… mas hoje fui trabalhar com a camiseta abaixo. A foto é de Bárbara Ribeiro, a qual gostaria de ter ido a escola hoje com a mesma. Chupa Babi! Quem manda acordar tarde?
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Muito melhor ser romeno
Civilidade (a respeito do câncer de Lula)
De Ricardo Ramos Filho, no Facebook:
Tenho lido com muito incômodo algumas manifestações sobre a saúde do ex-presidente Lula. Gente que sugere que se trate pelo SUS. Aqueles que me conhecem sabem que não votei nele e que sou muito crítico às suas posições, mas embrulha-me o estômago perceber todo esse ódio. Política para mim é debate de ideias e nunca desejo de morte. Por trás dessas manifestações existe um comportamento mau, insensível e pouco ético. Como seres humanos, eu e ele, torço para que se recupere bem.
François Couperin: Tic Toc Choc
"A Queda" agora em homenagem à ATEA
Para dar uma choradinha de tão lindo
Eu aprecio os bons conselhos
Identifico-me muito com este reclame durante a época da canícula em Porto Alegre. É luta frequentemente inglória, mas as pesquisas dizem que os feromônios têm o condão de acalmar as mulheres… Mas deve haver limites. Nada de níveis paroxísticos da substância, correto?
Lá vou eu de novo, agora na Feira
Porto Alegre, Feira do Livro, sábado, 12 de novembro, às 16 h, ocorrerá mais uma temeridade. O Sport Club Literatura estará na Tenda Pasárgada da Feira do Livro e eu, juntamente com Tatiana Tavares, serei o árbitro de As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino x Ficções, de Jorge Luis Borges. A Tenda Pasárgada, para quem conhece a Praça da Alfândega de Porto Alegre, estará localizada de modo discreto e quase invisível como as cidades de Calvino na notória posição entre o Memorial do RGS e o Santander Cultural. Haverá um outro jogo, arbitrado por Joana Bosak e Rubem Castiglione reunindo Crônica de uma Morte Anunciada, de García Márquez e Travessuras da menina má, de Vargas Llosa. Dois jogaços. Dois clássicos de arrebentar… com os comentaristas.
Nestes dias, releio os livros que me couberam. Estou no Calvino, que é bem melhor do que eu lembrava. Logo após relerei Borges, mas talvez nem fosse necessário, pois Ficções parece estar instalado há mais de vinte anos em meu cérebro. À leitura!
Firmes posições ideológicas
Padrinho de casamento, a foto oficial
Eu, Bárbara, Bianca, Claudia e Bernardo em bela cristalização do fugidio — também conhecida pelo vulgo como “foto” — tirada no casamento da terceira. Para sempre. Eu abro o parêntese, o qual é maravilhosamente fechado por meu filho. Já tinha bebido algum espumante, mas não creio que tal fato tenha alterado alguma coisa em nosso comportamento.
É um espanto a Maria João Pires ou o espanto de Maria João Pires
Maria João tinha ensaiado um concerto de Mozart. Foi quando viu Riccardo Chailly fazer, junto com a Orquestra do Concertgebouw de Amsterdam, a introdução de outro concerto de Mozart. Totalmente perturbada, ela diz para Chailly que ia tocar o que desse ou o que lembrava. O resultado é que ela tocou todo o concerto até o final sem cometer nenhum erro. Bem, é a Maria João, mas mesmo assim é espantoso.
Charles Kiefer, o incendiário tranquilo
Charles Kiefer diz que gostaria de ser um homem calmo como foi seu avô. Porém, após conhecê-lo, fica difícil imaginar alguém mais mais tranquilo que o escritor. Kiefer recebeu o Sul21 em seu gabinete na PUCRS e a impressão que tivemos é a de que poderíamos ter conversado muito mais do que a uma hora e quarenta minutos que está resumida a seguir.
Nascido em Três de Maio, no noroeste do Rio Grande do Sul, Kiefer tem 30 livros publicados, foi oito vezes finalista do Prêmio Jabuti – ganhou três -, dá aulas na universidade, comanda oficinas literárias, fundou uma associação de incentivo à leitura e guarda na gaveta mais de um livro quase pronto para publicação. Toda essa atividade parece natural ao sorridente professor.
Suas notas biográficas apontam que nasceu em 1958 e que estreou na ficção em 1982, com Caminhando na chuva, novela que já está na 20ª edição e vendeu 100 mil exemplares. Sairá uma nova edição em 2012, comemorativa aos 30 anos de lançamento do livro, pela editora Leya. Porém, logo abaixo saberemos que Caminhando é seu quarto livro e que os anteriores são comprados e queimados pelo próprio autor.
Sul21 – Há algumas décadas atrás, o escritor era considerado o reflexo ou uma espécie de reserva moral da sociedade, uma figura importante, ouvida sobre vários assuntos de sua época. Hoje ele foi deslocado deste papel. Qual é, atualmente, o papel do escritor na sociedade?
Charles Kiefer – Boa pergunta, hoje dei uma aula sobre isso. Discutimos sobre o realismo e a função social do escritor. Mas eu começaria a responder falando sobre um livro que eu adoro, chamado Era uma Vez a Literatura, de José Hildebrando Dacanal, no qual ele diz que numa sociedade iletrada, onde a base social são analfabetos ou semiletrados, o escritor vira gigante, pois ele domina um código oculto. Então, numa sociedade de baixo nível cultural, a literatura toma um papel fundamental, assim como nas sociedades recém-formadas. Quando tu não tens um conceito de nação, a literatura é quem faz o papel de construtora da identidade nacional. No Conesul, se não existisse o romance de Ricardo Güiraldes, Don Segundo Sombra, essa imagem do gaúcho que temos hoje não existiria. A literatura está por trás disso. Ela é quem trouxe a imagem que chamamos, na teoria, de mitopoética, que acaba reproduzida pela população.
Podem falar o que quiserem do Lula, mas ele fez a maior distribuição de renda da história do país. E tudo sem guerra, numa revolução social feita em silêncio.
Sul21 – Isso numa sociedade rebaixada.
Charles Kiefer – Sim, daí vem um negócio chamado democracia… Podem falar o que quiserem do Lula, mas ele fez a maior distribuição de renda da história do país. E tudo sem guerra, numa revolução social feita em silêncio. Por exemplo, aqui na PUCRS, 40% dos meus alunos vêm do Prouni, são bolsistas e alunos maravilhosos, pois sabem que aquela é a única chance deles, e a agarram com tudo. Enfim, o que está acontecendo é que nós estamos entrando para o que antigamente a gente chamava de concerto das nações. Antes a gente tocava um bumbo lá no fundo e de forma desafinada, agora somos primeiro violino, dando tom para o resto da orquestra. A literatura ainda tem um espaço num contexto destes? Não. E sim, ao mesmo tempo. Ela não tem mais esse espaço formador da sociedade, mas ela é um relicário, é a coisa mais bonita que a língua pode reproduzir, e é esse papel que ela tem nas sociedades desenvolvidas. Ela conserva e reproduz beleza artística, assim como o cinema, o teatro, a música, a pintura. Aquela coisa do “doutô” da literatura, que é letrado e superior, acabou, não há mais distinção. Agora nós temos um papel de ator coadjuvante. E a outra coisa que aconteceu foi a internet. O conhecimento, que antes era um feudo, está distribuído, o poder está distribuído. Com a internet cada vez mais barata, tu escreves o teu texto, tu fazes o teu jornal. Essa disseminação da informação, essa democratização, tem consequências ainda desconhecidas, muito interessantes, como as que houve nos países do norte da África e na Espanha.
Sul21 – Vários ensaístas reclamam que nas últimas décadas houve uma decadência geral na qualidade artística, tu concordas?
Charles Kiefer – Isso é uma baita bobagem. Nós não enxergamos as coisas maravilhosas que estão feitas pois quem as está realizando são nossos vizinhos, nosso amigos, colegas, contemporâneos. Quando a gente tiver distanciamento crítico a gente vai ver a qualidade de muitas coisas. Talvez estejamos vivendo uma nova Renascença. Leio textos fantásticos até em sala de aula.
Sul21 – E os grandes temas estão mantidos?
Charles Kiefer – Amor, dinheiro, poder, guerra e paz?
Sul21 – Eu diria morte, também, e deus.
Charles Kiefer – Sim, sim, mas eu gosto de colocar as coisas em duplas dialéticas, amor e ódio, vida e morte, guerra e paz, fé e ciência. Acho que os grandes temas estão presentes desde o início do tempos, senão não interessa. Apenas mudou a abordagem.
Sul21 – E é curioso como a literatura dialoga com o restante das artes. Se tu melhoras o nível da leitura, melhoras todo o resto em termos culturais, a música, o cinema, o debate político, a visão de mundo…
Charles Kiefer –– … até o cabelo, a roupa, a arte muda totalmente uma pessoa.
Se, como diz o Harold Bloom, Shakespeare inventou o humano, Poe inventou o homem moderno.
Sul21 — Voltando à questão dos grandes temas, a literatura busca novos temas, ou ela usa mesmos do passado?
Charles Kiefer – Eu escrevi um livro todo sobre isso, A Poética do Conto: de Poe a Borges – um passeio pelo gênero. O último cara na civilização ocidental que acrescentou coisas novas ao imaginário popular foi Edgar Allan Poe. Isso em 1840, 1849… naquela década. Olha só o que o Poe inventou literariamente: ele inventou o romance policial, o alienígena, as viagens espaciais, inventou também o romance psicológico, dedutivo. A única coisa que ele não inventou é toda essa comunicação de internet. Ele quase chegou a criar isso, num conto dele, de um jogador de xadrez automático.
Sul21 – O Autômato Jogador de Xadrez.
Charles Kiefer – Exato! Ali já é um computador. Ele poderia ter ido adiante e inventando algum sistema eletrônico que resolvia o negócio. Se, como diz o Harold Bloom, Shakespeare inventou o humano, Poe inventou o homem moderno. Entretanto ele não é um grande escritor, as histórias dele são mecânicas, os personagens são maníacos, muito neuróticos, o amor é pouco natural, não há nele seres humanos verdadeiros, há obsessões, ele abriu o caminho para Stephen King, Lovecraft.
Sul21 – Como funciona o projeto Associação Jovem Leitor?
Charles Kiefer – Nós temos muitos escritores, está faltando é leitores. A AJL é uma entidade civil, pública. Eu e os meus alunos fazemos projetos de leitura, criamos bibliotecas e doamos livros para crianças e jovens das comunidades menos aquinhoadas. Temos vários tipos de projetos para atender várias necessidades. Aproveitei o momento em que era patrono da Feira do Livro para dar maior visibilidade ao projeto.
Sul21 – Como foi montado?
Charles Kiefer – Eu fui para os Estados Unidos há anos atrás e vi as tais Gideon Bibles, umas bibliazinhas pequenas onde estava escrito take it, coloquei no bolso e pensei “que coisa legal”. E dentro estava escrito que aquilo era resultado da decisão de alguns ricos empresários cristãos que distribuíam bíblias de graça. E pensei “por que não fazer isso com literatura?”. Eu estava sempre com essa ideia de ficar um dia rico, e quando estava hospitalizado – passei dezessete dias sem nada para fazer -, fiquei pensando, lendo, e constatei que grande parte do PIB do Estado passava pela minha sala de aula nos ensinos particulares. Há gente riquíssima estudando e pensei “por que não reunir todo esse pessoal para fazer algo? Vamos fazer uma associação”. E então mandei um e-mail para os meus alunos e a coisa explodiu. Agora temos CGC, eu fui o primeiro presidente, agora é o Ayala Aguiar. Trabalhamos em parceria com a Câmara Riograndense do Livro. Há muita gente que conseguiu vencer e ganhar dinheiro na vida sem grande instrução. Há muitos alunos de mais idade e bom poder aquisitivo em oficinas minhas, eles notam que estão atrás do resto dos alunos e me pedem indicações de livros, de coisas para preencherem estas lacunas e vencer o atraso. Eles conseguem e sabem o quanto é importante o complemento cultural.
Sul21 – Teu primeiro livro foi escrito aos 17 anos. Soube que tu desejas jogar fora todos os exemplares, queimar se possível…
Charles Kiefer – Verdade, eu compro nas livrarias e queimo. E é pior, porque são três livros, na verdade: O Lírio do Vale, Vozes Negras e Os Caminhantes Malditos. Me arrependo de tê-los publicado. Mas é lógico que não posso tirar o primeiro degrau da escada. Eu era jovem, imaturo, o peso da emoção naqueles livros era infinitamente maior que o da razão. Com essa idade você é só sentimento. E, enfim, depois veio Caminhando na Chuva, que é o primeiro livro do escritor, enquanto os outros são livros do adolescente. Ele é na verdade meu quarto livro, mas a própria editora colocou-o como o primeiro.
Sul21 – Caminhando na Chuva é um grande livro.
Charles Kiefer – Com 53 anos eu posso olhar para trás e achar interessante, mas na época eu nem percebia. (risos) Quando eu tinha 22 anos, morava ali na Avenida Pará, em Porto Alegre, em cima de um açougue, num lugar horrível, e daí eu pensei que minha adolescência estava acabando e que nunca mais teria aqueles sentimentos e emoções. Eu estava vendo novas coisas surgindo em mim, sabia que estava mudando; foi então que decidi, é agora ou nunca, ou registro isto ou nunca mais vou ter a oportunidade. Sentei e escrevi o livro em 17 dias. Quando eu comecei a escrever, queria fazer um memorial de adolescente, sob o ponto de vista de alguém que está saindo dessa fase mas ainda está nela. Por isso tem aquele ar de autenticidade, eu consegui o equilíbrio. O Dacanal me disse uma vez que o meu último livro bom foi Valsa para Bruno Stein, “depois tu só escreveste porcaria”. Talvez ele tenha razão pois acho que agora eu me volto muito para o lado da razão, não deixo tanto a emoção extravasar, apesar de ter feito coisas meio loucas como O Escorpião da Sexta-feira.
Sul21 – Onde tu colocas a questão da razão e da emoção no excelente Quem Faz Gemer a Terra?
Charles Kiefer – Ah, esse livro foi muito repensado, eu passei uns seis meses pensando “de que ângulo vou partir para contar essa história?”. Eu vi aquela briga do Olívio (Dutra, na época prefeito de Porto Alegre) enfrentando baionetas, eu vi tudo ao vivo, e quando cheguei em casa a imprensa já estava transformando todos em marginais, era tudo uma mexicanada zapatista e eu me enfureci, um furor santo, e decidi escrever o livro. O fato de eu ser de Três de Maio também me feriu, pois vi parentes e amigos sendo considerados selvagens, como se viessem do interior para matar e destruir a civilização ocidental. Então, quando eu fiz o recorte, vi que tinha o problema do foco narrativo e pensei muito. Até que chegou o momento em que concluí que tinha que contar do ponto de vista do colono. E eu precisava expressar isso numa linguagem ou do colono ou minha, mas escolhi um meio termo, pois ele está preso, o fato aconteceu cinco anos antes e ele recebeu muitas visitas, até de jornalistas, e contou tanto a história, tantas vezes, que o discurso já está polido. Foi o modelo estrutural ideológico que desenvolvi para conseguir equilibrar a visão do personagem com a minha sem errar muito.
Foi feita uma tremenda injustiça contra os seres humanos que formavam o Movimento dos Sem Terra. Já eram ladrões de terras e viraram monstros assassinos.
Sul21 – Lembro dos jornais no dia seguinte. A morte de um brigadiano foi tratada como “massacre”. Era um caso difícil, havia um corpo e os jornais apareciam cheios de argumentos para não dar nenhuma dimensão humana ao sofrimento dos colonos. Parecia que o mundo burguês ia acabar pelas mãos do MST.
Charles Kiefer – O acontecimento foi grave, claro. Mas foi feita uma tremenda injustiça contra os seres humanos que formavam o Movimento dos Sem Terra. A imprensa já os tinha transformado em ladrões de terra. Viraram monstros assassinos. Indignado com isso, escrevi o livro. Até hoje essa pecha segue associada ao MST. O fato é que eles enfrentam o setor mais conservador da sociedade, então parece adequado qualificá-los como sua antítese, o que não é verdade. O livro é um relato muito autêntico.
Eu era muito na minha, não visitava muito os outros, tinha poucos amigos. Eu tinha uma relação ruim com a minha terra.
Sul21 – E o colono veio morar na Avenida Pará… Tu eras um menino pobre de Três de Maio que ouvia Bach, Mozart e Beethoven.
Charles Kiefer – Eu era muito na minha, não visitava muito os outros, tinha poucos amigos. Eu tinha uma relação ruim com a minha terra. É complicado… Eu era pobre, estudava numa escola de crianças ricas, pois minha mãe conseguiu uma bolsa de estudos para mim. Eu não tinha dinheiro para comprar sequer comida no recreio, levava um pãozinho de milho com melado que abria para comer. Era a piada da escola. Eu tinha que ir comer bem afastado num campo de futebol para ficar em paz.
Sul21 – Bullying?
Charles Kiefer – Eu acho que sim, eles implicavam com um blusão de lã que eu tinha, eles pegavam no meu pé, eu coloco isso no Caminhando na Chuva. Era um blusão que eu tinha ganhado da minha mãe e usava ano após ano, era o que ela tinha conseguido me dar, enfim. Mas nada disso me influenciou muito, o que realmente tem peso são meus avós, meu avô paterno era um grande leitor e ainda era músico. Lembro de quando era criança, eu sentado no colo do meu avô, ele contando as histórias do Charles De Coster, como As Aventuras de Till Eulenspiegel. Esse autor ninguém conhecia aqui no Brasil. Meu avô era violinista também, chegou a tocar numa orquestra em Cachoeira do Sul, ele e um irmão dele. Eles casaram com duas mulheres irmãs e foram viver no mesmo terreno, mas as mulheres brigaram, e um dia o irmão do meu avô, de madrugada, bateu com o facão na porta gritando “vem pra fora se tu é homem”. Meu avô, que era muito calmo – era o homem que eu gostaria de ser e não sou – , me contou que, se pegasse o facão e saísse, seria um morto ou um assassino. Então ele não saiu, mas fez as trouxas dele para ir embora para sempre com a mulher. Naquela madrugada, estava saindo um comboio de carroções, como no faroeste, de pessoas indo para a serra. Ele já tinha sido convidado para ir mas não aceitou, daí mudou de ideia e colocou a mulher, os dois filhos, e foi embora, durante dezoito dias no meio do mato até chegar em Três de Maio. Havia três localidades, uma perto da outra – Consolata, Vista Alegre e Caravaggio –, formadas de minifúndios. Mas, enfim, a influência mitopoética que mais me influenciou foi quando eu descobri, numa análise em divã, a imagem do meu bisavô. Lembrei das vezes que fui correndo para um homem sentado numa cadeira de balanço, lendo, e daí, quando desejo ir para o colo dele, minha avó me segura e diz “Não vai lá porque ele está lendo”. Aquilo era um misto de sentimentos, de ciúmes do livro, da magia daquele negócio. Ele tinha aquela caixinha mágica, eu ficava esperando que dobrasse aquele monte de papéis, fechasse a caixa, para então ficar livre para ir lá no colo dele. E ele contava, abria a caixinha e mostrava o que estava dentro. Eu lembro disto, do louco desejo de conhecer aquilo, por isso já estava lendo aos três anos. Ele gostava muito do que se chama Bildungsroman.
Pois esse meu bisavô era um assassino. Ele matou o outro e jogou o corpo no mar, pegou os documentos, e virou Losekann. Quando chegou aqui viveu a vida do outro.
Sul21 – O romance de formação de origem alemã.
Charles Kiefer – Sim, ele lia bons livros e é uma figura mítica para mim, ele era de uma leva de alemães que foram para a Rússia, e se deram muito mal por lá, ficaram miseráveis e tiveram que migrar. E bem, há um crime na minha família, que foi o que originou meu primeiro romance que vou ter de reescrever logo. Pois esse meu bisavô era um assassino. Numa viagem de navio, uma mulher que tinha um jovem marido se apaixonou por outro homem, ele. E ele matou o outro e jogou o corpo no mar, pegou os documentos, e meu bisavô, que era qualquer coisa, virou Losekann, quando chegou aqui, viveu a vida do outro. Claro, não havia foto nos documentos, ninguém o conhecia, não deve ter sido difícil mudar de identidade.
Sul21 – Que história fantástica.
Charles Kiefer – Eu precisava escrever um romance sobre isso, né? Não podia ignorar. A minha bisavó, quando estava para morrer, livrou-se da angústia chamando toda a família ao pé da cama, e contou para seus filhos que o pai deles era um assassino. Ela até falou o nome real dele mas ninguém anotou, ninguém teve coragem. Eu até procurei, mas ninguém lembrava.
Sul21 – Uma família alemã de sangue quente essa… Mas eu li no teu blog um texto reclamando que teus livros passaram para a Record e tu achaste que ia aumentar muito as vendas, mas não foi o que ocorreu.
Charles Kiefer – É, é uma coisa meio lamurienta mesmo. O ponto principal é o fato de que quem vendia x exemplares por ano, hoje vende muito menos, e isso é para todos. Com a internet, o pessoal lê menos livros, mas veja como são as coisas: eu publiquei aquele ensaio Para ser escritor e em menos de 40 dias o livro esgotou a primeira edição. Já está na 2ª ou 3ª e circula em oito países. Mas ele não é ficção. Há uma estatística da Associação Mundial do Livro que revela que a ficção está caindo 20% ao ano nas últimas duas décadas. Para isso acho que há uma explicação psicanalítica, psicológica. Hoje em dia, as novas mídias já nos suprem completamente a necessidade de ficção. Na internet você vê filmes em poucos cliques, dentre tantas outras coisas. Há milhares de textos, interesses, estímulos. Por que você vai então ler? Além disso, há problemas de distribuição. As grandes editoras têm uma política de o escritor ter de vender um determinado número de exemplares para eles te tornarem top da editora, para elas investirem de fato em ti. Elas tem uma curva de equilíbrio que tem de ser atingida em tantos dias, e se isso não acontece você fica meio de lado. Elas também não ajudam a tua performance pois não fazem reposição. E bem, aumentou geometricamente o número de autores no mercado, e eu até contribuí com isso através de minhas oficinas. Somando-se a isso o problema de distribuição e a internet, a venda vai lá embaixo. Hoje em dia tenho certamente mais leitores dos meus blogs do que dos meus livros. Eu já até fiz uma coisa louca com a Editora Leya. Eu não cobro direito autoral adiantado. Nunca sei se vou morrer ou não, não quero ficar com conta para pagar. Então, depois de três meses eles me apresentam a primeira prestação de contas. É um dinheiro efetivo que entra. Pela Record, eu recebi já por 3 mil exemplares de uma edição e estou em dívida, pois eu só vendi 6 exemplares no último trimestre. O livro, que é de contos, está em débito com eles, vou demorar uns 50 anos para pagar. Meu novo livro está pronto, Dia de Matar Porco, mas eu preciso revisar, fechar bem ele, e falei para minha editora fazer um contrato para daqui dois anos e sem adiantamento.
Hoje em dia tenho certamente mais leitores dos meus blogs do que dos meus livros.
Sul21 – Me diz como foi tua experiência como secretário municipal de Cultura e secretário adjunto?
Charles Kiefer – Não quero falar disso… o que passou passou.
Sul21 – Foi tão ruim?
Charles Kiefer – Foi bem ruim, mas… Aconteceu uma coisa maravilhosa, que foi minha filha Sofia. Acabei me envolvendo de fato com a Marta nessa época porque a política nos ajudou, a gente estava sempre se encontrando. Casamos e tivemos a Sofia. Foi o que de melhor me trouxe a política…. o resto é resto and the rest is silence (risos).
Sul21 – Tu tens três Prêmios Jabutis, né?
Charles Kiefer – Sim, e fui oito vezes finalista. Perdi até para o Chico Buarque…
Sul21 -Tu perdeste para Budapeste ou para Estorvo?
Charles Kiefer – Foi um estorvo na minha vida. (risos) Olha, talvez tu me perguntes sobre o caso Edney x Chico…
Sul21 – É óbvio.
Charles Kiefer – Ser jurado de prêmio é muito complicado. Eu dou um prêmio, o Prêmio Sofia de Literatura, dou 3 mil reais para o primeiro lugar, e mais 3 mil reais para o primeiro lugar dos alunos. Eu contrato especialistas em literatura para dar um dos prêmios, e os próprios colegas dão o outro. Esse ano aconteceu algo incrível: os especialistas deram seus prêmios e os alunos deram exatamente a mesma coisa, só que na ordem inversa… Isso mostra que cada pessoa lê um livro diferente.
Sul21 – Com quais livros tu ganhaste o Jabuti?
Charles Kiefer –Com o O Pêndulo do Relógio, Um outro Olhar e Antologia Pessoal.
Daí eu me dei conta de que uma coisa que funcionava maravilhosamente bem eram as oficinas literárias, os workshops. Então pensei em ganhar um extra e abrir um curso.
Sul21 –Bem, vamos falar das tuas oficinas, há alunos épicos que estão há 18, 19 anos contigo.
Charles Kiefer –Engraçado né? Isso começou quando eu estava em Iowa, nos Estados Unidos, convidado pelo governo americano para o International Writing Program. Lá, além de frequentar algumas aulas na universidade, a gente fez um grupo de escritores latino-americanos e alguns asiáticos e europeus. Nos reuníamos nas quintas à noite, no salão de festas de nosso prédio, para apresentar textos uns aos outros. A gente contratava uma moça alemã para nos traduzir, o Marcelo Carneiro da Cunha também traduziu vários contos meus também. Mas olha… eu gastei cerca de 51 mil dólares lá, um dinheiro nada meu, o governo americano pagava todo o transporte e estadia. Quando a gente quisesse viajar era só ligar para Washington – talvez por isso estejam tão mal hoje… E eu ainda trouxe dos EUA um dinheiro suficiente para comprar um apartamentinho ali na Santo Antônio onde eu coloco minhas quinquilharias, é meu escritório. Mas enfim, daí eu me dei conta de que uma coisa que funcionava maravilhosamente bem eram as oficinas literárias, os workshops. Então pensei em ganhar um extra e abrir um curso. Foi na Casa de Cultura Mário Quintana. Daí, no dia que cheguei para a primeira aula, a Simone Schmidt, que era chefe do departamento de literatura da Biblioteca Lucília Minssen, me disse que teríamos que cancelar: tinha apenas três inscritos. Eles não poderiam me pagar o cachê. Então eu decidi fazer de graça para respeitar o trio. Se Mozart fez concerto para apenas um em Paris, por que o Charles Kiefer não daria aula para três? Hoje eu tenho sete turmas particulares, dou aula aqui de noite (na PUCRS), de manhã na Palavraria, e tenho 1400 pessoas em lista de espera. Tem gente há oito anos esperando uma vaga. Eu desmanchei os dois grupos de sábado pois vou dar aula aqui também, e ali estava o Reginaldo Pujol Filho, que participava há 17 anos.
Sul21 – Eu sou um cético em relação às oficinas…
Charles Kiefer – Como o Dacanal…
Sul21 – Ele tem um livro contra as oficinas. Quais seriam os teus argumentos a favor então?
Charles Kiefer – Uma vez, um professor que me entrevistava fez uma pergunta mais ou menos assim. Daí eu brinquei com ele e disse que todo o ovo nasce para ser galo ou galinha, mas se o ovo não for galado não vai ser nada além de um ovo. Todo mundo nasce para ser escritor, basta ter as condições para isso, condições culturais, sociais para ser galado do ponto de vista da literatura. Bem, eu estou participando da equipe que está montando o Curso de Mestrado e Doutorado de Escrita Criativa. Pela primeira vez na América Latina haverá um curso assim, com cadeiras específicas, de estudo de cinema, teatro, literatura, poesia. Olha, é um curso integral, fascinante.
Ser saudável nem sempre resulta em boa aparência
Na verdade, às vezes dá muito errado! As latinhas de Gillian McKeith e de Nigella Lawson — OK, admitamos que Nigella nasceu com mais sorte — , ambas de 51 anos, apresentam estados muito diferentes de conservação… McKeith é aquela apresentadora que cheira o cocô de gente gorda na TV inglesa. Ela se compraz em fazer sofrer as pessoas cuja vida examina. Por exemplo, bota sobre uma mesa tudo o que um gordão vai comer num mês e berra com o coitado. É uma sádica, atitude que faz muito sucesso na TV inglesa, onde pessoas comuns aparecem nos programas para serem corrigidas e humilhadas (Super Nanny e mais uns três ou quatro que não vou lembrar agora, mas que passam ad nauseam no canal pago GNT). O sadismo lhe fez mal, nossa.
Os festins diabólicos
Festim Diabólico foi a forma que o tradutor brasileiro encontrou para deixar Rope (Corda), de Alfred Hitchcock, com um título mais sedutor ao público nacional. O novo nome ficou ridículo, em minha opinião, mas sempre que me convidam para uma festa me vem o termo à cabeça: “Um festim diabólico!”. O filme foi feito em 1948 e é uma proeza técnica do diretor inglês, enquanto a única proeza técnica de nossas festas é o (chato, chato, chato e que atrapalha nossa vida nos dias seguintes) deslocamento de um baú. A vantagem é que ele nunca passou por cima do pé de ninguém, como fez a pesadíssima câmara durante as filmagens de Rope, que destruiu o pé de um operador. Mas não é este meu assunto. Apesar de possuirmos um baú onde caberiam vários corpos, meu assunto são os festins lá de casa.
Pois há uma frequência quase mensal deles. O número de pessoas varia entre quinze e quarenta. As festas lá de casa não costumam ter pretextos aparentes, servem apenas para que a gente se divirta. Porém… Deixem eu dizer uma coisa: acho que as festas valem principalmente por seu efeito posterior, pois elas se fazem sentir nas horas e nos dias seguintes. As festas seguem na minha cabeça e na dos outros, tenho certeza. Cumprimentos, lembranças, esquecimentos de celulares, piadas repetidas, telefonemas de agradecimento, ecos de diálogos, casais que se convidam para voltar lá a fim de terminar com a comida do dia anterior, mas nada, nada mesmo que não sejam efusões. O melhor são as horas logo após os festins diabólicos.
Porque as festas — penso eu — são a celebração da pouca e insuficiente alegria que a vida nos dá, é uma forma de amplificá-la através de outras pessoas que valorizam nossa existência. Funcionam como a arte, quem sabe, e a qualidade da comida e da bebida — estas têm de ser excelentes — não faz somente parte do afeto distribuído por quem a faz, nem também servem só para assuntar antes, para nos alegrar durante e para planejar depois. Eu não saberia dizer da forma mais brilhante, mas me parece que a qualidade dela deve combinar com a qualidade das pessoas e das conversas. Se fosse ruim, a troca seria menor, tudo seria pior. Como na Festa de Babette de Karen Blixen, a comida e a bebida — e julgo de forma polêmica que a primeira é mais importante — não funcionam só no sentido de doação de quem a faz, mas em todas as trocas que depois acontecem.
Mas vou pensar mais no assunto.
(A gente conhece muita gente, né? Dava para fazer três festas para 40 pessoas sem repetir ninguém…)
Carta na Mesa – Edição 138 – 17/10/2011
Gravação: Estúdio de Rádio da Fabico/UFRGS, 17/10/2011
Duração: 34’47”
Mesa: Igor Natusch, Milton Ribeiro e Samir El Hawat.
Técnica: Neudimar “Batatinha” da Rocha.
Principais tópicos abordados: Santos 0 x 1 Grêmio; Inter 4 x 2 Avaí; briga pela Libertadores.
Shostakovich – Sonata Cello-piano Op.40 II. mov. avec Gastinel
Ando meio sem cabeça para postar
Cornos contribuem para a herança cultural da sociedade moderna
O maravilhoso Concerto Duplo para Violino, Violoncelo e Orquestra de Brahms, só existe porque uma mulher corneou seu marido. Em 1884, o grande violinista Joseph Joachim e sua mulher se separaram depois que ele se convenceu que ela mantinha uma relação com o editor de Brahms, Fritz Simrock. Brahms, certo de que as suposições do violinista eram reles paranoia, escreveu uma carta de apoio a Amalie, que mais adiante ela usará como prova no processo de divórcio que Joseph movia contra ela. Este fato motivou um esfriamento das relações de amizade entre Joachim e Brahms, que depois foram restabelecidas quando Brahms escreveu o Concerto Duplo e o enviou a Joachim para fazer as pazes. Em suma, o Concerto só existe em função do belo par de cornos que Amalie pôs em Joseph Joachim.
P.S.- O título foi sugerido por minha fiel amiga Gabriela Franco.
Amy Winehouse nunca terá substituta, nem Janis Joplin
Eu realmente me divirto com essas coisas. Há alguns artigos musicais ingleses e americanos que falam, cada vez com maior seriedade e veemência, na possibilidade e na necessidade do surgimento “da próxima Amy Winehouse”. Li também dois sítios brasileiros falando “na substituta”. Não duvido sobre a necessidade de uma nova Amy para a indústria ou para os fãs, porém as conversas que me intrigam são sobre a formação, a criação e a escolha de nomes, acompanhadas de clipes no YouTube. Mas antes podemos recuar um pouco no tempo?
Em 2007, Gilliam Reagan e James Salon escreveram no New York Observer: Amy Winehouse vai morrer jovem. Parece inevitável, dada a combinação de juventude, ousadia, abuso de drogas, talento e má escolha de homens. Parece que vai ficar em boa companhia no céu do rock ‘n’ roll. Ficará com Janis Joplin, Jimi Hendrix, etc.
Ah, as previsões irresponsáveis da imprensa… Bem, OK, digamos que o cenário já estava pronto e as coisas encaminhadas, apesar da maldade de expor a cantora para a observação e decomposição pública, mas o que me interessa é o lado B dos fatos. Sim, pois tal prognóstico desnuda o enorme apetite de autodestruição de Amy, como também uma postura de entrega absoluta, que é bastante rara nos artistas que são o resultado da maquiagem, do recondicionamento e da hidratação de produtores atrás de grana. Pouco sei de Hendrix, Cobain ou Jim Morrison, mas a existência de Joplin — sabiam que o nome da mãe de Amy é Janis? — também me parece ter sido a de alguém que acelerava em direção ao muro sem procurar vicinais. A tragédia pessoal e a decisão de ir fundo estava plasmada nos rostos e na trajetória das duas cantoras. Por isso, quando leio alguém escrever que esta ou aquela cantora irá substituir uma das duas, procuro logo saber qual é o grau de desvio de comportamento que apresenta.
Se a candidata é bem comportada, esqueça. Pois pensar que alguém possa ter uma carreira semelhante sem um anormal grau de entrega é uma bobagem. Se tiver comportamento convencional pode ser melhor ou pior, mas não será a lenda de que tanto precisa a combalida indústria fonográfica. Winehouse e Joplin foram como foram porque colocaram sua paixão e vida em tudo. Ambas faziam altos investimentos de angústia na música, nos homens, nas drogas, na escolha do vestido, do penteado e também no momento de passar a faca na manteiga e a manteiga no pão. Para que renasçam é necessária uma nova tragédia. Mas isso fica escondido nos textos.
Pois ambas eram um comportamento inteiro, pacotes distintos de uma só sinceridade. Ninguém vai compor boas músicas sobre reabilitação se não estiver envolvido, ninguém vai cantar com aquela garra e franqueza se estiver preocupado com o contrato, com o carro ou o próximo show. Para o gênero de artistas que elas foram, esta inteireza pode ou deve ser autocentrada e em faixa própria. Eram pessoas cujos conceitos e posturas estavam sempre presentes em apoio ao descontrole.
Pois Amy Winehouse não subia ao palco apenas para mostrar seu trabalho. Ela usava a arte para gritar, vivia o que cantava. E seus admiradores sabiam claramente ou intuíam que aquilo sim era unir arte e vida. Suas composições e a expressiva voz de contralto persuadiam que ali não havia apenas o “fazer artístico”. Talvez involuntariamente, talvez por personalidade, Winehouse atirou-se em sua Paixão — no sentido mais exacerbado e patológico do termo — baseada num referencial próprio de dor e entrega.
Então, quando aparece uma gordinha normalzinha ou uma magrinha com cara de modelo como novas Joplins ou Winehouses, esqueçam. A nova Joplin virá arrebentando e será facilmente reconhecida, terá nome e luz próprias como Amy tinha e ninguém vai ter tempo para muitas comparações.