Trad.: Sempre tenta. Sempre fracassa. Não importa. Tenta outra vez. Fracassa de novo. Fracassa melhor.
Esta citação de Samuel Beckett está tatuada no braço de Stanislas Wawrinka, que venceu a Djokovic e Nadal no Aberto da Austrália. Ele tinha 14 jogos contra Nadal e nenhuma vitória. Aliás, não ganhara nenhum set do espanhol. Contra Nole os números eram quase iguais. Este é o novo campeão e novo tenista nº 1 da Suíça. Um cara que cita Beckett no braço.
E-mail recebido de Marcelo Backes, no dia 12 de janeiro:
Querido Milton!
Tudo bem?
Espero que 2014 tenha começado maravilhosamente bem pra ti, pra Elena, pra Bárbara e pro Bernardo.
Aqui na Alemanha, o inverno tá com a maior cara de primavera, a temperatura mal baixou de nove graus positivos.
Mas escrevo para dizer que na Ilustríssima da Folha de S. Paulo de ontem saiu um troço bem bacana que eu fiz, contracapa inteira – um texto do Musil que descobri, traduzi e comentei brevemente. Trata-se de uma das coisas mais terríveis e mais incríveis que eu li nos últimos tempos – é chocante e genial; acho que vais gostar.
O texto tá fazendo o maior escarcéu — pelo mal-estar que causa, inclusive.
Beijos, saudades e, mais uma vez, um ótimo 2014 pra ti e pros teus
Marcelo
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SOBRE O TEXTO: O austríaco Robert Musil (1880-1942) é o autor de O homem sem qualidades, um dos – digamos quatro – romances mais importantes do século 20. O presente texto foi escrito exatamente há 100 anos, em 1914, e é parte de uma seção chamada “Quadros” do chamado espólio, publicado ainda em vida, em 1936.
O ano de 1914 assinalou o começo da I Guerra Mundial, da qual Musil participou como oficial, a primeira em que homens foram mortos como moscas, vítimas de armas químicas. Indiretamente, isso aparece referido nos signos dos militares, dos aeroplanos, dos cavalos mortos. Genial, o texto menciona os tábidos, vítimas da sífilis que lhes degenera a medula espinhal (a doença chama-se tabes), fala em ídolos negros, que a correção política exigiria que fossem traduzidos por divindades africanas, e menciona o tour de force clássico de Laocoonte. Aponta ainda para o comércio, a importância da marca registrada, assinalando por tabela a globalização do veneno. Reunindo Josef K. e Gregor Samsa numa mosca, investiga o sentido da vida num existencialismo levado às últimas consequências, antes mesmo de este ser batizado (por Gabriel Marcel, ao que parece) e depois divulgado sobretudo por Sartre e Camus.
Primeiro distante, e frio na expressão, parecendo até esboçar um manual de instrução para trocar pneus, o narrador logo humaniza as moscas, participa de seu destino e torna o texto profundamente angustiante. Corpo e espírito se retroalimentam no caminho à concretude do abismo. Nós viramos a mosca, uma mosca muito além daquela que ainda estraga a sopa dos outros.
A parábola de Musil talvez indigite tudo aquilo que nos controla e nos mata, que nos transforma em moscas da convenção, nos faz aceitar as armadilhas da lei e da civilização. Tudo aquilo que nos limita, nos cerceia e não nos larga mais, às vezes sem que nem mesmo saibamos (embora até nos revoltemos provisoriamente, o que só nos aprisiona ainda mais), esquecendo a liberdade em algum lugar distante daquilo que poderíamos chamar de alma, nosso único órgão que continua vivo. O quadro é uma releitura muito mais terrível do grande inquisidor de Dostoiévski, o tribunal de Kafka antecipado ou a metáfora eventual de uma agência de segurança em Maryland.
O texto de Musil:
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O papel mata-moscas
O papel mata-moscas Tangle-foot tem mais ou menos trinta e seis centímetros de comprimento e vinte e um centímetros de largura; é coberto por uma cola amarela e tóxica e vem do Canadá. Quando uma mosca pousa sobre ele -sem demonstrar qualquer avidez especial, mas seguindo uma convenção, afinal de contas já há tantas outras ali-, fica colada primeiramente apenas pelas extremidades dobradas de todas as suas perninhas. Uma sensação bem suave e estranha, como quando andamos no escuro e pisamos descalços sobre alguma coisa que ainda não é nada a não ser algo que oferece uma resistência mole, morna, confusa, para dentro do que a humanidade já vai jorrando terrivelmente aos poucos, o reconhecimento de uma mão que de algum modo ali jaz e nos segura com cinco dedos cada vez mais nítidos em seus propósitos.
Então todas as moscas fazem força e se levantam, eretas, semelhantes a tábidos que não querem ser notados, ou como militares velhos e alquebrados (e de pernas ligeiramente arqueadas, como quando se está sobre um monte inclinado). Elas se endireitam, reunindo força e concentração. Depois de poucos segundos, estão decididas e começam a fazer o que podem, zumbir e tentar se erguer. Executam essa ação furiosa por tanto tempo até que a exaustão as obriga a parar. Segue-se uma pausa para respirar e uma nova tentativa. Mas os intervalos se tornam cada vez mais longos. Elas estão paradas ali e eu sinto como estão desnorteadas. De baixo sobem vapores desconcertantes. Como pequenos martelos, suas línguas tateiam fora da boca. Suas cabeças são marrons e peludas como se fossem feitas de casca de coco; como ídolos negros antropomórficos. Elas se curvam para frente e para trás sobre suas perninhas enlaçadas e presas, se dobram sobre os joelhos e avançam se erguendo, como fazem seres humanos que tentam movimentar de qualquer jeito uma carga pesada demais; mais trágicas do que trabalhadores, mais verdadeiras na expressão atlética do esforço extremo do que Laocoonte. E então chega o estranho e recorrente instante em que a necessidade do segundo que passa triunfa sobre toda a poderosa constância da existência.
Desenho de Robert Hooke
É o instante em que por causa da dor um alpinista abre voluntariamente a mão cujos dedos ainda se agarravam, em que um homem perdido na neve se deita no chão como uma criança, em que um homem perseguido com os flancos em brasa para de correr. Elas já não têm mais forças para manter-se em pé, elas afundam um pouco e nesse instante são totalmente humanas. De imediato são agarradas por uma nova parte, mais acima na perna ou na parte traseira do corpo ou na extremidade de uma asa.
Quando elas superaram a exaustação anímica e depois de um breve instante voltam a lutar por sua vida, já estão fixadas numa posição desfavorável, e seus movimentos se tornam pouco naturais. Então elas jazem com as pernas dianteiras esticadas, apoiadas sobre os cotovelos, e tentam se levantar. Ou estão sentadas no chão, empinadas, de braços erguidos, como mulheres que tentam em vão escapar aos punhos de um homem. Ou jazem sobre a barriga, com a cabeça e os braços estendidos à frente, como se houvessem desabado em meio à corrida, e continuam erguendo apenas o rosto. Mas o inimigo sempre e desde o princípio é passivo e vence apenas devido aos instantes de desespero e confusão. Um nada, um isso as puxa para baixo. Tão devagar, que mal se consegue acompanhar o que acontece, e na maior parte das vezes com uma aceleração brusca ao final, quando o último colapso interno as abate. Então elas se deixam cair de repente, para a frente, de rosto, sobre as pernas; ou de lado, todas as pernas esticadas para longe do corpo; muitas vezes também de lado, com as pernas remando para trás. Assim elas jazem. Como aeroplanos caídos, que apontam uma das asas para o ar. Ou como cavalos mortos miseravelmente. Ou com infinitos gestos de desespero. Ou como adormecidos. Ainda no dia seguinte uma delas às vezes desperta, tateia por um momento com uma das pernas ou zumbe com a asa. Às vezes um desses movimentos perpassa o campo inteiro, então todas afundam ainda um pouco mais em sua morte. E só do lado do corpo, na região em que estão fixadas as pernas, elas têm algum órgão diminuto e cintilante que ainda vive por bastante tempo. Ele se abre e se fecha, não se pode caracterizá-lo sem lente de aumento, ele se parece com um minúsculo olho humano, que se abre e se fecha sem cessar.
ROBERT MUSIL (1880-1942), escritor austríaco, autor de “O Homem Sem Qualidades”. MARCELO BACKES, 40, é escritor e tradutor. Lança neste ano, pela Companhia das Letras, o romance “A Casa Cai”. ROBERT HOOKE (1635-1703), cientista inglês.
O imenso regente Claudio Abbado morreu esta manhã em Bolonha. Tinha 80 anos. Ao longo da sua carreira, iniciada em 1958 na Filarmônica de Nova Iorque, Abbado, que não gostava que lhe chamassem maestro, foi diretor do Scala de Milão (1960-1986), da Ópera Estatal de Viena (1986-1989) e da Filarmônica de Berlim (1989-2002), tendo ainda regido as sinfônicas de Chicago e Londres e sido o catalisador do festival de Lucerna. Viveu durante vários anos com a violinista russa Viktoria Mullova, existindo um filho dessa ligação. Em 1997 atuou em Lisboa à frente da Filarmônica de Berlim. Em 2004 fundou em Bolonha a Orquestra Mozart, que dirigiu até morrer. A degradação do estado de saúde levou-o a cancelar concertos agendados para as próximas semanas, na Itália e fora do país. No verão do ano passado, a Itália fez dele senador vitalício.
O desassombrado e talentoso Rodolfo Walsh foi um jornalista, escritor e tradutor argentino que certamente concordava com a fraqueza da maioria dos autores dos dias de hoje, ao ignorarem a política e a realidade para cuidar apenas da construção de obras via de regra ignoradas pelo público. Exagerou ao pegar em armas? Ora, eram outros tempos.
Autor de contos clássicos da literatura argentina da segunda metade do século XX, época na qual não é nada simples entrar em antologias, também escreveu notáveis livros de reportagem como o célebre (na América Laitina, não entre nós) Operação Massacre, sobre o fuzilamento de civis em José León Suárez de junho de 1956 e sobre os assassinato de Rosendo García (“¿Quién mató a Rosendo?“).
O livro de Iuri Müller apresenta este autor fundamental num pequeno volume que não é chamado de Estilhaços por acaso. Trata-se de uma série de relatos e entrevistas com amigos de Walsh agrupadas em forma de mosaico, de modo a aproximar-se, cuidadosa e literariamente, de um personagem muito complexo e insatisfeito. As rajadas de cada capítulo mostram um homem insatisfeito. Insatisfeito com os cubanos que abraçara após a Revolução, com a imprensa, com seu grupo Montoneros, com sua vida, com os milicos que tomaram o poder em 1976 e o mataram após receberam uma carta aberta que era linda, franca, que tocava nos pontos certos, mas que também era uma espécie de suicídio, pois não era crível que o deixassem viver após aquele texto — o qual está completo no livro de Iuri. Como contista — e ele era ficcionista de primeira linha –, Walsh também necessitava das doses de verossimilhança e de verdade que o mataram.
O tom cronístico e melancólico do livro, tocado como se fosse uma música de funeral ou lamento de morte, é perfeito para caracterizar um autor que desejava falar de forma realista e poética ao povo, isto é, que desejava uma linguagem que não fosse entendida apenas pela burguesia letrada.
A editora cartonera Maria Papelão fez muito bem em pescar o excelente texto de Iuri do anonimato de um trabalho para a faculdade de jornalismo da UFSM. Mas ATENÇÃO: o texto não guarda ranço acadêmico. Não há grande preocupação com a objetividade, não é destituído de humor e nem traz a fragrância de suor dos rodapés. É leitura prazerosa e, como disse Shakespeare, onde não há prazer não há proveito.
Esta novela ficou muito famosa pelo fato de Shostakovich tê-la adaptado para a ópera. A versão musical — espetacular, chamada apenas de Lady Macbeth de Mtzensk — foi proibida por Stalin, juntando escândalo a escândalo. Sim, porque a novela é espalhafatosa, um verdadeiro paroxismo de maldade, bem no estilo do modelo shakespeareano tomado por Leskov. Não há nenhuma hesitação, nenhuma incerteza, nenhum retroceder na mulher. Ela é ainda menos reflexiva do que a Lady Macbeth de Shakespeare.
E é neste ponto que vejo seu único problema. São noventa páginas divididas em quinze capítulos que cobrem a violenta vida amorosa de Catierina Lvovna, nossa Lady Macbeth. Em cada um deles, há um clímax onde algo de hediondo é tramado ou realizado. Isto dá ao livro um ar mais de roteiro do que de novela. Tudo ocorre sem muita preparação e Shostakovich, ao lê-la, deve ter pensado: “Nossa, mas isso é um libreto de ópera pronto!”. É mesmo. Porém, não pensem que Leskov fez isso por inabilidade. Foi uma opção tomada por um autor sofisticado. Do tipo desta vez vou ser tosco, tá?
Não obstante os quinze clímax sem preliminares, a história é excelente e é impossível largá-la antes do final, tal o impressionismo solar de cada uma delas. As cenas que apavoraram Stalin — que chamou a ópera de “pornofonia” antes de censurá-la, colocando Shostakovich em temporária desgraça –, estão todas no livro, plenas de desejo e ódio. Deixo de lado meu incondicional ateísmo para pedir aos céus nunca cruzar com uma Catierina Lvovna, Deus me livre delas! O próprio Leskov considerava a história perturbadora e dizia ter medo dela. Esqueça. Vale a pena ler essa história tosca do nada tosco Leskov.
O jornal norte-americano The New York Times afirmou, em reportagem publicada em seu site no último fim de semana, que ser escritor no Brasil é a “mais patética de todas as profissões”.
O diário inicia a reportagem dizendo que os escritores brasileiros participaram de diversos encontros literários em países como Alemanha, Suécia e Itália, mas, mesmo assim, a carreira é desprezada no País.
O The New York Times adverte que, se você for ao Brasil, “não conte a ninguém sobre seu real ofício”. A publicação afirma que “não apenas vão negar seu cartão de crédito na mercearia, mas certamente eles irão rir de você e ainda vão questionar”.
— Não, sério, o que você faz para sobreviver?
A publicação, porém, lembra de Paulo Coelho, que é visto como dono de uma vasta, útil e lucrativa coleção de livros publicados.
O jornal destaca ainda que os escritores não estão sozinhos nessa jornada. Segundo a edição 2013 do ranking Global Teacher Status Index (Indicador Global de Professores, em tradução livre), referente à qualidade de vida dos educadores, o Brasil figura próximo da última posição na lista que reúne 21 países.
Toda a obra de ficção é catártica.
(Ao menos para) Ernesto Sabato
A última terça-feira, 30 de abril, marcou o segundo aniversário de morte de um dos maiores mestres da literatura latino-americana, o argentino Ernesto Sabato. O autor de Sobre Heróis e Tumbas nasceu em 1911 e morreu em 2011, a menos de dois meses de tornar-se centenário. Vista em perspectiva, a trajetória de Sabato – brilhante, desigual e surpreendente – não está nada longe de seus personagens tortuosos. Jogador de futebol na juventude, comunista, físico de grande futuro, súbita desistência da carreira científica, ficcionista, artista plástico, equívoco e espetacular correção de rumos frente à ditadura argentina, o que não fez Sabato?
Sabato com Jorge Luis Borges: a amizade foi diversas vezes interrompida com críticas de parte a parte
Aos 22 anos, estudante na Faculdade de Ciências Físico-Matemáticas de La Plata, foi um dos fundadores o Grupo Insurrexit, de tendência comunista, que atuava na reforma da universidade. Ainda no mesmo ano de 1933, foi eleito Secretário Geral da Juventude Comunista e conheceu Matilde Kusminsky Richter, uma estudante de 17 anos que abandonou a casa de seus pais a fim de viver com ele.
Quando jovem, Sabato foi um promissor físico. Aos 25 anos, trabalhava no Laboratório Curie de Paris, realizando estudos sobre radiação atômica, e um ano depois, já estava no renomado MIT (Massachusetts Institute of Technology) nos EUA. Trocou Paris pelos Estados Unidos antes do início da Segunda Guerra Mundial. Em 1940, retornou à Argentina para ser professor na Universidade de Buenos Aires e, em 1943, em crise existencial — ele cita que via “um vazio de sentido” naquilo que fazia — , desistiu das ciências exatas pela literatura e pintura.
Sabato era torcedor e ex-jogador do Estudiantes de la Plata
Os romances e ensaios de Sabato não traem o cientista que ele fora, nem o humanista que sempre demonstrou ser. O poeta, romancista e ensaísta Fernando Monteiro chama-o com toda a razão de “o último dos renascentistas”. Dotado de uma vasta cultura, escreveu sobre os mais variados assuntos como se deles tudo soubesse – e parecia sabê-lo. Politicamente, causou espanto por ter sido um anti-stalinista de primeira hora. Sua posição, mais facetada e complexa a que a do comum dos militantes, fez com que fosse atacado como imperialista pela esquerda e como comunista pela direita. “Não vou ser complacente com o stalinismo e o que ele representa, não sou comunista de salão”, disse na época. Também o intelectual não traía a paixão mais chã pelo futebol – ele era um interessado hincha do Estudiantes de Plata – e pela música popular. Na música popular, há uma história recente contada pelo grande compositor e músico sérvio Goran Bregovic numa entrevista ao El Pais.
Disse Bregovic: “Ao chegar a meu hotel em Buenos Aires, me deram um pacote da parte de Ernesto Sabato, escritor que conhecia muito bem. Ele continha sua obra-prima Sobre Heróis e Tumbas, além de uma carta em que me pedia desculpas por não poder ir ao concerto em função da idade. Me explicava que minha música o havia salvado em momentos de depressão. Aquilo era incrível. Quando eu cumpria o serviço militar em Niš, na época do comunismo da Iugoslávia, roubei um exemplar deste livro do quartel. Era um romance extraordinário! Eu tinha o livro na biblioteca de minha casa em Sarajevo. Com a guerra perdi tudo, inclusive a biblioteca. Você pode começar uma nova vida, mas não pode começar duas vezes uma biblioteca”.
Um almoço para esquecer: com Videla, líderes militares, religiosos e Borges (clique para ampliar)
Mas Sabato também cometeu erros incríveis: levado por seu ódio ao peronismo, dois meses após o golpe militar de 1976, participou de animado convescote com Jorge Rafael Videla, representantes religiosos e Jorge Luis Borges. Sabato elogiou a cultura de Videla, a quem tomou por um líder moderado. Escritor à antiga, Sabato manteve sempre uma independência que não levava em conta quem eram os beneficiários ou as vítimas de suas opiniões.
Porém, quando deu-se conta de onde tinha embarcado, retirou imediatamente seu apoio e, após o final da ditadura, colocando-se a 180 graus da posição inicial, tornou-se o presidente da Conadep (Comisión Nacional sobre la Desaparición de Personas) que teve por objetivo investigar as graves e reiteradas violações aos direitos humanos durante o Terrorismo de Estado entre 1976 e 1983. Sabato foi o responsável por reunir o testemunho e a documentação de 8960 desaparecimentos, assim como da existência de 340 centros de detenção e tortura. A Comissão recebeu milhares de declarações e depoimentos, verificando in loco a existência de centenas de locais de tortura e prisão em todo o país. Foi este o instrumento que permitiu o início dos processos e a condenação dos responsáveis máximos das juntas militares, começando justamente por Jorge Rafael Videla. Foi uma correção e tanto de rumo.
Sabato não foi um escritor prolífico. Em 1945, publicou seu primeiro livro, Nós e o universo, uma série de artigos filosóficos nos quais critica a neutralidade moral da ciência e alerta sobre os processos de desumanização nas sociedades tecnológicas.
Sabato, presidente da Comisión Nacional sobre la Desaparición de Personas, entrega a Raúl Alfonsin um informe bem mais circunstanciado que o célebre ‘Informe sobre cegos’.
Em 1948, publicou a novela O Túnel, a qual fez com que os hofolotes se voltassem para ele a partir do entusiasmo de Albert Camus pela narrativa. Trata-se de uma curiosa história policial, narrada pelo autor de um assassinato, o artista plástico Juan Pablo Castel. Seu tema é a solidão e a incapacidade de criarmos conexões com outras pessoas. A obra termina com uma oração que diz “Senhor, livra-me de mim”. O Túnel é uma espécie de um longo desabafo — de notável fluência e eficiência — que reconstrói os fatos e os sentimentos que levaram ao crime. Castel apenas busca que alguém, “ainda que uma só pessoa”, compreenda seu ato. Logo, o leitor entende que Castel matara a “única pessoa” que poderia ouvi-lo, Maria. “Adotei a narrativa em primeira pessoa depois de muitas tentativas, porque era a única técnica que me permitiria passar a sensação da realidade externa a partir de um coração e de uma cabeça, a partir da subjetividade total…”.
Imagem anônima criada durante a Grande Peste de 1665
A chamada Grande Peste de Londres (1665-1666) foi uma epidemia que vitimou entre 75.000 e 100.000 pessoas, ou seja, um quinto da população da cidade. Um Diário do Ano da Peste (A Journal of the Plague Year) é um livro muito enganador escrito por Daniel Defoe (1660-1731), escritor e jornalista que completa mais um aniversário de morte neste domingo, 21 de abril. Até Gabriel García Márquez, que não é exatamente um tolo, quando se encantou pela obra, caiu no conto de que era uma reportagem da lavra do grande jornalista que o inglês também era. Sua perspectiva alterou-se muito ao ser informado de que Defoe tinha entre quatro e cinco anos de idade quando ocorreu a peste bubônica londrina. O autor descreve a peste como um repórter gonzo que, espicaçado pela curiosidade, vive de rua em rua cada drama, apesar do receio de contrair a doença. Como Defoe conversa com famílias que contam seus dramas em detalhes, é óbvio que se trata de um relato parcialmente ficcional. Defoe também era um ficcionista de mão cheia e estilo bastante original: num ambiente em que os escritores eram cheios de floreios e de citações à mitologia, ele era o escritor simples e direto que criara o livro mais mais vendido da Inglaterra três anos antes: Robinson Crusoe.
Os locais onde os mortos eram queimados
No livro, todo o esforço é para que o contato com os doentes seja minimizado a fim de que fosse evitada a transmissão da peste. Casas eram fechadas com doentes dentro. Também eram tomados cuidados extremos com a água. A angústia do leitor moderno aumenta muito ao saber que tudo aquilo era em vão. Os contemporâneos do escritor ignoravam como a peste bubônica era disseminada: a doença contaminava os ratos, as pulgas sugavam sangue contendo bacilos e as mesmas atacavam homens, inoculando-os. A contaminação dava-se de rato para homem através da pulga. O incrível é que Defoe faz referências aos grande número de ratos, mas não chega a apontá-los como um potencial problema. Os sintomas eram dor de cabeça, frio, dores nas costas, pulso e respiração aceleradas, febre alta e grande inquietação. Em 70% dos casos, a morte acontecia entre três e quatro dias.
Daniel Defoe (1660-1731)
Daniel Foe, de pseudônimo um pouco mais nobre – Daniel Defoe –, foi o autor, dentre outros, de três livros extraordinários: além de Um Diário do Ano da Peste e do conhecidíssimo Robinson Crusoe, Defoe foi o autor do igualmente clássico Moll Flanders, outro exemplo de romance realista “com interesses práticos e imediatos, não clássicos e remotos”, como escreveu Anthony Burgess (autor de Laranja Mecânia). Com efeito, sua formação foi o jornalismo. Pode-se dizer que a primeira versão de Defoe foi a do jornalista combativo e posicionado. A segunda foi ainda jornalística: ele percorreu seu país em busca de relatos rápidos, curiosos e despretensiosos. Será que eram todos ficção? A pergunta se justifica. Afinal, às vezes, Defoe trazia entrevistas surpreendentes com criminosos à beira do patíbulo. Ninguém testemunhou nenhuma delas, mas tais “confissões” ainda quentes, presumivelmente saídas da boca do inferno, faziam enorme sucesso.
Aos 43 anos de idade, na época da Rainha Ana, Defoe — um dissenter, nome dado aos protestantes ingleses não anglicanos — passou a atacá-la em razão de ela ser anglicana. O escritor acabou preso e condenado à exposição no pelourinho. Voltou a liberdade mas, dez anos depois, voltou ao cárcere em razão de outros panfletos contrários ao governo. Cansado das lutas, quando já tinha mais de 60 anos, veio a terceira versão e ele passou a dedicar-se exclusivamente ao romance. Mas mesmo o romancista não abria mão do jornalista. O estilo de Defoe é direto e abre mão de floreios e das demonstrações de erudição e outros que tais, tão apreciados por seus colegas. Ele sempre utilizou o verídico e o crível como apoio.
Capa do DVD de uma das versões de Robinson Crusoe: capa de gosto duvidoso
Em 1719, ele publicou Robinson Crusoe. Naquela primavera, esgotaram-se quatro edições do livro, revelando-se um excelente negócio para Defoe, que o considerava uma mercadoria, uma ficção popular, algo que dava mais lucro que o jornalismo. A história é conhecida. O personagem-título é um náufrago que passou 28 anos em uma remota ilha tropical, encontrando índios – alguns deles canibais – e todo o gênero de aventuras pelo caminho. De grande sucesso, o livro recebeu considerações inclusive de Karl Marx, que escreveu que Crusoe não representava aquilo que diziam dele – uns diziam que ele seria uma representação do homem universal, outros da superioridade do homem branco – e sim o homem capitalista em seu momento heroico. A leitura de Marx, assim como as outras citadas podem ser facilmente reconhecidas no livro de Defoe.
Mas seus grandes livros são Moll Flanders e Um Diário do Ano da Peste. Na época de Defoe, os romances tinham títulos enormes. O de Moll Flandres diz quase tudo a respeito:
Na capa do livro está escrito policial, mas isto é muito enganador. As Duas Águas do Mar não pertence de claramente a nenhum gênero literário, não se trata de forma alguma de um exemplar típico de romance policial. Sim, OK, é um whodunit, porém, antes disso, é um romance prazeroso de ser lido, descansado e hedonista, com dois policiais meio confusos que procuram de forma pachorrenta ligar dois assassinatos ocorridos a longa distância. (Pretendemos ir até o final sem spoilers, certo?). Os homens da lei, Jaime Ramos e Filipe Castanheira, são gourmets sempre dispostos a discorrer de forma original e interessante não somente sobre os crimes, mas também sobre as delícias da mesa, da vida e sobre suas paixões. Os charutos, os vinhos, as receitas e o amor fazem parte da trama tanto quanto os assassinatos, diria até que há mais molho do que sangue no livro. A vida pessoal dos detetives ocupa mais páginas do que a dos envolvidos nos crimes que investigam. Por outro lado, As duas águas do mar é uma história muito bem contada de uma desilusão amorosa ligada à mortes. Aliás, também os detetives têm vida amorosa em descompasso: Jaime Ramos namora Rosa, que reside no andar de cima e que não parece compartilhar muito de seus prazeres. Para piorar, ela o manda dormir em casa, pois ele ronca. Filipe, tem — ou teve — Isabel.
Ou seja, temos um romance policial sem correrias, perseguições, onde quase não há tiros, somente o(s) necessário(s) cadáver(es), a gastronomia, as viagens e uma tremenda indefinição. Poética, a narrativa caminha lentamente pelas 382 páginas do volume da Record. Estranha, a trama usa elementos nada usuais para justificar as mortes de Rui Pedro Martim da Luz e de Rita Calado Gomes. Minucioso, o romance leva embutidas a cena inesquecível do jantar preparado por Filipe para Isabel e as descrições de Finisterra, localidade considerada erradamente por anos o ponto mais ocidental da Espanha e, antes de Colombo, o ponto extremo do mundo conhecido. E várias coisas encontram lá seu fim.
Vale a pena ler este romance de Francisco José Viegas.
Cercada por megalivrarias e sem nenhuma poção mágica a que possa recorrer, a irredutível Bamboletras resiste. Alheia ao modelo triunfante de livrarias onde os livros são procurados em terminais de computador — Vou ver se tem, poderia soletrar para mim?, diz o atendente, dirigindo-se a um terminal livre — , na pequena Bamboletras a resposta vem imediata e a caminhada é até a estante. Com um dedo, o livro é puxado e mostrado e, se o usuário perguntar, poderá ouvir uma opinião a respeito. Os livros do acervo não são quaisquer. Tudo é escolhido e conhecido pela dona e seus funcionários. Pois quem entra na Bamboletras sente que ali a literatura não está pressionada (ou demolida) sob pesadas cargas de auto-ajuda, vampiros e tons.
A dona e responsável pela pequena e acolhedora Bamboletras (R. Gen. Lima E Silva, 776, Centro, Porto Alegre, tel 51 3221-8764) é Lu Vilella, a jornalista com pós-graduação em literatura que a criou há 18 anos. “Quando eu estava na pós, enquanto meu gosto ia ficando mais requintado, notei que todos os títulos que eu queria ou precisava ler não estavam nas livrarias. Então eu pensei que Porto Alegre precisava de um local especializado em literatura”.
“Se a comunidade não demonstrasse interesse numa pequena livraria de qualidade, nós simplesmente fecharíamos” | Foto: Ramiro Furquim / Sul21
No começo, o foco era a literatura infantil como o nome denuncia: Bamboletras, bambolê de letras. “E comecei a vender livros infantis. A Bamboletras era a única onde as pessoas podiam escolher entre um Ou isto ou aquilo de Cecília Meirelles, ou um Drummond, um Quintana, um Guimarães Rosa ou um Erico para seus filhos”. A livraria foi fundada na Rua da República, 95, onde permaneceu apenas um ano. Depois mudou-se para onde está hoje, no Nova Olaria. “O lugar da Bamboletras é aqui. Recebi convites para abrir filiais em todos os shoppings que abriram, mas meu lugar é aqui”, conta Lu. Logo ampliou seu acervo para abarcar a literatura nacional e estrangeira, o ensaio, a poesia e o que se vê hoje é uma espécie de crescente acervo básico, onde os bons livros são substituídos assim que vendidos. “Quem é apaixonado ou viciado em literatura, aqui na cidade, já foi levado a visitar a Bamboletras por um motivo ou outro, tenho certeza”, completa com simplicidade.
E as megalivrarias? “Quando a Livraria Cultura apareceu em Porto Alegre, a Bamboletras sentiu o impacto”. Naquela época, Lu reuniu sua equipe e disse que teriam que melhorar em tudo: na organização do espaço, no acervo, no atendimento e na atenção para as boas novidades. “Porém, se a comunidade não demonstrasse interesse numa pequena livraria de qualidade, nós simplesmente fecharíamos, pois, se é para vender qualquer coisa, prefiro fechar. Eu só vendo o que conheço e gosto”.
Os banquinhos culturais da Bamboletras | Foto: Ramiro Furquim / Sul21
O primeiro ano de convivência com as megalivrarias foi complicado. Houve um mês de dezembro – mês de colheita para os livreiros – em que as vendas caíram muito. “Eu me desesperei, porém, lentamente, os clientes retornaram em função das sugestões, da orientação, da conversa, do antigo vínculo, da amizade. Nosso público é o da literatura. Aqui não tem 50 tons de nada. Às vezes, entram umas pessoas aqui atrás de best sellers. Neste caso, ou o cara se adapta — e há muitos que se apaixonam por nós — ou vai embora. É que aqui nosso banquinho é da Frida ou da Tarsila, os marcadores são do Dali, os imãs de geladeira são de Tchékhov, Kafka ou Klimt, os livros são diferentes do comum. Às vezes, boto em destaque livros de poesias da Sophia de Mello Breyner Andresen, por exemplo. Então o cara que entra se pergunta que porra é essa, optando por ficar ou não. Já o cara da área, o que já curte cultura, se sente em casa”.
Em verdade vos digo, não gosto da enjoativa oferta de livros iguais da Feira do Livro. É muito esforço para encontrar alguma coisa especial entre as carradas de livros novos, estalando, que se repetem em toda e qualquer barraca. Como disse Luís Augusto Fischer em educada crítica, a Feira da qual é patrono é do livro e não da literatura. Pior, ela é não é nem dos livreiros, trata-se de uma Feira de editoras e de distribuidoras. Presumo (ou tenho certeza) que eles mostram o que querem, o que lhes dá lucro.
Nos balaios há coisas legais, mas haja tempo para procurar! E nem vou falar da modéstia da Área Internacional, tá? Prefiro a tranquilidade e o acervo da Bamboletrasou da Palavraria.
As programações paralelas de palestras — que antes ameaçam salvar a Feira — já não são tudo aquilo. O que era fácil ficou difícil. Há poucos anos atrás, ficava muito triste por perder tanta coisa boa; indagorinha, procurando por coisas que me interessassem, fiquei bem decepcionado, apesar de que pretendo dar um pulo no CCCEV (Centro Cultural CEEE Erico Verissimo) a fim de ouvir um grupo de escritores africanos. Eles começam às 17h30 e lá vou conhecer meu amigo moçambicano Nelson Saúte. Afinal, chega de viver de e-mails, né?
P.S. — E vejam bem a decepção: apesar de anunciado, Nelson Saúte não estava presente.
Como se imaginaria, a ação de Sábado ocorre em um sábado, mas não num sábado rotineiro. Henry Perowne inicia seu dia insone, andando pela casa de madrugada quando vê pela janela um estranho corpo em chamas rasgar o céu de Londres. Perowne é um neurocirurgião, um homem de ciência que desconfia das pretensões literárias da filha, assim como do filho músico. Vive com a mulher Rosalind, advogada, em uma confortável casa.
Se o dia iniciara diferente — depois ele receberia notícias tranquilizadoras sobre o objeto voador em chamas –, havia um programa tranquilo a cumprir: uma grande manifestação em Londres contra a invasão do Iraque — a qual ele não iria por ser contra Saddam –, um jogo de squash contra um colega de hospital, compras para o jantar, um ensaio de seu filho músico e o próprio jantar, onde a família receberia o pai de Rosalind, um poeta que vive na França, e a filha Daisy, que estava lançando seu primeiro livro. Mas há fatos que atrapalham seus planos e que não contarei aqui.
A rotina e as motivações de Perowne são dissecadas minuciosamente na lenta e eficiente narrativa de McEwan. Porém, seu mundo baseado em pressupostos científicos mostra-se frágil em diversos pontos, principalmente na violenta discussão com a filha sobre a Guerra do Iraque e nas ruas, onde nosso homem cai inadvertidamente numa bela confusão.
Vou ser vago sobre a história narrada, pois certamente estragaria este excelente livro de pequena e exemplar trama contemporânea. Mas digo que gosto de narrativas lentas, detalhistas e simétricas, e também dos acasos e viradas surpreendentes. Por isso, Sábado me agradou me cheio.
Com Julie Christie e Oskar Werner. Baseado no romance homônimo de Ray Bradbury (1920-2012) que apresenta um futuro onde todos os livros são proibidos, opiniões próprias são consideradas antissociais e hedonistas, e o pensamento crítico é suprimido. O personagem central, Montag (Werner), trabalha como “bombeiro” (o que na história significa “incendiário de livros”). O número 451 é a temperatura (em graus Fahrenheit) da queima do papel, equivalente a 233 graus Celsius.
A canadense Alice Munro ganhou o Nobel de Literatura de 2013. Desde 1976, quando o laureado foi Saul Bellow, que um prêmio não me dava tanta satisfação. É raro ficarmos satisfeitos com as escolhas da Academia Sueca. Brodsky (1987) e Seamus Heaney (1995) foram duas boas excepções, mas houve anos de absoluto nonsense: 1989 (Cela), 1992 (Walcott), 1997 (Fo) e 2004 (Jelinek).
Contista admirável, Alice Munro nunca escreveu romances. Estão publicados em Portugal, pela Relógio d’Água, seis dos catorze livros que publicou entre 1968 e 2012. (Cinco estão traduzidos pelo poeta José Miguel Silva; um por Margarida Vale de Gato.) Aos 82 anos, depois de anunciar que se retirava da literatura, o prêmio representa o triunfo do storytelling.
P.S. de Milton Ribeiro — No Brasil, a Companhia das Letras lançou O Amor de uma Boa Mulher, Fugitiva e Felicidade Demais, creio. E a Globo lançou Ódio, amizade, namoro, amor, casamento. E acho que é só.
Não entendi porque o volume da Rocco não traz o nome completo da excelente novela de Horacio Castellanos Moya, El Asco — Thomas Bernhard en San Salvador, nem ao mesmo O Asco, mas apenas Asco (Ed. Rocco, 111 páginas). Porém, deixando de lado as opções editoriais, a curiosa novela de Moya merece leitura atenta.
Curiosa por ser uma clara imitação de Thomas Bernhard — em estilo, estrutura e temática –, curiosa por Moya confessar isto no título, curiosa por ele ter repassado todo o ódio de Bernhard, aos austríacos em geral e aos habitantes de Salzburgo em especial, para um local do terceiro mundo, a cidade de San Salvador, capital de El Salvador.
Para quem não conhece Bernhard é bom explicar: seus livros são escritos em longos parágrafos — normalmente apenas um –, suas longas frases são fáceis de ler em razão das repetições e variações cuidadosamente realizadas e nelas o escritor destila ódio por páginas e páginas, chegando a tal paroxismo e descontrole que às vezes torna-se engraçado. Também não recua frente ao politicamente incorreto.
Moya foca seu relato no salvadorenho naturalizado canadense Vega, um acadêmico que retorna ao país para o enterro da mãe. Enquanto aguarda os papéis do inventário, Vega descreve suas impressões sobre o país e seus parentes, odiando tudo minuciosamente, mas minuciosamente MESMO. A invenção de Bernhard, aqui tropicalizada, funciona perfeitamente, tanto que o autor sofreu ameaças e preferiu passar bom tempo fora do país. Livrinho fascinante com ótima tradução de Antônio Xerxenesky.
Excelente e boêmio livro do grande Hobsbawm, falecido em 2012. Trata-se de 22 ensaios curtos sobre a cultura, a política e a sociedade do século XX. Muitos deles originaram-se de conferências ministradas pelo veterano Hobs – nascido em 1917 – para os mais diversos eventos. Cada um deles poderia ser expandido para formar um volume separado. Há desde análise sobre o papel do caubói na cultura americana e considerações sobre a moda até considerações fundamentais sobre a boliolice (palavra minha) do intelectual público moderno, sobre os guetos onde a grande música e grande literatura foram se esconder e sobre a situação das religiões no mundo. No último caso, as religiões são tratadas como devem ser: como forças políticas.
É difícil escrever uma resenha sobre um livro que trata de 22 temas, mesmo que estes estejam agrupados em 5 seções. Melhor citar o brilhantismo da prosa e das argumentações do mestre. Então, coloco abaixo os títulos de cada um dos ensaios a fim de que cada membro de meu septeto ledor possa avaliar o potencial de interesse que teria Tempos Fraturados (Cia. das Letras, 358 pág, tradução de Berilo Vargas). Depois, como test drive, coloco um trecho de A perspectiva da religião pública. Pura isca para o debate.