que, atrás do Paul, tem um carro como se estivesse passando pelo mesmo lugar que ele está. Outra suposta pista seria que, na contracapa do álbum, ao lado esquerdo da palavra Beatles, haveria 8 pontos formando o número 3 (sendo, então, “3 Beatles”). O homem de pé na calçada, à direita, é Paul Cole, um turista dos Estados Unidos que só se deu conta que estava sendo fotografado quando viu a capa do álbum meses depois.

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As 15 piores capas de discos eruditos de todos os tempos

As 15 piores capas de discos eruditos de todos os tempos

A Gramophone elegeu as piores capas de discos eruditos de todos os tempos.

~ 1 ~

A vencedora foi esta, com a legenda que será compreendida por quem conhece Os Planetas, de Holst: “Westminster Gold, the bringer of insanity”.

~ 2 ~

O segundo lugar foi esta capa onde Birgit Nilsson parece estar fugindo do massacre da serra elétrica. A revista colocou a seguinte legenda: “As if Salome wasn’t dramatic enough”.

~ 3 ~

Não dá para saber se esta é propaganda de esmalte, de alongamento ou se é música. O que tem a ver a Dvořák com… pés? Bem, ele os tinha. Eu também tenho e provavelmente você que me lê também. Quem sabe aquele Dvořák no topo tenha sido um erro de impressão?

~ 4 ~

Esta é genuinamente assustadora. O halo ao redor do cabelo de Sylvia Sass e a expressão em seu rosto evocam “Carrie, a Estranha”. As canções de Strauss são ótimas, mas, como também tem Wagner, não sei se me atreveria a chegar próximo o suficiente para ouvir o disco.

(Elena diz que esta é a expressão de quem olha para a partitura de Strauss pela primeira vez).

~ 5 ~

O disco é excelente. Tenho aqui em casa. Apesar da falta de nosso sotaque, tem alto nível artístico, só que a capa…

Michael Tilson Thomas aparece como algo entre Ace Ventura e Monty Python. O colorido, a folharada, a arara no braço, a cara de Rambo de quem parece não estar gostando muito do dia de folga — talvez pensando numa queimada. Uma verdadeira Arma Brasileira em tempos pré-bolsonaristas.

~ 6 ~

O megabrahmsiano Al Reiffer talvez dissesse que Brahms é alimento essencial para a alma, mas esta metáfora ficou um tanto deselegante na mão do capista. Ovos, bacon e Brahms. Bach seria a cerveja da alma? (Ele era cervejeiro, para quem não sabe). Eu, como chocólatra, fico pensando que compositor representaria a delícia maior.

Mas derivo. Curtam esta linda capa.

~ 7 ~

A escolha desta capa só pode ser compreendida por ingleses. A capa não é horrível, mas a caracterização bíblica de Bryn Terfel remete, para nove dentre dez ingleses, ao filme “A Vida de Brian”, do Monty Python.

A revista diz que Terfel parece um figurante que fugiu do filme… Para piorar, o nome de Terfel é…

~ 8 ~

Bach significa ribeiro, rio pequeno. No encarte, está escrito que “O mar simboliza todas as composições de Bach.” E tudo bem, assim encerra-se a justificativa para a imagem. Vai ver que sou chato e fico pensando, para além da feiura, no mal que a água salgada fará ao instrumento. Pensando que a cadeira será levada daquela pedra escorregadia, nas roupas molhadas, na violoncelista nadando com o arco fora d`água, no cello submerso. Penso também que o som do mar me impediria de ouvir a música. Por outro lado, reflito se a manipulação fotográfica também simboliza Bach. Grande Bach, que sobrevive a tudo.

~ 9  ~

A capa que desaparece e reaparece foi umas das eleitas como piores capas de discos eruditos de todos os tempos pela revista Gramophone.

Lembra da emoção daqueles quase hologramas da década de 1980? Você virava uma imagem nas mãos e de repente via uma nova imagem aparecer? É o mesmo tipo de coisa, só que não é. É o arremedo do kitsch.

~ 10  ~

A estimada violinista Lara St. John estava na casa dos vinte anos quando fez essa gravação. Só que ela parece muito mais jovem do que isso na capa. Parece uma criança. Parabéns. Porém se ela, após tirar a foto, começasse imediatamente a tocar a Chaconne da Partita Nº 2, a peça seria proibida por Bolsonaro ou por algum membro de nosso governo fundamentalista. Os politicamente corretos também ficariam hostis, pois pensariam em pedofilia. Ai, estou confuso. Parabéns. Acabo de lembrar que a Chaconne é uma peça que Bach escreveu pela morte de sua primeira esposa, Maria Barbara, mas isto não deve ter nada a ver. Já disse que estou confuso, não me incomodem.

~ 11 ~

Veja. Mats Rondin é um violoncelista e ele inicia o disco com o Vocalize de Rachmaninov. Porém, quando vi a capa, achei que ele fosse um cantor e que cantasse tão bem, mas tão bem, que até os cães aceitavam o fato e lambiam suas cordas vocais. Não tenho nenhum problema com os cachorros. Eu amo os cães. Quem não gosta deles? Eles são uma das poucas alegrias da vida. (Uma das outras não são os gatos). Se este ainda fosse um álbum de música clássica para cães (eles existem), teríamos… bem, um álbum de música clássica para cães. Mas não é. Anos depois, a capa foi alterada. Na nova, Rondin carrega seu cello atrás e em cima da cabeça. Atravessado.

~ 12 ~

Discordo da 12ª escolha de pior capa da Gramophone. É uma capa feita para crianças e o nome do disco em finlandês é ‘Nallekarhu Konsertissa’, ou seja, ‘Ursinho de Pelúcia em Concerto’ e o complemento é ‘Favoritos da Música para Crianças’. Claro que a foto poderia ser mais fofa, mas o cômico aqui funciona, Ou não?.

~ 13 ~

Gosto muito da naturalidade desta capa. Você chegaria tão perto de um leão? Acha normal colocar uma tuba sobre a cabeça do bicho vestindo terno branco? Tudo dentro da rotina.

~ 14 ~

Que lindo! Uma foto de família para os netinhos! Fico feliz de ver a Sra. Dermota com saúde. Mas não há algo assustador nas pinturas, na iconografia religiosa e na ausência de luz natural?

~ 15 ~

Para um homem que sempre exerceu rigoroso controle sobre sua imagem quanto Herbert von Karajan, estes são registros um tanto comuns… E basta ouvir certas gravações dele para que você desconfie que ele, de vez em quando, se ligava num auto-boicote. Na foto escolhida pela revista, ele parece que vai sair à noite em busca de um(a) parceiro(a).

Na seguinte, ele vira um camafeu.

Depois, um anjo saído dos tubos de um órgão.

E tenta fugir num carro veloz.

Corra, Herbert, corra!

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Feliz Aniversário, Shostakovich

Minha querida filha Bárbara está de aniversário hoje. Comecei o dia fazendo uma visita a ela. Mas o 25 de setembro é também o aniversário de Shostakovich. Para quem conhece sua música, esta versão de Feliz Aniversário é hilariante. Quem não conhece não vai entender nada. Há trechos de dois quartetos. Bem, mas vocês descobrirão.

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Impossível ficar indiferente à capa do último CD de Cecilia Bartoli

Impossível ficar indiferente à capa do último CD de Cecilia Bartoli

Cecilia Bartoli acaba de anunciar seu novo álbum, Farinelli, com um programa de árias inspirado na figura do famoso castrato, provavelmente um dos melhores cantores da história. O álbum (no qual a cantora tem a colaboração do notável Giardino Armonico de Giovanni Antonini) estará à venda no dia 8 de novembro. Mas o que certamente não deixará ninguém indiferente é a imagem da capa, onde Bartoli aparece com barba. Piscadela aos transexuais? Auto-ironia? Marketing astuto? Uma mistura das três coisas?

A verdade é que Bartoli tem uma longa história de capas excêntricas, e não é a primeira vez que os castrati despertam sua imaginação. Alguns se lembrarão, há dez anos, de seu álbum Sacrificium, onde seu corpo havia passado por um processo de “marmorização” que a transformou em uma estátua.

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Bach e Sweelinck

Bach e Sweelinck

O compositor para teclado mais parecido com Bach é o holandês Jan Pieterszoon Sweelinck, um desconhecido muito influente. É óbvio que ele não tem a chama do gênio do alemão, mas confiram aí.

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Pollini nos dá uma aula de música

Pollini nos dá uma aula de música

Aqui, o maior dos pianistas dá uma bela entrevista. Pollini parece pensar cada nota. Depois de ouvi-lo, a gente tem dificuldades com outros. Ele é convincente ao mais alto grau. A noite em que o ouvi em Londres foi uma das melhores de minha vida. Foi um recital muito longo dedicado a Abbado. Tinha umas 2000 mil pessoas no Southbank Center, todas em suspenso, absolutamente sozinhas com o gênio. Sensível e de enorme refinamento intelectual, ouvir Pollini (1942) — tocando ou apenas discorrendo — é um bálsamo em nossos dias bolsonarianos. Vale a pena.

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Plácido Domingo: concertos cancelados nos EUA e ovação na Europa

Plácido Domingo: concertos cancelados nos EUA e ovação na Europa

O universo erudito norte-americano respondeu às acusações de assédio sexual que teriam sido cometidos pelo tenor e maestro Plácido Domingo. Quatro instituições foram radicais. A Orquestra da Filadélfia cancelou um concerto que teria participação dele. A Orquestra divulgou uma nota para justificar sua decisão. “Nosso comprometimento é o de manter um ambiente seguro, respeitável e apropriado”. A Ópera de São Francisco “desconvidou” o tenor espanhol de um concerto que seria realizado em outubro. Imaginem: o evento seria realizado para comemorar os 50 anos da estreia do cantor junto à instituição. Por meio de sua assessoria, os responsáveis pela Ópera alegaram que, embora nenhuma acusação contra Domingo tenha sido provada, ela tem o compromisso de repudiar qualquer situação de assédio.

As acusações dão conta de que Domingo causava prejuízos a artistas que não cediam a seus desejos.

A Ópera de Los Angeles e a Ópera Nacional, de Washington, foram mais reservadas. Los Angeles, onde ele atua como diretor artístico, informou que os casos de assédio serão investigados, ainda que reconheça que o maestro seja “uma força criativa” dentro da instituição por mais de três décadas. A Ópera de Washington, que teve Domingo sob contrato por 15 anos, afirmou por meio de seus representantes que não dispõe de políticas definidas para qualquer tipo de assédio e abuso. Os diretores da casa não quiseram dar mais detalhes se irão investigar o comportamento de Domingo — que teria assediado mulheres enquanto foi diretor artístico do local.

Enquanto isso, em Salzburgo, os bravos e os aplausos começaram quando Plácido Domingo foi visto caminhando rapidamente no palco antes de uma apresentação no Festival de Música na cidade. Foi uma ovação de pé que durou bem mais de um minuto. Aquela seria a primeira apresentação de Domingo desde que surgiram acusações de assédio sexual contra ele. A plateia aplaudiu todos os grandes momentos da ópera. Ele teve que pedir para parar a ovação de pé na última parte para que outros artistas também fossem homenageados.

O imponente Grosses Festspielhaus, a Grande Sala de Concertos do Festival, estava lotado naquela arde de trovoada. Havia gente junto às portas com placas pedindo para comprar ingressos para a apresentação esgotada. Era uma das óperas menos conhecidas de Verdi, Luisa Miller, que seria regida por Domingo. No saguão, havia o que parecia ser um pequeno santuário para Domingo — uma banca de venda de CDs e vídeos, junto com fotos de imprensa e de produções recentes. Em outros lugares do balcão, havia todos os Esa-Pekka Salonens ou Anna Netrebkos que você poderia desejar, mas todos pareciam querer Domingo.

Ao final de Luisa Miller, a ovação durou 15 minutos!!! Quaisquer que sejam os resultados da investigações em Los Angeles, Domingo poderá seguir cantando e regendo na Europa. E… Cada vez mais os europeus acham que os norte-americanos são um bando de idiotas, isso estava claro na atitude e na indignação das pessoas.

Esta foi a primeira aparição pública de Domingo desde que a AP informou que oito cantores e um dançarino acusaram Domingo de avanços sexuais indesejados. As acusações foram todas anônimas e ainda não comprovadas. A Ópera de Los Angeles, onde Domingo é diretor geral, iniciou uma investigação.

Isso ainda vai longe.

Com o Los Angeles Times, Norman Lebrecht e outros.

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Paralelepípedo Cultural III

Paralelepípedo Cultural III

Gostei muito de fazer este Paralelepípedo Cultural com o grande trombonista José Milton Vieira. Divirtam-se!

Para ver nossa playlist no YouTube. clique aqui.

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Futebol e Ópera: drops de segunda

Futebol e Ópera: drops de segunda

Realmente muito bonita a versão da Ospa para Orfeu e Eurídice, de Gluck, sob a regência de Evandro Matté. Destaque também para a bela direção cênica e cenografia de William Pereira. O que víamos refletia a música. Eu fiquei encantado com que vi e ouvi. O trio de cantoras arrasou. Denise de Freitas, Carla Cottini e Raquel Helen Fortes deram um banho. O coral também foi demais, né, Loren Hofsetz? Todo mundo saiu feliz do TSP. Mas quem foi brilhante mesmo foi a minha Elena Romanov, invisível lá no fosso! Bem, muita gente está a merecer parabéns hoje. Foi um trabalhão que deu certo, apesar do prazo exíguo e dos apertos de sempre. Parabéns, tudo está bem quando acaba bem, já dizia o velho Shake!

Loren Hofsetz completa, em comentário feito no meu perfil do Facebook: Foi muito bom vivenciar tudo isso. Temos muita sorte de ter o maestro Manfredo Schmiedt que esteve com a gente em todos os momentos para estarmos à altura do que a obra pedia. Foi incansável. Em todos os intervalos esteve conosco. Devemos muito a ele. A Elisa Machado que nos preparou vocalmente, a todos os envolvidos na produção que desde as amadas maquiadoras, o pessoal do cabelo, do figurino e, sobretudo à orquestra, em especial Elena Romanov que foi uma das que demonstrou apoio e torcida para que tudo desse certo. Trabalhamos juntos. Bravo também ao Evandro Matté! Obrigada pela tua presença, é um privilégio ter alguém como tu nos apoiando e que, por ser tão apaixonado por música, só agrega e eleva o nível quando se trata de falar sobre ela. Muito obrigada!

(Pena que a Dança das Fúrias tenha sido cortada).

.oOo.

Os camarotes laterais do Theatro São Pedro são o próprio inferno. Na segunda fila, não via o palco. Deveriam doar estes ingressos. Sempre. Fui salvo por amigos.

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Pelo visto, Odair vai escalar Sóbis contra o Flamengo, deixando de fora Nico López e Wellington Silva. Não desejo isto, mas será uma eliminação bem ridícula, com substituições pré-definidas, pois Sóbis não tem velocidade nenhuma nesta época da vida e só pode jogar de centro-avante. Espero estar errado. Vai sair aos 5 do segundo tempo, quando estivermos desesperados.

.oOo.

Perdemos para o Goiás. Nico López não poderia fazer isso, mas fez. Não está se esforçando nada no time alternativo após perder a posição para Sóbis. Aliás, esta foi a atuação mais podre do time de Odair em 20 meses. Algo jamais visto. Jogando com um a mais desde o início do jogo e ganhando de 1 x 0 acabaram perdendo por 2 x 1.

Até o diretor de futebol Roberto Melo reconheceu o ridículo da atuação.

E Parede também…

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Paralelepípedo Cultural II

Paralelepípedo Cultural II

O segundo programa Paralelepídedo Cultural na Rádio Web E / Ou — a primeira Rádia Web do Brasil. Apresentação de Milton Ribeiro.

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Paralelepípedo Cultural I

Paralelepípedo Cultural I

O primeiro programa Paralelepídedo Cultural na Rádio Web E / Ou — a primeira Rádia Web do Brasil. Apresentação de Milton Ribeiro e Elena Romanov.

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Paralelepípedo Cultural I

Paralelepípedo Cultural I

Boa tarde, amigos da Rádio Web e/ou — a primeira rádia web do Brasil.

Este é o Paralelepípedo Cultural, programa apresentado por este que vos fala, Milton Ribeiro, num oferecimento da Livraria  Bamboletras — livraria de todos os gêneros — localizada no Shopping Nova Olaria, 776, loja 3.

Hoje, vamos mostrar alguma coisa da produção musical erudita da Europa da segunda metade do século XX.

Arvo Pärt

Sabemos que o elitismo fazia parte da ideologia da Segunda Escola de Viena.

A Segunda Escola de Viena foi um grupo de compositores modernos de Viena, formada por Arnold Schoenberg e seus discípulos Alban Berg e Anton Webern.

Sua música é caracterizada pela atonalidade, pelo dodecafonismo e por, simplesmente, virar as costas ao público.

Se a música dava para assobiar, não era música.

Esse elitismo na linguagem da música europeia que Schönberg radicalizava teve muitos discípulos e a música erudita foi se tornando cada vez mais complicada e impenetrável.

É claro que se tornou também irrelevante.

Em resposta, ocorreu uma onda trazida pelos negros das Américas, que trouxe de volta o elemento dionisíaco da música, de que a Europa havia aberto mão.

Achamos mesmo que a maior parte da música relevante do século XX tem uma dívida para com a corrente negra.

Mas houve uma pequena e resistente aldeia gaulesa que salvou a segunda metade do século europeu.

Ela estava nos países do Báltico.

A Rússia, a Finlândia, a Lituânia, a Estônia, a Polônia, etc. permaneceram fazendo música compreensível.

Hoje, vamos apresentar 4 obras de compositores da região.

Comecemos pelo russo Shostakovich com seu Trio para Piano N° 1, composto quando o compositor tinha apenas 16 anos.

O trio foi escrito em apenas um movimento e foi…

Bem, foi apenas um trabalho de aula de Shostakovich.

Este foi o Trio Nº 1 de Shostakovich com o DSCH-Shostakovich Ensemble.

(Acima, outra gravação. Na gravação que será apresentada o Trio #1 tem 10min41 de duração).

Agora vamos partir para o divertido Tango Polifônico, do russo Alfred Schnittke.

Parece que um dos objetivos principais de Schnittke na sua carreira foi o de conseguir a unificação da música clássica com a ligeira, como faz nesta obra de 1979. Sua técnica era chamada de poliestilística, o que consiste no uso de múltiplos estilos e/ou técnicas de composição musical, e é visto como uma característica pós-moderna.

Este foi o Tango Polifônico de Alfred Schnittke, com a Orquestra Sinfônica da Rádio do Norte da Alemanha, sob a direção de Eiji Oue.

Finalizando, vamos a duas peças do estoniano Arvo Pärt.

Pärt nasceu em 1935 e é o compositor erudito vivo que é mais tocado no mundo. A musica de Pärt é muito inspirada pelo Canto Gregoriano.

Suas obras geralmente têm um ritmo lento e meditativo.

A abordagem composicional de Pärt expandiu-se com o tempo, mas o efeito geral permanece basicamente o mesmo.

“Spiegel im Spiegel” ou “Espelho no Espelho” é uma famosa peça de Arvo Pärt escrita em 1978. A peça tem uma voz melódica, a do violino, acompanhada pelo piano.

Esta peça é popularíssima, tendo sido utilizada em 26 filmes de diretores como Godard, Sorrentino, Guy Ritchie e François Ozon, dentre outros.

Este foi Spiegel im Spiegel, com a violinista Lisa Batiashvili e a pianista Hélène Grimaud.

Então, para terminar de vez, vamos a mais uma célebre peça de Pärt, Fratres. Fratres significa Irmãos. Imaginem que esta obra, composta em 1977, foi trilha sonora de 13 filmes.

Então, vamos ouvir Fratres com Viktoria Mullova, violino, e a Orquestra Nacional da Estônia, sob a  direção de Paavo Jarvi.

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Os compositores

Bach é Bach
Handel, um Bach mais religioso
Mozart, um Handel mais jovem e bonito
Beethoven, um Mozart angustiado
Chopin, um Beethoven sem angústia
Tchaikovsky, Chopin mais orquestra
Debussy, um Tchaikovsky descontraído
Ravel, Debussy mais jazz
Gershwin, Ravel e ainda mais jazz
Joplin, Gershwin mas mais jazz
Stravinsky, Joplin atonal
Ives, Stravinsky e mais bagunça
Cage, Ives menos a música

(claro que foi feito por norte-americanos)

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Um pouco sobre a Missa Glagolítica, de Leoš Janáček

Um pouco sobre a Missa Glagolítica, de Leoš Janáček

Uma obra religiosa escrita por um ateu, uma obra inspirada pelo amor não consumado a uma mulher casada e uma obra para homenagear a cultura eslava. Este é o resumo do que é a extraordinária Missa Glagolítica do tcheco Leoš Janáček. Mas não vamos ficar apenas no resumo. Vamos adiante.

Alexandre Pushkin foi o escritor que, para além de seus grandes méritos literários, recebeu o crédito de ter ampliado significativamente o vocabulário do idioma, normatizando várias expressões populares e codificando o russo literário. Sabemos da importância que o idioma tem para a identidade e cultura de um povo, da parte fundamental que ele ocupa em sua autoafirmação e independência.

A Morávia do compositor Leoš Janáček foi, por quase toda sua vida, dominada por estrangeiros. Até a Primeira Guerra Mundial, em 1918, por exemplo, existia o Império Austro-Húngaro, que ia do centro da Europa até a fronteira com a Ucrânia. Então, finalmente, o povo tcheco pôde celebrar sua independência… Mas esta valeu apenas até 1938, quando os nazistas resolveram anexar o país. Depois veio a URSS.

Ou seja, a região da República Tcheca foi, até a queda do Muro de Berlim, em 1989, uma região constantemente esmagada pelas potências ocidentais de um lado e pela Rússia de outro.

Em 1926, Janáček, resolveu comemorar a efêmera independência de seu país escrevendo uma Missa. Mas não com uma Missa comum: optou, como ato de afirmação étnica, por uma missa cantada na antiga língua litúrgica eslava, o eslavônico. Por isso o nome da obra – “Missa Glagolítica”, ou seja, missa numa língua escrita no alfabeto glagolítico, antecessor do cirílico.

A Missa Glagolítica (Mša glagolskaja) foi apresentada pela primeira vez em 26 de junho de 1926 em Praga.

A opção do ateu Janáček por escrever uma missa de tintas étnicas é muito simbólica. Janáček apoiava o pan-eslavismo e a obra era um modo de celebrar a identidade e a cultura eslava. Não é uma mera Missa nacionalista tcheca, ela celebra todo o patrimônio pan-eslavo, usando a língua litúrgica que foi utilizada em diversos países eslavos.

Esta gravação deverá aparecer no PQP Bach nos próximos dias.

Fora as cinco seções tradicionais da missa -– aqui com títulos em eslavônico: o “Credo” virou “Veruju”, o “Gloria” virou “Slava” e assim por diante — Janáček adicionou uma introdução orquestral e, perto do final, um sensacional solo de órgão seguido de um poslúdio sinfônico curiosamente chamado de “Intrada”, sei lá para onde, mas dá para imaginar.

A linguagem musical de Janáček não costuma ser delicada, mas é de originalidade, beleza e modernidade impressionantes. Os ritmos da Glagolítica refletem tanto a aspereza da língua antiga quanto a bagagem folclórica. A orquestração e o uso da voz humana são absolutamente pessoais e convincentes. E o drama da expressão – como na passagem da crucificação de Cristo, na qual o órgão assume papel fundamental – demonstra a vocação de Janáček para o teatro.

A música começa e termina com fanfarras. Há ainda muitos trechos de grande originalidade rítmica — principalmente para ouvidos treinados para formas diferentes –, além de memoráveis passagens para solistas e coro, e o famoso solo de órgão do qual falaremos mais a seguir.

Milan Kundera escreveu: “A Missa Glagolítica é uma orgia, não uma missa”. Vamos a mais um pouco de história: o pai de Kundera — um pianista e musicólogo que faleceu em 1971 — trabalhou com Janáček e ajudou o compositor nos ensaios para a estreia. Ela é uma das várias obras, justamente as melhores de Janáček, que é marcada por dois fatos que o motivaram muito no final da vida: a independência de seu país obtida em 1918 e, bem, seu enorme amor por Kamila Stösslová, uma mulher casada e 40 mais jovem que jamais compartilhou deste sentimento amoroso, mas que jamais afastou-se dele. Sim, os dois mantiveram por anos uma profunda amizade. Janáček parecia não se incomodar muito e mantinha suas juras de amor mesmo sem a contrapartida física.

Então, a musa Kamila Stösslová ocupa um lugar incomum na história da música. Leoš Janáček, ao conhecê-la em 1917 na Morávia, apaixonou-se profundamente, apesar de ambos serem casados ​​e do fato de que ele sera quase quarenta anos mais velho. Ela influenciou profundamente o compositor em sua última década de vida. Kamila estava morando em Luhačovice (Morávia) com seu marido, David Stössel, e seus dois filhos, Rudolf e Otto. David estava no exército e até ajudou Janáček na obtenção de alimentos no tempo de guerra. Provavelmente o serviço militar de Stössel só deixava que ele passasse poucos dias em Luhačovice, dando a Janácek a chance de caminhar e conversar com Kamila durante o resto do tempo. Ele a conheceu em 3 de julho de 1917. Cinco dias depois, já escrevia apaixonadamente sobre ela em seu diário. Uma correspondência cerrada entre a dupla começou em 24 de julho.

Kamila devia ser muito inspiradora, apesar de impedir que o sexo se concretizasse. Foi para ela que Janáček criou várias mulheres de suas óperas, a Katya de Katya Kabanová, a raposa de A Pequena Raposa Astuta e Emilia Marty de O Caso Makropulos. Outros trabalhos que foram inspirados por sua paixão foram O Diário de Um Desaparecido, a Missa Glagolítica, a Sinfonietta e o Quarteto de Cordas No. 2 (Cartas Íntimas), ou seja, suas obras mais importantes. Na dedicatória das Cartas Íntimas, Janáček escreveu: “A música descreverá o medo que sinto de você”.

Como já disse, o ateu Janáček era um entusiasta do “pan-eslavismo”, movimento que valorizava mais as línguas eslavas do que o latim e as germânicas. Kundera tem razão em chamar a Glagolítica de orgia, pois há tanta música feliz, dançante e efusiva, que nem parece que estamos celebrando uma Missa, não obstante a participação do órgão. Ah, o ateísmo é libertador! Tudo na Glagolítica é moderno e original. O soprano solista parece uma guerreira, o baixo parece ter saído direto de um culto da Igreja Ortodoxa. Talvez seja a mais bela Missa do século XX, talvez melhor que a de Bernstein, que também é um espanto.

Voltando ao pai de Kundera, Ludvík: ele escreveu, numa crônica de 1927, que a Glagolítica fora “escrita por um velho homem religioso”. Janáček não parece ter gostado muito: “Não sou nem velho nem religioso”. Toma, Ludovico!

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O alfabeto glagolítico (glagólitsa nas línguas eslavas) é o mais antigo dos alfabetos eslavos que se conhece. Foi criado por São Cirilo e São Metódio por volta de 862-863 para traduzir a Bíblia e outros textos para as línguas eslavas. O nome vem da palavra glagola, que em búlgaro antigo significa palavra. Já glagolati significa falar e pode-se dizer, um tanto poeticamente, que glagolítico são “símbolos que falam”.

O alfabeto glagolítico original constava de 41 letras, embora a quantidade tenha variado levemente com os séculos. Das 41 letras glagolíticas originais, 24 são derivadas, provavelmente, de grafemas do grego medieval, os quais receberam um desenho mais ornamental.

Os caracteres restantes são de origem desconhecida. Acredita-se que alguns podem ter vindo de caracteres hebraicos e samaritanos, que Cirilo teria aprendido em suas viagens.

O nome “Glagolítico” é em checo hlaholice, em eslovaco hlaholika, em polaco głagolica, em russo, macedónio e búlgaro глаго́лица (transliterado glagólitsa), em croata glagoljica, em ucraniano глаголиця (transliterado hlaholytsia), em bielorrusso глаголіца (transliterado hlaholitsa), em esloveno glagolica, etc.

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Agora, um caso com o órgão presente nesta Missa. Ao folhear o livro Tudo tem a ver, de Arthur Nestrovski, dei de cara com um artigo que descreve o pânico de um organista que fugiu por medo de tocar o famoso movimento solo da Glagolítica. Isso dois ou três dias antes do concerto da Osesp. Nestrovski narra seu desespero e a brilhante solução, obtida quase que por sorte. Ah, querem spoilers? Nada disso, comprem o livro — que é bom demais, com ensaios sobre literatura, música popular e erudita.

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