Quem pariu Sartori que o embale… Só que não

Quem pariu Sartori que o embale… Só que não

O Secretário da Fazenda do RS, Giovani Feltes, disse que a culpa pela dívida do estado e pelo parcelamento dos salários dos servidores é de todos nós. Sou uma esponja de culpas, mas não lembro o que fiz dessa vez.

Não lembro de nada que deva ao estado do RS. Muito pelo contrário: embutidos nos produtos que consumo, há carradas de ICMS. Examinando minhas notas fiscais, vejo que elas estão cheias de tributos. A conta da luz que paguei em dia hoje é um show. R$ 89,00 vão para o Estado.

Talvez o  “todos nós” seja apenas “todos nós deste governo”, sei lá.

O aumento do ICMS não deu em nada, pois a arrecadação diminuiu. Depois, Sartorão falou em exonerar servidores. Agora, ele quer mexer nas aposentadorias. E nada de extinguir o Tribunal Militar — cujo gasto é de mais de 40 milhões por ano — e cercar a sonegação. Afinal, quem sonega são os empresários.

Quem pariu Sartori que o embale… Bem, é uma bobagem dizer isso, pois todos os que aqui moram têm que sofrê-lo. Vai ver que o Feltes se expressou mal e queria dizer exatamente isso: que todos nós temos que aguentar o gringo das piadinhas.

Eu não sou culpado de nada, Feltes | Foto: Caroline Ferraz/Sul21
“Eu não sou culpado de nada, Giovani!” | Foto: Caroline Ferraz/Sul21

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Dois anos e meio

Dois anos e meio

Eu nunca pensei que um amor daqueles bons fosse algo espontâneo ou fácil de ocorrer, mas achei que entre nós dois haveria grandes chances. Lembro que quando anunciamos nosso “relacionamento sério” no Facebook, reclamei que a expressão correta deveria ser “relacionamento divertido”. Pois as risadas insistem conosco. Mesmo quando as circunstâncias não ajudam, arranjamos lugar para elas. E, nossa, como os problemas do mundo exterior vieram e incomodaram! Mas fomos despachando um por um. Lá no começo, a gente improvisava com poucos temas, mas hoje temos um vasto repertório que foi sendo aprendido.

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O amor é complicado porque não é só saltar em cima. Quero dizer, também é saltar em cima ou ficar por baixo, mas é também uma série de cuidados e acordos tácitos que vão facilitando seu crescimento. É ver que a vida e as escolhas do outro são tão importantes como as nossas e respeitar. É o famoso amar se aprende amando do Drummond. Para quem acha que amor apenas acontece como criacionismo, invoco Paracelso, que era moderninho já no século XVI: Quem nada conhece, nada ama. Quem nada pode fazer e nada compreende, nada vale. Mas quem observa e compreende — ama. Quanto mais conhecimento, tanto maior o amor”.

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Tudo isso parece muito científico, mas estou no trabalho e a ciência e as citações são um bom refúgio, porque a verdade é que estou começando a querer muito te beijar, Elena.

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Fotos de Augusto Maurer, pra variar

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Um vídeo emocionante

Um vídeo emocionante

Eles estão casados há 65 anos. Ele é o compositor e pianista György Kurtág, uma das figuras mais importantes da música erudita nos últimos 100 anos. Entre várias outras atividades, ele passou boa parte de sua vida apresentando-se ao lado de sua esposa Márta Kinsker, outra excelente pianista. O vídeo abaixo — de som apenas aceitável — foi gravado antes de um concerto ao vivo do casal, realizado em Budapeste. Ele revela enorme uma compreensão musical e muito mais.

As transcrições de Bach foram escritas pelo próprio Kurtáge. Trata-se do plácido Prelúdio Coral Das alte Jahr vergangen ist BWV 614, do alegre Dueto BWV 804 e da belíssima Sonatina da Cantata Actus Tragicus BWV 106.

György nasceu na Romênia em 1926, mudou-se para a Hungria em 1946, casando-se com Márta Kinsker em 1947. E o vídeo abaixo mostra o que acontece quando você vive e toca Bach junto com alguém durante 70 anos :

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Porque hoje é sábado, Eva Herzigova

Porque hoje é sábado, Eva Herzigova

Estava procurando fotos da maravilhosa cantora lírica checa Magdalena Kožená. Não encontrei grande coisa.

Porém, cruzei com outras checas pelo caminho. (Adorei a calçona acima).

Esta foi a que achei mais adequada a este dia chuvoso em Porto Alegre.

Eva Herzigova (ou Herzigová) diz que não gosta de sessões de fotos, …

… mas participou de muitas como protagonista, graças ao bom deus.

A única coisa que me impressionou em seus 42 anos de vida, …

Eva-Herzigova… foi o fato de ter sido casada com um sujeito chamado Tico Torres.

Bem, vocês já notaram que acabo de ficar sem assunto. Eva é loira e isso pega.

Vocês sabiam que Fernando Pessoa escreveu que…

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Porque hoje é sábado, Quanto mais quente melhor

Porque hoje é sábado, Quanto mais quente melhor

É a comédia perfeita. Tudo está no lugar: ritmo, roteiro, atores, direção, fotografia, o que vocês imaginarem. É um superclássico, nada envelheceu nele, só os carros e os telefones.

A história. Chicago, 1929. Joe (Tony Curtis) e Jerry (Jack Lemmon) são músicos de jazz desempregados. Estão desesperados por trabalho. Eles acidentalmente testemunham o Massacre do Dia de São Valentim, assistindo o criminoso Spats Colombo e seu cúmplice aniquilarem Toothpick Charlie e sua gangue. Forçados a apressadamente deixarem a cidade, Joe e Jerry pegam o primeiro trabalho que podem arrumar: tocar na banda de garotas Sweet Sue e suas Sincopadoras. Em trajes femininos, os dois se juntam ao resto da banda em um trem que vai para Miami, Flórida. Diante desta situação, Joe adota o nome de Josephine e Jerry torna-se Daphne. Eles conhecem Sugar Kane (Marilyn Monroe), a vocalista da banda de Sweet Sue. Jerry se apaixona na hora, mas Joe o lembra que ele não pode se fazer notar. Porém, após chegarem a Miami, um milionário (Joe E. Brown) se apaixona por Daphne e Joe resolve se fazer passar por um milionário para tentar conquistar Sugar, tudo isto em meio à uma reunião dos Amigos da Ópera Italiana, uma convenção de criminosos que traz à cidade Spats Colombo e sua gangue.

Perdidas na rede, encontrei 36 fotos raras obtidas no set de filmagem e decidi fazer um PHES especial com elas. Espero que gostem.
Some Like It Hot color (1)

Some Like It Hot color (2)

Some Like It Hot color (3)

Some Like It Hot color (4)

Some Like It Hot color (5)

Some Like It Hot color (6)

Some Like It Hot color (7)

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Agatha Christie, a Rainha do Crime: 125 anos de cadáveres, venenos e mistérios

Agatha Christie, a Rainha do Crime: 125 anos de cadáveres, venenos e mistérios
Só perde para Shakespeare e para a Bíblia em número de livros vendidos

Agatha Mary Clarissa Miller ou Agatha Christie nasceu há 125 anos, em 15 de setembro de 1890, na cidade inglesa de Torquay, às margens do Canal da Mancha. Foi romancista, contista, dramaturga e poetisa mas destacou-se espetacularmente no gênero policial, tendo sido chamada, ainda em vida, de Rainha do Crime. Durante sua longa carreira — que durou dos anos 20 até sua morte, no ano de 1976 –, publicou mais de oitenta livros, alguns sobre o pseudônimo de Mary Westmacott.

Durante esta semana, fãs de Agatha Christie invadiram Torquay para celebrar os 125 anos de nascimento da “Rainha do Crime”. Apesar de, presumivelmente, faltarem os venenos e um cadáver, seus fãs tentaram recriar o ambiente de seus livros bebendo chás em jardins cheios de flores ou comendo em restaurantes com toalhas de mesa brancas. O único neto da escritora, Mathew Prichard, disse qua a simplicidade é a chave de sua popularidade. “Minha avó escreveu livros para entreter as pessoas. Gostava de pensar que as pessoas os liam quando estavam no hospital ou em uma longa viagem de trem”, completa.

Talvez Agatha sorrisse ao saber do novo nome de Ten Little Niggers no Brasil

Seus livros, alguns deles com quase cem anos, continuam vendendo milhões de exemplares. Segundo o Guiness, Christie é a romancista mais bem sucedida da história da literatura mundial em número total de livros vendidos. Somados, eles venderam cerca de quatro bilhões de exemplares. Tais números totais só perdem para as obras do dramaturgo e poeta William Shakespeare e para a Bíblia. A Unesco dá conta de que ela é a escritora mais traduzida do planeta. Ten Little Niggers — publicado no Brasil como O Caso dos Dez Negrinhos ou como E não sobrou nenhum em nova e reveladora tradução –, de 1939, é o romance policial mais vendido da história, além de figurar na lista dos livros mais vendidos de todos os tempos.

Ela e Georges Simenon são a rainha e rei de um gênero que jamais saiu de moda. No Brasil, em 2014, suas obras ganharam novo fôlego. No ano passado, Agatha recebeu oito novas edições pela Globo Livros e a Nova Fronteira. Simenon foi pelo mesmo caminho na Companhia das Letras. Os críticos sempre preferiram o belga, seu detetive Maigret e outros romances, mas o público tornou Agatha, Hercule Poirot e Miss Marple mais populares.

Agatha trafegava em mundo que não existe mais, quando assassinos usavam venenos hoje esquecidos e tinham como profissão atividades que não existem há décadas. O universo de Agatha Christie é a Inglaterra dos anos 20. Sua própria personalidade e história estão mescladas ali, na estrutura social rígida da era pós-vitoriana, na valorização da nobreza e do “bom” sobrenome, e até nos detalhes de decoração nos ambientes descritos. Com cenas suntuosas, jantares, óperas e viagens de trem, seus livros apresentam uma visão idílica do desaparecido mundo da alta sociedade inglesa, que continua seduzindo milhares de pessoas.

A criança Agatha Christie

Ao contrário de seus irmãos, Agatha nunca teve chance de frequentar a escola e foi educada pela mãe num ambiente recluso, onde interessou-se pela música clássica e o canto lírico. Agatha chegou até mesmo a estudar música em Paris. Também através da mãe, teve seus primeiros contatos com a literatura. Durante a Primeira Guerra Mundial, trabalhou como enfermeira e no setor de medicamentos. Ali, recebeu muita informação farmacêutica. Desta forma, conhecia muitos venenos e gostava de utilizá-los em suas histórias.

Na vida real, Agatha também gostava de brincar de suspense. Em 3 de dezembro de 1926, seu marido, o Coronel Archibald Christie, revelou que tinha se apaixonado por sua amante e pediu o divórcio. Ato contínuo, deixou Agatha para viajar com a nova mulher e alguns amigos. Agatha também foi embora com uma pequena mala. Na manhã do dia seguinte, seu carro foi encontrado em um barranco no lago de Silent Pool em Newlands Corner, com os faróis acesos. Nele, estavam um casaco de pele, sua mala e uma carteira de motorista vencida. O desaparecimento da autora se tornou notícia, pois ela já era sobejamente conhecida na Inglaterra. A polícia ofereceu £100 para quem desse qualquer informação sobre o paradeiro da escritora. Aviões, mergulhadores e escoteiros passaram a buscar Agatha. A busca contou com 15.000 voluntários e foi a primeira a utilizar aviões no país.

Aós 11 dias, Agatha Christie foi descoberta no Old Swan Hotel, em Harrogate. Ela chegou lá de táxi no dia 4 de dezembro. Estava hospedada sob o nome de Teresa Neele (o mesmo sobrenome da amante de seu marido), dizendo ser da Cidade do Cabo, e explicando que era uma mãe de luto pela morte do filho. No hotel, Agatha foi vista dançando, jogando bridge, fazendo palavras cruzadas e lendo jornais. A autora foi reconhecida pelo músico Bob Tappin, que reivindicou a recompensa de 100 libras. Tappin disse que se dirigiu à autora como “Mrs. Christie” e que essa respondeu-lhe que estava sofrendo de amnésia…

Amnésia?

Várias teorias foram criadas para explicar o desaparecimento. Alguns dizem que o escândalo foi um golpe publicitário para aumentar a venda de um dos seus livros — The Murder of Roger Ackroyd tinha sido lançado semanas antes do desaparecimento e estava na lista de mais vendidos –, outros que a intenção da autora era apenas vingar-se do marido, simulando uma morte da qual ele fosse acusado de assassinato. Já outros dizem que a autora realmente sofreu um acidente de carro e perdeu a memória.

Agatha só se separou de Archibald em 1928, dois anos após o incidente. No outono do mesmo ano, o arqueólogo britânico Leonard Woolley convidou Agatha para visitar o Oriente Médio, onde estava no comando de escavações em Ur. No ano seguinte, Agatha voltou ao local, onde conheceu o jovem assistente de Woolley, Max Mallowan (14 anos mais jovem que ela). Eles se casaram em 1930. A autora manteve seu nome como Agatha Christie porque era assim conhecida, mas em sua vida particular preferia ser chamada de Mrs. Mallowan.

Agatha Christie escreveu que é difícil para um jovem escritor iniciar sua carreira sem copiar, mesmo que minimamente, o estilo de seus ídolos. Ela considerava iniciar uma obra, como algo muito complicado e muitas vezes ficava horas encarando a máquina de escrever, esperando uma ideia. Para estar pronta no momento que a inspiração chegasse, possuía um caderno que levava sempre consigo para anotar suas ideias de enredos, venenos e crimes.

Foto de 1972: batalha entre leitor e escritor

Todo romance policial é uma batalha entre leitor e escritor. O sucesso está na arte de disponibilizar todos os elementos necessários para a solução do crime e, ainda assim, fazer com que o leitor chegue à página final sem a menor ideia do que realmente aconteceu. Ou com uma ideia errada, o que é ainda melhor. Agatha Christie criava suas tramas com esta maestria, mas seus crimes ficam mais fáceis de desvendar quando o leitor já leu uma quantidade suficiente deles.

Agatha tem um recorde difícil de ser batido. A Ratoeira (The Mousetrap), uma peça que reúne mistério e assassinato, é famosa por ser a peça há mais tempo encenada na história do teatro, com mais de 30 mil apresentações desde sua estréia, em Londres, em 1952. Ela também é notória por seu final inesperado, que os espectadores ao fim de cada sessão são convidados a não revelarem quando saem, pois um spoiler seria fatal para fruição da peça.

Suas principais obras, além da peça A Ratoeira, são O Assassinato de Roger Ackroyd, Assassinato no Expresso Oriente, O Caso dos Dez Negrinhos, Morte no Nilo, Convite para um Homocídio e Cai o Pano. Mas há vários outros de mesmo nível. Quando o assunto é Agatha Christie, deve-se esperar uma trama repleta de reviravoltas, diálogos tensos, diversos suspeitos e um final surpreendente. Ah, e esqueça o assassino-padrão. Apesar de conservadora, a escritora jogava a culpa sobre qualquer um — nobres, serviçais, mulheres, homens, ingleses, estrangeiros, qualquer um. os motivos também são vários. Podem ser passionais, movidos pela cobiça ou por “nobres” razões. Então, caro leitor, tente adivinhar o assassino e seus motivos, mas espere por qualquer coisa.

Fontes utilizadas:
Agatha Christie`s Life Events
Burburinho
Diário de Pernambuco
Site da L&PM Editores

Publicado em 13 de setembro de 2015 no Sul21

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As Cantatas de Bach e a recepção da música sacra pelos fiéis em Leipzig entre 1700-1750

As Cantatas de Bach e a recepção da música sacra pelos fiéis em Leipzig entre 1700-1750

Tenho ouvido tantas Cantatas que resolvi roubartilhar isso aqui. A fonte está neste link. Texto de Rebello Alvarenga.

Bach ora“Bach não tinha intenção de compor obras de arte musicais”

Bach peqPara qualquer amante da música clássica, as Cantatas de Bach são uma espécie de testamento religioso. Objetos de adoração, as Cantatas são, entre os músicos, focos de infindáveis discussões acerca da maneira mais correta de se interpretar a “intenção artística de Bach”, no propósito de chegar a um entendimento perfeito da voz deste “verdadeiro deus da música”. Quanto ao público, os mais ardentes fiéis da música bachiana correm atrás das melhores interpretações de suas Cantatas e Paixões na esperança de também alcançar a “verdade artística” de sua música. É inegável que a performance de uma Paixão Segundo São Matheus é encarada pelos amantes de Bach como a oportunidade de contemplar, pessoalmente, um “milagre acontecendo diante dos olhos”. Como verdadeiros fiéis, postam-se em silêncio contemplativo, absorvendo ao máximo tudo o que o texto musical bachiano oferece em “todo seu esplendor”. No entanto, a realidade acerca da percepção e atenção com a música sacra pelos contemporâneos de Bach é muito distante do que nossa apreciação contemporânea idealiza.

É preciso antes de tudo saber que Bach viveu em uma época no qual o conceito de obra de arte musical ainda não regulava nem as práticas musicais e nem a apreciação do público. Como aponta a filósofa Lydia Goehr, J. S. Bach jamais teve a intenção de compor uma obra de arte (Goehr, 2007, XLII). A música ainda não possuía o discurso sacralizador que consagra o objeto artístico como uma criação única, advinda da vontade de uma espécie de semideus criador, o artista. O ser cuja vida é dedicada à sua fé artística e apartada das demandas comuns da vida como um criador cuja obra é a expressão de uma verdade superior é um discurso romântico e ainda não estava presente na mentalidade dos contemporâneos de Bach (Goehr, 2007, p.208). Antes do século XIX, a música era subordinada a uma função específica cujos propósitos ultrapassavam o campo musical e as Cantatas de Bach não são exceção. O próprio comportamento do público numa sala de concertos no século XVIII era completamente diverso do nossos hábitos contemporâneos. Conversas, perambulações pela plateia, pessoas entrando e saindo eram comuns nos concertos naquele século.

Nada, no entanto, nos autoriza simplesmente transportar o comportamento do público de concerto ao comportamento de um fiel num serviço religioso. Isto seria de uma generalização grotesca. O que é curioso, porém, é que outros fatores nos levam a desvendar um cenário que possui muitos paralelos com o comportamento público nas salas de concerto do século XVIII. A nossa compreensão acerca das condições de recepção dos fiéis na época das composições das Cantatas de Bach evoluíram muito com estudos recentes, como os dedicados à compreensão da recepção da música sacra durante a primeira metade do século XVIII em Leipzig, realizado pela musicóloga Tanya Kevorkian, e às transições e transformações da sociedade centro europeia, escrito por Carol K. Baron. Tais estudos nos trazem um painel no mínimo muito curioso.

Leipzig e os frequentadores dos serviços religiosos nos tempos de Bach

Leipzig no século XVIII
Leipzig no século XVIII

Antes de adentrarmos nas questões específicas acerca da receptividade das Cantatas de Bach, é preciso entender um pouco acerca de Leipzig e o intenso turbilhão social que a cidade passava no período. Quando Bach chega em Leipzig no ano de 1723, após perder espaço como músico do príncipe Leopold von Anhalt-Köthen, a cidade era o mais importante centro comercial da Europa central (Kevorkian, 2004, p. 61). A sua população aumentou mais de 50 porcento entre os anos de 1700 a 1750, indo de 21.000 para 60.000 (Baron, 2006, p. 3). O livro de endereços de Leipzig registrava, em 1715, 29 casas de comércio de seda, 13 atacadistas de algodão, três de comércio de vinho e nove casas de câmbio (Rueb, 2001, p.162). Mercadores enriqueceram, erguendo novas casas, colecionando arte e construindo parques públicos. Fora isso, Leipzig era o principal centro de comércio de livros de toda a Europa central, possuindo, em 1700, 18 casas de publicação e livrarias (Baron, 2006, p.5). Além disso, Leipzig possuía uma grande liberdade no que concerne à impressão e distribuição de livros. Durante o período abordado, a venda de livros cuja temática era laica cresceu enormemente e o público alvo passou do especialista ao leigo (Cleve, 2006, p.89).

A vida religiosa também sofria o impacto deste cenário agitado. A religião manteve um papel importante na vida cotidiana da cidade. Quatro novas igrejas foram construídas entre 1698 e 1715 (Kervokian, 2004, p. 65). O público dos serviços religiosos era notável. Apenas nas Igrejas de Saint Thomas e Saint Nicholas, os assentos comportavam em torno de 2.500 pessoas cada. A maioria dos frequentadores vinham de famílias burguesas que possuíam propriedades. A principal divisão social era entre as elites locais (mercadores, conselheiros municipais e suas famílias) e artesãos (padeiros, ferreiros, celeiros e suas famílias). Os tipos de assento e sua localização dentro da igreja obedeciam às respectivas divisões de classe bem como a separação entre mulheres e homens (Kevorkian, 2006, p.175).

As Cantatas de Bach, o comportamento e a atenção do público

Interior da igreja de São Thomas onde muitas Cantatas de Bach foram apresentadas
Interior da igreja de São Thomas onde muitas Cantatas de Bach foram apresentadas

O serviço religioso era dividido em três partes. Durante a primeira hora, cantos, hinos, leituras de escrituras e uma Cantata eram executados. A segunda parte consistia no sermão, que também possuía a duração de uma hora. A comunhão era preparada, acompanhada de hinos religiosos ou uma Cantata, levando à parte final que consistia de anúncios, orações e benção final (Kevorkian, 2006, p. 175).

A maioria do público chegava durante a primeira hora do serviço, muitas vezes durante a performance de uma cantata. O objetivo de muitos era chegar no início do sermão e sair no final deste, pois este era considerado a parte mais importante de todo o serviço. Segundo Tanya Kevorkian, mesmo Bach chegava muitas vezes atrasado, ainda durante a primeira parte (Kevorkian, 2006, p. 177). Esta parte do serviço cumpria várias funções sociais. Muitas vezes o atraso de membros da elite estava ligado à sua entrada durante o serviço, chamando a atenção para si.

O comportamento do público era variado e surpreendente. Muitas vezes as pessoas ficavam se observando e trocavam cumprimentos com vizinhos e conhecidos que haviam acabado de chegar. Muitas igrejas enfrentavam problemas com relação aos fiéis. Muitos não obedeciam aos sinais de levantar e sentar, e muitos não erguiam as mãos e nem oravam no momento adequado. Estudantes da universidade costumavam cortejar mulheres visitando seus assentos. Muitos jogavam objetos na direção das moças na intenção de chamar as suas atenções, outros jovens faziam barulho no fundo da igreja.

Igreja de São Nicholas
Igreja de São Nicholas

Aqui é importante trazer um parênteses sublinhando o comportamento dos estudantes universitários de Leipzig. A música tomava grande parte do tempo dos estudantes fora das salas de aula. Eles estavam entre os mais talentosos e virtuosos músicos da cidade e eram os principais músicos de orquestra da cidade, trabalhando tanto na casa de ópera quanto nos serviços religiosos de Leipzig, executando muitas das cantatas de Bach. Suas reputações, no entanto, não eram das melhores. Muitas vezes eram associados à distúrbios públicos e confusões com senhorios. Muitos publicavam “literatura escandalosa” e tocavam “música decadente” nas ruas. Era, no entanto, nessas figuras polêmicas que a cidade tinha que depositar sua confiança. Muitos desses músicos estudantes eram, inclusive, auxiliares do Kantor da igreja (Kevorkian, 2004, p. 71).

Muitas coisas podiam, no entanto, também tirar os fiéis da atenção adequada da música e dos textos religiosos. O apelo visual era um deles. A decoração das Igrejas, as vestimentas coloridas, os objetos religiosos reluzentes costumavam tirar a atenção de muitos fiéis. Até a ornamentação do órgão era um motivo para a distração.

A questão do barulho no interior das igrejas, no entanto, nos chama mais a atenção. Como a Cantata era apresentada antes e depois do sermão, muitas pessoas estavam entrando e saindo e conversas paralelas ocorriam. Como aponta Kevorkian, a potência vocal e instrumental da música sacra do período era relativamente pequena. Certamente o barulho de fundo tirava muito da atenção e da capacidade de apreciação da música executada. Para muitas pessoas localizadas longe dos cantores e instrumentos, a música era praticamente inaudível (Kevorkian, 2006, p. 181). Deve-se deixar claro, no entanto, que obviamente, haviam aqueles cuja atenção para o serviço religioso e a música representavam o objetivo final de suas idas à igreja.

Surpreendentemente, a receptividade das Cantatas de Bach pode nos ensinar muito acerca das práticas musicais do período. Ligada a fatores alheios à própria música, a apreciação da música sacra no período dependia de inúmeros fatores externos. É na sala de concerto do século XIX, e não antes disso, que as obras sacras de Bach encontrarão o público atento e devoto da arte musical.

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Referências

BARON C. “Transitions, transformations, reversals: Rethinking Bach’s world, em Bach’s changing worlds: voices in community”, ed. Baron, C. (Sufolk: University of Rochester Press, 2006)

CLEVE, J. “Family Venues and Dysfunctional families: home life in the Moral Weeklies and Commedies of Bach’s Leipzig”, em Bach’s changing worlds: voices in community”, ed. Baron, C. (Sufolk: University of Rochester Press, 2006)

GOEHR, L. The immaginary museum of musical Works. An essay in the philosophy of music. New York: Oxford university press, 2007

KEVORKIAN T. “Changing times, changing music: ‘New Church music and musicians in Leipzig 1699-1750” em The Musician as Entrepreneur, 1700-1914: Managers, Charlatans, and Idealists. Ed, Weber, W. (Bloomington: Indiana University Press, 2004)

KEVORKIAN, T. “The reception of the cantata during Leipzig church services 100-1750”, em Bach’s changing worlds: voices in community”, ed. Baron, C. (Sufolk: University of Rochester Press, 2006)

RUEB, F. 48 variações sobre Bach. São Paulo: Companhia das Letras, 2001

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Bom dia, Argel Fucks (com os melhores lances de Inter 1 x 2 Veranópolis)

Bom dia, Argel Fucks (com os melhores lances de Inter 1 x 2 Veranópolis)
Infelizmante, o fotógrafo deu foco em ti, Argel | Divulgação / Internacional
Infelizmente, o fotógrafo fez foco em ti, Argel | Divulgação / Internacional

Fui e voltei do jogo deboas. Eu e meu filho rimos muito da ruindade do Inter e dos dois gols casuais que deram a vitória ao time do Veranópolis, ainda pior que o nosso. Os dois gols vieram de falhas individuais de um bom e de outro excelente jogador. Como disse meu colega Luís Eduardo Gomes, o Veranópolis venceu sem criar chances de gol. Curioso. Ambos, Jackson e Alisson, parecem ter pago com parte de suas reputações a ineficiência dos restantes, à exceção de Anderson, novamente o melhor em campo, e de Dourado.

No primeiro tempo, o jogo vinha morno e com apagões causados pela parca infraestrutura estadual. Cada vez que Anderson — uma ilha lúcida num mar de estupidez — ou os laterais pegavam a bola, ninguém se aproximava. Aliás, os circunstantes se afastavam, esperando lançamentos longos. Ora, contra um time retrancado isso não funciona. Força os menos habilidosos a darem balões. E foi o que se viu: balões na noite quente e únida de Poro Alegre. Realmente o Inter tem muitos problemas e o maior deles é tu mesmo, Argélico. Cada vez que o time armava um ataque, os atacantes corriam para se esconder entre os zagueiros adversários até que Aylon, que parece ser o mais esperto deles, começou a desobedecer e voltar para trocar passes, numa das atitudes mais civilizadas que se viram ontem no Beira-Rio.

E quando a bola caía com os laterais era uma desgraça. Basta tirar um pouco de espaço para que William passe a errar passes. O outro, Artur, não precisa ser muito marcado, pois erra 90% de seus cruzamentos. Incrivelmente, ele acertou um só: o do gol de Sacha. Os outros foram todos erros não forçados, como diria um comentarista de tênis.

Fizemos 1 x 0 com Sacha naquele primeiro tempo com 13 minutos de descontos.

No segundo tempo, o jogo seguia morno quando, em dois lances casuais, o Veranópolis virou o jogo. No primeiro gol, um cruzamento da esquerda foi desviado pela canela de Jackson para as redes. Alisson nada pode fazer. Já no segundo gol, ocorreu algo inédito: a culpa foi inteiramente de Alisson. Nosso goleiro saiu numa bola que não era dele — o atacante corria fora da área em direção à lateral do campo, mas Alisson foi lá feito um Viamão e, driblado, viu Zambi marcar de longe, perdendo o ângulo.

Eu gostei, pois poderíamos finalmente ver o Inter jogando pressionado. E como jogamos mal! Houve uma bola no poste, mas o resto foi uma demonstração inequívoca de nossa fraqueza. Argel não parece capaz de mudar o panorama de uma partida nem de dar um padrão de jogo ao time. Torço para que haja uma crise neste início de ano. É difícil, pois o Gauchão é muito fácil. Mas talvez uma bela crise seja a única forma de entrarmos no Brasileiro sem pensar no perigo gremista de uma Segundona.

Fomos embora antes do jogo terminar a fim de pegar o ônibus vazio. Muitos foram embora antes do fim do primeiro tempo em razão das quedas de luz. E o jogo era para ser festivo, com promoção especial de visita ao campo após o partida. Deu tudo errado.

Espero que a derrota do Grêmio não nos sirva de consolo. Afinal, vem ano, vai ano e o grêmio sempre entra pelo cano. É normal.

https://youtu.be/fq5myAEoyXY

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21 poemas de Drummond lidos por 21 artistas brasileiros

21 poemas de Drummond lidos por 21 artistas brasileiros

Quando da passagem dos 109 anos de nascimento do poeta Carlos Drummond de Andrade, em 2011, o IMS – Instituto Moreira Salles, produziu uma série de vídeos de artistas lendo poemas de Drummond. Eu descobri isso só hoje, quando vi alguns dos vídeos. Tem muitos além deste 21 que apresento abaixo.

1 – Os inocentes do Leblon, por Chico Buarque

2 – Necrológio dos desiludidos do amor, por Fernanda Torres

3 – Elegia 1938, por Caetano Veloso

4 – O amor bate na aorta, por Drica Moraes

5 – O Elefante, por Adriana Calcanhotto

6 – Amar, por Marília Pêra

7 – Destruição, por Marina Person

8 Elegia a um tucano morto, por Pedro Drummond

9 – Cantiga do Viúvo, por Elvira Bezerra

10 – Especulação em torno da palavra homem, por Sandra Corveloni

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Em razão do impacto ambiental, cidade alemã bane o café em cápsula

Em razão do impacto ambiental, cidade alemã bane o café em cápsula

Roubado daqui.
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No princípio dos tempos era um inferno fazer café. Você era obrigado a usar coador de pano, um troço nojento que vinha em duas opções: sabor de 10 mil gerações de bactérias proliferando naquele pano de chão marrom, ou sabor de sabão, pois era impossível lavar direito.

Pra piorar você ainda tinha que esperar a água ferver e então despejar com precisão cirúrgica a água quente, mexendo o pó no fundo pra água não minar pelos lados e seu café virar água suja. A chegada da cafeteira elétrica e do coador de papel trouxe civilização ao café, mas os hipsters sedentários acham isso complicado demais, e inventaram isto:

cafe 2

Convenhamos, se o marido da dona Amal recomenda não pode ser coisa ruim.

É bem prático, admito, mas quem bebe café em quantidade industrial como eu se ressente de pagar R$ 2,00 por um cafezinho. EM CASA. E tem outro problema: essas cápsulas são um inferno pro pessoal da reciclagem. Manja quando mandam separar papel, metal e material orgânico? Uma cápsula dessas, com plástico, alumínio, papel e café usado é a amálgama de tudo que precisa ser separado.

Não existe ainda método prático para reciclar essas cápsulas, que estão se acumulando nos lixões. São 6 gramas de café para cada 3 gramas de cápsula, que nem biodegradável é. A situação é tão punk que John Sylvan, inventor da cápsula de café se arrependeu de sua criação, e nem tem uma cafeteira dessas em casa, diz que sai “meio caro”.

cafe 3

As pessoas têm consciência do impacto ambiental das cápsulas, mas elas são terrivelmente práticas: espere sentado se acha que alguém vai se coçar e voltar a usar filtro de papel, como um selvagem.

A atitude desta vez está vindo de cima para baixo: a cidade de Hamburgo votou por banir cafeteiras de cápsulas em todos os prédios públicos. É um começo, uma excelente atitude que tem o bônus de irritar um monte de hipsters. Deveria ser imitada por muito mais governos e empresas. Eu sou o último a fazer discurso de ecochato, mas quando o dano é evidente, fica difícil não concordar.

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Um comentário sobre o fracasso de Porto Alegre e do RS

Um comentário sobre o fracasso de Porto Alegre e do RS
Fortunati e Sartori, sem projeto para a cidade e o estado | Foto: Ivo Gonçalves / PMPA
Fortunati e Sartori, uma dueto de dois | Foto: Ivo Gonçalves / PMPA

Os métodos de Sartori e Fortunati para darem notícias impopulares estão cada vez mais parecidos. Assim como ambos escolheram passar suas férias em longínquos cruzeiros, a sexta-feira à tarde é o dia preferido da dupla. Na última sexta-feira, por exemplo, a prefeitura avisou que o aumento das passagens de ônibus seria anunciado no início da tarde. Já passava das 15h e nada. Uma colega dizia: “Quanto mais tarde pior”. Não deu outra. O que veio foi um valor abusivo, um verdadeiro disparate que, absurdo dos absurdos, entraria em vigor segunda-feira sem passar pelo Comtu (Conselho Municipal de Transportes Urbanos). Sabemos que o Comtu é inútil por estar na mão da prefeitura, mas ele jamais tinha recebido o escárnio de quem o ama. É que Fortunati aprendeu com Sartori que é seguro jogar a bomba e correr rapidamente para o esconderijo do fim de semana.

O comparativo do valor da tarifa porto-alegrense contra a inflação é uma coisa que vale a pena ser vista. Corrigido pela inflação, o valor da passagem bateria hoje em R$ 1,94, mas a gente paga R$ 3,75. Não creio que a categoria dos rodoviários tenha dobrado seu poder aquisitivo, nem que os insumos tenham aumentado quase 100% ou que o número das pessoas que não pagam passagem tenha aumentado tanto. Tudo indica para a proteção dos transportadores por parte da prefeitura. Sim, esses mesmos que estão aí há décadas, ganhando licitações. Licitações… Vejo poucos setores mais adequados à estatização do que o do transporte coletivo. Já imaginaram o que diriam os jornais de direita se a Carris aumentasse seu próprio valor? Já os donos das empresas deitam e rolam.

Clique no gráfico para aumentá-lo
Clique no gráfico para aumentá-lo | Fonte: https://www.facebook.com/MeuOnibusLotado/

Em Porto Alegre, somos governados há mais de uma década pelos lamentáveis Fogaça e Fortunati — eles são prefeitos desde o infeliz dia 1º de janeiro de 2005 com seus partidos PPS, PMDB e PDT — e, basta olhar, a cidade está uma merda, realmente abandonada, Porto Alegre fracassou. Ontem, por exemplo, fui até aquela pracinha que fica na esquina da Vasco da Gama com a Ramiro Barcellos. Zona nobre, cheia de eleitores do Fortunati. E havia ainda árvores do temporal de 29 de janeiro sobre os aparelhos de ginástica para idosos! Infelizmente, eu estava sem celular para fotografar. Também estava sem relógio e com pouco dinheiro. E por que saio assim? Ora, por causa da cidade. O pouco policiamento ocorre por culpa do governo estadual e tenho a sorte de ter passado até hoje ao largo dos ladrões, dos taxistas criminosos, dos tiroteios à luz do dia, das execuções sumárias.

Mas não passo ao largo do receio de que algo de violento aconteça e vejo o resto. O resto é a sujeira das ruas, os Centros Culturais fechando por falta de pagamentos ou agonizando, as notícias cada vez mais dantescas, a falta de resistência e de projetos para a cidade e o estado. Porto Alegre e o Rio Grande do Sul estão efetivamente muito burros e se fazem representar por pessoas de baixo calibre. E não adianta eu me consolar pensando que não votei em Sartori e Fortunati e muito menos em Lasier e Ana Amélia. Nem que aquele meu conhecido pseudo-popular não se elegeu. (Ele me disse que desejava ser deputado em função da aposentadoria).

Como escreveu meu amigo Leandro Gejfinbein no Facebook, a maioria de nossos atuais políticos — à direita e à esquerda — são bundões. O bundão (ou bunda mole) é aquela pessoa sem ação, incapaz de sair de qualquer situação que apresente alguma dificuldade. Se não há criatividade, se não há ideias novas, o que faz o político gaúcho chegar aos cargos de comando são apenas a vaidade, a proteção aos amigos e o direito — tanto pessoal quanto de seu partido — de arrancar uma beira de empreiteiras e outros que tais.

A mentira grassa. Peço desculpas, mas o vídeo da campanha do governador Sartori que mostro abaixo me provoca riso. Não temos humoristas tão bons quanto ele. Vejam o que nos prometeu em termos de segurança.

Enquanto isso, vamo-nos acadelando e engolindo tudo, desde o cais virando shopping, até a violência interna e as contas bloqueadas pela União. Já perdemos os anéis e os dedos.

O negócio é ir pra rua reclamar e, quem sabe, ficar lá por muito tempo.

Ontem, dia do aumento das passagens, Fortunati e Mello (vice) inauguraram lixeiras. Não sei o que ambos têm na cabeça. | Foto: Ricardo Giusti / PMPA
Ontem, dia do aumento das passagens, Fortunati e Mello (vice) inauguraram lixeiras. Não sei o que ambos têm na cabeça. | Foto: Ricardo Giusti / PMPA

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O making of de uma foto familiar

O making of de uma foto familiar

Era uma festa para o Bernardo carinhosamente preparada pela Astrid Müller e o Augusto Maurer. Ele voltou da Alemanha na semana passada e vai passar uns 40 dias por aqui. Então, fomos tirar uma foto com um instrumento que minha irmã Iracema disse possuir. E ela tirou da bolsa um pau de selfie… Fomos experimentá-lo, claro.

O resultado da preparação foi esta foto com a Elena, eu, Iracema, Bernardo — que passou todo o tempo boicotando a coisa — e a Bárbara.

Elena Milton Iracema Bernardo BárbaraPor alguma razão, fomos um sucesso no Facebook… O Augusto registrou toda a preparação. Acho curiosa.

001002003004005Abaixo, o momento da foto.

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Aqui, não há como discordar de Eco

Aqui, não há como discordar de Eco

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Uma historinha curta de Umberto Eco, lembrada pelo Nelson Moraes

Uma historinha curta de Umberto Eco, lembrada pelo Nelson Moraes

Depois que o Jean-Jacques Annaud filmou O Nome da Rosa, foram perguntar ao Umberto Eco se ele tinha gostado da adaptação cinematográfica. “Você deve estar brincando”, ele respondeu. “Pegaram meu livro, cortaram dois terços dele, tiraram todas as discussões sobre Escolástica e centraram o enredo no crime do mosteiro e na iniciação sexual do noviço, além de colocarem um galã como o Sean Connery para interpretar William de Baskerville — que no livro era um monge baixinho e feioso — para assim chegar a milhões e espectadores no mundo todo, e você pergunta se eu gostei? Eu adorei!”

SPETT.UMBERTO ECO A NAPOLI(SUD FOTO SERGIO SIANO)

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Uma citação de Eco trazida pelo Carlos André Moreira: Borges e a música das ideias

Uma citação de Eco trazida pelo Carlos André Moreira: Borges e a música das ideias

“É muito difícil subtrair-se à angústia da influência, assim como foi muito difícil para Borges ser um precursor de Kafka. Dizer que não existe em Borges ideia que já não existisse antes equivale a dizer que não há uma só nota em Beethoven que já não tivesse sido produzida antes. O que permanece fundamental em Borges é a sua capacidade de usar os mais variados detritos da enciclopédia para fazer música de ideias. Certamente tentei imitar esta lição (embora a ideia de uma música de ideias me viesse de Joyce). O que posso dizer? Que diante das melodias de Borges, tão imediatamente cantáveis (mesmo quando atonais), memorizáveis, exemplares, sinto-me como se ele tivesse tocado divinamente o piano e eu tivesse soprado uma ocarina.

Mas espero que se venha a encontrar sempre, depois da minha morte, alguém mais inábil que eu, de quem eu possa ser reconhecido com precursor.”

UMBERTO ECO (1932 – 2016)
“Borges e a minha angústia da influência”. In: Sobre a Literatura. BestBolso, 2011. pp. 131- 132.

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A Fundação José Saramago escreveu, sobre Umberto Eco

A Fundação José Saramago escreveu, sobre Umberto Eco

Eco SaramagoUmberto Eco, um dos grandes nomes da literatura mundial, morreu esta sexta-feira aos 84 anos. À familia e aos amigos próximos, o nosso abraço.

Relembramos a sua vasta obra e, em particular, o texto que serviu de prefácio para a edição italiana de “O Caderno”, de José Saramago, publicado em 2009. É que a edição de Os Cadernos de José Saramago em Itália foram vetados pelo acionista da editora habitual do Nobel, Silvio Berlusconi. No entanto, o volume foi publicado naquele país e contou com o prefácio de Umberto Eco, que copiamos abaixo.

A Umberto, o nosso último obrigado.

Um blogueiro chamado Saramago, por Umberto Eco

Curiosa personagem, este Saramago. Tem oitenta e sete anos e (diz ele) alguns achaques, ganhou o Nobel, distinção que lhe permitiria nunca mais produzir nada porque seja como for já tem no Panteão o seu lugar garantido (o avaríssimo Harold Bloom definiu-o “o romancista mais dotado de talento ainda em vida… um dos últimos titãs de um género literário em vias de extinção”), eis que aparece a manter um blog onde se mete um pouco com toda a gente, atraindo sobre a sua pessoa polémicas e excomunhões vindas de muitos lados – mais frequentemente não por dizer coisas que não deve dizer mas porque não perde tempo a medir as palavras – e talvez o faça mesmo de propósito.

O quê, ele? Ele que cuida da pontuação ao ponto de a fazer desaparecer, que na sua crítica moral e social nunca leva o problema a peito, mas poeticamente o contorna nos modos do fantástico e do alegórico, de modo que o seu leitor (embora suspeitando que de te fabula narratur) terá de pôr muito de si para compreender até onde vai parar o apólogo – como no seu Ensaio sobre a Cegueira -, faz viajar o leitor numa névoa leitosa em que nem sequer os nomes próprios, de que é bastante parco, dão um sinal claramente reconhecível, ele que no Ensaio sobre a Lucidez faz uma opção política decidida com base em enigmáticos votos em branco? E este escritor fantasioso e metafórico vem dizer-nos despreocupadamente que Bush é de “uma ignorância abissal, e uma expressão verbal confusa perenemente atraída pela irresistível tentação do puro despropósito”, cowboy que confundiu o mundo com uma manada de vacas, que não sabemos sequer se pensa (no sentido nobre da palavra), robot mal programado que constantemente mistura mensagens que tem registadas lá dentro, mentiroso compulsivo, corifeu de todos os outros mentirosos que o aplaudiram e serviram nos últimos anos? E este delicado tecelão de parábolas usa palavras que não deixam margem para dúvidas quando define o dono da editora que o publica? E este ateu manifesto, para quem Deus é “o silêncio do universo e o homem o grito que dá sentido a este silêncio”, repõe Deus em cena para se interrogar sobre o que pensa Ratzinger? E, militante comunista (ainda tenazmente), põe-se a gritar que “a esquerda não tem uma puta ideia do mundo em que vive”, e ainda por cima se queixa de não ter tido resposta (sei lá, uma expulsão, uma excomunhão ao menos)? E arrisca-se à acusação de anti-semitismo por ter criticado a política do Governo de Israel simplesmente esquecendo-se, na sua irada participação nas desventuras palestinas, de se lembrar – como uma equilibrada análise pretenderia – que há quem negue o direito à existência de Israel? Mas ninguém leva em conta que quando fala de Israel Saramago pensa em Jahvé, “Deus feroz e rancoroso”, e neste sentido não é mais anti-semita do que é antiariano e certamente anticristão, dado que para todas as religiões procura ajustar contas com Deus – que evidentemente, chame-se como se chamar nas várias línguas, não cessa de o importunar. E ser importunado por Deus é certamente motivo de ira furibunda contra todos os que dele fazem armadura.

Se tivesse sempre em conta os prós e os contras, Saramago também saberia que há inventivas e inventivas. Cito (de cor) Borges, que citava (talvez de cor) o doutor Johnson, que citava o facto daquele tal que insultava assim o seu adversário: “Senhor, a vossa mulher, com a desculpa de ter um bordel, vende tecidos de contrabando.” E afinal Saramago não faz cerimónias, ou seja, não o manda dizer por outro e, na sua actividade de comentador diário da realidade que o rodeia, tira a desforra sobre toda a imprecisão sinistra das suas fábulas.

Tem-se falado muito do ateísmo militante de Saramago. Com efeito, a sua polémica não é contra Deus: uma vez admitindo que “a sua eternidade é só a de um eterno não-ser”, Saramago poderia estar sossegado. A sua aversão é contra as religiões (e é por isso que o atacam de vários lados, negar Deus é concedido a todos, enquanto polemizar com as religiões põe em causa as estruturas sociais).

Uma vez, precisamente estimulado por uma das intervenções anti-religiosas de Saramago, reflecti sobre a célebre definição de Marx, para quem a religião é o ópio dos povos. Mas é verdade que as religiões têm sempre todas esta virtude soporífera? Saramago várias vezes tem atacado as religiões como fontes de conflito: “As religiões, todas elas, sem excepção, nunca servirão para aproximar e reconciliar os homens; pelo contrário, foram e continuam a ser causa de sofrimentos indescritíveis, de chacinas, de monstruosas violências físicas e espirituais que constituem um dos mais tenebrosos capítulos da mísera história humana” (La Repubblica, 20 de Setembro de 2001).

Saramago concluía algures que “se fôssemos todos ateus viveríamos numa sociedade mais pacífica”. Não tenho a certeza de que tivesse razão, e parece que indirectamente lhe teria respondido o papa Ratzinger na sua encíclica Spe salvi, em que dizia que é o ateísmo dos séculos XIX e XX, se bem que se tenha apresentado como protesto contra as injustiças do mundo e da história universal, que fez que “de tal premissa tenham resultado as maiores crueldades e violações da justiça”.

Talvez Ratzinger pensasse naqueles sandeus de Lenine e Estaline, mas esquecia-se que nas bandeiras nazis estava escrito “Gott mit uns” (que significa “Deus está connosco”), que falanges de capelães militares benzeram os arruaceiros fascistas, que inspirado em princípios religiosíssimos e apoiado por Guerrilheiros do Cristo-Rei era o massacrador Francisco Franco (independentemente dos crimes dos adversários, foi sempre ele que começou), que religiosíssimos eram os Vandeanos contra os Republicanos, que até tinham inventado uma Deusa Razão, que católicos e protestantes se massacraram alegremente durante anos e anos, que tanto os Cruzados como os seus inimigos eram impelidos por motivações religiosas, que para defender a religião romana se puseram os leões a comer os cristãos, que por razões religiosas se acenderam inúmeras fogueiras, que religiosíssimos são os fundamentalistas muçulmanos, os autores do atentado das Twin Towers, Osama e os talibãs que bombardearam os Budas, que por razões religiosas se opõem a Índia e o Paquistão, e por fim que foi a invocar God Bless America que Bush invadiu o Iraque.

Por isso me punha a reflectir que talvez (se por vezes a religião é ou foi o ópio dos povos) com maior frequência tem sido a sua cocaína. Creio que esta é também a opinião de Saramago e ofereço-lhe a definição – e a sua responsabilidade. Saramago blogger é um zangado. Mas haverá realmente um hiato entre esta prática de indignação diária sobre o transeunte e a actividade de escrita de “opúsculos morais” válidos tanto para os tempos passados como para os futuros? Escrevo este prefácio porque sinto ter alguma experiência em comum com o amigo Saramago, que é a de escrever livros (por um lado) e por outro a de nos ocuparmos de crítica de costumes num semanário. Sendo o segundo tipo de escrita mais claro e divulgador que o outro, muita gente me tem perguntado se eu não despejaria nas pequenas peças periódicas reflexões mais amplas feitas nos livros maiores. Não, respondo eu, ensina-me a experiência (mas creio que o ensina a todos os que se encontrarem em situação análoga) que é o impulso de irritação, a dica satírica, a chicotada crítica escrita à pressa, que fornecerá a seguir o material para uma reflexão ensaística ou narrativa mais desenvolvida. É a escrita diária que inspira as obras de maior empenho, e não o contrário.

E pronto, eu diria que nestes breves escritos Saramago continua a fazer a experiência do mundo tal como desgraçadamente ele é, para depois o rever a uma distância mais serena, sob a forma de moralidade poética (e às vezes pior do que é – embora pareça impossível ir mais longe).

Mas depois, estará realmente sempre assim tão zangado este mestre da filípica e da catilinária? Parece-me que além da gente que ele odeia também existe a gente que ele ama, e eis as peças afectuosas dedicadas a Pessoa (não se é português em vão) ou a Jorge Amado, a Carlos Fuentes, a Federico Mayor, a Chico Buarque de Hollanda, que nos mostram que este escritor é pouco invejoso dos colegas e sabe tecer-lhes delicadas e ternas miniaturas.

Para não falar (e eis o retorno aos grandes temas da sua narrativa) de quando da análise do quotidiano salta para os grandes problemas metafísicos, para a realidade e a aparência, para a natureza da esperança, para como são as coisas quando não estamos a olhar para elas..

Então volta à cena o Saramago filósofo-narrador, já não zangado mas meditativo e incerto. Contudo não nos desagrada mesmo quando se enfurece. É simpático.

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Porque hoje é sábado, Randi Ingerman

Porque hoje é sábado, Randi Ingerman

Tinha desistido do PHES de hoje. Foi um dia “trabalhado demais”, por assim dizer.

Randi_Ingerman_01Além do mais, passara a tarde volta e meia olhando a foto de uma mulher muito bela…

Randi_Ingerman_03e vestida. Minhas retinas estavam totalmente tomadas por aquele poema.

Randi_Ingerman_04Mas aí pensei em meus sete leitores e no respeito que devo ter por eles(as).

Randi_Ingerman_02E inesperadamente,

Randi_Ingerman_05Lembrei que um amigo tinha me enviado uma foto de uma certa

Randi_Ingerman_06Randi Ingerman,

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uma americana naturalizada italiana, como uma ordem inequívoca:

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“Faça um PHES com ela”.

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Eu tenho o diabólico vício da obediência.

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E aqui estou eu, com um copo de vinho ao lado do teclado,

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arranjando algumas palavras que deem conta da moça.

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(O amigo mandou a foto acima, vocês compreenderam o tom da ordem?)

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Isto é para você que procura motivos para votar em Bolsonaro para presidente

Isto é para você que procura motivos para votar em Bolsonaro para presidente

Aqui, ó.

Bolsonaro

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Em Potosí, Bolívia, a ascensão e a agonia da mina que enriqueceu a Espanha

Em Potosí, Bolívia, a ascensão e a agonia da mina que enriqueceu a Espanha
A cidade de Potosí com o Cerro Rico ao fundo | Foto: http://www.boliviaturismo.com.bo/

A riqueza de Potosí já foi tão grande que, no Quixote, Miguel de Cervantes criou a expressão “vale um Potosí”, o que significava algo que valia uma fortuna. A cidade boliviana de Potosí foi fundada em 1545 e, 50 anos depois, era a maior produtora de prata do mundo. Em 1611, época do Quixote, tinha aproximadamente 150 mil habitantes, tornando-se a segunda cidade mais populosa do mundo — só Paris tinha população maior — e uma das mais ricas, devido à exploração da prata enviada à Espanha. De navio, pelo Pacífico e pelo Atlântico, a Carrera de Indias, transportava uma parte importante da economia espanhola. Ela era feita de forma regular, por percursos bem definidos e monitorados por comboios armados contra a pirataria.

Em 1825, a maior parte da prata já se tinha esgotado e a população caíra para 8 mil habitantes. Atualmente, segundo o censo de 2009, Potosí possui 195 mil habitantes. Localizada a 4,1 mil metros de altura, é uma das cidades mais altas do mundo.

Há dúvidas sobre quem descobriu a prata de Potosí (que significa explosão), se os incas ou os espanhóis. Uma lenda que diz que uma divindade, com um estrondo e uma voz vinda do céu, aconselhou os incas a não retirarem a prata dali. Com ou sem lenda, o certo é que eles tinham conhecimento do metal da montanha, mas não o retiravam. Já os espanhóis não ouviram os céus e o levaram em quantidades pantagruélicas, contando com a “ajuda” de escravos incas.

Um número incalculável deles morreu durante a exploração, devido às condições de trabalho e aos mais diferentes acidentes, como soterramentos e quedas de grandes alturas, além da fome e das epidemias. As rebeliões eram contidas com violência. Eram milhares de homens quem em média, trabalhavam dezesseis horas diárias, cavando túneis e extraindo o metal. A pouca luz era garantida pela graxa de lhama que era queimada. Como se não bastasse, os trabalhadores moravam na mina por um período médio de quatro meses, com duas ou três saídas a fim de ver a luz do sol, o que muitas vezes acabava por cegá-los após o longo período de escuridão.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Era la mita, um sistema de trabalho implantado pelos espanhóis na região andina. Cada grupo indígena emprestava à coroa um número determinado de trabalhadores durante vários meses. Estes eram convocados em seus locais de origem para realizarem trabalhos em quaisquer outras regiões. Era um trabalho obrigatório para aqueles que tinham entre 18 e 50 anos. Eles eram divididos: uns iam para a agricultura, outros para a construção de igrejas ou casas, outros atendiam às mais diversas atividades. Os mais azarados acabavam nas minas.

Dentro delas, muitos índios morriam de desnutrição. O trabalho era quase uma condenação à morte. Eles praticamente não se alimentavam. A dieta era formada pelo pão torrado que traziam protegido e que durava pouco, a bebida era a chincha — uma bebida típica andina, mistura de milho mascado, funcho, canela, pimenta e frutas cítricas, com variações — , mas o mais importante era a coca que mascavam com a finalidade de não sentir fome e perder a noção do tempo. A mínima ingestão de alimentos tinha um ganho secundário para a mina: os mineiros defecavam pouco e, assim, não contaminavam demasiadamente o solo. Era inútil levar outros alimentos; eles se estragavam naquele ambiente sob a ação do arsênico, do enxofre e do chumbo que também afetavam a saúde dos índios.

Trabalhador com folhas de coca na boca. Foto:Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Cerro Rico

O Cerro Rico, em quíchua Sumaq Urqu (“serra bonita”), é uma das principais montanhas de Potosí. É famosa desde o período colonial, quando possuía as veias de prata mais importantes do mundo. Tem uma altitude aproximada de 4.800 metros. Atualmente, a maior mina de seu interior, a Pailaviri, pode ser visitada. Ela está ainda ativa. É dividida em 17 níveis, aos quais se pode chegar por meio de um elevador que desce a 240 m de profundidade. A diferença da temperatura exterior e interior pode variar 40 graus centígrados.

Foto:Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Próximo à entrada da mina, encontra-se o “Tio”, representação do demônio (ou deus) proprietário do conteúdo das minas, a quem se faz oferendas — folha de coca, bebidas alcoólicas, fetos de lhamas — antes de procurar o metal. Ele garantiria também a integridade física dos mineiros. O Pailaviri funciona continuamente desde 1545 e é a mina mais antiga de uma cidade que ainda tem na mineração sua atividade econômica mais importante da região.

O Tio das Minas | Foto:Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Pela rota que leva à mina do Cerro Rico, em Potosí, vê-se barracas onde são vendidas sopas para o café da manhã, as calapurcas, além de cigarros, folhas de coca e dinamite. A exploração indiscriminada feita há séculos deixou a montanha cheia de crateras. Hoje, a umidade penetra pelas rachaduras. São 619 galerias e 285 minas ainda ativas que vão matando a montanha. A força de trabalho de aproximadamente 15 mil homens está dividida entre cooperativas, autônomos e a empresa mineira Manquiri, de capital canadense.

Erosão e meio ambiente

Há cooperativas sem engenheiros trabalhando diariamente com dinamite. Com tão poucos cuidados, os acidentes vão ocorrendo à revelia do Tio da Mina. Cerro Rico é hoje também um problema ambiental. Pelas fissuras, o chumbo e o arsênico que saem da montanha vai para o rio Pilcomayo até a Argentina. A contaminação torna impossível a agricultura naregião. Pelo caminho, há relatos de várias doenças, algumas apenas diarréicas, outras de câncer e má formação de fetos.

Em 1987, o Cerro recebeu o título de Patrimônio Cultural e Natural da Humanidade da Unesco porém, caso perca seu formato cônico, deixará de sê-lo. Os mineiros pensam que, em cem anos, o formato original só possa ser visto em fotos e no brasão boliviano. A degradação do local é gravíssima. Durantes os últimos anos, o Cerro foi uma das grandes preocupações para os potosinos, em especial para os mineiros, que correm constante perigo diante dos desmoronamentos de terra. No ano passado, houve grandes desmoronamentos sem vítimas, pois ocorreram em galerias desativadas. A erosão foi causada pela extração mineira, que continua até hoje com as mesmas técnicas desde os tempos da dominação colonial espanhola.

Os bolivianos são um povo cordial. Eles parecem pedir desculpas mesmo quando falam sobre a exploração de seu subsolo em benefício de uns poucos estrangeiros. E hoje, observam o começo do fim de um local que foi o palco de muitas mortes, mas que sustentou a região. O prognóstico para Cerro Rico é o de que se torne uma bonita, estranha e perigosa ruína.

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Mais fotos:

Foto:Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Foto:Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Foto:Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Foto:Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Foto:Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Foto:Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Foto:Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Publicado anteriormente no Sul21

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Conheça a mansão dos Marinho em área de preservação ambiental de Paraty

Conheça a mansão dos Marinho em área de preservação ambiental de Paraty

É uma paisagem bem brasileira e tem aquele gostinho de desobediência tão agradável a alguns. É aquele sabor único apenas concedido aos verdadeiramente poderosos de nosso país. Afinal, a casa foi construída em área de preservação pertencente à União e registrada em nome enrolada Agropecuária Veine. Pesquisem no Google.

Já a chata Graziela de Moraes Barros, fiscal do Instituto Chico Mendes (ICMBio), órgão do MMA, aponta a casa dos Marinho como exemplo de desrespeito: “Eles poderiam ter erguido uma casa menor, de até 200 m², o que seria permitido pela lei. Mas fizeram aquele monstrengo de concreto derrubando a mata. Foi uma afronta à lei e à natureza”.

Mas olha bem, Graziela. A casa é linda e é frequentada pelos Marinho. Cale-se, por favor.

“Heliporto e casa devem ser derrubados. E a piscina está na praia!”.

Graziela… Veja as fotos. São 840 m² de concreto e vidro, construídos num terreno de 50 mil m². E daí?

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