Eu gosto de manter as 12 abas de meu Google Chrome organizadinhas… Elas sempre estão na ordem que segue: as 4 primeiras são as do Sul21 (post que está sendo trabalhado, capa, geração da capa, Sul21), depois vêm as dos blogs Milton Ribeiro e PQP Bach, PqpShare, Gmail, Feedly, Facebook, Gmail do PQP Bach e Google Calendar. Posso trabalhar com mais, mas estas 12 primeiras são fixas.
Só que frequentemente aparecia um xarope que, depois de meu horário de saída, esculhambava esta ordem de comprovada eficácia, apagando parte das abas ou todas. Então, coloquei um post-it no meu monitor ameaçando os invasores. Ele dizia: EU MATO QUEM APAGAR (EXCLUIR) AS ABAS DO GOOGLE CHROME!
Ontem, na minha ausência, meu pequeno post-it ganhou um desenho do Latuff. Ficou sensacional.
Nos anos 70, a série Monty Python Flying Circus ofereceu uma visão distorcida e absurda sobre o estado das coisas e rapidamente tornou-se um clássico cult. Os Pythons elaboraram um fluxo de consciência que criou momentos inesquecíveis de êxtase cômico. Qualquer busca rápida no YouTube vai encontrar clipes sublimes de seus melhores esquetes — a Loja de Queijos, o Ministério das Caminhadas Idiotas, a Canção do Lenhador, o Papagaio Morto etc.
Os Pythons são deuses imortais do riso. Eles levaram o humor a um estado de arte da mesma maneira que Jackson Pollock evoluiu do “gotejamento” para o expressionismo abstrato. Monty Python tornou-se um ponto de referência cultural, da mesma forma que iconoclastas como RD Laing, Louis Althusser, Albert Camus, Ali Farka Touré, Nina Simone, Andy Warhol, Pete Seeger. Ainda estão na vanguarda da nossa consciência depois de se separarem. O Monty Python foi originalmente concebido como um ataque frontal completo ao que era então conhecido, naquela era, como o “establishment”.
Como Timothy Leary, o professor de Harvard que se tornou um guru do LSD e aconselhou as pessoas a “se ligar, sintonizar e cair fora”, a gangue Python convidou-nos a olhar para a sociedade moderna como uma espécie de gigantesco hospício onde é difícil explicar por que é que nós fazemos o que fazemos. Tudo com inteligência e sem a vontade primeira de ofender, praga de 99% dos comediantes de hoje, que escondem sua falta de talento atrás do politicamente incorreto.
Este mês, os cinco Pythons restantes – John Cleese, Eric Idle, Terry Jones, Michael Palin e Terry Gilliam – estão se reunindo no palco da O2 Arena, em Londres, realizando seus primeiros shows ao vivo em mais de 40 anos. As cinco apresentações iniciais lotaram. Eles tiveram de marcar mais cinco (15, 16, 18, 19 e 20 de julho). O show do dia 20 será transmitido ao vivo para mais de 400 cinemas.
Os Pythons estão até mesmo invocando o fantasma de Graham Chapman (o rei Arthur de “Em Busca do Santo Graal”) através da holografia e convidaram a atriz Carol Cleveland, veterana do programa de TV, para a briga.
Há algo esplendidamente original sobre a marca Python na comédia. Em vez de tornar-se advogados, banqueiros ou burgueses gordos, o bando formado em Cambridge (Cleese, Chapman e Idle) e Oxford (Jones e Palin) desenvolveu uma filosofia em quadrinhos não ortodoxa e irreverente. Terry Gilliam foi o último a se unir ao grupo, um artista gráfico americano que criou o famoso pé roxo que esmagava as coisas na telinha e cujas imagens pop / psicodélicas acrescentaram uma dimensão extra à série (Gilliam viria a se tornar um diretor de cinema conhecido por “Brasil” e “Medo e Delírio em Las Vegas”).
O “Monty Python Flying Circus” passou na BBC entre 1969 e 1974. Seu humor era era tão surreal para os padrões normalmente sisudos que foi quase um milagre que eles atingissem um público de massa.
Os Pythons estavam à frente de seu tempo e ainda hoje o seu humor ressoa. Ninguém foi capaz de imitar ou capturar seu brilho. O Saturday Night Live chegou mais perto durante os anos dourados com Dan Aykroyd, John Belushi, Gilda Radner, Eddie Murphy e Bill Murray, mas não alçava vôos nas mesmas alturas.
O Monty Python capturou a desumanidade e a indecência da sociedade moderna. Odiavam a burocracia, a intolerância, o conformismo, o conservadorismo, a pompa, e o rolo compressor estéril de uma sociedade ocidental decadente que atropelava os valores humanos em prol do expansionismo corporativo. Em sua incursão no cinema, os Pythons amplificaram suas paródias macabras.
Quem pode esquecer quando o rei Arthur e seus seguidores se aproximam de um castelo para ser insultados, atormentados e perseguidos por guardas franceses arrogantes no filme “Em Busca do Santo Graal”? Pode haver algo mais insano do que a idéia de uma turma de cavaleiros gays desonestos e gigantes que habitam a floresta e que dizem “Ni”?
“A Vida de Brian”, que em seu lançamento foi denunciado por direitistas e teólogos, na verdade apresentou um retrato bastante preciso dos movimentos políticos da época. O filme segue um personagem fictício infeliz chamado Brian, que nasceu ao mesmo tempo em que Jesus e está, inadvertidamente, destinado a ser o messias. Recentemente, o Reverendo Professor Burridge, decano do King’s College de Londres, a quem o papa Francisco deu um prêmio por seus estudos, declarou que “a representação de movimentos messiânicos no filme, na Judeia do século I, ofereceu provavelmente um retrato mais preciso do contexto histórico do que muitos filmes de Hollywood sobre Jesus “.
Quem mais poderia encerrar o filme num clímax em que os revolucionários crucificados cantam e pedem para “sempre olhar para o lado mais alegre da vida?”
O mundo ama o Monty Python, tanto por sua capacidade de desafiar formas ortodoxas de pensar e de se comportar como por sua capacidade inigualável para celebrar as contradições fundamentais da existência. Com precisão cirúrgica, eles continuaram martelando nossos ossos até vermos como boa parte do que aceitamos como normal diariamente é de fato lixo absoluto.
Ao vivo, o Monty Python representa seus números clássicos com ajuda de telões e outros recursos modernos. Cantam e dançam. Está lá até o jogo de futebol de filósofos. A rigor, não há novidade. Mas essa é a sabedoria da trupe. Quem vai aos shows dos Rolling Stones esperando ouvir as canções do novo disco está no lugar errado. “O nosso grande problema agora é que a plateia conhece os scripts muito melhor do que nós”, disse John Cleese. No dia 20, o Monty Python estará definitivamente morto. Enterrado. Terá deixado de existir. Longa vida ao Monty Python.
Sobre o goleiro especialista em pênaltis da Holanda, Tim Krul. Anteontem à noite, meu amigo Ricardo Branco aventara (gostaram?) a hipótese de que aquilo fosse apenas uma inteligente medida de ordem psicológica e intimidatória. Do tipo, “temos uma arma secreta”. Para piorar, o tal especialista era um armário. Hoje, sabe-se que o Branco tinha razão. Tratava-se de uma medida brilhante de Louis van Gaal a fim de deixar os jogadores da Costa Rica de cabelos em pé. “Quem é esse cara que entra só para os pênaltis? Deve ser o próprio monstro que pega todos”. A estratégia está na regra e a Holanda ganhou.
O “especialista” Krul…
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Já que, nestes dias antes das semifinais, a Argentina tem mais cara de campeã do que o Brasil, meu amigo Jorge Lima sugere um bombardeio preventivo a Buenos Aires. Acho que nossa Marinha — temos mesmo isso?, como eles passam o tempo? — poderia atacar do Prata, destruindo os restaurantes de Puerto Madero. Pura profilaxia.
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Palpites para as semifinais:
Brasil x Alemanha (Belo Horizonte, 8 de julho, às 17h)
–> Passa a ALEMANHA, infelizmente
Argentina x Holanda (São Paulo, 9 de julho, às 17h)
–> Passa a ARGENTINA.
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Pena que não consegui ver o final do jogo no qual Novak Djokovic venceu Wimbledon e ainda retornou ao primeiro lugar no ranking. Vi só os 4 primeiros sets… Também, né, foram mais de 3h30 e eu tinha que ir ao cinema. Já tinha comprado os ingressos e tudo…
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Esse pessoal que fala em Copa comprada ou é ingênuo ou está fora da disputa. Argentina, Alemanha, Brasil e Holanda pagaram suas vagas? Conta outra. E, se quem comprou foi o Brasil, por que não providenciou adversários mais fáceis? Como disse o Sergio Bomfim, imagina a grana pra subornar 31 seleções. Deve ser o dobro do PIB.
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No ano passado, eu e Igor Natusch criamos informalmente o PJS — Partido da Justiça Social. Quem poderia ser contra nós?
Anteontem, Elena Romanov manifestou desejo de criar o PUM — Partido Utópico Moderado. Agora debato-me entre as duas siglas.
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Olha, o nível dessas eleições é de chorar. Nossa Assembleia Legislativa, hoje já não muito brilhante….
Gosto muito de Kafka, porém, anos atrás, não concordava com esta pequena parábola de Kafka. O fato é que não tinha experiência para poder compreendê-la. Hoje, ela literalmente me arrepia em sua verdade.
Diante da Lei faz parte de um dos poucos livros que Kafka publicou em vida: Um Médico Rural – Pequenas Narrativas (Ein Landarzt. Kleine Erzälungen – 1919). A tradução que copio abaixo é a do escritor Modesto Carone, que foi multi-premiado no início dos 90 por suas traduções de quase todo o Kafka. Não lembro se América foi traduzido. As traduções anteriores eram insatisfatórias; tratavam de “melhorar” a estranha pontuação de Kafka e muitas não eram feitas a partir do original, mas do francês. Minha edição é da Brasiliense (1990), mas penso que a Cia. das Letras republicou tudo há uns quinze anos. Lá vai.
Diante da Lei
Diante da lei está um porteiro. Um homem do campo chega a esse porteiro e pede para entrar na lei. Mas o porteiro diz que agora não pode permitir-lhe a entrada. O homem do campo reflete e depois pergunta se então não pode entrar mais tarde.
– É possível – diz o porteiro. – Mas agora não.
Uma vez que a porta da lei continua como sempre aberta e o porteiro se põe de lado o homem se inclina para olhar o interior através da porta. Quando nota isso o porteiro ri e diz:
– Se o atrai tanto, tente entrar apesar da minha proibição. Mas veja bem: eu sou poderoso. E sou apenas o último dos porteiros. De sala para sala porém existem porteiros cada um mais poderoso que o outro. Nem mesmo eu posso suportar a simples visão do terceiro.
O homem do campo não esperava tais dificuldades: a lei deve ser acessível a todos e a qualquer hora, pensa ele; agora, no entanto, ao examinar mais de perto o porteiro, com o seu casaco de pele, o grande nariz pontudo, a longa barba tártara, rala e preta, ele decide que é melhor aguardar até receber a permissão de entrada. O porteiro lhe dá um banquinho e deixa-o sentar-se ao lado da porta. Ali fica sentado anos e anos. Ele faz muitas tentativas para ser admitido e cansa o porteiro com os seus pedidos. Às vezes o porteiro submete o homem a pequenos interrogatórios, pergunta-lhe a respeito de sua terra natal e de muitas outras coisas, mas são perguntas indiferentes, como as que os grandes senhores fazem, e para concluir repete-lhe sempre que ainda não pode deixá-lo entrar. O homem, que havia se equipado com muitas coisas para a viagem, emprega tudo, por mais valioso que seja, para subornar o porteiro. Com efeito, este aceita tudo, mas sempre dizendo:
– Eu só aceito para você não julgar que deixou de fazer alguma coisa.
Durante todos estes anos o homem observa o porteiro quase sem interrupção. Esquece os outros porteiros e este primeiro parece-lhe o único obstáculo para a entrada na lei. Nos primeiros anos amaldiçoa em voz alta e desconsiderada o acaso infeliz; mais tarde, quando envelhece, apenas resmunga consigo mesmo. Torna-se infantil e uma vez que, por estudar o porteiro anos a fio, ficou conhecendo até as pulgas de sua gola de pele, pede a estas que o ajudem a fazê-lo mudar de opinião. Finalmente sua vista enfraquece e ele não sabe se de fato está ficando mais escuro em torno ou se apenas os olhos o enganam. Não obstante reconhece agora no escuro um brilho que irrompe inextinguível da porta da lei. Mas já não tem mais muito tempo de vida. Antes de morrer, todas as experiências daquele tempo convergem na sua cabeça para uma pergunta que até então não havia feito ao porteiro. Faz-lhe um aceno para que se aproxime, pois não pode mais endireitar o corpo enrijecido. O porteiro precisa curvar-se profundamente até ele, já que a diferença de altura mudou muito em detrimento do homem:
– O que é que você ainda quer saber? – pergunta o porteiro. – Você é insaciável.
– Todos aspiram à lei – diz o homem. – Como se explica que em tantos anos ninguém além de mim pediu para entrar?
O porteiro percebe que o homem já está no fim e para ainda alcançar sua audição em declínio ele berra:
– Aqui ninguém mais podia ser admitido, pois esta entrada estava destinada só a você. Agora eu vou embora e fecho-a.
Nossa, que chuvarada a de ontem à noite! E que acústica horrível e gritona a da Igreja dos Navegantes! Quando o excelente oboísta Javier Balbinder começou a ensaiar sozinho no palco já deu para concluir que o final da Abertura Egmont soaria como uma manada de elefantes na ponte do Guaíba. E soou mesmo.
Quando o concerto iniciou, os sismógrafos londrinos tremeram, indicando movimentos no solo abaixo da Catedral de St. Paul. É que Jeremiah Clarke revirava-se e dava socos para todo lado dentro de seu túmulo. O concerto começou com Trumpet Voluntary…
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Miau!
Desde 1940, é sabido que a obra conhecida por Trumpet Voluntary foi escrita por Jeremiah Clarke e não por Henry Purcell, como anunciou o programa da Ospa. Quando a peça foi escrita, Purcell já estava morto havia cinco anos. A peça foi escrita originalmente para cravo e chama-se Prince of Denmark’s March. De 1878 até 1940, a peça foi atribuída a Henry Purcell e chamada de Trumpet Voluntary. Tudo porque, naquele ano do século XIX, um certo William Sparkes publicou um volume chamado Pequenas Peças para o Órgão, Livro VII, No. 1 (Londres, editado por Ashdown & Parry), incluindo erroneamente a peça de Clarke como se fosse de Purcell. Esta versão chamou a atenção de Sir Henry J. Wood, que fez duas transcrições orquestrais do mesma. Aí é que apareceu o trompete e o novo nome. Antigas gravações do início do século XX cimentaram o erro. Mantido o título dado por Wood, a peça tornou-se popular em casamentos reais, mas sabe-se desde 1940 que seu autor é Jeremiah Clarke, não Purcell. Não acho muito legal errar o autor de uma obra.
Estou mortinho!
O pobre Clarke não foi sacaneado somente pela Ospa. Dizem os livros que “uma paixão violenta e sem esperança por uma bela senhora de uma classificação superior a sua levou-o a cometer suicídio”. Antes de se matar, ele ficou na dúvida: enforcamento ou afogamento? Como forma de decidir seu destino, ele jogou uma moeda para o alto, mas esta caiu em pé na lama. Gente, não brinco, falo sério. Em vez de considerar o fato como um sinal de que deveria desistir de seu intento, ele escolheu um terceiro método, matando-se com um tiro na cabeça nos jardins da Catedral de St. Paul, em Londres. Suicidas não têm muita chance com igrejas, mas foi feita uma exceção para Clarke, que foi enterrado na cripta da Catedral.
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Óin! Olha o adágio de Albinoni aí, gente!
Por outro lado, com toda a razão, estava escrito no programa da Ospa: Albinoni (Remo Giazzoto) – Adagio.
Albinoni foi um compositor barroco veneziano relativamente obscuro. Então, em 1958, surgiu este “Adagio” que tem sido usado por companhias de balé, patinadores, filmes — lembram de Gallipoli, um filme de 1981 sobre a Primeira Guerra Mundial? — e, com letras, por uma série de vocalistas como Sarah Brightman, por exemplo. Esta peça é, no entanto, uma composição moderna, como salientou o maestro Tiago Flores após regê-la. Conto o caso a seguir.
Gato mau. Será por causa de Wagner?
Manuscritos de Albinoni, incluindo uma série de partituras que nunca tinha sido publicada, estavam há muitos anos na Alemanha. Mas a biblioteca onde se encontravam foi destruída no bombardeio de Dresden, em fevereiro de 1945. Os papéis de Albinoni foram perdidos no incêndio. Porém, algumas obras do compositor tinham sido antes catalogadas por um musicólogo italiano chamado Remo Giazotto, autor de uma biografia de Albinoni. Em 1958, Giazotto introduziu esta peça como obra de seu biografado. Ele a teria reconstruído a partir de fragmentos de uma sonata.
Mas outros musicólogos tinham realizado as mesmas pesquisas e acharam tudo muito estranho. Denunciaram. Diante disso, como bom italiano enrolão, a história de Giazotto mudou um pouco. Ele passou a dizer que tinha se baseado em alguns fragmentos de uma linha de baixo que estavam num manuscrito de Albinoni. Mais: ele alegou que tinha os fragmentos. E mais: disse que eles tinham sido enviados a ele por questões de segurança, quando a biblioteca em Dresden dispersou muitos de seus tesouros… Um cidadão imaginativo, sem dúvida. É fundamental saber que os direitos autorais da peça têm apenas o nome de Remo Giazotto. E que ele, é claro, jamais mostrou os tais manuscritos.
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Soninho.
Abertura Egmont. Aqui não há erro nem má intenção, apenas curiosidades. A música incidental para a peça Egmont, de Goethe, foi composta no final de 1809 para o Court Theater de Viena. A obra de Goethe é de 1786 e refere-se à acontecimentos não contemporâneos dos autores. No século XVI, o conde Egmont, de Flandres, lidera o povo flamengo em sua revolta contra a tirania espanhola. Depois de sua captura e prisão pelos espanhóis, sua amante Clärchen tenta resgatá-lo, mas fracassa em sua tentativa e ela se suicida, ingerindo veneno. Em sua cela, Egmont tem visões da imagem da liberdade e esta é uma mulher que se parece com sua amada. Ela coloca uma coroa de louros em sua cabeça enquanto uma música militar é ouvida. Então Egmont é executado, mas leva consigo a certeza de que a liberdade irá prevalecer.
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Bunitinho…
Este foi um Concerto de Gatinhos. Lembram aquelas seleções de clássicos dos anos 70 e 80 que tinham gatinhos na capa? Ali, o Aleluia de Handel podia vir antes de Rhapsody in Blue, a qual era seguida da Abertura 1812, por exemplo. Salada semelhante foi-nos servida na noite de ontem. A Ospa estava cheia de gatinhos, óin… Olha, eu acho que isso não cria público, acredito que este gênero de programa seja válido apenas em séries de concertos para escolas ou como eram os velhos “Concertos para a Juventude”, mas enfim. O apelido “Disco de Gatinhos” ou “Concerto de Gatinhos” é de autoria do Júlio e da D. Cristina lá da King`s Discos, esplêndida loja que ficava na Galeria Chaves. Eles não gostavam muito daquelas seleções…
Não vou avaliar o lado artístico do concerto de ontem. Era quase impossível tocar alguma coisa sem desafinar no meio daquela reverberação. Os membros da orquestra devem ter saído meio surdos de lá.
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O programa:
Com aquela chuva, queriam que não estivesse amassado?
Estava em casa, lendo numa mesa de fórmica branca, daquelas que se faziam anos 60 e 70, quando Shakespeare chegou. Em meu sonho, ele falava um português machadiano. Sentou-se tranquilamente em meu antigo quarto com aquela mesma cara das pinturas, só que um pouco mais corado, e declarou que gostaria que eu começasse uma carreira de poeta. Propôs-se a ser meu ghost writer.
– Aliás – riu-se Shake -, já o sou.
Sorri e disse-lhe que não lia muita poesia e que era incapaz de um verso, mas que concordava com o esquema. (Um belo oportunista ou um homem preocupado em divulgar altíssima cultura? O primeiro, certamente.) Então, ele passou a me ditar os poemas mais sublimes e perfeitos, dos quais não lembro, é claro. Só lembro da profunda emoção que me causaram e da dificuldade que tinha para escrever com o lápis na fórmica, pois as lágrimas me atrapalhavam. Enquanto fungava, ouvia e copiava a maior e mais inédita das obras. Às vezes, perguntava-lhe onde deveria mudar de linha ou onde acabava a estrofe, essas coisas técnicas. Minha caligrafia era belíssima. (Minha letra é horrorosa.)
Depois de muitos sonetos – a mesa de meu sonho era imensa -, meu novo amigo cansou e pediu-me para levá-lo até a porta. Enquanto o acompanhava, ele garantiu que voltaria.
– Voltarei! – falou ele bem alto, para minha alegria.
Não parecia um espectro. Quando voltei, nossa empregada estava de joelhos sobre a mesa, esfregando-a com produtos de limpeza bastante eficientes. (Não vi suas marcas, então não posso indicá-los.) Vi a mesa branca, ainda úmida, e caí em abissal desespero. Acordei apavorado. Não é sempre que se perde um ghost desses.
Seu rosto era exatamente este, só que, como já disse, mais corado.
Comecei vários livros nos últimos meses. Terminei poucos. Diagnóstico: baixo nível de concentração e falta de um livro que me fizesse saltar no carrossel novamente. Estava atrás de algo apaixonante, de algo que, uma vez abandonado, deixasse rapidamente saudade. Por vários motivos, este pequeno volume de contos de Lídia Jorge, comprado na livraria Bertrand do Chiado, em Lisboa — segundo o Guiness a livraria mais antiga do mundo, em atividade desde 1732 — fez retornar minha vontade de ler.
Praça de Londres tem como subtítulo “Cinco Contos Situados”, fazendo referência ao fato de cada um dos contos narrar fatos ocorridos em diferentes cidades. Porém, se há esta distinção, a atmosfera de imprecisão e de dúvida está por todo o lugar. Os focos narrativos de Lídia Jorge são os mais originais possíveis. O conto mais longo do livro, Perfume, por exemplo, tem narração longínqua e entrecortada, combinando inteiramente com a sonhadora rarefação proposta pelo texto da autora.
O primeiro conto, Praça de Londres mostra o crescente glissando emocional de uma uma mulher que vê uma cena de rua que não tem nada a ver com sua vida e que lhe provoca ciúme e curiosidade. O diálogo imaginário com a zeladora de um prédio é o ponto alto de uma história inusual.
Rue de Rhône é uma narrativa muito íntima da culpa de uma mulher que compra uma bolsa politicamente incorreta, pois é feita da pele de jacarés da Louisiana. Não há diálogos e a vendedora não entende o triplo constrangimento da compradora.
Branca de Neve é o estupendo relato de um roubo inesperado ou concedido.
Em Viagem para Dois, Lídia Jorge leva ao máximo a originalidade do foco narrativo. É uma curiosa história contada por um homem à mulher que a escreverá mais tarde. Ele lhe conta tudo, dando instruções detalhadas sobre como ela há de fazê-lo. Em estado bruto, estão lá a ideia e algumas possíveis execuções.
Perfume baseia-se no filme Yol, de Yilmaz Guney, a quem é dedicado, tem foco narrativo hesitante — fica entre a criança que vê e a babá meio paranoica. Impossível não se apaixonar por este distante relato do fim de um casamento.
Os telespectadores da — adivinho — maravilhosa novela chamada Meu Pedacinho de Chão (ou seria Meu Pedacinho de Seio?) vêm movimentando as redes sociais nas últimas horas. No capítulo de segunda-feira (30) da novela das seis da Rede Globo, a professora Juliana, interpretada pela atriz Bruna Linzmeyer, abusou do decote e mostrou algo chocante, aquilo que parece ser parte de sua aréola direita.
Os admiradores da Mulata Globeleza ficaram ruborizados, certamente.
Arjen Robben: acho que seu time é o único que se classificará facilmente, entrando descansado nas semis.
Dos oito jogos das oitavas, acertei sete vencedores. Errei apenas o Brasil, como vocês podem conferir ao final deste post. Vamos dar nossos chutes para as quartas? Diferentemente das oitavas, onde simplesmente escolhi o melhor time, agora entra um pouco do torcedor em campo. Os confrontos são muito equilibrados. Creio que só a Holanda terá vida fácil contra a Costa Rica. O Brasil? Está ainda vivo e, após passar criminosamente pelo Chile, acho que irá até as semi-finais.
França x Alemanha, no Rio de Janeiro (RJ), sexta (4), às 13 horas.
—> Duríssimo, não tenho a menor ideia: passa a França.
Brasil x Colômbia, em Fortaleza (CE), sexta (4), às 17 horas.
—> Passa o Brasil: acho que, apesar do time superior, falta tradição à Colômbia.
Holanda x Costa Rica, em Salvador (BA), sábado (5), às 17 horas.
—> Passa a Holanda fácil.
Argentina x Bélgica, em Brasília (DF),sábado (5), às 13 horas.
—> Passa a Bélgica.
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Os palpites para as oitavas com o “gabarito”.
Brasil x Chile (Belo Horizonte, 28 de junho, às 13h)
—> Passa o Chile. ERRADO.
Colômbia x Uruguai (Rio de Janeiro, 28 de junho, às 17h)
—> Passa a Colômbia. CERTO.
Holanda x México (Fortaleza, 29 de junho, às 13h)
—> Equilibrado, mas passa a Holanda. CERTO.
Costa Rica x Grécia (Recife, 29 de junho, às 17h)
—> Costa Rica, fácil. NADA FÁCIL, MAS CERTO.
França x Nigéria (Brasília, 30 de junho, às 13h)
—> França, infelizmente. CERTO.
Alemanha x Argélia (Porto Alegre, 30 de junho, às 17h)
—> Passa a Alemanha. CERTO.
Argentina x Suíça (São Paulo, 1º de julho, às 13h)
—> Passa a Argentina. CERTO.
Bélgica x EUA (Salvador, 1º de julho, às 17h)
—> Complicado… Passa a Bélgica. CERTO.
O Sul21 acompanhou a escritora portuguesa Lídia Jorge na Feira do Livro de Porto Alegre. Ela é uma das principais romancistas portuguesas em atividade e veio à cidade lançar seu livro O Vento Assobiando nas Gruas. Ela nasceu em 1946, no Algarve, em Portugal. Licenciada em Filologia Românica e professora do ensino secundário, ensinou em Angola e Moçambique antes de se fixar em Lisboa.Lídia tem dez romances publicados, além de ensaios, volumes de contos, de literatura infantil e peças de teatro. Sua obra alcança grande êxito junto à critica e ao grande público. Temas rurais, africanos e sobre a solidão da mulher são preocupações centrais na obra de Lídia Jorge. Seus principais romances são O Dia dos Prodígios (1980), Notícia da Cidade Silvestre (1984), A Costa dos Murmúrios (1988), O Vento Assobiando nas Gruas (2002) e A Noite das Mulheres Cantoras (2011). A escritora recebeu o Grande Prêmio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores (2003), o prêmio Correntes d’Escritas (2004), o Prêmio de Literatura da Fundação Günter Grass (2005), na Alemanha, o Prêmio do Público (2005) no Salão de Literatura Europeia, em Cognac, na França, e o Prêmio Jean Monnet da Literatura Europeia. Abaixo, alguns trechos de conversas com Lídia Jorge.
A escritora portuguesa Lídia Jorge | Foto: Divulgação
A literatura entrou muito cedo na minha vida. Minha família era formada de pessoas pobres que, em princípio, não deveria ter uma pequena biblioteca, mas havia uma pequena biblioteca em minha família. E esta ficou dentro de uma caixa por muitos anos. Quando eu era criança, tive a sorte de encontrar bons livros dentro daquela caixa que foi de um bisavô meu, a quem eu devo tudo e que, apesar de ser um homem pobre, era um homem culto e que deixou esses livros. E eu os lia. Eram livros, sobretudo, de conteúdo romântico. Livros de Júlio Dinis, Camilo Castelo Branco. E eu via que aquelas historias sempre terminavam de uma forma terrível, porque eram histórias de abandono, de prostituição, de homens que seduziam as mulheres e depois as abandonavam com crianças, filhos que vinham para assassinar os pais, pessoas que morriam dentro de masmorras… Quer dizer, era tudo uma coisa de tal dramatismo… E eu lia para minha família em voz alta, porque eles pediam de noite para eu ler. Eu lia aquelas histórias e depois não dormia, porque pensava que o mundo dos adultos era horrível. Eu não queria crescer; confundia tudo, o plano da realidade com o plano da ficção. Sentia que o mundo era uma traição. E o que fazia em resposta? Começava, para me entreter, a reescrever aquelas historias, mas ao contrário. Pegava algumas pequenas coisas das historias e dava finais felizes àquelas figuras. Sobretudo cuidava para que os pais reencontrassem seus filhos. Acho que escrevi dezenas e dezenas de historias de noites de natal, em que aparecia uma pessoa à porta, alguém de barba, uma pessoa disfarçada, um velho que depois tirava a barba e era o pai das crianças. Quer dizer, eu queria no fundo encontrar uma harmonia, eu queria dar pais aos filhos, filhos aos pais, amantes às mulheres… Eu queria, na minha inocência, organizar o mundo. E eu comecei assim. Depois, pela vida afora, eu pensei em diversos finais felizes. Mas nos bons livros poucas vezes há finais com harmonia. Mas nunca deixei de, para além da última pagina, reclamar uma harmonia para o mundo. Eu faço aquilo que gosto de ler. Gosto que as últimas páginas — mesmo dentro da maior desgraça — me digam que há uma vida para recomeçar de outra forma. Então, eu escrevo com essa intenção. Às vezes tenho um pouco de vergonha de dizer isso, porque essa é uma idéia que está completamente fora de moda. Acho que por mais malvados que os escritores sejam, a verdade é que todos escrevem para reescrever o mundo, para reclamar uma outra ordem. E eu assumo isso diretamente, mas com um pouco de vergonha.
Jane Tutikian e Lídia Jorge em palestra na feira do Livro | Bruno Alencastro / Divulgação
A identidade portuguesa perpassa todos os meus livros. Eu não faço isso de propósito. Quem teve uma juventude como tiveram as pessoas da minha geração, sob uma ditadura, fica com uma ideia de mudança. E nestes anos, Portugal ganhou imensas coisas e perdeu outras tantas. Perdeu uma coisa que foi a ilusão do império, que era uma coisa estúpida, mas que foi construtora de uma identidade. Pensávamos que éramos imensamente grandes no mundo. Éramos pequeníssimos. É confortador ao pobre pensar-se como grande. Então o que nos foi tirado recentemente foi muito difícil de suportar. Há pouco tempo o Eduardo Lourenço falava que nós sentíamos aquilo que seria a “dor do membro fantasma”. Quer dizer, o membro foi cortado e nós sentíamos a dor no membro. Os portugueses não sabiam se orientar e só conseguimos nos orientar encontrando uma outra identidade na companhia da Europa. Parecia haver uma nova grandeza nisso. E então entramos no continente como os pobres da Europa. Os portugueses, ao contrário do que se diz, são pessoas com grande sentido de dignidade e isso nos machucou muito. Transformamo-nos num local onde os avós eram analfabetos e os netos eram doutores. Ainda hoje muita mãe analfabeta que vê o seu filho ser licenciado. Foi um salto brutal. De repente, caímos num mundo completamente diferente. Houve conflito social, houve conflito familiar, houve conflito de valores, houve conflito religioso, houve conflito de toda natureza. Estamos num tempo extremamente desafiador. Se há alguma coisa que eu possa fazer, é ser testemunha do meu tempo. Eu escrevo sobre o percurso que testemunho. Penso que se eu puder deixar um livro do qual os mais velhos possam dizer: “Olha, foi com esse livro que eu senti o que era a minha vida” e para os novos dizerem: “Olha, esse tempo foi assim”, estarei realizada. O que eu quero, é me tornar uma colunista do meu tempo. Porque é nesse tempo que eu nasci e é isso que eu sei.
Bruno Alencastro / Divulgação
Virgílio Ferreira dizia: “O título é a primeira coisa que se escolhe, mas a última que se adota”. E eu acho que essa fórmula é verdadeira. Nós não começamos a escrever um livro sem ter um título. O que sabemos é que ele é provisório, ou pelo menos cremos que ele seja provisório e começamos a pensar: “Uma hora eu vou mudar”. Ora, acontece que quando escrevi a última parte de O Vento Assobiando nas Gruas, sabia que o personagem principal era o condutor da linguagem daqueles homens que estão na casinha das gruas. Hoje, sou perita em gruas. Fui a vários estaleiros, passei dias inteiros conversando com homens que conduziam gruas para saber se o que eu tinha inventado era certo. Porque sabemos muito mais do que julgamos saber. E os escritores normalmente escrevem só com o que sabem e depois vão ver se está correto. E muitas vezes está, quase sempre está. Eu não modifiquei nada no livro após ter andado dentro das fundações da construção civil. O que aconteceu foi que verifiquei que essa é uma profissão extremamente perigosa, que exige um manejo e uma perícia extraordinária para conduzir a grua. E então, a certa hora, esse homem que conduz a grua percebe o que fizeram a ele e ele sente-se tão ofendido que deseja morrer e pensa numa espécie de suicidio. Percebe o vento lá em cima. O que normalmente faria um condutor de gruas? Desceria, mas ele não desce. Fica lá à espera de ser derrubado. E os amigos lá embaixo começam a notar que ele não quer descer, que ele quer acabar com a sua vida. Esta é uma das cenas. Eu escrevi o livro todo o tempo pensando em substituir o título no fim. Meu editor dizia que era mau e eu tinha dúvidas. E então comecei a procurar outras possibilidades, tive várias ideias, mas nada parecia bom. A certa altura, abri uma revista, que na passagem do ano de 1999 para o ano 2000 lançara uma pergunta a vários escritores e artistas de todo o mundo, sobre como seria o futuro. Como seria a mudança de um milênio para outro? E então fui vendo aqueles da minha geração, os que nasceram no mesmo período e pude descobrir que Bernie Guilford, um americano que vive em Paris, tinha respondido de maneira muito interessante. Ele tinha escrito um pequeno poema que se chamava “Carta chinesa a um amigo longínquo”. E o poema dele era sobre gruas. E a ideia era mais ou menos essa: “Gruas que lentamente caminham ao longo de um lago / onde se espalham as nuvens. / Nem amigo, nem pássaro, nem clima, nem amor, / poderá mudar / seja o que for”. Isto é, um homem da minha geração, que nasceu numa cidade bem diferente da minha, escreve uma carta a um amigo longínquo, que vive em Paris, que tem exatamente a mesma ideia. E que diz, de fato, que por mais que eu queira, por mais lucidez que eu tenha, nem pássaro, nem amigo, nem o clima, nem o amor, poderá mudar seja o que for. Há pessoas que passam uma vida inteira escrevendo uma obra pra dizer “não pode ser assim”, mas a gente percebe que as forças todas vão contra aquilo que a gente pensa. Então eu pensei: “Se esse homem pensa isso, por que motivo vou mudar meu título que tem a ver, primeiro com o tema das gruas que estão modificando a terra, às vezes para o bem, às vezes para o mal. E se é um título que me diz tanto a respeito, por que não iria mantê-lo?”. E iniciei uma longa batalha. Primeiro com o editor, depois com os os jornalistas que me disseram: “Que título estranho, que coisa mais esquisita. Lídia escreveu um livro sobre construção civil”.
Bruno Alencastro / Divulgação
Costumam me perguntar: “Como você se sente escrevendo como mulher?”. E eu digo sempre que escrevo como mulher, mas que desejo, quando escrevo, ser homem, criança, velho, velha, jovem, adolescente, uma pessoa virtuosa, uma monja, uma prostituta, um ladrão, um homem sério, um homem do século XX, um homem do século XII. E talvez queira ser a porta de uma casa, um objeto, um armário de uma casa que foi do século XVIII. Eu quero ser o armário. Quero ser talvez um cão que passa a correr na rua e que cheira coisas que a gente nem sabe o quê. Eu quero ser um lobo, quero saber como o lobo faz, como ele fareja. Eu quero ser tudo. Até mesmo um animal diferente. Eu quero saber como é ser um animal diferente. Eu acho que é isso que a literatura faz. Nós queremos ser tudo em todas as coisas, nós queremos ver o que há em todos os seres.
Thiago Silva: infalível, é o melhor jogador do Brasil
Acredito que, se o Brasil não jogasse em casa, já teria dito adeus ao Mundial. Torci para o Chile, mas acho difícil que faça o mesmo para a Colômbia. Claro, não faz nenhuma diferença. Meu motivo é simples: não vi a Colômbia jogar, não me liguei a ela. Acho que um time como o do Brasil, que tem como destaques seus excelentes zagueiros, é um time perigoso, mas não o suficiente para chegar a uma final. Se passarmos pelo colombianos, morreremos nas quartas-de-final, contra Alemanha ou França, nosso habitual algoz.
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Conferindo minhas previsões…
Brasil x Chile (Belo Horizonte, 28 de junho, às 13h)
—> Passa o Chile. ERRADO.
Colômbia x Uruguai (Rio de Janeiro, 28 de junho, às 17h)
—> Passa a Colômbia. CERTO.
Holanda x México (Fortaleza, 29 de junho, às 13h)
—> Equilibrado, mas passa a Holanda. CERTO.
Costa Rica x Grécia (Recife, 29 de junho, às 17h)
—> Costa Rica, fácil. NADA FÁCIL, MAS CERTO.
França x Nigéria (Brasília, 30 de junho, às 13h)
—> França, infelizmente. CERTO.
Alemanha x Argélia (Porto Alegre, 30 de junho, às 17h)
—> Passa a Alemanha.
Argentina x Suíça (São Paulo, 1º de julho, às 13h)
—> Passa a Argentina
Bélgica x EUA (Salvador, 1º de julho, às 17h)
—> Complicado… Passa a Bélgica.
Um bolachão em uso | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21
Por Milton Ribeiro e Nícolas Pasinato
Há poucos anos, o jornalista e escritor Luiz Biajoni escreveu sobre um fato que batizou de “Síndrome da Biblioteca de Babel”, ou seja, a desvalorização de conteúdos que — em velocidade e grande profusão — são veiculados na internet. Seu foco era a música. No século passado, comprava-se música em LPs e eles não eram nada baratos. Os jovens que gostavam de música e que recebiam apenas uma mesada de seus pais tinham que economizar para comprar um vinil por mês e olhe lá. E, se o disco fosse ruim, era uma pequena tragédia, pois tinha-se que aguardar 30 dias pela próxima chance. Errava-se raramente, mas acontecia, e a coleção de discos costumava ser bem ouvida, muito amada e motivo de orgulho.
Hoje, o melômano baixa músicas em tal quantidade e de tal forma que muitas vezes não as relaciona com o CD de origem, ou seja, com o trabalho completo do artista que montou o CD com cuidado e coerência. Ouve-se as canções sem saber de que disco saíram, o que para velhos puristas é uma heresia inconcebível.
Este artigo não é passadista, mas canta algumas qualidades dos LPs, daqueles velhos bolachões de vinil com suas belas capas e brilhantes discos pretos de 30 cm de diâmetro que podem ainda ser encontrados em sebos que, às vezes, cobram fortunas pelas raridades.
Loja de vinis no centro de Porto Alegre | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Há controvérsias sobre qual teria sido o primeiro LP da história. Os alemães têm sua versão, falsa, de que o vinil surgiu há 62 anos, no dia 31 de agosto de 1951. Na época, era chamado de long-play (LP) e teria sido produzido pela gravadora alemã Deutsche Grammophon, fundada em 1898 e ainda hoje em atividade, sendo a mais antiga do mundo.
Porém, a versão correta é a de que a Columbia Records não apenas desenvolveu como lançou o LP que girava a 33 1/3 rotações por minuto (rpm) e era capaz de armazenar até 30 minutos de áudio de cada lado. O primeiro LP foi The Voice of Frank Sinatra, de 1948.
O que é indiscutível é que a tecnologia do disco de vinil surgiu no final da década de 1940. O vinil é um tipo de plástico, usualmente na cor preta, que pode ser reproduzido através de um toca-discos. O disco possui um longo sulco em forma de espiral que conduz a agulha do toca-discos da borda externa em direção ao centro, em sentido horário. Estes sulcos são microscópicos e fazem a agulha vibrar. Essa vibração é transformada em um sinal elétrico que é amplificado e transformado em som audível.
O vinil é um tipo de plástico muito delicado e qualquer arranhão pode ser ouvido, comprometendo a qualidade sonora. Idealmente, os discos devem permanecer limpos, livres de poeira e guardados na posição vertical — de forma a não ficarem empenados –, dentro de sua capa e de seu envelope ou plástico de proteção. Tudo isto é necessário porque a poeira pode tanto prejudicar o disco quanto a agulha.
Nunca deixe seu disco assim… A poeira prejudica não apenas o vinil e a agulha como a audição | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21
Voltando à história. Um ano depois, o primeiro vinil de 45 rpm foi produzido pela RCA. Ele tinha 18 cm de diâmetro e reproduzia 3 minutos de áudio de cada lado, ou sejam, trazia o mesmo tempo de música que seus predecessores, os grandes e pesados 78 rpm. Como os 45 rpm eram leves, também eram ideais para aos grandes sucessos populares e os fabricantes de jukeboxes.
Um toca-discos com o 45 rpm do clássico ‘Dreidel’, de Don McLean
O 45 rpm era leve, pequeno, tinha som melhor que os 78 rpm e, assim como os LPs, era flexível, só quebrando por extrema imperícia do dono. Logo, os 45 rpm também receberam versões em 33 1/3, ganhando um pouco mais de tempo de gravação e os novos nomes de compactos simples (com uma canção de cada lado) e duplo (com quatro ao todo).
Em 1958, chegaram os discos estereofônicos, que tinham dois canais em cada sulco, o que tornou necessário duas caixas de som que não reproduziam exatamente o mesmo som, como acontecia com os LPs anteriores, que passaram a ser chamados de mono. Até 1970, o estéreo era geralmente usado apenas para LPs, quando os compactos começaram a aparecer em versões também em estéreo.
No final dos anos 80, os vinis começaram a ser substituídos pelo CDs. Mas nostálgicos costumam cantar as vantagens dos antigos LPs sobre os atuais CDs e mp3.
O Sul21 convidou o engenheiro de áudio Marcos Abreu para traçar paralelos entre as duas tecnologias.
Marcos Abreu: os LPs requerem cuidados, mas mantêm dinamica original | Foto: Facebook
Sul21: Quais são as principais diferenças entre as gravações analógicas e digitais
Abreu: A princípio, tanto a gravação analógica quanto a digital têm limitações ou características próprias. A analógica, a dos LPs, tem a informação completa e a digital tem a informação fragmentada, convertida em bytes e bits, números. O que o pessoal mais sente de diferença entre o analógico e o digital é que hoje as gravações digitais são muito comprimidas para conseguir maior volume, enquanto que os discos analógicos mantém em grande parte a dinâmica original. Com a manutenção desta dinâmica as coisas ficam mais naturais no analógico do que nesse digital que é vendido hoje. Não quer dizer que as gravações digitais sejam ruins. É que são coisas diferentes. O problema é a forma com que o digital está sendo trabalhado. Ele entrou numa guerra de volume e compressão que acabou estragando um som que deveria ser bom.
Sul21: Pode se dizer que o som do vinil é melhor do que o do som do CD?
Abreu: Não. Não posso dizer isso. Posso dizer que algumas gravações em digital têm sonoridade ruim, mas em princípio o CD teria toda a capacidade de ter um bom som. Os excessos acabaram estragando o som do CD.
Sul21: E quais seriam as vantagens do analógico?
Abreu: A principal vantagem do analógico é a dinâmica mais preservada. Só que ele depende muito do equipamento onde é reproduzido, porque o vinil é muito mais dependente da qualidade do equipamento de som do que o CD. Para conseguir uma qualidade boa de um vinil, é necessário um equipamento bem mais sofisticado do que simplesmente um aparelho de CD ou um iPod ou um iPad. O som digital pode ser reproduzido com facilidade, mas para escutar um vinil é necessário um bom toca-discos, uma boa cápsula, uma boa agulha, um bom amplificador. Claro que tendo bom equipamento analógico tu consegues som de excelente qualidade.
Outra diferença do digital para o analógico é o nível de ruído. O digital é muito mais limpo. O analógico sempre vai ter um estalinho, um chiadinho ou um ruído do disco. Afinal, é um processo mecânico de extração de som. O desgaste é outro ponto crítico. O vinil tu escutas 10 vezes e ele começa a ficar mais com mais ruído e o CD tu escutas mil vezes ele vai continuar tocando igual, mas, em compensação, a durabilidade do disco analógico é muito maior. O vinil hoje tem mais de 100 anos o CD tem só 20. Além disso,hoje, o custo do vinil é bem maior que o do CD.
Glamour
Sul21: Vários artistas “cults” gravam seus trabalhos nas duas plataformas. Como é isso?
Abreu: O que está acontecendo é que as pessoas vêm sendo enganadas pelo vinil falso, que é uma gravação digital colocada em vinil. E as pessoas acham que estão escutando o som analógico, mas não estão. Um disco gravado hoje, em digital, é lançado em vinil e as pessoas compram aquilo achando que o som é analógico e não é. É um som digital ‘vinilizado’. As verdadeiras e boas gravações analógicas são as antigas, que são as analógicas desde a origem.
Sul21: O que escolher?
Abreu: O que determina é o gosto de cada um. Há pessoas que vão ouvir o vinil e achar muito melhor. Outro vai ouvir o digital e gostar. Há pessoas que dizem que o digital é pobre, porém limpinho. Porque ele é pobre de som, mas é limpinho, não tem ruído nem chiado.
Sul21: O vinil dá muito trabalho?
Abreu: No vinil, há que cuidar a qualidade da cápsula e da agulha, para que esta não esteja gasta. Ela tem que ser nova. E é fundamental estar sempre passando um paninho no disco. E tem que ter cuidado para não arranhar. Cuidado no manuseio. Ou seja, há fatos mecânicos envolvidos no vinil que no CD ou equipamento digital, não há.
Sul21: O que faz algumas pessoas colecionarem vinis?
Abreu: O charme. Colocar o vinil e escutá-lo é bem diferente do que pegar um pendrive. Aquilo não tem graça nenhuma. Eu prefiro chegar na minha sala, pegar um disco de vinil e colocar para tocar. Acho que tem um ritual envolvido que o CD, o pendrive e os players digitais não têm. É uma sensação diferente.
Assim como qualquer jogador que cometa um ato ilícito não visto pelo árbitro, acho que Suárez mereceu a punição administrativa de nove jogos. Mas, olha, nenhum jogador é um anjinho dentro de campo, basta observar o comportamento deles antes de cada escanteio. Dedo no olho e em outros lugares, por exemplo, é coisa rotineira. O ato mais desumano de Suárez foram as ofensas racistas proferidas contra Evra. Apesar de ele ter sido punido, bem punido, isso sim é difícil de engolir. É minha opinião.
Bom, vamos à diversão, primeiro uma propaganda sensacional que está passando no Chile:
— “Brasil capota aos pés da Cordilheira”
— ‘Saudades de junho de 2013″
— “Brasil perde e jogadores voltam para suas casas — no exterior”
— “Cone Sul avança na Copa com gols gaúchos” (obrigado, Francisco Marshall)
Sim, eu sou brasileiro e me preocupo com o Brasil mais do que a maioria de nós, acho. Não que tenha passado noites em claro após as vaias pouco gentis dirigidas à Dilma, não que tenha me indignado muito durante a AP 470 — o mensalão –, mas fico feliz com o fato de sermos a sétima maior economia do mundo, com nossa recém adquirida e pouco testada estabilidade, com o reconhecimento do mundo, etc. e infeliz com nosso Complexo de Vira-Latas, com o Fator Previdenciário e com a baixíssima qualidade de nossa educação. Ou seja, sou um brasileiro normal, daqueles que se ufanam de forma contida. Por exemplo, vou ao exterior e gosto de dizer que sou brasileiro; fico no Brasil e não me sinto inferior por ter nascido nessa terra.
O patriotismo é o último refúgio do canalha.
Original: Patriotism is the last refuge of a scoundrel.
Samuel Johnson. Fonte: The Life of Samuel Johnson, de James Boswell (1791)
Mas tem uma coisa: não me peçam para torcer para a Seleção Brasileira. Isso eu não faço. O Ricardo Teixeira, o Marín e a CBF não me representam e há anos sinto-me liberado para torcer para qualquer outro time. (Notem: escrevi “time”, não país). Vejam bem, não sou ingênuo a ponto de achar que uma derrota vai mexer na eleição, na estrutura do futebol do país ou na política de uma forma geral, nada disso. Apenas, repito, sinto-me liberado.
O mundo jamais será tranquilo enquanto não se extinguir o patriotismo da raça humana.
Original: You’ll never have a quiet world till you knock the patriotism out of the human race.
Bernard Shaw. Fonte: “Heartbreak house: Great Catherine, and playlets of the war”, Volume 7 (1919)
Torci contra o Brasil em 1974, preferia a Holanda. Torci a favor em 1978, pois não queria ver a Argentina campeã. Novamente torci a favor em 1982, tudo pela beleza do futebol. Torci contra em 1986, era Argentina e Maradona, como no? Não lembro o que fiz em 1990, mas, em 1994, só torci para o Brasil na final. Não vou citar todas as Copas, mas na de 2002, vejam só, fui brasileiro.
Eu também já fui brasileiro Moreno como vocês. Ponteei viola, guiei forde e aprendi na mesa dos bares que o nacionalismo é uma virtude Mas há uma hora em que os bares se fecham e todas as virtudes se negam. (…)
Carlos Drummond de Andrade. Também já fui brasileiro. Fonte: Alguma Poesia (1930)
Agora eu ligo a TV e vejo Ronaldo Nazário ao lado de Galvão Bueno. Ouço o narrador torcer loucamente e ver coisas sobrenaturais que justificam qualquer erro de arbitragem. Como posso me agregar àquilo? Por outro lado, vejo um time de um pequeno país, com um jogador brilhante que joga no meu Internacional de Porto Alegre (Aránguiz), com um esquema de jogo que varia de jogo para jogo e que nunca deixa o centroavante isolado (3-5-2, 3-4-3 e 4-3-3), bem, aí eu me apaixono, entende?
Patriotismo é a convicção de que o país da gente é superior a todos os demais, simplesmente porque ali nascemos.
Original: Patriotism is your conviction that this country is superior to all other countries because you were born in it.
Bernard Shaw. Fonte: “The Public: A journal of democracy”, Volume 13 (1910)
Sim, sábado, vou torcer para o Chile, e daí? Depois, talvez torça para a Holanda ou outro. Comigo não funciona esse troço rodrigueano da “Pátria de Chuteiras”. E eu desafio meus sete leitores a dizerem que trocariam um campeonato de seus times pelo hexacampeonato do Brasil. Eu não trocaria nem o Gauchão deste ano com suas duas vitórias sobre o Grêmio.
Charles Aránguiz
A única coisa que me dá orgulho nacionalista nesta Copa é que somos excelentes anfitriões e vai dar tudo certo em termos de organização. Sim, sei que construção, no Brasil, é sinônimo de corrupção, mas sou assim mesmo, confusamente volúvel.
Sou Internacional e Benfica. De resto, no futebol, sou coisa nenhuma. (Aliás, sou é a líder estudantil e deputada chilena Camila Vallejo).
Camila Vallejo
E nada tenho contra quem torcerá a favor. Por que teria?
O excelente blog português O homem que sabia demasiado deu-se conta de que, algumas vezes, esse negócio de ter dois olhos parece que atrapalha. Esses caras abaixo, eram melhores realizadores só com um olho do que a esmagadora maioria com os dois:
Nicholas Ray (1911 – 1979) Raoul Walsh (1887 – 1980) John Ford (1894 – 1973) Fritz Lang (1890 – 1976)
É sabido que desconhecidos, ao tentarem uma conversação, costumam introduzir, como que tateando o novo terreno, um assunto neutro, algo como a previsão do tempo. É sabido também que, logo após a tréplica, a conversa derivará para qualquer outro tema mais interessante. Só em Porto Alegre é diferente. Não há aqui assunto mais fundamental do que a previsão do tempo. Somos uma cidade de meteorólogos amadores. Sempre foi assim. Mesmo antes do efeito estufa, nosso clima já era imprevisível e existia uma real preocupação com ele. Portanto, se você vier para cá, saiba que o tempo é um grande assunto.
Também somos uma cidade pouco beneficiada pela natureza. Então, ufanamo-nos de possuir o mais belo pôr-do-sol do mundo, de sermos a cidade de melhor qualidade de vida do país, o povo que mais consome livros por habitante e de termos as mais belas mulheres. O último é o único fato comprovável, os outros dois devem ser mentirosos. Da mistura dos casais açorianos que a fundaram, dos portugueses que organizaram o mercado do porto, dos alemães que fundaram o odioso Grêmio, dos simpáticos sapateiros italianos que criaram o amado Internacional, dos negros que o jogaram melhor e das etnias que vieram depois, nasceu este ser único: a mulher porto-alegrense.
Só quem nos visita sabe como são as mulheres daqui. Nossa cidade e a de Passo Fundo, no interior do estado, são as recordistas de casamentos desfeitos no Brasil, fato estatístico que deixa as esposas perturbadas, agressivas ou vingativas, as solteiras confiantes, as “liberais” satisfeitas e os homens um pouco mais bocós. As estatísticas também apontam outro fato sublime: aqui, elas estão em maioria.
Os acontecimentos da vida privada das pessoas comuns normalmente carecem de confirmação, suas intimidades não costumam ir para os jornais, mesmo assim, já o das celebridades… Vou dar-lhes um pequeno exemplo dos problemas que Porto Alegre pode provocar. Certa vez, veio para o Inter um grande jogador: o zagueiro chileno Elias Figueroa. Ele chegou e já no aeroporto declamou Neruda. Imaginem um jogador bonito, alto, forte, moreno, com a cabeleira rebelde dos anos 70 e entonação estudada, dedicando um poema de amor à esposa Marcela, a seu lado, dentro o aeroporto, cercado por repórteres. Era um grande jogador e um publicitário, sem dúvida. No dia seguinte, os jornais estampavam as fotos do chileno e todos puderam ver de quem se tratavam, um e outro: Figueroa era um adônis, já Marcela era uma moça simpática. Porém, morando aqui, seria preciso muito mais para que o zagueiro mantivesse inexpugnável sua fidelidade. Rapidamente, ele tornou-se um símbolo tanto do Inter bicampeão brasileiro, como das mulheres que gritavam seu nome. Inabalável na defesa de seu clube, a resistência de Figueroa às porto-alegrenses foi pouco a pouco tornando-se mais sorridente. Primeiro, o chileno respondia com aceninhos às fãs, depois passou a dar autógrafos perguntando carinhosamente o nome das mulheres e alongando os diálogos muito além da tréplica. Neste período feliz, declamava poesias de amor nas rádios, mas agora sem dedicatórias à Marcela. Sabíamos, claro, que logo ocorreria o inevitável: ele acabou por focar sua atenção numa misteriosa mulher que o esperava dentro de um automóvel após os treinos.
Aquilo foi demais para Marcela. Pegou os dois filhos do casal e, encastelada no Chile, avisou ao presidente do Inter que seu marido voltaria para a casa no final do ano. Ela exigia seu retorno por motivos “de família”. O fato era motivo de piadas entre os torcedores do Grêmio e de temor entre nós, os do Inter. Neste ínterim, o futebol do chileno vicejava luxuriante. Ele agregara românticos dribles a seu futebol de resultados e era mais e mais amado pela torcida que comemorava, apesar de receosa da possível vingança de Marcela. E ela veio. Foram reuniões e mais reuniões para tentar demover Dom Elias, mas ele, como bom católico, rescindiu seu contrato com o clube no final de 1976. Perdeu muito dinheiro. O homem que enfrentava os mais perigosos atacantes voltou para a casa feito um cachorrinho. Como é uma das glórias do clube, visita até hoje Porto Alegre, sempre vigiado pela onipresente, modesta e simpática Marcela. Em 1977, quase fomos para segunda divisão. Tudo por culpa da mulher do carro.
El Sistema (“O Sistema”) é um modelo de ensino musical que foi criado na Venezuela por José Antonio Abreu. Consiste em um projeto de educação musical público gratuito e altamente capilarizado, voltado a crianças e jovens de todas as camadas sociais.
Segundo a definição da própria FESNOJIV, “El Sistema visa organizar sistematicamente a educação musical e promover a prática coletiva da música através de orquestras sinfônicas e coros, como meio de organização e desenvolvimento das comunidades”. Evidentemente, a importância do método não se limita a seus excelentes resultados artísticos. A maior parte dos jovens músicos de El Sistema provém das camadas mais carentes da população que, na música, encontra uma via de desenvolvimento intelectual e de ascensão social. El Sistema tem como objetivo principal a proteção social dos jovens mais pobres e também a sua reabilitação, nos casos de envolvimento com práticas criminosas.
A maior parte dos jovens do El Sistema provém das camadas mais carentes da população | Foto: FESNOJIV
José Antonio Abreu, economista e músico, fundou El Sistema em 1975, com o nome de Acción Social para la Música, e tornou-se seu diretor. Desde então, conseguiu desenvolver o projeto com o apoio de instituições governamentais que, ao longo de quase 40 anos, foram ora progressistas, ora conservadoras. O governo de Hugo Chávez foi o mais generoso com El Sistema, chegando a bancar quase inteiramente seu orçamento.
O projeto é ligado ao Ministério da Família, do Esporte e da Saúde, não ao Ministério da Cultura.
Alguns d seus estudantes tornaram-se estrelas internacionais da música erudita, a exemplo dos maestros Gustavo Dudamel, Dietrich Paredes, Christian Vasquez e Diego Matheuz, do contrabaixista da Filarmônica de Berlim Edicson Ruiz, do violista Joen Vazquez, do flautista Pedro Eustache, do violinista e maestro Edward Pulgar e da maestrina Natalia Luis-Bassa.
Em 2004, foi feito um documentário sobre El Sistema, dirigido por Alberto Arvelo, intitulado Tocar y Luchar. O filme obteve vários prêmios, como o de melhor documentário no Cine Las Americas International Film Festival e no Albuquerque Latino Film Festival. Em 2008, foi produzido um outro filme, El Sistema, dirigido por Paul Smaczny e Maria Stodtmeier.
A seguir, traduzimos uma embasbacada matéria de Jesús Ruiz Mantilla para o El País, de Madrid. Trata-se de uma reportagem a respeito de uma excursão que uma das orquestras do El Sistema — a Orquestra Sinfônica Nacional Infantil da Venezuela — fez ao Festival de Salzburgo, dias trás.
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Tormenta Tropical em Salzburgo
Marina Mahler tem medo de voar. Por isso, até ontem, a neta do grande compositor austríaco Gustav Mahler não pudera confirmar a veracidade das histórias que lhe chegavam da Venezuela. Lá, contaram-lhe, uns meninos de 8 a 14 anos eram capazes de interpretar a Primeira Sinfonia de seu avô. E o faziam com um vigor, um entusiasmo e um senso de estilo que muitos profissionais desejariam para si.
Porém, ontem pela manhã, no Festival de Salzburgo, ela mesma pode assistir o milagre com os olhos marejados. “A música transforma, é verdade. E essas crianças alcançaram e têm em comum com meu avô as emoções necessárias para interpretá-lo”, afirmou Marina.
Ela sabe do que fala. Quando Ruben Rodriguez, de 13 anos, primeiro contrabaixo da Orquestra Sinfônica Nacional Infantil da Venezuela atacou o terceiro movimento da Titan, esta dança doce e assustadora que Mahler compôs com a memória traumática, trazida de sua infância, de um enterro de uma criança, os outros 207 outros músicos da orquestra o acompanharam com inusitada experiência.
Dudamel com a Orquestra Simón Bolívar | Foto: FESNOJIV
Talvez eles saibam como ninguém o significado de uma facada que mata um membro de sua família ou um colega nos bairros em que vivem, na periferia de Caracas, Maracaibo, Barquisimeto, Victoria, Coro, Cumaná, Valência… Locais de onde saíram todos estes presentes e futuros músicos. Os que ontem se apresentaram com Simon Rattle, neste templo da música ocidental e na presença de José Antonio Abreu, são, em sua maioria, de extração social muito pobre.
O que ocorreu nesta edição do Festival de Salzburgo pareceu a todos um fenômeno, diz o chefe do evento, Alexander Pereira, com a concordância de Rattle. “Este é o mais importante evento educacional que vi, não apenas nos últimos anos, mas em toda a minha vida”, comentou o diretor da Filarmônica de Berlim.
E o público concordou, comparecendo em massa às 16 aparições que músicos venezuelanos fizeram este ano em Salzburgo: a primeira com a Orquestra Simon Bolívar, depois, com o Coro de Mãos Brancas — composto por surdos-mudos e portadores de necessidades especiais — e hoje com a atuação da Orquestra Infantil.
O que ocorreu foi, nem mais nem menos, uma avalanche de talento tropical sobre a mais pura tradição europeia — e ainda por cima na cidade de Mozart. Algumas décadas atrás, ninguém poderia imaginar que um fato assim fosse possível. Foi a confirmação de um fenômeno que atrai a atenção mundial: o chamado “O Sistema”.
O maestro titular da Filarmônica de Berlim, Simon Rattle | Foto: Reprodução
A história do Sistema desde os anos setenta até hoje é a história de um desafio constante, de um desafio lançado contra uma série de convenções e convicções. É um conto com final feliz que envolve ascensão social e fé irrevogável nas pessoas. “Eu não sei se o Sistema pode ser implementado em qualquer país”, diz Rattle. “Eu acho que é mais fácil em locais com fortes raízes musicais. Ele pode funcionar em locais como África do Sul, Venezuela ou Finlândia… Mas, pensando bem, talvez seu êxito seja devido aos esforços de um homem. A África do Sul contou com Mandela; a Venezuela, com Abreu “, assegura o maestro de Liverpool.
É este o campeonato onde joga Abreu. O campeonato dos grandes líderes humanitários, acima de governos e dos buracos negros da história. A partir de agora, acredita Abreu, nenhum país deixará de duvidar da eficácia pedagógica do que foi implantado por ele.
Os resultados sociais são espetaculares. A música dá sentido à vida das crianças, cria uma forte identidade e um orgulho especial, essencial para enfrentar as duras realidades que os cercam. Se isso não fosse o suficiente, a estes resultados sociais se unem os artísticos. Quando uma criança prefere passar horas e horas praticando em um núcleo em vez de sair para a rua, onde o aguarda uma realidade de crimes, armas de fogo e exclusão social, o Sistema se justifica. Como se não bastasse, produz artistas (muitos) de forma natural.
Assim foi sido demonstrado na cidade austríaca. Simon Rattle chama “O Sistema” de “O Vírus”, uma doença contagiosa que toma os meninos e os empurra na direção de suas próprias capacidades individuais e coletivas.
A joia de Abreu é Gustavo Dudamel, joia adotada na Europa pelo próprio Rattle e sobre o qual é colocado o favoritismo para substituir o inglês na Filarmônica de Berlim em 2018. Sobre isso, Rattle é cauteloso: “A Orquestra Filarmônica de Berlim é absolutamente democrática, eles escolhem os regentes de forma soberana”. Mas não é isenta de interesses e ataques como os que ele mesmo recebeu no início de sua gestão por partidários de Daniel Barenboim. Às vezes, os membros do conclave berlinense assemelham-se ao Vaticano. “Sim, mas com a vantagem de que eles são capazes de escolher um papa muito mais jovem”, brinca Rattle.
A super estrela Gustavo Dudamel comandando a Orquestra Filarmônica de Los Angeles
Não apenas Dudamel ganhou o mundo. Sem terem completado 30 anos, Diego Mattheuz ou Christian Vasquez já estão fora da órbita de Abreu. E, nesta vitrine de Salzburg, Abreu teve outra surpresa: o maestro Jesus Parra, de 18 anos.
Ontem, Parra estreou a convite de Rattle. Três anos atrás, em Caracas, era um garoto tímido e doce seguia os ensaios do grande Rattle com partituras na mão. Estava ansioso por aprender. Parra regeu com a Orquestra Infantil a Suíte do balé Estância, do compositor argentino Alberto Ginastera, uma celebração da cultura gaúcha com pontos de contato com o nacionalismo do húngaro Bartók.
Parra encarou a partitura com vigor e maturidade, dominando cada um de seus aspectos virtuosos, domando os ares pampeanos, fundindo Argentina e Venezuela e contagiando um público atônito. Foi empolgante. Para se ter uma ideia do entusiasmo, foram 10 minutos de aplausos de uma plateia germânica, que não deixou de fazê-lo até que o último dos músicos deixou o palco.
Para avaliar o sucesso dos venezuelanos em Salzburgo, talvez valha a pena repetir que Marina Mahler tem medo de voar, mas assegurou a este repórter que em pensa superá-lo a fim de entrar num avião para a Venezuela, a fim de conhecer pessoalmente os locais de onde emana a música de ontem que, disse ela, “levaria meu avô às lágrimas”.