Ospa: o gonzo, o Elgar e o Jevtic

Ospa: o gonzo, o Elgar e o Jevtic

O gonzo volta a atacar. E é o único jeito, pois o concerto de terça-feira tinha três peças e eu assisti apenas duas devido a um pequeno problema. Para acentuar meu atraso, duas pessoas me pararam no caminho, um para elogiar meu blog rapidamente e outra para discursar mais longamente sobre o mesmo assunto. Como há duas semanas um gaúcho que mora em Roraima me parou com a mesma envaidecedora intenção, chego à conclusão que sou muito famoso na Rua Duque de Caxias. E apenas lá. Engraçado, o Philip Gastal Mayer nunca elogiou meu blog, apesar de domiciliado naquela importante artéria de nossa capital.

Pois bem, como não costumo avaliar o que não vi, vou ter que deixar de fora a peça de Renato Segati, que assim permanece ainda mais Enigmática (Op. 5). Foi mal, Renato.

Cheguei esbaforido ao concerto bem no momento em que iniciava a Cello Symphony, excelente peça do sérvio Ivan Jevtic. Procurei um local adequado para observar quem me interessa, consegui e a coisa começou. Mas o estranho é que Jevtic parecia um Shostakovich cujos trechos mais dramáticos e sarcásticos tivessem sido cortados. Remexi-me na cadeira e tentei ouvir a música ignorando a enorme sombra soviética. Mas não adiantava. Quando entrou o segundo movimento — um zombeteiro Scherzoso — tudo fazia com que Shosta voltasse e invadisse minha cabeça com seus óculos de estilo realismo-socialista. Mas quando falo no russo, não pensem que estou acusando Jevtic de ser um imitador ou de um mero epígono. A música tem o sotaque de Shosta, mas é original e de excelente qualidade. Um belo movimento Lento fez com que eu ficasse só com Jevtic no Dante Barone e o Allegretto ben marcato não somente deu cifras definitivas ao marcador com estabeleceu uma vitória do compositor sérvio sobre a sombra no quesito originalidade. Ah, o violoncelista Viktor Uzur é fantástico.

O concerto teve um intervalo tão longo que li quinze páginas de Sábado, bom romance de Ian McEwan. Para que tanto tempo, heinhô?

A segunda parte teve as Variações Enigma, de Edward Elgar. A ideia da composição é muito interessante. Consiste numa série de quatorze variações sobre um tema que jamais é apresentado, o tal Enigma. A música é a melhor produzida por Elgar, o que, se não chega a ser um elogio em tratando-se de um autor tão ruim, também não faz com que ignoremos que ela é a melhor de sua obra — e a melhor de forma absolutamente disparada. Ou seja, é boa música, muito popular também. Obviamente, é uma de suas músicas mais conhecidas e não só pelo enigma escondido. Para deixar a coisa ainda mais interessante, Elgar dedicou a Enigma a seus amigos, retratados nela. Então, cada variação traz as iniciais de um brother do compositor; mostrando um quadro afetivo do mesmo. É bonito, é inglês, é querido, é quase literário. E incrivelmente é boa música vinda de um país que ama profundamente um gênero musical para o qual praticamente não compõe.

A Ospa esteve bastante bem sob o japonês Teraoka. As cordas “cantaram” com rara inspiração o movimento mais conhecido e melodioso de Enigma e trabalhou bem as modernagens de Jevtic, realizando um belo concerto na noite da última terça-feira. A noite acabou com festa íntima no Atelier das Massas. Comi um prato excepcional, chamado talvez Al Padrone. Bem, leva filé, molho de tomate e é bom demais. Recomendo.

E agora, uma canjinha para enfrentar o inesperado frio desta noite de quinta-feira arrancada do inverno. E gonzo se retira. Por ora.

Uzur observa Teraoka, que lhe faz pouco caso.
Viktor Uzur observa Teraoka, que lhe faz pouco caso | Foto Giovanna Pozzer

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Ospa com programa jazzístico, poético e zombeteiro

Ospa com programa jazzístico, poético e zombeteiro
Cristina Capparelli mandou bem e sobreviveu
Cristina Capparelli mandou bem e sobreviveu ao concerto que “matou” Gershwin

Com o tempo, a gente vai aprendendo. Os concertos regidos por Manfredo Schmiedt obedecem à seguinte lei de formação: são bem trabalhados, minuciosos, seguros, além de ousados e equilibrados. Não foi diferente ontem. A Ospa rendeu muito frente a boa parte da comunidade musical de Porto Alegre, lá presente para saudar a pianista Cristina Capparelli, solista do Concerto em Fá, de George Gershwin.

O programa começou com Evocação de Augusto Meyer, peça do crasso porto-alegrense Armando Albuquerque, amigo de Meyer, o bom poeta e melhor ensaísta que colocou o mulato Machado de Assis no lugar onde está merecidamente até hoje, ou seja, no Olimpo das letras nacionais. Albuquerque é grande compositor. Tenho seus discos Mosso e Uma ideia de café — títulos sujeitos às flutuações de uma memória vagabunda — e afirmo que são boníssimos. Evocação é um peça curta e muito interessante, com a surpresa de vermos o pianista André Carrara arranhando bastante bem um acordeon durante um solo com a percussão. O diálogo poético entre Meyer e Albuquerque foi um início promissor de concerto.

Não tem problema, ele sabia disso. O norte-americano George Gershwin tinha uma cultura musical limitada, mas era um imenso melodista. Escreveu centenas de canções, sendo uma espécie de Schubert com seus mais de 500 lieder negros. Certo preconceito dos representantes da alta cultura de sua época hesitava em considerá-lo “erudito”. Não foi o caso do grande Maurice Ravel, admirador da música e da fortuna de Gershwin. Há muitas piadas a respeito. Ora, o Concerto em Fá é bem conhecido. Foi uma encomenda da Filarmônica de Nova Iorque, estreada pelo próprio compositor ao piano em 3 de dezembro de 1925 no Carnegie Hall em Nova Iorque. O curioso é que, em fevereiro de 1937, Gershwin tocava o Concerto Em Fá com a Filarmônica de Los Angeles quando sofreu um desmaio. Levado ao hospital, recebeu o diagnóstico de tumor cerebral. Morreu cinco meses depois, aos 39 anos, no auge.

Porém, Cristina Capparelli saiu caminhando após o concerto — não foi necessária a intervenção dos maqueiros — e espero que esteja tão bem quanto esteve como solista. Excelente interpretação do concerto de Gershwin. Gostei muito de todos na interpretação do segundo movimento (Adagio — Andante com moto). Os sopros soaram tristes, dignos de uma big band de Duke Ellington, com destaque para o trompetista Tiago Linck, secundados pelo trio de clarinete, flauta e trompa, pilotados por Augusto Maurer, Klaus Volkmann e Israel Oliveira.

A diversão da noite veio por conta de Jacques Ibert e seu Divertissement. Raros “Divertimentos” são tão alegres e zombeteiros quanto este. Para orquestra reduzida, tem início agitado e atlético ao estilo do melhor Hindemith, boa escrita para sopros — e os atuais sopros da Ospa sempre respondem bem às demandas mais complicadas –, citações da Marcha Nupcial, a tangos e tem no coração uma incrível valsinha, bem burlesca, além de um solo anárquico, talvez inspirado no Bloco de Lutas, a cargo de André Carrara. Mais um show dos sopros numa música tão boa e feliz que nem parece francesa.

A Sinfonietta Prima de Ernani Aguiar, finalizou com dignidade o belíssimo programa. Depois de um severo primeiro movimento, temos um lastimoso Lento assai, seguido de uma magoada Marcha-rancho que vai desembocar num Finale daqueles que parecem formar uma mola nas cadeiras de parte da plateia, o que leva algumas pessoas a imediatamente erguerem-se e aplaudirem. E foi feito para isso mesmo.

Então, quem foi à Reitoria da Ufrgs não se arrependeu.

O célebre gaiteiro André Carrara -- pão de queijo e carne de sol.
O célebre gaiteiro André Carrara — pão de queijo e carne de sol | Foto: Augusto Maurer

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Ospa em dia de Shostakovich, Ligeti e Lutoslawski

Ospa em dia de Shostakovich, Ligeti e Lutoslawski
O trompetista Elieser e a pianista da Domenici fizeram um Shosta pra lá de bom.
O trompetista Elieser e a pianista Domenici fizeram um Shosta pra lá de bom | Foto: Augusto Maurer

Era quase 25 de setembro, dia do aniversário de minha filha e de Shostakovich, e ele foi o ponto alto de um programa que também comemorava o centenário de Lutoslawski (1913-1994) e os 90 anos de Ligeti (1923-2006).

Tudo começou com o polonês. Como não sou original, gosto do neoclássico Concerto para Orquestra de Lutos. Ele é um compositor originalíssimo, que trafegou do tango ao dodecafonismo, do foxtrot à música aleatória. Os Jogos venezianos, para pequena orquestra, apresentados ontem à noite, são o ponto da virada na carreira de Lutoslawski, quando ele abraça o princípio aleatório. O resultado é bem complexo e sujeito a um acaso controlado pelo esqueleto organizado por Lutos. É daquele tipo de obra em que os músicos combinam: “Vai cada um prum lado e nos vemos em 15 minutos, tá?” Eu curti a obra mais pela cara dos músicos, alguns loucos para rirem, fato confirmado logo após o concerto — com exceções. Jogos venezianos parece trilha sonora de um mau filme de terror. Bem diferente do caso de…

A coisa ficou MUITO mais bonita com Lontano, para grande orquestra. Pelo lado da frente, é uma música de interessantíssima textura, bela como um tapete árabe; vista por trás, é densa e ultramicrocosturada em sua polifonia. Trata-se de um jogo de sombras composto de harmonias mahlerianas com reflexos de Bach. A música de Ligeti — ao menos as obras menos sarcásticas deste grande compositor — paira acima de nós, fora do alcance. Não é para menos que Stanley Kubrick utilizou-a em momentos cruciais de 2001 (com Lux Aeterna) e de O Iluminado — justamente com as lentas transformações de Lontano. A Musica ricercata também foi utilizada em De olhos bem fechados. Foi a primeira vez que a Ospa apresentou uma obra de Ligeti, Saiu-se bastante bem.

O excelente programa foi finalizado com o aniversariante de hoje, Dmitri Shostakovich. Espécie de condensado de Shosta — incluindo lirismo, bom humor, ecos populares e militares, além de um daqueles moderati dilacerantes, tudo em versão curta –, o Concerto Nº 1 para piano, trompete e cordas é maravilhoso. Shostakovich foi bom pianista. Poderia ter feito carreira como tal, mas, para nossa sorte, escolheu compor. Foi o vencedor do internacional Concurso Chopin de 1927 e fazia apresentações regulares executando seus trabalhos. O pequeno número de gravações do próprio compositor como pianista talvez deva-se ao fato de ele ter perdido parcialmente os movimentos de sua mão direita ao final dos anos sessenta. Há registros no YouTube de Shostakovich tocando como um velocista o Finale deste concerto.

Trata-se de uma obra espetacular. Era uma boa época para os concertos para piano. O de Ravel aparecera um ano antes, assim como o 5º de Prokofiev. É coincidente que os três sejam alegres, luminosos, divertidos mesmo. É formado de quatro movimentos, sendo o primeiro muito melodioso e gentil, os dois centrais lentos e o último capaz de provocar gargalhadas. A participação de um trompetista meio espalhafatoso é fundamental, assim como de um pianista que possa fazer rapidamente a conversão entre a música de cabaré e a música militar exigidas no último movimento. Vi ontem como as pessoas sorriam durante a audição deste movimento. Não há pontos baixos neste concerto.

A pianista Catarina Domenici saiu-se muito bem, assim como o trompetista — da Ospa — Elieser Fernandes Ribeiro. Este aliás, é tão bom que a orquestra deveria explorá-lo mais. O que o homem toca não é brincadeira. O regente Antônio Borges-Cunha é das poucas pessoas de Porto Alegre que têm coragem de encarar um repertório desses. Só por isso já merece elogios. Afinal de contas, de mesmice basta eu.

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Ospa com Copland, Rossini e Brahms no Dante Barone…

Ospa com Copland, Rossini e Brahms no Dante Barone…
Milan Rericha: sensacional
Milan Rericha: sensacional

Lembro do Augusto Maurer em Capão da Canoa. Eram os anos 80, éramos jovens e às vezes íamos para a praia no inverno. Ficávamos na casa de uma namorada dele. Eles faziam a comida, eu lavava a louça. Eu lia, ela estudava e o Augusto ensaiava. E o que o Augusto mais ensaiava era a cadência do Concerto de Copland. E o fazia de um modo muito estranho, dando voltas em nossa quadra vazia da praia. Eu o localizava pelo som do clarinete.

Ontem, a Ospa iniciou seu excelente programa justamente com o lindo Concerto para Clarinete de Aaron Copland. O virtuose checo Milan Rericha é um caso à parte. Toca demais, tem som e musicalidade impressionantes. Trata-se de um sujeito sorridente e com o ar zombeteiro de quem vai abrir uma cerveja para beber conosco. Toca sorrindo, dando a impressão de fazer tudo com facilidade. A obra de Copland é formada por dois movimentos unidos pela citada cadência. O primeiro movimento é lento e lírico. A cadência dá ao solista a chance de mostrar seu virtuosismo, introduzindo temas jazzísticos — não esqueçam de que a peça foi dedicada a Benny Goodman. O segundo movimento é alegre, dando seguimento ao jazz e puxando aplausos. Rericha deu um banho.

Tanto que nem precisava da xaroposa Introdução, tema e variações para clarinete e orquestra de Gioacchino Rossini. Mero vetor de virtuosismo, desta feita sem mérito artístico, a obra serve apenas para brilhaturas do solista. Sim, o público adorou. Eu apenas pedi aos céus que a peça fosse curta. Fui atendido.

Após o intervalo, tivemos a Sinfonia Nº 1 de Johannes Brahms (1833-1897). É uma das melhores sinfonias que conheço e, dia desses, estava brigando por ela no Facebook como uma das cinco melhores de todos os tempos. Só que… Olha o Dante Barone não dá! O esforço dos músicos é comovente, não sei o que os metais e as madeiras fizeram para salvarem-se mas, desculpem, o resultado final não foi o que Brahms merece. Acho que o jeito é tornar os concertos na AL cada vez menos sinfônicos, privilegiando as instrumentações rarefeitas. O Copland estava até bem, mas quando a orquestra teve que fazer “barulho”, tudo nos chegava empastelado. Não dá. Simples assim.

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A Ospa e a Arca Russa

A Ospa e a Arca Russa
Maxim Fedotov, grande estrela do concerto de ontem à noite
Maxim Fedotov, grande estrela do concerto de ontem à noite

O concerto é um gênero de composição que tem por uma de suas características principais a oposição entre a orquestra e um ou diversos solistas. O solista não necessita ser um virtuose absoluto, mas é bom que esteja à altura da música e do “enfrentamento” com a orquestra. Ontem à noite, nas brumas da acústica e no barulho do ar condicionado do Auditório Dante Barone da Assembleia Legislativa, tivemos dois concertos mais do que clássicos: o Concerto Nº 1 para piano e orquestra, Op. 15, de Beethoven, e o Concerto para violino e orquestra, Op. 35, de Tchaikovsky. À frente da orquestra, o casal russo — são mesmo casados — formado por Galina Petrova (piano) e Maxim Fedotov (violino). Vamos abrir e ver o que nos trazia a arca russa.

Se Beethoven tivesse parado no Op. 15, sua imortalidade não estaria garantida. Este concerto para piano de Beethoven é bem mais ou menos — uma assimilação meio confusa de Haydn e Mozart com uma voz própria nascente — e Galina Petrova obteve empurrá-lo mais para baixo. A pianista levou o concerto sem nenhuma sutileza e de forma bastante errática. O Allegro com Brio é solene e chato, mas a música melhora muito no belo e lírico Largo e no zombeteiro Allegro scherzando. Este é um tipo de música cheia de repetições, onde os temas apresentados pela orquestra são muitas vezes revisitados pelo piano e vice-versa. Petrova deixava claras suas limitações ao não conseguindo realizar as denunciadoras repetições ou ver-se repetida pela orquestra de forma ligeiramente diferente. Ela também não se salvava pela interpretação… Então, a primeira surpresa da arca russa foi decepcionante, mas…

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Ospa em grande noite e vagas felicidades deste que vos escreve

Ospa em grande noite e vagas felicidades deste que vos escreve
O excelente maestro  Nakata e o voiolinista Adrian Pinzaru durante os ensaios | Foto: Augusto Maurer
O excelente maestro Nobuaki Nakata e o violinista Adrian Pinzaru durante os ensaios | Foto: Augusto Maurer

O jornalismo gonzo é um estilo onde o autor abandona a objetividade ou o distanciamento, misturando-se à ação, argumentação ou enredo. Então você dirá que tudo o que escrevo no blog é gonzo e eu vou concordar, mas hoje serei ainda mais gonzo que o normal.

E, ainda por cima, vou escrever sobre o concerto de ontem a partir do Concerto Duplo de Brahms, desconhecendo a ordem de apresentação das obras. Bem, sou filho de uma família onde não faltava nada e tampouco sobrava. Meus pais garantiam que eu tivesse acesso a tudo o que fosse necessário a uma boa formação, porém, até os 20 anos de idade, eu dormia num sofá de uma sala que se transformava em quarto à noite. Não, não começarei uma narrativa dickensiana de tormentos infantis — não seria sincero, tive uma infância nojenta de tão feliz –, mas direi que na sala estava o toca-discos e meu pai costumava ouvir música até 2, 3 ou 4 horas da madrugada, enquanto eu dormia. Minha formação musical tem a mão dele. Antes de eu dormir, ele me mostrava coisas de que gostava ou detestava. Tal fato rendeu alguns subprodutos: tenho sono pesado, difícil de perturbar e conheço muitas músicas absolutamente de cor, sem saber de onde vieram. Então, quando começou a execução do Concerto Duplo para Violino e Violoncelo de Brahms, eu logo constatei: esta é uma daquelas músicas que vieram pré-instaladas no meu cérebro desde os tempos imemoriais. Ou seja, meu pai devia ouvi-la muito.

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Ospa: belos retalhos do tecido metafísico

Ospa: belos retalhos do tecido metafísico
Foto: Antonieta Pinheiro
Foto: Antonieta Pinheiro

Creio que todos se emocionaram na noite de ontem ouvindo grande música e levados a pensar na existência do ponto de vista metafísico. Se a metafísica busca alguma explicação sobre a essência dos seres e as razões de estarmos no mundo, também o faz o Réquiem de Verdi. Ontem, a Igreja da Ressurreição do Colégio Anchieta recebeu este Réquiem que sai de um quase nada, com violoncelos e cordas sussurrantes que se dirigem a um débil coro que pede descanso eterno, para logo depois tremer com a fúria do Dies Irae (Dia da Ira / aquele dia / em que os séculos se desfarão em cinzas, / … /  Quando o terror é futuro, / quando o Juiz vier, / para julgar a todos / A trompa esparge o poderoso som / pela região dos sepulcros, / convocando todos ante o Trono) e desmanchar-se com o Libera me final, o qual pede a Deus que tenha misericórdia. Read More

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Ospa entre a alegria e o aperto

Ospa entre a alegria e o aperto
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Ospa: mais um belo concerto ontem à noite | Foto: Antonieta Pinheiro — Clique para ampliar

A Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados aprovou ontem o projeto de decreto legislativo que trata da chamada “cura gay”. A proposta altera uma resolução do Conselho Federal de Psicologia (CFP) que proíbe psicólogos de atuarem na mudança da orientação sexual de pacientes. Desta forma, a homossexualidade volta a ser uma doença em nosso país e pode ser tratada. Mais uma vez, o Congresso debruça-se sobre uma besteira.

Coincidentemente, como frisou o Samir Rahde na saída do concerto, a Ospa dedicou a noite de ontem à música de um doente: Tchaikovsky. De um doente talvez em surto, pois sua 4ª Sinfonia foi escrita durante o tumultuado casamento com Antonina Ivanovna Miliukova, na verdade uma tentativa de cura gay feita pelo próprio compositor, uma autoajuda que não deu certo. O casamento, proposto à princípio pela moça e aceito com relutância, durou apenas seis semanas, não obtendo colocar Tchaikovsky entre os honrados chefes de família da sociedade czarista. A moça não queria só fachada. Tinha razão, claro. Por outro lado, não há notícia de que houvesse um Marco Felicianov na Rússia do século XIX. Só houve sofrimento, pois. Read More

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Excelente concerto da Ospa, sobrevivendo à acústica e aos câmeras

Excelente concerto da Ospa, sobrevivendo à acústica e aos câmeras
Se eu tocasse como ee toca, não pararia de rir | Foto: Antonieta Pinheiro
Emmanuele Baldini: se eu tocasse como ele toca, não pararia de rir | Foto: Antonieta Pinheiro

A Ospa saiu vencedora no tremendo duelo travado contra a acústica do Auditório Dante Barone na noite de ontem. Cheguei ao local no momento do início do concerto e os lugares mais à frente já tinham sido ocupados. Então, sentei lá atrás. Digamos que ouvi mais do que vi, pois onde eu estava tinha uma dificuldade extra: a necessidade de driblar os dois câmeras que ficaram em pé, fazendo seu trabalho no meio do auditório, mas também atrapalhando o público. Então, sob o meu ponto de vista, o concerto foi mais espreitado do que assistido.

A primeira obra do programa foi o divertido Concerto para violino e cordas – Série Brasil 2010, nº 6, de Dimitri Cervo. Melodioso, cheio de ecos brasileiros e de citações barrocas, o concerto recebeu luxuoso tratamento do solista Emmanuele Baldini, spalla da Osesp e primeiro violino do quarteto de cordas da mesma orquestra. Ontem, Baldini solou e regeu a Ospa. Os aplausos para o santa-mariense Cervo foram inteiramente justos. O pós-modernismo e o poliestilismo é um guarda-chuva que permite grande liberdade aos compositores – uma liberdade que é perigosa, porque deve ser exercida com bom gosto. Cervo passa longe da vulgaridade com sua música bela e acessível, pois igualmente afastada das incomunicabilidades de algumas vanguardas do século XX. Gostei de tudo, das melodias do primeiro e segundo movimentos, assim como da brincadeira com as  citações no terceiro. Read More

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Ospa: a trombonada que salva e liberta

Durante o ensaio, o trompista Israel Oliveira testa seu volume pulmonar. | Foto: Augusto Maurer
Durante os ensaios, o trompista Israel Oliveira testa sua capacidade pulmonar. | Foto: Augusto Maurer

Libertos da ditadura das cordas, derrubado o muro que separa madeiras e metais da plateia, os sopros utilizaram muito bem a liberdade de expressão que lhes foi concedida após anos de lutas. Eles deram um belíssimo concerto ontem no Salão de Atos da Ufrgs. É claro que o repertório ajudou muito. A fórmula Bernstein + Strauss + Stravinsky + o ainda desconhecido Ewazen demonstrou o quanto é saudável a expansão dos programas em direção ao ineditismo. Os aplausos após o concerto foram merecidíssimos. Afinal, foi um trabalho árduo enfrentado com brilhantismo pelo pessoal do barulho. Read More

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Debbie, you see how boring it is

Quase dormindo, Claude Debussy com seu grande amor, Emma Bardac
Quase dormindo, Debbie diz a seu grande amor, Emma Bardac: “Acho que vou compor uma peça para piano” (clique para ampliar)

É claro que se trata de gosto pessoal. Por exemplo, jamais colocaria Debussy no mesmo ofurô de vulgaridade onde sufoca Rachmaninov. Reconheço os méritos do francês apesar de seus efeitos sobre mim, pois, se há trabalho e suor para criar aquelas coisas, elas têm igualmente o condão de me fazer viajar. Pode acontecer de eu pensar em  coisas que podem ser boas como os planos para escrever uma resenha leve, informativa e agradável sobre a Sagração da Primavera. Mas pode me ocorrer fazer uma prosaica revisão dos compromissos de amanhã. Debbie, you see, convida ao sonho, convida a divagações bem longe dele. O concerto da última terça-feira da Ospa, continha um bonito concerto de Mozart (Concerto para Flauta, Harpa e Orquestra,  K. 299), um Ravel (Le Tombeau de Couperin), porém dois dramins debussyanos: os Noturnos, para orquestra e coro feminino, e as Danças Sacra e Profana, para harpa e orquestra. Read More

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Ospa em Noite Transfigurada e jovem, demasiadamente jovem

Ospa em Noite Transfigurada e jovem, demasiadamente jovem
Cláudio Cruz no concerto de ontem | Foto: Antonieta Pinheiro
Cláudio Cruz no concerto de ontem | Foto: Antonieta Pinheiro (clique para ampliar)

O curioso e novidadeiro (sim, isto é muito positivo) programa de ontem da Ospa iniciou com a Sinfonia Simples, Op. 4, para orquestra de cordas, de Benjamin Britten (1913-1976). Britten escreveu-a aos 20 anos de idade, utilizando temas que compusera para o piano entre os dez e treze anos. A primeira apresentação foi em 1934, com o compositor regendo uma orquestra amadora. A Simples, em quatro movimentos, não faz jus à Britten, um sofisticado compositor do ponto de vista musical e literário. Digo literário porque a parte principal de sua produção é de música vocal baseada em estupendas obras, muitas das quais foram adaptadas por Britten e colaboradores para seu companheiro Peter Pears cantar. Britten era alguém tão cool e respeitado que nunca escondeu sua sexualidade, mantendo abertamente sua relação com Pears por mais da metade da vida. Read More

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Ospa e Indiana Jones em noite cheia de aventuras

Karl Martin: Indiana Jones e a Última Cruzada
Karl Martin: Indiana Jones e a Última Cruzada

O concerto de ontem à noite no Theatro São Pedro trouxe um repertório de primeira linha e emoções inéditas. Primeiro, uma voz do além avisou-nos que haveria um atraso de 10 minutos para o início do concerto. Tudo ficou mais claro quando finalmente o maestro suíço Karl Martin adentrou o palco. Ele é muito parecido com o Indiana Jones dos últimos filmes e, como a maioria das aventuras do herói ocorre aproximadamente na década de 1930, nada melhor do que começar o concerto com a Sinfonia Op. 21 (1928) de Webern. Só que… Bem, o motivo do atraso foi que um músico esquecera suas partituras em casa, no bairro Guarujá, e teve buscá-las com a presteza do personagem de Spielberg. Certamente, o esquecimento foi inoculado em seu cérebro por algum cientista nazista daqueles que costumam perseguir Indiana no desejo de se apossar de relíquias como o Santo Graal e partituras de compositores vienenses. Ainda mais que Webern foi, na década de 40, o mais descabelado hitlerista dentre os compositores austro-germânicos (favor ler O resto é ruído, de Alex Ross) e deve ser muito querido entre os inimigos de Indiana. Ah, e depois ainda teríamos o judeu Mahler!

Bem, enquanto o músico atormentado permanecia em sua corrida pelas ruas, o concerto começou. É que as primeiras obras não tinham a participação dele. E, como dissemos, o concerto foi aberto  justamente com a Sinfonia de Webern. Webern sempre se caracterizou por se expressar de forma descontínua. Como Céline e suas milhares de reticências. Sua música é paradoxalmente densa como um haicai e rarefeita como a cabeleira de seu mestre Arnold Schoenberg. Suas composições têm movimentos muito curtos. Em 1927, decidiu expandir-se um pouco, então escreveu um Trio de Cordas que dura nove minutos. Logo depois veio esta Sinfonia que não é muito maior — 10 minutinhos — e que exibe uma beleza abstrata e estranha em seus dois movimentinhos. Anton Webern era um dos compositores da chamada Segunda Escola de Viena juntamente com Schoenberg e Alban Berg. A primeira teria sido formada por Haydn, Mozart e Beethoven, que não sabiam nada a respeito disso e que não pensavam como Schoenberg. No ano de 1928, ele escreveu: “A arte desde o princípio e por natureza não se destina ao povo. Mas querem forçá-la a isso. Espera-se que todos possam dar sua opinião. Pois a nova glória consiste no direito de falar: liberdade de expressão! Ó Deus!”.

(E o coro grego responde em intermezzo não programado:

— Ei, Schoenberg, vai tomá no cu! Olê, Inter, olê, Inter!)

Não obstante a tal obscura escola, eu curti o Webern.

E o nosso músico perdido? Nada de voltar. Então, ainda em Viena, voltamos no tempo para encontrar Mahler. Os lieder de Mahler, Strauss e Schubert são coisas a respeitar. No gênero, há dezenas de coleções e avulsos sublimes. As quatro Canções de um Viandante, com texto de autores da Idade Média compiladas no livro Das Kanben Wunderhorn, são lindíssimas. A segunda foi depois amplamente reutilizada por Mahler na Sinfonia Nº 1. (Aliás, quando iniciou este segundo lied, nosso músico adentrou o palco com enorme tranquilidade. Tal como Indiana Jones, ele não sua muito em suas correrias. parecia saído do banho.)

Mas voltemos ao Mahler. O barítono uruguaio Alfonso Mujica é magérrimo e garanto que todos pensaram numa voz fraca e inadequada para as canções, mas ele tirou de letra, dando a elas compreensiva interpretação, proporcionando-nos um dos mais belos momentos da temporada. Que seguiu com Haydn.

As últimas doze sinfonias de Haydn são as chamadas Sinfonias de Londres ou Sinfonias Salomon, nome do empresário esperto que as contratou. A Sinfonia Nº 92 é a última não londrina e tem o apelido de Oxford porque o compositor a conduziu na cerimônia onde recebeu o titulo de doutor Honoris Causa naquela Universidade. O pessoal de Oxford só pode ter adorado, não há como não sorrir àquela Sinfonia! Dentro da uma estrutura clássica de quatro movimentos (Grave-Alegro, Adagio,  Minueto e Presto), é uma música feliz, cheia de invenções e surpresas, daquelas que fazem as pessoas irem para a rua felizes. Foi o que aconteceu.

Belo concerto! All’s well that ends well (Tudo está bem quando termina bem), já dizia Shakespeare.

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A Ospa no frio e sob o domínio de Teraoka

Teraoka durante ensaio com a Ospa (Clique para ampliar)
Teraoka durante ensaio com a Ospa | Foto: Augusto Maurer (Clique para ampliar)

Ontem, no dia em que Brahms completava 180 anos de nascimento, a Ospa programou Sibelius e Prokofiev. Nossa orquestra é rebelde e não se liga muito em datas. Também não é nada nacionalista: por exemplo, no dia 17 de novembro de 2009, quando Villa-Lobos completava 50 anos de morte e todos os cadernos culturais só falavam nisso, a Ospa só falava em outra coisa, apresentando um programa que era inteiramente dedicado a Mendelssohn. Mas, enfim, deixemos Brahms e as datas de lado. Era uma noite gelada em Porto Alegre e tivemos mais uma comprovação de que o gaúcho não é macho o suficiente para enfrentar o frio. Talvez também pela fuga que as pessoas empreendem do centro da cidade ao final do dia, talvez pela falta de estacionamento, a Reitoria de UFRGS parece ser amaldiçoada para além da má acústica. Estava com menos de meia casa. Mas digo pra vocês que a o Theatro São Pedro e o Auditório Dante Barone — que também estão no centro da cidade — trarão mais pessoas nos concertos dos dias 14 e 21. Esperem e verão.

Sibelius foi um enorme compositor. Não é apenas o mais famoso compositor da Finlândia, é o mais famoso dos finlandeses ao lado do piloto Mika Häkkinen e dos celulares Nokia. Sua figura estava nas notas de cem marcos antes do euro chegar. Era um nacionalista e foi figura fundamental na independência do país. Muito mal visto pela escola alemã — pelo simples motivo de ser bom e popular — , recebeu todo o gênero de críticas injustas, boa parte delas feitas pelo contumaz equivocado musical Theodor Adorno. Sibelius era um herói em seu país e ficou logo famoso em Paris e nos EUA, que até hoje aguarda ansiosamente sua oitava sinfonia…

Na coletânea de ensaios Os testamentos traídos, Milan Kundera analisa as culturas periféricas da Europa, tomando como exemplo sua Tchecoslováquia. “A intensidade muitas vezes assombrosa de sua vida cultural pode fascinar um observador”. Porém, “no seio dessa intimidade calorosa, um inveja o outro, todos vigiam a todos”. Se um artista ignora as regras locais, a rejeição pode ser cruel, a solidão, esmagadora”. No início do século XX, cada uma destas pequenas nações tinha seu círculo de compositores locais e, dentre eles, seus representantes nacionais. Sibelius na Finlândia, Bartók na Hungria, Grieg na Noruega, Dvorak, Smetana e Janáček na Tchecoslováquia, Nielsen na Dinamarca, Elgar e Vaughan Williams naquele grande país quase sem música até o século XX. Até nós tínhamos um nacionalismo musical com Villa-Lobos, lembram? A influência de Sibelius na cultura de seu país é tão grande que até hoje a Finlândia dedica generosa fatia de seus investimentos culturais em orquestras e na formação de músicos. Mas tergiverso e preciso voltar logo à Reitoria da UFRGS.

O programa iniciou com a suíte Pelléas et Mélisande, música incidental de Jean Sibelius escrita em 1905 para o dramalhão homônimo de Maurice Maeterlinck. A obra tem nove movimentos curtos e é muito bonita, mais ainda quando não se dá importância ao triângulo amoroso protagonizado pelos irmãos Pelléas e Golaud e que acaba na morte de princesa Mélisande. O tema também serviu a uma ópera de Debussy. Em meio àquelas brumas, a Ospa saiu-se muito bem, orientada eficientemente pelo maestro Teraoka. (Soube que nos ensaios, os cães que habitam as proximidades da Igreja São Pedro, local improvisado de ensaios da Ospa, detestaram as ameaças de mau tempo desferidas pelos contrabaixos e respondiam latindo loucamente).

Depois veio a Valsa Triste, também de Sibelius. É uma das peças mais esplêndidas que conheço. Lacrimosa quando ouvida sem atenção, torna-se absolutamente comovente quando nos aproximamos. São seis minutos do melhor Sibelius, microcosmo de suas melhores sinfonias e poemas sinfônicos. A curtíssima Valsa Triste é o mais belo dos haikais e vi algumas lágrimas próximas a mim durante a execução.

http://youtu.be/P8Oc_J1Lu-o

Já o mesmo não pode ser dito de Cena com garças, medonha peça semi-onomatopaica onde os clarinetistas Augusto Maurer e Marcelo Piraíno fizeram o papel de garças com donaire, esbelteza e garbo. Tudo inútil. As garças gostam de rios e lagoas, mas estas de Sibelius se ligavam mais num charco. A peça era merecidamente desconhecida, os xerox das partituras eram quase ilegíveis e devem ser jogados fora hoje. Por favor, não guardem papelada inútil.

O final do concerto veio pela maravilhosa Sinfonia Clássica Op. 25 de Serguei Prokofiev. Foi uma verdadeira lufada primaveril para a plateia e muito trabalho para a orquestra. A sinfonia — radicalmente feliz e melodiosa — também é muito difícil de tocar e pode ser um tormento para orquestras que ensaiam apertadas em igrejas. É claro que a interpretação não foi das melhores que vi, mas também é verdade que só consegui me dar conta disso ao final, rememorando alguma coisa. Música ao vivo é assim. Muitas vezes a gente nem se dá conta dos erros e foca a atenção na musicalidade e no tesão.

O regente Kiyotaka Teraoka já comandou a Ospa uma dezena de vezes e, este ano, ainda a comandará na Sagração da Primavera, se esta não for cancelada em função da falta de local adequado para ensaios. Se é gentil e educado com os músicos, também é competentíssimo e engraçado. Ontem, bem dentro do espírito da música, fazia momices durante o primeiro movimento da Sinfonia Clássica, marcando o tempo para quem caçava borboletas. É muita classe.

P.S. — E houve um bis. Um certo Andante Festivo, de Sibelius. É uma composição de um  movimento, originalmente escrito para quarteto de cordas em 1922. Em 1938, o compositor rearranjou a peça para orquestra de cordas e tímpanos. É um belíssimo e lírico fluxo de temas que só pode ser considerado festivo na Finlândia.

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Grande concerto da Ospa em noite de ódio ao T11

Grande concerto da Ospa em noite de ódio ao T11

O trânsito de Porto Alegre está um caos não apenas pelas muitas obras, mas também pela insuficiência de transporte público. Sou um comportado cidadão e suporto as obras “em nome do futuro”. O que é complicado de aceitar é sair de casa na zona sul — em plena terça-feira — e esperar das 19h30 até às 20h05 pela presença de T11 na Av. Cavalhada. Claro que o fato tem um ponto positivo; afinal, a indignação une as pessoas nas paradas e a gente acaba travando conhecimento com gente interessante, mas digamos que não estamos lá para isso.

O atraso infligido fez com que eu perdesse as três peças curtas que abriram o concerto de ontem: as Danças Húngaras Nº 1, 3 e 10 de Johannes Brahms. Brahms não é coisa que se perca mesmo quando vem na forma destas danças enérgicas e animadas, baseadas em sua maioria no folclore húngaro — apenas as de Nº 11, 14 e 16 são composições 100% originais. As peças foram compostas originalmente para piano a 4 mãos, mas foi irresistível transcrevê-las para orquestra antes que algum aventureiro lançasse mão delas.

Cheguei no momento dos aplausos que antecediam as Variações sobre um tema de Haydn, Op. 56a, também de Brahms. A música é belíssima, apesar das hesitações e equívocos do compositor. Este foi o último ensaio sinfônico de Brahms antes de atacar a composição da Sinfonia Nº 1. Um estupendo ensaio. O respeito que ele tinha por Beethoven e talvez a dúvida sobre a própria grandeza, fez com que ele temesse por longo tempo as incursões sinfônicas. Brahms deixou-se amadurecer de forma tão completa que, ouvindo o resultado obtido, só podemos dar risadas ou lamentar seus medos. A Sinfonia Nº 1 é uma das maiores obras do repertório sinfônico e esta obra de variações é notável. O tema é um hino de peregrinos – o Coral de Santo Antônio – que foi utilizado num Divertimento para sopros que chegou a Brahms como se fosse de Haydn. Tsc, tsc, tsc — não era e mais uma vez um compositor menor acabou sendo prejudicado, no caso o verdadeiro autor do Divertimento, um certo Ignatz Pleyel, aluno de Joseph Haydn. Pleyel perdeu seu lugar no bonde da imortalidade para Haydn, que já o tinha garantido.

A execução da Ospa foi perfeita e emocionante. Ficou muito claro o entendimento entre a orquestra e o regente Teraoka, que permaneceu sorridente durante toda a música. Quando músicos e regente criam um vínculo de admiração e colaboração é difícil de segurá-los, mesmo que eles só queiram deixar a plateia desmilinguida, se me entendem. Foram 20 minutos para esquecer o T11 de meu descontentamento, assim como todas as iniquidades do último mês.

O concerto foi finalizado com a Sinfonia nº 3, Op. 56 — era o dia do 56, espero que alguém tenha jogado no bicho — de Felix Mendessohn-Bartholdy. Sempre lamento quando  as orquestras escolhem tocar a popularíssima Sinfonia Nº 4, “Italiana”, de Mendelssohn, pois sou apaixonado pela 5ª, “A Reforma”. E deveria ficar duplamente indignado pelo fato de Teraoka ter fugido do lugar-comum para o lugar errado: escolheu a 3ª, conhecida por “Escocesa” em razão de um passeio a pé que o compositor condenara a si mesmo fazer pelas montanhas da Escócia — coisa de alemão. Mas meus protestos cessam aqui. Gostei muito do que ouvi e fiz Mendelssohn subir alguns degraus em meu desimportante ranking interno. É uma obra cheia de contrastes desde seu grande primeiro movimento, que inicia vetusto para tornar-se luminoso; um segundo movimento muito alegre, puxado pelo competente clarinete de Diego Grendene de Souza; um terceiro movimento dilacerante ma non troppo e um finale que dizem ter sido tomado de uma dança folclórica escocesa. E, quando tudo parece que vai terminar de forma convencional como uma novela das oito, Mendelssohn nos dá um susto introduzindo um tema inesperado e que não aparecera ainda, uma melodia majestosa que encerra a sinfonia de uma maneira estranha, diferente e brilhante.

Sobre o regente Kiyotaka Teraoka… O que dizer dele? Que ele já arrasara na Quarta de Mahler no ano passado e que voltou a arrasar ontem? Se dissermos isso será verdade. Ou quem sabe pediremos que ele volte sempre? Ou que ele não saia mais daqui? Não sei. A única coisa que posso dizer é que ele ficará mais uma semana em Porto Alegre e que o concerto da próxima terça-feira estará novamente a seu cargo com o seguinte programa:

Jean Sibelius: Pelleas and Melisande, Op. 46
Jean Sibelius: Valsa Triste, da peça Kuolema, Op. 44/1
Jean Sibelius: Cena com garças, da peça Kuolema, Op. 44/2
Sergei Prokofiev: Sinfonia Clássica, Op. 25.

E mais não digo.

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Ah, vocês pensam que eu não tenho fotos com o Teraoka? Tenho um monte!

Teraoka em ação, com Milton Ribeiro lá no fundo, em pé | Foto: Augusto Maurer
Em momento especialmente tenso da Sinfonia de Mendelssohn, Teraoka usa os olhos para tirar som do naipe de violoncelos enquanto Milton Ribeiro, solidário e preocupado com a operação, cofia a barba (ou morde os dedos) | Foto: Augusto Maurer
Após o concerto, fomos à festa de 76 anos do Marcos Abreu. E ali, finalmente, o fotógrafo nos deu a primazia do primeiro plano | Foto: Augusto Maurer

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(Com belas fotos) Não pensem que tenho algo contra uma nova Biblioteca Pública, mas…

… penso que antes temos que reabrir nossa bela Biblioteca Pública da Riachuelo, sob pena de criarmos uma segunda Ospa, com sua sede sempre futura.

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Eu sei bem da situação da Cultura no RS, faço parte da diretoria da Amaospa (Associação de Amigos da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre) e nada do que está escrito no folder ao lado me é estranho. Também não vejo problema em planejar uma Biblioteca Pública maior, mas desconfio que estes longos 6 anos — há previsão de ficar fechada por mais dois, ou seja, toda uma geração passará sua  juventude sem conhecê-la — em que nossa Biblioteca Pública do Estado esteve fechada, fizeram com que as pessoas esquecessem um pouco de como ela era e de suas funções. E da urgência de sua reabertura. Ontem, Dia do Livro, houve uma caminhada desde o Memorial do Rio Grande do Sul, na Praça da Alfândega, até a centenária BPE. Estavam convidados “os que torcem e defendem um novo prédio para os livros e a cultura”. Também foi criada uma Petição Pública que assinei: Eu também quero uma NOVA Biblioteca Pública pro RS, JÁ.

Mas, sabem, acho que há um problema de prioridades. Primeiro uma coisa e depois outra. Dentro do governo, os processos tem de ser acompanhados detidamente para que não parem em algum gabinete. Há que ter a sociedade e ao menos um bom deputado empurrando e cobrando. Abrir canais, ter foco e dar visibilidade é tudo. O documento acima diz-se desolado com a demoradíssima restauração da velha e querida Biblioteca, e não a descarta de modo algum, mas vai logo pedindo uma nova, uma que possa abrigar um acervo que tornou-se grande demais. Mas há um fato muito importante: uma biblioteca não é apenas um monte de livros organizados, uma biblioteca é um lugar de convivência e… Posso lembrá-los de como era a nossa?

Eu, por exemplo, fui centenas de vezes até a velha biblioteca, passei lá milhares de horas — não há nenhum exagero nesta afirmativa — e jamais retirei ou abri um livro de seu acervo. Ou seja, a BPE era utilizada de outra forma por mim. Eu ia lá para baixo e ficava na sala mais frequentada e uma das mais silenciosas, um local bonito com um jardim ao lado. Chamava-se Sala de Leitura ou algo análogo. Era onde podíamos entrar com nossos livros e pertences. Eu ia lá simplesmente estudar, ler jornais ou os livros que trouxera. Era tranquilo, era bom de ficar lá, era um ambiente de concentração, sofisticado, onde a gente tinha a impressão de absorver as coisas mais rapidamente. A maioria das pessoas lia os jornais disponíveis; outros faziam como eu, mudando de atividade a cada meia hora. Como ganho secundário, digo que era um bom lugar para conhecer pessoas, talvez namorar. As bibliotecas públicas,  meus amigos, são formadas por outras coisas além de livros: há cadeiras e mesas, idealmente há conforto e silêncio e, em nosso caso havia tudo isso e mais beleza. Atualmente, toda a biblioteca tem uma coisa barata e fundamental: wireless. Na minha época de BPE, não havia internet e a gente lia jornais. Hoje há coisa melhor e as pessoas frequentam as bibliotecas entre papéis e tablets ou notebooks. As pessoas falam muito no acervo, no acervo, no acervo hoje colocado num porão da Casa de Cultura Mario Quintana, mas este obsessivo leitor e amante dos livros que vos escreve, repete: uma biblioteca pública não é feita apenas de livros. O acervo é um material de pesquisa fundamental, é o que dá nome e justifica a instituição, mas, convenhamos, poderia ficar temporariamente organizado em outro local, como está hoje, até que o nova sede ficasse pronta. O grande acervo é o que impede a reabertura da velha BPE? Penso que não.

E o que também parece estar longe da memória das pessoas é que a BPE/RS possuía o Salão Mourisco, que era uma das melhores salas de concerto da cidade. Quantos concertos de música de câmara assisti no Mourisco nos finais de tarde? Por motivos bem diferentes, lembro especialmente de dois: um onde Marcello Guerchfeld e uma pianista (Cristina Capparelli?) interpretaram as duas Sonatas para Violino e Piano de Béla Bartók. A temperatura emocional da coisa foi tão alta que, ao aplaudir, olhei para o lado e vi que metade da minha fila tinha estado chorando. Eu? Desmilinguido, claro. Outra vez foi cômico. Meu pai tinha um daqueles chaveiros que respondiam a determinado tom. Isto é, quando ele queria encontrar suas chaves, largava um Si Menor e o troço apitava. E ele, inteiramente esquecido de seu chaveiro, foi ao concerto. Ora, cada vez que o pianista esbarrava na nota, a engenhoca berrava, glu, glu, glu, glu, glu (5x). A princípio olhamos para todos os lados a fim de descobrir quem era o imbecil que fazia aquilo. Quando meu pai se deu conta que era ele, levantou cuidadosamente, foi ao banheiro e fez submergir o chaveiro na privada. A BPE/RS era um local vivo.

Então, entre o ideal e o imediato, entre o quase-pronto e o projetão, desculpem, fico primeiramente com o imediato e quase-pronto. E aconselho: a pressão deve ser feita primeiro pela reabertura daquilo que é lindo e que nos foi roubado para só depois vir o projeto. Até parece que já estou ouvindo as respostas que a Ospa ouviu: “O que vocês querem não é factível. Onde seria a nova BPE? Vocês já têm local?”. E todo o périplo percorrido pela Ospa será percorrido pela BPE. Lembrem que a orquestra está há anos sem o Teatro da Ospa e sem a Sala Sinfônica. Então aconselho: nada de atropelar as coisas.

Abaixo, mostro para vocês algumas fotos tiradas por Ramiro Furquim para o Sul21 em 5 de maio de 2012. Hoje, ela não está mais cercada, mas, em compensação, a pintura já está lascada. Afinal, são anos de restauração… São quinze fotos para que vocês vejam o crime que é deixar a velha e querida BPE/RS fechada. Quem sabe uma pressão e petições para reabri-la o quanto antes, hein?

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Ospa, Inge e um calor dos infernos

Foi um bonito concerto. A solista do Concerto para Violoncelo de Dvorák era Inge Volkmann. Inge foi por anos a primeira violoncelista da Ospa e aposentou-se há poucos meses. Ontem, era uma segura solista convidada. Como sempre, saiu-se muito bem. Espero que ela não pare de tocar apenas porque trabalhou tempo suficiente para poder ficar em casa, seria um absurdo. E Inge é jovem, não se parece em nada com os aposentados que conheço. Para completar a alta temperatura emocional, o regente era seu irmão Manfredo Schmiedt e, durante o Dvorák, dialogava com o flautista Klaus Volkmann, seu filho.

Por falar em alta temperatura… A Igreja da Reconciliação estava lotada e parecia o inferno na noite de ontem. O calor era insuportável e as pessoas ficam meio alucinadas. Sentamos no mezanino. Eu só via a orquestra se ficasse em pé, mas em qualquer posição que ficasse, suava feito como se tivesse voltado a jogar futebol. Nosso amigo Décio começou a brigar com os vizinhos. Ninguém tinha paciência e, de repente, um rádio ligou sozinho dentro da mochila de alguém. Entre o desconforto e a tentativa de concentrar-se no palco — afinal estamos lá para isso — , o dono da mochila não se deu conta. Então, outra pessoa avisou que “tem uma porra de um rádio ligado aí contigo”… O sujeito demorou dois minutos para encontrar e desligar a porra. Pediu desculpas. Bem na minha frente, um cidadão saltou no meio de outras pessoas a fim de ficar melhor posicionado. Um salto, entendem?, uma coisa de balé. Parou quando bateu ombro a ombro com alguém. Eu e minha mulher vimos a performance, que arrancou um oh do povo em volta. Céus!

E a temperatura subindo. No intervalo, fomos para a rua e perguntamos se a sauna era obrigatória ou se dava para ligar o ar condicionado da igreja. Resposta: se ligarmos o ar condicionado, cai a luz.

Com tudo assim resolvido, ouvimos o Te Deum de Bruckner lá de fora, onde estava instalado um telão mostrando o concerto em câmara estática. Lá fora estava muito bom, uns 17º e eu fiquei sentado com as pernas e braços abertos como se estivesse num varal. Mas não posso falar muito sobre a apresentação, que me pareceu boa, mesmo através do telão.

Espero que um dia a Ospa possa rir de 2013, um ano de extremas dificuldades, mas no qual a orquestra está sempre acompanhada de grande público. É um time que apanha, apanha e a torcida segue fiel e crescendo. E que nada nos desvie da Sala Sinfônica!  Todos estão irritados com a situação. Eu, que não tenho mais idade nem disposição para fofocas, apenas opino que desprezo a vacuidade dos posts daqueles que se deixam levar pela imaginação paranoica. Mas tergiverso: dizia que é um time que apanha, apanha e a torcida segue fiel e crescendo. E a gente trata de divulgar e ajudar de nosso modo. E de se alimentar depois:

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Ospa: muito boa, mesmo entre os carros da Cristóvão

Ospa: muito boa, mesmo entre os carros da Cristóvão
O maestro Nicolas Rauss | Foto: Liliana Rivera

No bom concerto de ontem à noite, a surpresa correu por conta da boa acústica da Paróquia São Pedro, da Cristóvão Colombo. Ouvi murmúrios de que os ensaios foram extremamente difíceis em razão do trânsito da avenida durante o dia — mesmo à noite pudemos notar que alguns sistemas de freios dos ônibus de nossa cidade estão desregulados… Posso imaginar o sofrimento nos ensaios, não sei como conseguiram chegar ao final deles, pois a porta da igreja dá para o leito da Cristóvão… Para nós, espectadores, os bancos são a porcaria habitual oferecida aos devotos: mesmo tendo levado almofadas, minhas costas começaram a incomodar no meio da Sinfonia de Haydn e resolvi ficar em pé. Como é duro o amor de Deus! Mesmo assim, a Ospa deveria priorizar a Cristóvão no lugar da medonha Igreja da Ressurreição do Colégio Anchieta. Talvez lá os ensaios sejam possíveis, mas a acústica é de matar. Ou seja, a vida da Ospa é complicadíssima.

Minutos antes da bebedeira no Walter, Milton Ribeiro na igreja com  o violoncelista Philip Gastal Mayer e almofadas para a bunda. | Foto: Augusto Maurer

Na Igreja lotadíssima — como têm sido as apresentações da orquestra — , o concerto de ontem iniciou bem veemente e simplório com a Sinfonia Op. 18, nº 2, de  Johann Christian Bach. Pecinha curta que não faz muita diferença. Depois tivemos a maravilhosa Fantasia sobre um tema de Thomas Tallis, de Ralph Vaughan Williams, obra belíssima que não conhecia. A Fantasia de Vaughan Williams (1872-1958) consiste em variações altamente polifônicas, contendo belos episódios camarísticos de uma orquestra dividida em três, com uma seção respondendo à outra. O tema original é de Thomas Tallis (1505-1585), compositor renascentista inglês. É o tipo de música interessante de ser ouvida e muito mais de ser vista. Já Haydn raramente nos decepciona, sua Sinfonia Nº 99 é a mais desconhecida de suas sinfonias londrinas, mas é irresistível como as outras com grande destaque para o Adágio (2° mvto).

O regente suíço Nicolas Rauss é nosso conhecido. Sua indiscutível competência também. E sua paciência então? Afinal, ele regeu a Sinfonia Nº 2 de Sibelius na Igreja da Ressurreição em março de 2011. É um santo. Quando chega no Aeroporto Salgado filho deve pensar: “Ah, aqui é aquela cidade sem salas de concerto!”.

Bem, o próximo concerto da Ospa traz boas músicas e um cartaz estranho.

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Ospa, Beethoven e, depois, mais um quilo

Enrique Ricci, competência e partituras pocket | Foto:  Antonieta Pinheiro

Ontem, a ponte levadiça do Theatro São Pedro foi baixada e a Ospa cruzou o fosso a fim de penetrar nos domínios de Eva Sopher. Ali, por trás das muralhas da velha casa, tivemos o primeiro dos chamados Concertos Oficiais da Ospa. O comando esteve a cargo do excelente maestro argentino Enrique Ricci, que costuma reger a partir de partituras pocket muito bonitinhas, mas que causam certa apreensão no espectador que se pergunta: será que ele vai conseguir virar direito as páginas daquela coisinha? Incrível, ele sempre consegue.

A pouco executada Abertura Leonora nº 3, Op. 72b, foi um bonito e coerente início para o conteúdo algo aventuresco da noite. Menos feliz foi a execução do Concerto para piano nº 4. Op. 58. Creio que o jovem pianista Aleyson Scopel não estava num bom dia — soube que ele fizera um ensaio maravilhoso no dia anterior — e a orquestra também não colaborou muito. É claro que a interpretação da obra, que é belíssima e meu concerto para piano preferido de Beethoven, não foi um fracasso, mas ficou abaixo do esperado. Gostaria de acrescentar que a orquestra está passando por período muito agitado por conta da perda de sua sala de ensaios e que, se a crítica vem, há que se dar generoso desconto. Não é fácil fazer arte embrulhado numa ordem de despejo.

O ponto alto foi a Sinfonia nº 3 – “Eroica”, Op. 55. Foi uma execução entusiasmada, de muita musicalidade e dinâmica como deve ser. Grande destaque para a dupla formada pela oboísta Viktoria Tatour e o flautista Artur Elias com Leonardo Winter a seu lado. Na fila de trás, os clarinetistas Augusto Maurer e Marcelo Piraíno, mais o fagotista Adolfo Almeira Jr. também levaram a orquestra pelo bom caminho. Em dia de observar detalhes, ri de Piraino – o homem que conta os compassos dançando –, admirei a atenção de Tatour que, na Eroica, jogou o cabelo para trás da orelha, fez cara de preocupação e logo tratou de desmontar o oboé com um olho enquanto seguia a partitura com o outro — quando terminou a cirurgia, bebeu água (pronto, entreguei a moça!) –, e de Israel Oliveira, que tentava escapar dos cabelos da violinista Elena Romanov a fim de enxergar o maestro. Enfim, coisas.

Beethoven tem a capacidade de deixar todo mundo aceso e feliz. A conversalhada nas coxias e na porta do teatro grassava e, para manter o espírito, é inevitável que se saia depois para jantar. Acrescentemos que o mestre de Bonn torna também incontornável a bebida. O resultado foi que, pela manhã, apareceu quase 1 Kg a mais na balança. Conclusão: Beethoven engorda.

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Ospa em concerto curto, leve e certeiro

Foto: Pedro Belo Garcia

Cheguei às 19h55 no Salão Negrinho do Pastoreio do Palácio Piratini e ele já estava lotado. Isto é, 35 minutos antes do concerto a sala já estava totalmente lotada. Assisti em pé a um concerto nada pretensioso, nada vulgar e bom, muito bom.

A primeira peça foi a que menos gostei: a Abertura da ópera L’italiana in Algeri, de Gioacchino Rossini. Uma peça bem humorada, simpática e não muito mais do que isso, mas que cumpriu seu papel de abertura para a curiosa obra de Ottorino Respighi, Gli uccelli (em italiano, As Aves, jamais Os Pássaros; afinal, galinhas não são pássaros), que tem um Prelúdio conhecidíssimo dos ouvintes da Rádio da Universidade por ser cortina de um de seus programas. Depois, tivemos a Sinfonia nº 4, em Lá Maior, Op. 90, Italiana, de Felix Mendelssohn.

O destaque do programa foi evidentemente a excelente Sinfonia Italiana, uma daquelas peças que não tem nenhum movimento que não seja melodioso, fluido e agradável. Sob a compreensiva regência de Manfredo Schmiedt, todo o espírito de vivacidade e gentileza da sinfonia esteve presente no Palácio Piratini, mesmo que a acústica da sala tenha prejudicado a quem, como eu, estava encostado na janela externa da sala. Eu simplesmente não ouvia os contrabaixos e violoncelos. Com minhas parcas noções de acústica, diria que aquela porta aberta bem na frente dos baixos, na diagonal da orquestra, era o sumidouro daquilo que eu adoraria ouvir.

Destaque para as madeiras e metais, absolutamente impecáveis e eufônicos no terceiro movimento (Con moto moderato) e para o Saltarello final da Italiana, que me deu vontade de dançar pela sala. Mas tinha muita gente… E, alíás, estava muito quente lá dentro, parecia Manaus. Não sei que seria de nós se estivéssemos num março canicular, sem a camaradagem deste de 2013.

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