Esta será uma resenha estranha, escrita em formato gonzo. Gonzo é um estilo de texto jornalístico ou cinematográfico no qual o autor abandona qualquer pretensão de objetividade e se mistura com o que é contado.
Pois bem, o romance A Nota Amarela — primeira parte do livro de Czekster — é narrado pela violoncelista Jacqueline du Pré. Trata-se de seus pensamentos durante sua célebre interpretação do Concerto para Violoncelo de Elgar. Claro que tudo o que ela pensa foi criado e (muito) pesquisado por Czekster. Du Pré foi uma grande figura inglesa da música erudita. Linda, cheia de vida, verdadeiramente fulgurante, ela era recém casada com o pianista e regente Daniel Baremboim — até hoje uma figura referencial na área musical. Há um filme de uma interpretação de du Pré para este concerto que foi gravado em 1967 e que serviu de base para boa parte do trabalho. Eu conheço este filme há muitos anos. Acho que o vi pela primeira vez ainda adolescente em alguma TV Educativa e fiquei fascinado. Afinal, uma linda música, tocada com muita emoção por uma bela mulher, o que poderia haver de melhor? O fato é que jamais esqueci dele e tratava de rever o filme a cada reapresentação. Aqui está ele:
Uma vez, nos anos 80, levei uma moça muito bonita, graciosa e radical, pela qual estava me apaixonando, para ver a Ospa tocar este concerto. O programa finalizava com a Sinfonia Nº 9 de Schubert, a Grande. Não é que tenha dado errado, mas… O fato é que fiz enorme propaganda do concerto de Elgar e, no final, ouvi ela dizer que o inglês fora humilhado por Schubert e… Como é que eu tinha dito que detestava autores do século XX que escreviam como se estivessem no XIX se, já de cara, no primeiro concerto em que íamos juntos, eu elogiava um desses “horrores”? E me perguntou ironicamente qual era a obra de Rachmaninov que eu amava. Nenhuma, eu respondi, já perdendo o entusiasmo. Ela gostava da música moderna, divertia-se com Stockhausen, Xenakis, com a Segunda Escola de Viena, etc. Minha história com a moça não interessa, mas ela tinha razão. Costumo não gostar destes autores, contudo há exceções e uma delas é este concerto.
Me deu vontade de bater nela com a enorme batuta de Elgar, mas acabamos passando uns bons seis meses juntos, não obstante meu gosto por aquela “vulgaridade”. Então, desde que soube que Czekster se dedicara a esmiuçar a famosa interpretação de du Pré, fiquei encantado e meio enciumado, porque o Concerto era meu e de Jacqueline e fim!
Mais: como se não bastasse, o livro de Czekster tinha outra característica perturbadora. Eu sou uma pessoa avessa a ler filósofos, não gosto. Também sou totalmente hostil a romances-ensaios como, por exemplo, O homem sem qualidades, de Robert Musil. (OK, estou aqui desfiando perigosamente alguns de meus vários desvios de caráter). Só que amo profundamente um filósofo e ele se chama Michel de Montaigne. A forma com que Montaigne aborda seus temas me deixa inteiramente envolvido. Além de possuir um texto maravilhoso, ele mistura histórias pessoais e observações sobre temas menores, partindo para conclusões que às vezes admite duvidosas. É um escritor glorioso. Para cúmulo, ainda tem muito humor e uma capacidade argumentativa absolutamente anormal. É agradável lê-lo. Ele conversa com o leitor como faz Machado. E Czekster escolheu-o para escrever um ensaio “à moda de”. É muita coisa em comum.
Desta forma, mesmo sem abrir o livro, mesmo observando de longe o volume, eu sabia que ele era para mim.
(Desculpe, Czekster, mas me senti como o personagem de A Vida do Outros, o capitão Gerd Wiesler (Ulrich Mühe) que termina o filme dizendo “É para mim”).
Mas demorei uns dois meses para abrir A Nota Amarela. Olha, gostei demais.
Czekster dividiu a narrativa em 31 capítulos, que é aproximadamente o número de minutos de duração do Concerto. Numerou-os em ordem descendente, sublinhando os minutos faltantes da execução do mesmo — o autor não faz isso de forma arbitrária, tem suas razões. Como disse, o livro é escrito na primeira pessoa do singular e, no ensaio, o autor deixa claro que leu todos os livros e entrevistas disponíveis de du Pré. Eu li muito menos e é claro que as coisas batem. Jamais saberemos o quanto o texto é du Pré, mas eu creio que é muito. Para nossa sorte, Czekster não fala sobre a doença que vitimou a carreira da violoncelista e a própria. A carreira de du Pré foi curta em razão da esclerose múltipla, que a forçou deixar os palcos aos vinte e oito anos de idade. Ela viveu apenas 42 anos.
Em determinado momento, Jacqueline vê, na plateia, uma mulher com um lenço amarelo, e aquilo a perturba. Ela se pergunta o motivo disso, pensando até se em seu guarda-roupa esta cor aparece ou não. Até que ela lembra que seu professor de violoncelo, o grande William Pleeth, presente ao concerto, um dia lhe dissera que os chineses acreditavam que uma nota amarela seria “a partícula de som perfeito que deu origem ao Universo”. Ela seria a nota perfeita, aquela que o músico deveria alcançar ou se aproximar ao máximo. Porém, toda vez que ela sente que a tal supernota está iminente, sobrevém-lhe enorme angústia e medo.
Escrever sobre os pensamentos de um artista conhecido durante a execução de um concerto é um enorme desafio, uma verdadeira proeza. A coisa poderia ficar realmente chata com constantes referências a ensaios, acelerações, desacelerações, dificuldades técnicas, relação com o palco, olhares do maestro, erros, etc., mas Gustavo mostra-se realmente criativo e não nos entrega — para usar uma expressão da moda — mesmice. O livro é feérico e Jacqueline está dentro de um drama que envolve angústia, dores, digressões, autocrítica, crítica e até certo descolamento daquilo que está fazendo.
E o ensaio sobre a escrita é brilhante, belíssimo. E também quase um thriller. A questão pessoal — penso que real — confessada pelo autor “a la Montaigne” é absolutamente grave e angustiante. Daquelas coisas de fazer a gente engolir o livro.
Por José Carlos Fernandes, no Observador.pt
(Copiado aqui só para não perder esta joia).
O maestro Daniel Barenboim gravou pela terceira vez as nove sinfonias de Bruckner. O que tem a música do compositor austríaco que justifique tamanha atenção?
Quem vagueie pelo final da letra B das discotecas, físicas ou online, deparar-se-á com uma apreciável abundância de gravações das sinfonias de Anton Bruckner (1824-1896). Porém, o compositor nem sempre gozou deste prestígio: levou anos a ganhar confiança em si mesmo como compositor e mais anos ainda a afirmar-se no meio musical vienense. Mesmo quando logrou obter algum reconhecimento, nunca deixou de ser alvo de ataques ferozes na imprensa musical, algumas das suas sinfonias foram desfiguradas pelos seus discípulos e outras nem chegaram a ser executadas durante a vida do compositor.
Nos nossos dias, apesar da profusão de gravações, continua a reinar alguma má vontade contra Bruckner entre alguns sectores da crítica, que menoriza as suas obras em termos que raramente são aplicados a outros compositores canónicos.
Um campónio de Ansfelden
Anton Bruckner não partiu de uma posição favorável para vir a ser um grande compositor: foi o primeiro dos 11 filhos de um mestre-escola na vilória de Ansfelden, perto de Linz, e viu sete irmãos morrer na infância; seguiu-se-lhes o pai e Anton, então com 13 anos, foi enviado para o mosteiro de Sankt Florian, onde foi menino de coro e recebeu treino como organista.
Estudou para mestre-escola em Linz e, aos 17 anos, tudo indicava que iria seguir a carreira paterna. O posto de assistente para que foi nomeado em Windhaag sujeitava-o a constantes humilhações do seu superior e era tão mal remunerado que, para equilibrar as finanças, tocava violino e piano nos bailes populares ou desempenhava tarefas mais humildes, como espalhar estrume nos campos agrícolas. As condições eram francamente melhores em Kronstorf, onde esteve em 1843-45, prosseguindo a instrução musical com o organista local. Em 1845, com 21 anos, regressou, como professor de órgão, a Sankt Florian – o mosteiro era afamado por possuir um dos maiores órgãos do mundo, com 103 registos e 7300 tubos. Passaria aí a década seguinte, dividindo-se entre o ensino e o estudo afincado, que lhe permitiu, mediante vários exames, obter qualificações para ensinar a níveis mais elevados.
Após ser nomeado oficialmente organista de Sankt Florian, em 1851, começou a alimentar sonhos mais altos e, a partir de 1855, passou a ir a Viena uma vez por semana para ter aulas com Simon Sechter, um eminente professor de composição (que, por coincidência, fora também o escolhido por Schubert para aperfeiçoar os seus conhecimentos, duas semanas antes de falecer). Em 1856 foi nomeado organista da catedral de Linz e em 1861 fez a estreia pública como maestro, dirigindo uma Ave Maria de sua lavra (a segunda, pois compusera outra em 1856). Nesse mesmo ano, estreou na Catedral de Linz a sua primeira obra de maturidade, a Missa n.º 1.
Este reconhecimento não fez muito para atenuar a sua insegurança: nesse mesmo ano de 1861, deu por terminados os estudos com Sechter, apenas para iniciar novos estudos com Otto Kitzler, primeiro violoncelo da orquestra da ópera de Linz e nove anos mais novo do que Bruckner, que já ia nos 37 anos – o que levaria o maestro Wilhelm Furtwängler a comentar que, com a idade com que “Schubert e Mozart já tinham terminado as suas obras, Bruckner ainda andava a fazer exercícios de contraponto”.
Bruckner continuaria a estudar com Kitzler até 1868.
Mudança para Viena
Só em 1868 resignou ao posto de organista na catedral de Linz e se mudou para Viena, ocupando o lugar de professor no conservatório da cidade, que vagara com a morte de Sechter. Porém, a mudança para Viena esteve longe de corresponder às suas expectativas: o cargo no conservatório era mais mal pago do que o de organista em Linz, o posto de organista da corte não era remunerado e não passava de um título vazio e o posto que almejava na Universidade de Viena foi-lhe sucessivamente negado – só em 1875 acabou por ser-lhe atribuído o cargo de professor de harmonia e composição, mas este trabalho só a partir de 1877 seria remunerado.
Entretanto, após vários anos a produzir exclusivamente música sacra, começara as experiências no género sinfónico: a Sinfonia em fá menor, conhecida hoje também por n.º 00 ou Studiensymphonie, foi composta em 1863, aos 39 anos, como um exercício para Kitzler e raramente é tocada.
A Sinfonia n.º1 foi iniciada em 1865 e estreada em Linz em 1868; mas a confiança vacilou com a sinfonia seguinte, terminada em 1869, mas que Bruckner declarou inválida – só estrearia em 1924 e é conhecida como n.º 0, ou “Die Nullte”.
A n.º 2, dedicada a Liszt e estreada em 1873, foi o primeiro sucesso de Bruckner.
A n.º 3 foi dedicada a Wagner e é referida, por vezes como “Wagner-Symphonie”, apesar de Bruckner ter feito uma “limpeza” das abundantes citações wagnerianas entre a composição, em 1873, e a estreia, em 1877, que foi um fiasco: o público foi abandonando a sala, restando no fim 25 pessoas (entre as quais um rapaz de 17 anos chamado Gustav Mahler), o que levou Bruckner a empreender nova revisão.
A insegurança, motivando sucessivas revisões das partituras, assombrou toda a carreira de Bruckner como sinfonista e nem sempre conduziu a melhores resultados. Quando, duas décadas após a estreia em Linz, Bruckner se dispôs a rever a Sinfonia n.º 1 para uma apresentação em Viena, para agradecer à Universidade a atribuição do grau de doutor honoris causa, o maestro Hermann Levi suplicou-lhe que não alterasse uma nota, mas Bruckner foi em frente – e, todavia, quase todos os maestros de hoje preferem tocar a primeira versão.
Para piorar tudo, três alunos seus – os irmãos Josef e Franz Schalk e Ferdinand Löwe – decidiram tornar a música de Bruckner mais acessível ao gosto médio e prepararam novas edições de várias das suas sinfonias e persuadiram Bruckner a dar-lhes aprovação oficial. Foram estas edições adulteradas que estiveram em uso até à década de 1920, quando os musicólogos as desautorizaram e advogaram o regresso às versões do compositor. Mas este regresso não tem nada de simples, uma vez que Bruckner fizera sucessivas revisões, o que leva a que hoje coexistam diferentes versões de cada sinfonia – esta disputa musicológica divide-se essencialmente entre as edições preparadas pelo musicólogo Robert Haas nos anos 30 e as do seu rival Leopold Nowak nos anos 50, que acusava Haas de ter introduzido alterações a seu bel-prazer, embora existam outras edições, cabendo a cada maestro escolher aquela que entende corresponder mais fielmente às intenções do compositor.
Grandes blocos em bruto
Josef e Franz Schalk e Ferdinand Löwe tinham, no seu limitado entendimento, razões para tentar “normalizar” as sinfonias de Bruckner, pois estas eram diferentes de tudo o que se ouvira até ali. Como escreve Gerald Abraham, em The concise Oxford history of music, “Bruckner orquestrava como o organista que era: por grandes blocos de som, alternando entre naipes orquestrais como se fossem combinações de registos de órgão, incluindo até as pausas de que o organista necessitava para fazer as mudanças de registo”. A vasta arquitectura das suas sinfonia é erguida com blocos ciclópicos, onde os metais desempenham papel proeminente, e caracteriza-se por cortes abruptos, que os Schalk e Löwe tentaram disfarçar, aproximando Bruckner da fluidez wagneriana – ora, Bruckner, embora tivesse uma devoção ilimitada por Wagner não pretendia compor como ele.
Nas duas magras páginas que o guia de música clássica da Third Ear dedica a Bruckner, Stephen Chakwin define-o, certeiramente, como um “Ansel Adams composer”. A analogia que está subentendida é que as sinfonias de Bruckner são o equivalente sonoro das fotos que o fotógrafo americano realizou nas paisagens selvagens do Oeste americano, sobretudo em Yosemite, e que realçam o carácter bravio, inóspito e rude das grandes formações rochosas. As sinfonias de Bruckner estão por lapidar, não porque o compositor não soubesse como o fazer, mas porque as pretendia assim, altaneiras e agrestes como uma cordilheira.
Mas, ao longo da história da música, bem como das restantes artes & letras, sempre houve e sempre haverá a tendência para as pessoas “sensatas”, sejam eles amigos ou editores, tentarem expurgar, ou, pelo menos, atenuar, o que há de estranho, bizarro e idiossincrático nas obras, tendo, por vezes em mente a adequação ao que imaginam ser os gostos, os interesses e as capacidades intelectuais do seu público, e não percebendo que, ao fazê-lo, descartam o que a obra tem de mais original, vital e duradouro.
No fogo cruzado da “Guerra dos Românticos”
Entretanto, em Viena, Bruckner, apesar de desfrutar de uma situação material mais confortável, caíra inadvertidamente no meio de uma acesa disputa estética que opunha brahmsianos a wagnerianos. Bruckner até começara por estabelecer amizade com Eduard Hanslick, o influente crítico da revista vienense Neue Freie Press, mas a admiração de Bruckner por Wagner nunca poderia ser aceitável para o crítico, de gosto conservador, que defendia Brahms e cujo ensaio Sobre o belo na música (1854) abria com um ataque a Wagner.
Hanslick tinha uma pena vitriólica e escreveu coisas tremendas sobre Bruckner: “Interminável, desorganizada e violenta, a Sinfonia n.º8 alonga-se numa duração detestável […] Não é de excluir que o futuro pertença a esta tenebrosa mixórdia, mas será um futuro de que não quero fazer parte”.
A Sinfonia n.º 3 mereceu-lhe esta definição: “a Sinfonia n.º 9 de Beethoven faz amizade com as valquírias de Wagner e acaba espezinhada sob os cascos dos seus cavalos”.
Max Kalbeck, correligionário de Hanslick e crítico no Wiener Allgemeine Zeitung, comparava, em 1883, a música de Bruckner ao chinfrim de uivos e rosnidos produzido por “matilhas de lobos na Noite de Walpurgis [o equivalente germânico da Noite das Bruxas]” e deixava um vaticínio similar ao de Hanslick: “Se o futuro for este caos musical, que soa como os ecos devolvidos por uma centena de escarpas, espero que esse futuro fique muito longe de nós”.
Gustav Dömpke, outro aliado de Hanslick, escrevia, a 22 de Março de 1886, no mesmo Wiener Allgemeine Zeitung: “Arrepiamo-nos, repugnados com o odor a putrefacção que assalta as nossas narinas e que emana deste contraponto apodrecido. A sua imaginação é tão irremediavelmente mórbida e retorcida que algo como uma progressão de acordes regular ou uma estrutura periódica não existem para ele. Bruckner compõe como um bêbedo”.
O extremar de posições entre wagnerianos e brahmsianos levou Bruckner a suspeitar que Brahms estaria por trás dos ataques desferidos por Hanslick e os seus apaniguados – como se Hanslick precisasse de tal incentivo. Consta que Bruckner terá chegado a pedir ao imperador austríaco que fizesse com que Hanslick deixasse de escrever coisas desagradáveis sobre ele.
Mas a reacção adversa não se cingiu aos brahmsianos nem a Viena e, um pouco por todo o mundo “civilizado” surgiram críticas virulentas a Bruckner. Em 1885, a revista nova-iorquina Keynote reagia assim à estreia da Sinfonia n.º 3: “Causa surpresa que qualquer editor com dois dedos de testa tenha concedido a dignidade da publicação impressa a esta partitura, surpresa só comparável à ideia de punir o público inocente com a sua execução, pois não é possível conceber nada mais inane e cansativo do que esta caldeirada de detritos sortidos […] A orquestração é, de fio a pavio, absolutamente pueril e a ausência de construção sensata ou capacidade inventiva atestam a imbecilidade musical do Sr. Bruckner”.
O também nova-iorquino Tribune, em 1886, descrevia assim a Sinfonia n.º 7: “Polifonia ensandecida […] A linguagem orquestral é uma espécie de volapuk musical […] Um fiasco. Talvez seja julgada bela daqui a 25 anos, mas não é bela hoje. A música abateu-se como chumbo sobre o público, do qual um terço saiu da sala após o II andamento”.
Outro crítico norte-americano viu em Bruckner “a maior ameaça musical viva, um Anticristo tonal […] [A expressão do seu rosto] pode revelar a modesta alma de um banal Kapellmeister, mas tudo o que compõe é alta traição, revolução e assassínio. A sua música pode emanar a fragrância de rosas celestiais, mas está envenenada com o enxofre do Inferno”.
Números, raparigas e cadáveres
Mesmo quem não partilhava de opiniões tão extremadas, tinha escasso apreço pelas sinfonias de Bruckner. A Filarmónica de Viena começou por recusar executar as suas três primeiras sinfonias; a Sinfonia n.º 4 foi bem recebida, mas a n.º 5 (completada em 1878) só foi executada, numa versão mutilada por Franz Schalk, em 1894, numa ocasião a que Bruckner não pôde assistir, devido às enfermidades que o atormentaram nos últimos anos de vida.
Sinfonia n.º 6, terminada em 1881, só seria estreada em 1899 (em mais uma versão abastardada), após a morte do compositor. A estreia da n.º 7, sob a direcção de Hermann Levi, foi um sucesso, mas o maestro não ficou agradado com a Sinfonia n.º 8 e foi arranjando pretextos para não a estrear, o que conduziu o compositor a um esgotamento nervoso. Levi transferiu a responsabilidade da estreia para um seu protegido, Felix Weingartner, que voltou a adiar sucessivamente a execução da obra – a estreia só teve lugar a 18 de Dezembro de 1892, sob a direcção de Hans Richter, e embora parte do público tenha deixado a sala, acabou por ser bem acolhida.
Se muitas das resistências a Bruckner no meio musical vienense resultavam da incompreensão da sua música, o carácter do compositor também não ajudava. A vida no meio cosmopolita, as viagens pela Europa (para ouvir óperas de Wagner em Bayreuth, ou dar recitais de órgão em França e em Londres) e o convívio com figuras como Wagner e Liszt pouco fizeram para lhe abrir a sua mentalidade provinciana ou libertá-lo do sotaque rural. As suas roupas eram deselegantes e provincianas e assentavam-lhe mal e as suas competências sociais eram limitadas. Quando Hans Richter ensaiava a sua Sinfonia n.º 4, Bruckner não encontrou melhor forma de exprimir o seu orgulho e satisfação do que meter à força uma moeda na mão do maestro, para que fosse beber uma cerveja à sua saúde.
A sua profunda fé católica assumia frequentemente a forma de beatice: se a meio de uma aula de contraponto, ouvia soar o Angelus numa igreja, ajoelhava-se para rezar, para perplexidade dos alunos.
Seria um eufemismo descrever como “desajeitado” o seu relacionamento com o sexo feminino: Bruckner tinha uma fixação em raparigas adolescentes, mantendo nos seus diários uma longa lista daquelas que lhe agradavam; porém, as suas intempestivas propostas de casamento conduziam invariavelmente à recusa e ao afastamento (numa ocasião os avanços feitos a duas alunas foram tão intrusivos que acabou por ser alvo de um processo disciplinar – a partir de então passou a ensinar só rapazes). Embora tenha continuado a propor casamento a adolescentes para lá dos 70 anos, acabou por permanecer solteiro – a única resposta positiva que obteve veio de uma empregada de quarto de hotel de Berlim, que acabou por recuar perante a exigência de conversão ao catolicismo imposta por Bruckner.
A obsessão de Bruckner por raparigas só tinha par na sua “numeromania”: contava sistematicamente tudo o que se lhe deparava, folhas de árvores, janelas de casas, cataventos em telhados e compassos em partituras. Embora os diagnósticos a esta distância no tempo sejam falíveis, parece certo que sofria de uma desordem obsessivo-compulsiva.
Com a idade, a necromania veio juntar-se ao catálogo de obsessões: vasculhava os jornais em busca de notícias sobre homicídios e execuções, fez fotografar o cadáver da mãe e colocou no seu gabinete a foto da falecida, que, em vida, não tivera direito a tal atenção. Ia a funerais de pessoas que não conhecia e quando, em 1868, o corpo embalsamado do Imperador Maximiliano regressou a Viena (fora executado no México) para ser sepultado, Bruckner não faltou à cerimónia.
O mesmo aconteceu quando os restos de Beethoven e Schubert foram trasladados para o cemitério central de Viena (há relatos de que terá acariciado e beijados os seus crânios e que na excitação para o fazer terá deixado cair uma lente do seu pince-nez para dentro do caixão). Não é de estranhar que tenha deixado instruções para ser embalsamado após a morte.
Desde novo que Bruckner sofria de “melancolia” – aquilo a que hoje se chamaria depressão – a ponto de por várias vezes ter considerado o suicídio. Numa carta a um amigo confessava “um sentimento de completo abandono e perda […] Vivo em permanente frustração e sou demasiado sensível”. Os banhos frios nas termas de Bad Kreuzen não atenuaram estas inclinações, que foram agravando-se com a idade.
Em 1891 começou a compor a Sinfonia n.º 9, mas o esgotamento nervoso causado pelos adiamentos da estreia da n.º 8, ao longo de 1892, desgastou a sua saúde física e mental. As mãos tremiam-lhe tanto que muito do tempo que passava à secretária, a compor, eram gastos a limpar os borrões que se iam multiplicando. Estava consciente de que não lhe restava muito tempo. “Será a minha última sinfonia […] Só peço a Deus que me deixe viver até a terminar”. Quando Mahler o visitou, confidenciou-lhe: “Tenho que acabá-la, ou então farei uma triste figura quando comparecer perante o Criador e ele me perguntar. ‘Então, meu rapaz, o que fizeste com o talento que te concedi para que me cantasses e glorificasses? Até agora vi poucos resultados’”.
Bruckner morreu em 1896, com 72 anos, e foi sepultado em Sankt Florian, perto do órgão de que fora titular. Deixou incompleta a Sinfonia n.º 9, que só estreou em 1903, em mais uma versão adulterada pelos seus alunos. Apesar de várias tentativas para reconstruir um IV andamento a partir dos esboços deixados pelo compositor, a obra é hoje executada com apenas três andamentos. A ideia de substituir o IV andamento pelo Te Deum (composto em 1884), que alguns autores atribuem a Bruckner, é destituída de sentido e não é praticada.
A discografia das sinfonias (em 2017)
A partir da década de 1960, as sinfonias de Bruckner têm vindo a despertar a atenção de maestros, orquestras, editoras e salas de concertos. Há gravações integrais das nove sinfonias (esporadicamente também da n.º 0 e da n.º 00) por:
Riccardo Chailly & Deutsches Symphonie-Orchester Berlin (Decca, gravações de 1985-2002);
Bernard Haitink & Concertgebouw Orchestra (Philips/Decca, 1963-1972);
Eliahu Inbal & Orquestra Sinfónica da Rádio de Frankfurt (Teldec/Warner);
Herbert von Karajan & Filarmónica de Berlim (Deutsche Grammophon, 1975-1980), antecedido de um ciclo incompleto com a Filarmónica de Berlim (EMI/Warner) e seguido por outro ciclo incompleto com a Filarmónica de Viena (Deutsche Grammophon);
Georg Solti & Orquestra Sinfónica de Chicago (Decca, 1979-1995);
Stanislaw Skrowaczewski & Orquestra Sinfónica da Rádio de Saarbrücken (Oehms Classics);
Georg Tintner & Real Orquestra Nacional Escocesa ou Orquestra Sinfónica Nacional da Irlanda (Naxos);
Günter Wand & Orquestra Sinfónica da Rádio de Colónia (RCA/Sony, 1974-1981), mais ciclos incompletos com a Filarmónica de Berlim (RCA/Sony) e com a Orquestra Sinfónica da Rádio do Norte da Alemanha (RCA/Sony).
Somam-se a este acervo gravações parciais por Karl Böhm (Decca), Sergiu Celibidache (EMI/Warner), Christoph von Dohnányi (Decca), Carlo Maria Giulini (Deutsche Grammophon), Otto Klemperer (EMI/Warner) e, em instrumentos de época, Philippe Herreweghe (Harmonia Mundi). E isto para nos ficarmos só por maestros de primeiro plano.
Eugen Jochum, um dos mais eminentes brucknerianos, gravou mesmo o ciclo integral por duas vezes: primeiro com a Symphonieorchester des Bayerischen Rundfunks (Orquestra Sinfónica da Rádio Bávara) e a Filarmónica de Berlim (Deutsche Grammophon, 1958-1967) e depois com a Staatskapelle Dresden (EMI/Warner, 1975-1980).
O maestro e pianista israelita (nascido na Argentina) Daniel Barenboim foi mais longe: depois de gravar as nove sinfonias com a Orquestra Sinfónica de Chicago (Deutsche Grammophon, 1972-1981) e com a Filarmónica de Berlim (Teldec/Warner, 1990-1997), voltou à carga com a Staatskapelle Berlin, em concertos ao vivo realizados em 2010 (Sinfonias n.º4-9, na Philharmonie de Berlim) e 2012 (Sinfonias n.º1-3, no Musikverein de Viena). O registo começou por estar disponível apenas sob a forma de download, através da Peral Music, a editora digital fundada por Barenboim, e cujo nome alude ao seu nome de família – Barenboim vem do alemão Birnbaum, que significa “pereira”.
Esta terceira integral foi agora disponibilizada em formato físico pela Deutsche Grammophon, sob a forma de uma caixa com nove CDs.
O registo das Sinfonias n.º 4-9, na Philharmonie de Berlim, em seis noites consecutivas de Julho de 2010, foi editado em formato vídeo (DVD ou Blu-ray) pela Accentus Music (como caixa de seis discos ou como discos isolados).
Apesar de nem sempre ser fácil estabelecer comparações entre leituras, devido ao recurso a diferentes edições (Haas, Nowak, etc.), é audível que a abordagem de Barenboim tende a polir e homogeneizar o som, atenuando os contrastes abruptos, efeito que é reforçado por uma imagem sonora um pouco difusa.
Os naipes da Staatskapelle Berlin soam perfeitamente integrados, o que alguns verão como positivo, mas que poderá parecer menos apelativo a quem entenda que as arestas e rugosidades são parte essencial das sinfonias de Bruckner e que os metais devem soar claramente recortados contra a restante textura orquestral.
Solti, Karajan e Jochum são, em geral, mais acutilantes e dramáticos nos trechos mais agitados, mas Barenboim oferece excelentes leituras dos trechos mais serenos. Nos finais das Sinfonias n.º 2 e n.º 6, Karajan é mais trágico e exaltado. No I andamento da n.º 4, Jochum & Staatskapelle Dresden oferece mais ênfase e articulação mais definida, embora no andamento seguinte as diferenças se esbatam.
Na n.º 8, a mais longa e imponente das sinfonias, Barenboim oferece uma leitura algo desvitalizada e flácida.
Tratando-se da terceira incursão nestas obras, esperar-se-ia que Barenboim tivesse algo de novo para revelar, porém traz-nos apenas mais uma interpretação de bom nível, que dificilmente se imporá como alternativa às versões de referência já existentes. Todavia, poderá ser apelativo para quem ache que as sinfonias de Bruckner soam melhor se forem amaciadas e polidas.
Para línguas de anjos
Salvo um quinteto de cordas composto em 1879 e mais uma ou outra peça ou fragmento de música de câmara escrito como exercício durante a sua longa aprendizagem, a obra de Bruckner resume-se às sinfonias e à música sacra. Esta consiste em oito missas (incluindo um Requiem), um Te Deum e meia centena de motetos e salmos, mas parte das missas e motetos são obras “de aprendizagem” ou “de circunstância”, que raramente são tocadas.
A Deutsche Grammophon reeditou há poucos meses uma caixa económica com as gravações realizadas por Eugen Jochum com o Coro e a Orquestra Sinfónica da Rádio Bávara ou com o Coro da Deutschen Oper de Berlim e a Filarmónica de Berlim, entre 1965 e 1972.
Os quatro CDs contêm o essencial das obras sacras da maturidade de Bruckner, que correspondem às obras que se implantaram no repertório corrente: as Missas n.º 1 (1864), n.º 2 (1866) e n.º 3 (1867), uma dezena de motetos e salmos (os mais consagrados, como Locus iste, Os justi ou Vexilla regis) e o Te Deum.
A música sacra de Bruckner é mais convencional do que as suas sinfonias, mas nem por isso as três missas “de maturidade” e o Te Deum deixam de estar entre o que de melhor se produziu no género no século XIX.
O Te Deum começou a ser composto em 1881 e concluído em 1884 e foi dedicado “à glória do Senhor”, em jeito de acção de graças pelo sucesso alcançado pela sua Sinfonia n.º 4. Foi estreado em versão integral, com orquestra, apenas em Janeiro de 1896 (foi a última vez que Bruckner assistiu à execução de uma obra sua) e o autor tinha-o em grande apreço – “se apresentar a partitura do meu Te Deum ao Criador, ele julgar-me-á com benevolência”. O musicólogo Jean Gallois dizia ser o Te Deum “a obra bruckneriana por excelência” e Mahler, que a dirigiu várias vezes, riscou, no seu exemplar da partitura, a indicação “Para coro, solistas e orquestra” e escreveu “Para línguas de anjos, bem-aventurados, corações atormentados e almas pacificadas pelo fogo”.
Estas versões de Jochum têm sido o padrão pela qual as outras têm sido avaliadas, mas, face ao padrões actuais de qualidade sonora, deixam algo a desejar. Salvo o Te Deum, registado na acústica generosa da Jesus-Christus Kirche, de Berlim, soam secos, baços e distantes.
O problema é mais notório nos motetos, que resultam morosos, sem detalhe e sem vida, sobretudo quando postos em confronto com o CD inteiramente preenchido com motetos de Bruckner gravado pelo Coro da St. Mary’s Cathedral, de Edimburgo, com direcção de Duncan Ferguson, para a Delphian.
A abordagem de Duncan, com um coro muito mais pequeno, as partes de soprano confiadas a crianças (rapazes e raparigas) e a vantagem de uma acústica reverberante, traz uma frescura e intensidade que faz a versão de Jochum soar amarelecida e murcha.
Também nas missas Jochum enfrenta hoje concorrência séria, de Matthew Best (Hyperion) e, mais ainda, de Philippe Herreweghe (Harmonia Mundi).
Embora não tenham envelhecido tão bem como os dois registos integrais das sinfonias, os registos de música sacra por Jochum para a Deutsche Grammophon não deixam de ter méritos, nomeadamente um bom leque de solistas, em que avultam Edith Mathis, Maria Stader, Ernst Haefliger ou Karl Ridderbusch, e o baixo custo.
Durante os aplausos, uma senhora tirava fotos de Daniel Barenboim usando o flash. Ele interrompeu a plateia e disse: “Não use o flash, senhora. Por três razões: primeiro, porque é proibido; segundo, porque me incomoda; terceiro e mais importante, porque, enquanto faz a foto, não pode me aplaudir”.
Uma coisa que sempre quis ter e não tenho é classe.
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Alex Castro tem razão: “Se você declara publicamente seu ódio a alguém, está declarando que aquela pessoa tem poder sobre você”. Faz três anos que tenho me mantido fiel à Lei de Steinbeck, que diz mais ou menos assim: “Vou me vingar de ti da forma mais cruel, vou deixar pra lá”. O Chico Marshall completa dizendo que “Aristóteles (De Anima) afirma que “nada produz maior cólera do que a expectativa de honra frustrada. Desdém, a mais letal das armas”.
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Conforme nós prevíamos, a coisa ia ficar séria. Ficou. O Vitória e a CBF fizeram sacanagem sim. Agora só falta dizerem que o Inter forjou o documento do Monterrey… Não creio que o Inter mereça ser resgatado do rebaixamento — afinal, quem perde duas vezes para o Vitória e e obtém um ponto do Santa Cruz tem que morrer mesmo — mas acho que o Vitória deveria ser o quinto rebaixado. Acho que os advogados do clube não devem se entregar. O Vitória fez algo duplamente proibido: contratou sem fazer o atleta voltar ao clube de origem e fora da janela. Curioso é o silêncio da Federação Gaúcha.
Não sei o que mais dizer sobre a foto abaixo além de que são três grandíssimos artistas que amo muito. Maurizio Pollini (74), Martha Argerich (75) e Daniel Barenboim (73) estiveram juntos ontem num camarim, em Lucerna. Como escreveu Norman Lebrecht, são “seis mãos de ouro” que ouvi muito e das quais espero ouvir ainda muito mais.
Cinquenta importantes figuras da música e das humanidades — lideradas por Daniel Barenboim, Riccardo Chailly, Placido Domingo, Daniele Gatti, Zubin Mehta, Antonio Pappano, Maurizio Pollini, Christian Thielemann, juntamente com nomes fundamentais da vida pública italiana — como Dario Fo, Bernardo Bertolucci, Andrea Camilleri, Claudio Magris, e Umberto Veronesi — assinaram um apelo ao ministro italiano do Patrimônio Cultural, relativo ao acesso acadêmico aos arquivos dos compositores Giuseppe Verdi e Giacomo Puccini.
As duas coleções — o Verdi Archivio (em Sant’Agata, Piacenza) e o Archivio Puccini (Torre del Lago, Lucca) — pertencem aos herdeiros dos compositores. Muitos manuscritos importantes, fundamentais para o estudo de como estes dois compositores viveram e criaram sua música, estão armazenados lá. Só que os atuais detentores dos materiais não dão acesso adequado a eles. Também não é possível saber das condições em que estão sendo preservados ou não, e muito menos de seus conteúdos.
Por toda a Europa, o acesso dos pesquisadores é livre para estudar os manuscritos de compositores. Porém, os herdeiros de Pucciverdi recusam-se a permitir aos investigadores o exame dos manuscritos. Esta recusa viola Art. n. 127 do Código da Herança Cultural italiana.
O recurso para o ministro italiano do Patrimônio Cultural foi publicado pela revista italiana mensal “Voce Classica”. Os cinquenta signatários são:
Roberto Abbado, Salvatore Accardo, Alberto Arbasino, Rosellina Archinto, Daniel Barenboim, Giorgio Battistelli, Bernardo Bertolucci, Francesco Saverio Borrelli, Mario Brunello, Renato Bruson, Massimo Cacciari, Bruno Cagli, Andrea Camilleri, Riccardo Chailly, James Conlon, Azio Corghi, Plácido Domingo, Ivan Fedele, Juan Diego Flórez, Dario Fo, Carlo Fontana, Luca Francesconi, Daniele Gatti, Gianluigi Gelmetti, Adriano Guarnieri, Philippe Jordan, Raina Kabaivanska, Fabio Luisi, Nicola Luisotti, Claudio Magris, Giacomo Manzoni, Michele Mariotti, Mario Martone , Zubin Mehta, Francesco Meli, Kent Nagano, Gianandrea Noseda, Anthony Pappano, Michele Pertusi, Maurizio Pollini, Salvatore Sciarrino, Renata Scotto, Alessandro Solbiati, Peter Stein, Christian Thielemann, Marco Tutino, Uto Ughi, Fabio Vacchi, Umberto Veronesi e Alberto Zedda.
A nomeação de uma regente titular para a orquestra de Birmingham é sinal inequívoco de novos rumos.
No Dia Internacional da Mulher,
Para todas as mulheres que trabalham em orquestras medievais.
O último bastião sexista da música erudita está indo ao chão. A City of Birmingham Symphony Orchestra, mais conhecida como CBSO, uma das mais respeitadas do planeta, anunciou no início de fevereiro que seu maestro titular será uma maestrina: a lituana Mirga Grazinyte-Tyla (Vilnius, 1986). Seus dois antecessores no cargo foram gigantes: Simon Rattle e Andris Nelsons. Rattle de saiu de Birmingham em 2002 para o cobiçado posto na Filarmônica de Berlim e Nelsons recentemente foi para a Sinfônica de Boston e a Gewandhaus Leipzig.
Grazinyte-Tyla é, de certa forma, ligada a outro craque da regência, o venezuelano Gustavo Dudamel. Ela foi assistente dele Dudamel na Filarmônica de Los Angeles a partir de 2012. Dois anos depois, ela começou a dirigir seus próprios concertos matinais no Walt Disney Hall. E logo surgiu na cidade californiana o que um crítico do Los Angeles Times denominou de “Mirgamanía”. Adjetivos como “naturalidade”, “dinâmico” e “forte” costumam acompanhá-la. Trata-se de uma excelente maestrina, e esta é sua outra conexão com Dudamel.
Tais fatos vão mexendo as peças do jogo. Grazinyte-Tyla não faz o estilo fora de moda do gerentão irritado. Carrega com leveza aquilo que Elias Canetti chamou de “a expressão mais óbvia de poder”. Dona de grande carisma, ela constrói um modelo diferente com base na cumplicidade e empatia com os músicos: “Reger é algo que fica entre a inspiração e a comunicação. Com os músicos, busco encontrar uma forma de soar e de interpretar. A sensação de compartilhamento deste milagre é fundamental”, disse em uma entrevista para o site da CBSO.
A escolha do Grazinyte-Tyla para o chefia da CBSO não é um fenômeno isolado. É parte de uma tendência que está se consolidando.
Naturalidade
O feminino no pódio é um movimento ascendente. Para a mexicana-norte-americana Alondra de la Parra (Nova York, 1980), a chave reside na naturalidade do gestual: “Sou pianista e violoncelista, é claro que isto foi fundamental na minha formação, mas há que considerar como as mulheres são. Nós crescemos cantando, dançando e expressando-nos corporalmente”. De la Parra tem impressionado na Orquestra de Paris e na Filarmônica de Londres, o que lhe rendeu uma recente nomeação como chefe de uma das principais orquestras australianas. Já Karina Canellakis (Nova York, 1982) é uma violinista que trocou o arco pela batuta e trabalha em Dallas Symphony como assistente. Ela estreou na Europa em junho passado, substituindo Nikolaus Harnoncourt, já adoentado, na direção da Orquestra de Câmara da Europa. Outro caso de instrumentista transformada em maestrina é o da coreana Han-Na Chang (Suwon, 1982).
“Se um chefe de orquestra sabe o que quer, se tem conhecimento técnico de cada instrumento, se tem uma visão clara, a orquestra o segue sem se importar se é homem ou mulher”. É o que diz a única mulher a ganhar o Prêmio Alemão de Maestros, a estoniana Kristiina Poska (Turi, 1978), atualmente trabalhando na Komische Oper Berlin: “As diferenças entre os diretores de orquestra vêm mais da personalidade e caráter do que sexo”.
As pioneiras
Houve muitos obstáculos para as mulheres que se tornarem regentes. A geração anterior sabe muito bem disso. A australiana Simone Young (1961) ou as norte-americana Marin Alsop (1956) e Anne Manson (1961), abriram brechas nas salas de concerto, auxiliadas por seus mestres Daniel Barenboim, Leonard Bernstein e Claudio Abbado. Mas usavam um figurino artificial, masculinizado. Foi ainda mais difícil para as pioneiras no passado, que enfrentaram condições ideológicas e culturais totalmente hostis, vindas de músicos, críticos, agentes ou público como Ethel Leginska e Antonia Brico, que atuaram no pódio das Filarmônicas de Nova Iorque e Berlim em 1925 e 1930. A célebre Nadia Boulanger — formadora de toda uma geração de músicos notáveis — evitou a batuta. Outras tiveram uma carreiras confinadas no poço de um teatro para não serem visíveis ou ficaram em seus instrumentos sem poderem orientar uma orquestra.
Mas a melhor notícia sobre uma mulher conduzindo orquestras será quando… Isto não for mais notícia.
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O movimento é ascendente mesmo, tanto que já tenho três maestrinas em minha timeline do Facebook: Alessandra Arrieche, Ligia Amadio e Valentina Peleggi.
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Tradução livre (e certamente traidora) deste blogueiro a partir do El Pais espanhol. Sugestão de Helen Osório.
A Filarmônica de Berlim, a Konzerthausorchester Berlin e a Staatskapelle Berlin convidaram os refugiados, suas famílias e voluntários para um concerto na Philharmonie de Berlim, a casa da primeira. O concerto foi ontem à noite, 1º de março. Nele, as três orquestras com seus titulares Simon Rattle, Daniel Barenboim e Iván Fischer desejaram as boas-vindas às pessoas que foram obrigadas a fugir de suas casas e ao mesmo tempo agradeceram aos voluntários por seu trabalho.
Daniel Barenboim, Iván Fischer e Sir Simon Rattle assinam: “Como músicos, nos sentimos bem-vindos em todo o mundo. Esperamos que isso também se aplique a pessoas que são cruelmente atingidas pelo destino e que são forçadas pela guerra, fome ou perseguição, a deixarem suas casas. Com o nosso concerto conjunto, queremos desejar dar boas-vindas às famílias de refugiados e expressar nosso agradecimento e apreço aos voluntários”.
Trecho do texto escrito e publicado hoje por Daniel Barenboim para Simon Rattle. Como no caso de toda a grande amizade, eles não precisam de frequência.
Ele é um amigo. Às vezes, não nos vemos por meses. Então nos encontramos e parece que nos vimos ontem. É uma amizade que prescinde de frequência. Hoje, segunda-feira, Simon Rattle completa 60 anos. Quando ele fez 50, eu lhe liguei para dar os parabéns. Sou 12 anos mais velho do que ele e brinquei na época: Simon, aproveita os 50, eu posso te dizer uma coisa, 50 é melhor do que 60. Desta vez, eu vou dizer a ele: aprecie os 60, mas 70 é ainda melhor.
Eu vi Simon Rattle pela primeira vez quando ele tinha 19 anos, tocando tímpano na Orquestra Nacional Orquestra Juvenil da Inglaterra. Era um Stravinsky, “Sagração da Primavera”, sob a direção de Pierre Boulez. Mas não falamos. Fomos conversar em 1978 em Orange. Eu estava dirigindo uma ópera de Saint-Saens, “Samson et Dalila”, com Placido Domingo. Aquele foi o começo. Quando nos encontramos agora, temos muito o que falar. Falamos de Berlim, sobre a Inglaterra, sobre o Oriente Médio. Simon sempre foi muito interessado na Orquestra Diwan Oeste-Leste. É claro que falamos de música, mas às vezes falamos apenas de comida.
Uma mente madura deve ser capaz de admitir a coexistência de dois fatos contraditórios: que Wagner foi um grande artista e, segundo, que Wagner foi um ser humano abominável.
Edward Said, em Paralelos e Paradoxos (obra escrita em parceria com Daniel Barenboim)
Cinquenta anos após a morte, a biografia de qualquer autor costuma recuar em favor de sua obra. Isso se ele for se bom nível; se não for, ambos desaparecerão. Porém, nos anos 30 do século passado, a biografia e as opiniões pessoais do compositor Richard Wagner reapareceram em função de um grande fã que divulgava sua obra onde ia e sempre que podia: Adolf Hitler. O ditador não apenas amava Wagner como tinha sempre à mão um toca-discos com uma versão de Parsifal. O aparelho servia para que Hitler demonstrasse a seus assessores o verdadeiro espírito alemão. Tudo isto está muito bem documentado; então, desde a época da ascensão do nacional-socialismo, Wagner deixou de ser um fenômeno apenas musical para tornar-se também geopolítico.
Para nós já é possível eliminar as conexões de Wagner e enterrar de vez os cadáveres? Será que já podemos esquecer seu antissemitismo a fim de deixar a música falar por ele? Talvez não. Há dez dias, uma ópera de Wagner — Tannhäuser — transposta para a época do nazismo foi retirada de cartaz na Alemanha. Muitos protestaram violentamente, outros sentiram-se mal. Antissemita, misógino, defensor da pureza racial reivindicada pelo nazismo, Wagner ainda tem sua herança política, social e musical em debate.
Nascido em Leipzig no dia 22 de maio de 1813, Wagner faleceu em Veneza em 13 de fevereiro de 1883. Seu empenho era no sentido de renovar a ópera tradicional pela introdução da chamada “melodia contínua” e do leitmotiv (motivo condutor). O projeto foi acompanhado pelas concepções filosóficas do autor, fundadas na admiração pelo mitos do drama grego e na força irracional da música, que haveriam de resultar em uma nova arte alemã. O aspecto nacionalista deste projeto prestou-se a uma utilização ideológica e deturpada por ocasião do Terceiro Reich, a Alemanha de Hitler. Se Wagner já estava morto há cinquenta anos quando Hitler subiu ao poder, é certamente um equívoco considerá-lo um precursor do nazismo. Quando o grande maestro judeu Daniel Barenboim finalmente regeu a abertura de Tristão e Isolda em Israel, no dia 7 de julho de 2001, houve protestos, porém não gostar de Wagner por motivos políticos não é uma exclusividade israelense ou judaica.
E Wagner não pode ser simplesmente ignorado, tendo seu nome riscado da história da música. Ele é efetivamente incontornável por ser um elo na evolução musical que desaguou na revolução do início do século XX. Com Richard Wagner, a linguagem musical e a própria concepção da música, sua função e o papel do compositor, passaram por uma transformação tão grande que demarcam toda a música ocidental posterior. Pode-se dizer que muitos compositores do século XX partiram dos procedimentos e da estética de Wagner mais do que da herança clássica.
Ao radicalizar, por meio da infiltração do cromatismo, as tentativas já esboçadas no século XIX de abalar os alicerces da todo-poderosa música tonal, Wagner preparou a transgressão. A dissolução da tonalidade pelo cromatismo em Tristão e Isolda foi um acontecimento histórico que deu impulso às pesquisas dos compositores da Escola de Viena (Schoenberg, Berg e Webern) e de outros no século XX.
Embora sua produção inclua lieder (canções), sonatas para piano, sinfonias, um poema sinfônico, marchas, etc., foi na ópera que Wagner manifestou mais intensamente sua capacidade de inovação. Wagner queria buscava a “obra de arte total” e esta iria na contramão dos limites impostos pela Arte até o século XIX, que considerava apenas as linguagens artísticas de forma separada. Wagner acreditava que a pintura, a música e a poesia já haviam alcançado o fim de suas evoluções e que, para inovar, seria necessário combinar as linguagens em uma Gesamtkunstwerk. Elaborou então um projeto pioneiro: construiu um edifício projetado especificamente para suas óperas, criando uma entidade unificada entre a orquestra e o palco. A “obra de arte total” necessitaria também a formação de um novo ouvinte, bem mais atento que costumavam ser seus contemporâneos.
Como Wagner “tornou-se nazista”
Mesmo no terreno da ópera, com a necessidade de se contar uma história, fazer “poesia”, ser teatro e música ao mesmo tempo, é complicado fazer teses. Mas é bom lembrar que Shostakovich, durante o stalinismo, provocava estranhamentos, comunicava intenções e protestava com música instrumental, sem palavras, conseguindo muitas vezes ser censurado. No caso de Wagner, há Wagner e Wagner, o autor e o homem. Inteligentemente, ele deixou quaisquer referências diretas aos judeus fora de sua música. É curioso o mecanismo de ocultamento que faz alguns autores escreverem pequenos ensaios como Das Judenthum in der Musik (O Judaísmo na Música, de 1850) – caso de Wagner – mas deixarem suas obras maiores livres de referências seculares. Também Céline, Hamsun e Pound – todos simpáticos ou apoiadores do nazismo – não entremearam sua obra com referências antissemitas ou nazistas, deixando essas coisas para os panfletos e jornais.
Foi Hitler quem trouxe Wagner ao centro da discussão, tornando-o o maior dos antissemitas, mas é indiscutível que, em Das Judenthum in der Musik, o compositor vai longe. Primeiro, ataca a influência dos judeus na música e cultura alemãs, descreve os judeus como ex-canibais de fato e agora canibais das finanças. Afirma também que são de natureza muito pouco profunda, acusa-os de corruptores da língua alemã e ataca Meyerbeer e Mendelssohn, compositores judeus que considerava inimigos. Em uma carta para Lizst, Wagner confessa: “Sinto um ódio, por muito tempo reprimido, contra os judeus e esta luta é tão necessária a minha natureza como meu sangue… Quero que deixem de ser nossos amos. Afinal, não são nossos príncipes, mas nossos banqueiros e filisteus”.
Ludwig van Beethoven (16 de dezembro de 1770 – 26 de março de 1827) foi um compositor cuja existência foi tão adequada a romances e filmes que as lendas em torno de sua figura foram se criando de forma indiscriminada, às vezes paradoxalmente. Sua surdez, por exemplo, contribuiu muito para popularizá-lo e para que fosse lamentado. Victor Hugo dizia que sua música era a de “Um deus cego que criava o Sol”, mas quem o conhecesse talvez reduzisse o tom de piedade. Beethoven era uma pessoa absolutamente segura de seu talento – não mentiríamos se o chamássemos de arrogante – e tinha certeza da imortalidade de sua obra. Com toda a razão. Ele tinha a perfeita noção de que criava um conjunto espetacular de obras musicais, que alicerçava uma Obra, noção que inexistia ao tempo de Bach, o qual tratava suas composições como se fossem sapatos a serem entregues ao consumidor. A surdez representava uma tragédia muito mais do ponto de vista social, das relações amorosas e das de amizade, além prejudicar de forma fatal sua carreira de grande pianista, mas nunca foi encarada por ele como um obstáculo no plano da criação.
Com isso, não estamos dizendo que ele não tenha sofrido muito com o progressivo ensurdecimento. Sofreu a ponto de ter pensado em suicidar-se. Era 1802, Beethoven tinha 31 anos – idade com que Schubert morreu – e pensava em matar-se. Ao que se sabe, nunca fez uma tentativa, mas, se a fizesse e fosse bem-sucedido, talvez ainda assim estivéssemos falando dele.
Hoje, em seu blog — verdadeira obrigação para quem gosta de música –, Norman Lebrecht divulgou um dado impressionante: o levantamento de carga de trabalho anual de Daniel Barenboim, que completou 70 anos em novembro. Lebrecht usa a expressão “o homem parece estar queimando a vela nas duas extremidades”.
No ano passado, Barenboim deu 56 concertos como regente de orquestra, mais 49 óperas e 15 recitais de piano, um total de 120 apresentações. Ele é diretor musical da Ópera Estatal de Berlim e do La Scala. Ele também dirige a West-Eastern Divan Orchestra. Ele não pode querer competir com Gergiev, o onipresente de 59 anos.
Eu e Lebrecht ficamos preocupados… Barenboim tem que se cuidar mais. Esse troço de reger cansa e os músicos são extremamente chatos, estressantes.
Esta é uma peça mais desconhecida do repertório de Brahms. Gosto muito dela. A sonoridade da trompa, que a princípio parece incompatível para fazer música de câmara com violino e piano, forma um contexto inusual e muito bonito sob o talento do autor de Hamburgo que passou a infância numa cervejaria (mas esta história da cervejaria conto outra hora). Curiosa e tristemente, o trio, escrito em 1865, é dedicado à mãe do compositor, morta no mesmo ano. A presença da trompa era para dar um timbre sombrio e melacólico, mas eu jamais chamaria o Scherzo e o Allegro final de melancólicos… O trio dos vídeos abaixo é formado por três feras absolutas: Itzhak Perlman, violino; Daniel Barenboim, piano e Dale Clevenger, trompa. Vejam porque vale a pena! A obra tem 4 movimentos, um em cada vídeo:
I. Andante
II. Scherzo (Allegro)
III. Adagio mesto
IV. Allegro con brio
Por Daniel Barenboim*, (publicado no THE GUARDIAN)
O regente e pianista Daniel Barenboim é judeu, cidadão israelense e cidadão de honra da Palestina.
Tenho apenas três desejos para o ano-novo. O primeiro é que o governo de Israel se conscientize, de uma vez por todas, que o conflito no Oriente Médio não pode ser resolvido por meios militares. O segundo é que o Hamas se conscientize que não defenderá seus interesses pela violência, e que Israel está aqui para ficar. O terceiro é que o mundo reconheça que esse conflito não é igual a nenhum outro em toda a história.
É um conflito intricado e sensível, um conflito humano entre dois povos profundamente convencidos de seu direito de viver no mesmo pedaço de terra. É por isso que não poderá ser resolvido nem pela diplomacia nem pelas armas.
Os acontecimentos dos últimos dias são extremamente preocupantes para mim por várias razões de caráter humano e político.
Embora seja óbvio que Israel tem o direito de se defender, que não pode e não deve tolerar os constantes ataques contra seus cidadãos, os bombardeios brutais sobre Gaza suscitam profundas indagações na minha mente.
Mortes
A primeira é se o governo de Israel tem o direito de considerar todo o povo palestino culpado pelas ações do Hamas. Será que toda a população de Gaza deve ser responsabilizada pelos pecados de uma organização terrorista?
Nós, o povo judeu, deveríamos saber e sentir mais profundamente do que qualquer outro povo que o assassinato de civis inocentes é desumano e inaceitável. Os militares israelenses argumentam, de maneira muito frágil, que a Faixa de Gaza é tão densamente povoada que é impossível evitar a morte de civis.
A debilidade desse argumento me leva a formular outras perguntas. Se as mortes de civis são inevitáveis, qual é a finalidade dos bombardeios? Qual é a lógica, se é que existe alguma, por trás da violência, e o que Israel espera conseguir por meio dela? Se o objetivo da operação é destruir o Hamas, a pergunta mais importante a ser feita é se esse objetivo é viável. Se não é, todo o ataque não só é cruel, bárbaro e repreensível, como também é insensato.
Por outro lado, se for realmente possível destruir o Hamas por meio de operações militares, que reação Israel espera que haja em Gaza depois que isso se concluir? Em Gaza vivem 1,5 milhão de palestinos, que seguramente não cairão de joelhos de repente para reverenciar o poderio do Exército israelense.
Não devemos esquecer que o Hamas, antes de ser eleito, foi encorajado por Israel como tática para enfraquecer o então líder palestino Yasser Arafat. A história recente de Israel me faz acreditar que, se o Hamas for eliminado por meio de bombardeios, outro grupo certamente tomará o seu lugar, um grupo que talvez seja mais radical e mais violento.
Vingança
Israel não pode se permitir uma derrota militar porque teme desaparecer do mapa. No entanto, a história demonstrou que toda vitória militar sempre deixou Israel em uma posição política mais fraca do que a anterior por causa do surgimento de grupos radicais.
Não pretendo subestimar a dificuldade das decisões que o governo israelense precisa tomar a cada dia, nem subestimo a importância da segurança de Israel. Entretanto, continuo convencido de que o único plano viável para a segurança em Israel, no longo prazo, é obter a aceitação de todos os nossos vizinhos.
Desejo para o ano de 2009 a volta da famosa inteligência que foi sempre atribuída aos judeus. Desejo a volta da sabedoria do Rei Salomão para os estrategistas israelenses, a fim de que a usem para compreender que palestinos e israelenses gozam de idênticos direitos humanos.
A violência palestina atormenta os israelenses e não contribui para a causa palestina. A retaliação militar israelense é desumana, imoral e não garante a segurança de Israel. Como disse antes, os destinos dos dois povos estão inextricavelmente ligados e os obriga a viver lado a lado. Eles terão de decidir se querem que isso se torne uma bênção ou uma maldição.