Quando eu era pequeno, gostava do Natal. Na verdade, adorava, claro, porque meus pais nos enchiam de presentes. A festa era diferente, era matinal. A gente ia dormir pensando naquilo que o Papai Noel nos deixaria durante a noite e, quando acordávamos, nossa, ele tinha adivinhado nossos mais profundos desejos! Lembro especialmente de quando ganhei um autorama, mas isso é outro papo.
Depois, meu esfriamento em relação à data chegou a grau zero. Ainda na pré-adolescência, sem ler nada e sem maior influência, tornei-me ateu, um ateu natural e a data, que originariamente é uma festa pagã, passou a me irritar em razão de seu substrato religioso. Acho que todos os meus sete leitores sabem que a origem da festa não guarda o menor ranço de cristianismo: é o Solis Invictus (Sol Invencível), o Solstício de inverno. Era uma enorme festança que acontecia na noite mais longa do hemisfério norte para comemorar o recomeço, pois dali por diante os dias seriam mais longos, pouco a pouco mais quentes, e haveria a possibilidade de novas e fartas colheitas. Uma belíssima data do hemisfério norte, uma data bem realista que nos foi tomada pela igreja. De certa forma, era mais ou menos (eu escrevi mais ou menos) o que é nossa virada de ano, com suas renovadas esperanças, resoluções e renovação.
Depois, quando vieram as crianças, cheguei a me vestir de Papai Noel. No segundo ano, o Bernardo ficou me olhando como quem diz “Mas esse aí é o meu pai” e, perguntado se não era no dia seguinte, neguei e desisti de novas tentativas. A Bárbara deve ter aproveitado menos dessas festinhas. Também pudera! Ela, com três anos de idade e já sob a influência do irmão três anos mais velho, costumava observar aos coleguinhas de maternal que nem Deus nem Papai Noel existiam, fato que a deixava extremamente popular entre seus amiguinhos e objeto de desconfiança dos outros pais. Quem seria aquela crespinha louca, de três anos, que fazia proselitismo ateu num maternal?
Terrível: Bárbara por volta da época em que fazia proselitismo ateu. Ainda faz, acho.
Hoje, nem dou bola para o Natal, mas acho que está na hora dos movimentos ateus serem menos mal humorados. A data é nossa. Simples assim. Por exemplo, o presidente da Atea (Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos, da qual sou sócio), Daniel Sottomaior, comemora tranquilamente e não se incomoda com a data. Ele tem uma filha de 8 anos que adora o 25 de dezembro. Diz ele: “Nossa árvore é uma árvore de referência a Isaac Newton, que nasceu nesta data e que descobriu a Lei da Gravidade. Ela tem maçãs e luzes. Os outros simbolismos – perus, renas, presentes, árvores, Roberto Carlos – , nada disso nasceu com o Natal”. E completa: “Estamos apenas retomando uma data pagã que nos foi roubada pela igreja e que foi comemorada por sete mil anos antes do século III”.
Aqui em casa, durante o Natal, meu filho costumava — esse ano ele não fez (por quê?) — escrever no quadro de avisos da cozinha em letras garrafais: Natalis Solis Invictus, isto é, Nascimento doSol Invencível. O nascimento do Sol Invencível é o momento em que o Sol inicia a Sua ascensão triunfante, representando, neste momento, a Luz que nunca morre e vence sempre, reflexo da imortalidade. (E que acabará com a Terra, daqui a 5 bilhões de anos…). Á época, a data era uma coisa tão forte que a igreja trouxe o nascimento de Jesus justo para o 25 de dezembro… Vergonha.
Então, meu sonho de Natal é que o paganismo retome a data. E que, no hemisfério sul, a gente invente um modo bem livre e religiosamente incorreto de comemorá-lo. Eu acharia muito justo se os namorados perseguissem uns aos outros nus pelas ruas, algo assim. É sonho, e em sonhos vale tudo.
P.S. — Rodrigo Cardia que, assim como eu, odeia o verão, escreveu: O texto do Milton Ribeiro me fez lembrar do significado original da celebração: o solstício de inverno no hemisfério norte, noite mais longa do ano, depois elas começam a ficar mais curtas. E então percebo que tenho algo a celebrar: aqui no hemisfério sul as noites começam a ficar mais longas…
Anarene é a pequena cidade retratada pelo diretor Peter Bogdanovich no clássico A última sessão de cinema, de 1971. O filme é melancólico e utiliza de forma muito hábil a fragilidade do cinema frente a televisão naquela cidade onde tudo parece estar acabando, à exceção dos olhares vigilantes da vizinhança. No filme, o encerramento das atividades de um certo cinema Royal representa a tristeza e a situação da cidade decadente e de seus habitantes. Naquele tempo, era apenas a TV. Hoje, também temos a internet e a violência, porém, se formos realistas, só podemos reclamar do fim dos cinemas nas cidades pequenas. Enquanto elas ficaram quase sem salas e o governo cria projetos como o Projeto Cinema da Cidade para incentivá-las a uma reação, o ano de 2011 bateu o recorde de vendas de ingressos. Nas grandes cidades, não houve o fim dos cinemas, mas uma migração deles cinemas em direção aos shoppings, Casas de Cultura, Sindicatos, etc.
O Sul21 não pretende fazer uma matéria triste ou apocalíptica, mas um pouco de nostalgia é inevitável, pois vamos mostrar como estão os locais onde antes havia cinemas. Vamos começar por 18 cinemas do Centro de Porto Alegre. Havia mais alguns ainda mais antigos, em clubes e até em circos. Vamos repassar os mais conhecidos.
As fotos antigas foram retiradas de diversos, sites, blogs e do Facebook, normalmente sem o autor da foto. Talvez haja direitos reservados e esperamos ser avisados se tal fato ocorrer. As fotos dos locais atuais são de Bernardo Jardim Ribeiro.
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O Victória, na esquina da Andrade Neves com a Borges de Medeiros, foi fundado em 1940 com o nome de Vera Cruz. Tornou-se Victória após uma reforma realizada em 1952. Em 1957, foi o primeiro cinema de Porto Alegre a receber “Ar Condicionado Perfeito”.
A foto abaixo é do final dos anos 50. Jovem, bonita e sonhadora, Sarita Montiel cantava para distrair seus fregueses. Até que um dia, sua voz encantadora chama a atenção de um jovem e rico aristocrata. Era La Violetera.
Abaixo, uma bela foto do início dos anos 60. Estava passando Psicose, de Alfred Hitchcock.
As calças boca de sino mostram que chegamos aos anos 70, vez de passar Tubarão (1975), de Steven Spielberg. Havia uma fila imensa e carros subindo a Borges desde o Mercado Público. O Victória gostava de artigos, tanto que chama o filme de O Tubarão.
Hoje, há a Casa das Lâmpadas na esquina.
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21
Alguns não sabem, mas o Victória ainda existe. Sua enorme sala foi dividida em duas. A entrada é logo ali, descendo um pouquinho a Borges.
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21
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O Capitólio, na esquina da Borges de Medeiros com Demétrio Ribeiro, foi inaugurado em 1928. No final dos anos 60, o prédio passou por uma reforma e mudou de nome para Premier. No início nos anos 80, sofreu outra remodelação e voltou a se chamar Capitólio. Com este nome encerrou as atividades em 1994.
O Capitólio em 1928.
Na virada do século, após o fechamento.
O prédio foi tombado pelo IPHAE em 2006, após solicitação do Instituto Estadual de Cinema. O objetivo é o de reunir ali grande parte do acervo audiovisual do Rio Grande do Sul. Porém, apesar do patrocínio da Petrobras, o projeto caminha lentamente. O Capitólio hoje.
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21
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O Cacique é de 1957 e era localizado na Rua da Praia. O Scala foi construído em 1969 a partir do mezanino do Cacique. Ficava, portanto, no andar de cima.
Era imenso e tinha pinturas de inspiração indígena em suas paredes. Era o Cacique, claro.
Hoje não se vê quase nada dele.
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21
Fechado desde 1994 e sem as pinturas, parcialmente destruídas por um incêndio em 1996, o Cacique é hoje uma garagem. O restaurante Per Tutti ocupa o ex-Scala. Com alguma imaginação, estando lá dentro, pode-se “montar” o ex-cinema, com sua tela e cadeiras.
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21
Para se chegar ao restaurante, a escadaria do Scala ainda é utilizada.
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21
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O Carlos Gomes da Rua Vigário José Inácio é de 1923. Por décadas, foi o local do cinema erótico em Porto Alegre. Tinha sessões contínuas que iniciavam pela manhã e adentravam a noite.
Atualmente, abriga uma filial das Lojas Pompéia.
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21
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O São João ficava na mesma Vigário José Inácio, fazendo esquina com a Salgado Filho. Nasceu luxuosamente em 1968 para morrer em 1994.
Hoje é uma agência do Banco do Brasil.
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21
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O Rex foi inaugurado em 1936 e tem história muito mais longa. Nasceu na Rua da Praia, quase na esquina com a Rua da Ladeira, atual Gal. Câmara.
Então, em 1960, foi posto abaixo para dar lugar à Galeria Di Primio Beck, que está no local até hoje com seu Banco Itaú.
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21
Mas não morreu. Transferiu-se para a Sete de Setembro (clique na imagem abaixo para ampliar).
De onde foi retirado para dar lugar… a outra agência do Itaú. A página ao lado foi retirada do blog de Emílio Pacheco e mostra a Folha da Tarde anunciando a possibilidade de uma segunda reabertura em “qualquer ponto da cidade” ao mesmo tempo que ostenta, ao lado, um anúncio de Tubarão (sem o artigo), no Cine Victória. O jornalista recebera a informação de outra garagem ou galeria. Não contava com o Itaú. É uma bela e longa agência. O cinema pode ser pressentido em cada canto.
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21
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O Imperial e o Guarani ficavam lado a lado na Andradas em frente a Praça da Alfândega e têm belas fotos. Nos anos 50.
Nos 60.
O Guarani é de 1913 e era muito bonito (prédio à esquerda na foto).
Sua arquitetura era utilizada para promover os filmes, como fez com o grandioso Os Dez Mandamentos..
O edifício do Guarani ainda está lá, belíssimo. O prédio foi vendido nos anos 1980 para o Banco Safra. A velha fachada está restaurada. A construção menor, ao lado, é a das Farmácia Carvalho.
Banco Safra – Divulgação
Em sua longa decadência, o Imperial (1931) programou filmes de gosto duvidoso.
Em 1987, o Guarani foi reaberto no mezanino do Imperial. O novo Guarani morreu em 2005, assim como o colega. Ambos aguardam de forma muito feia e paciente um Centro Cultural da Caixa Econômica Federal, em fase de segunda licitação. A primeira foi anulada em razão da lentidão das obras.
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21
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O Lido da Borges de Medeiros, é o ex-Continente, de 1956. Assim como o Carlos Gomes, teve um final de vida pontuado pelo erotismo.
Hoje está em obras. Abriga várias pequenas lojas.
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21
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Não conseguimos fotos do Marabá, enorme casa para 1800 lugares, mas de seu antecessor, o Palácio, de 1920. O Marabá foi inaugurado em 1947 e nada tinha ver com o prédio do Palácio.
Local propenso à destruição, hoje ostenta um prédio moderno.
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21
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Não sabemos quando nasceu o pornográfico Apolo da Av. Voluntários da Pátria, mas sabemos que fechou em 2009.
Dando lugar à loja Gallego.
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21
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O Áurea fica na Av. Júlio de Castilhos e é um irmão sobrevivente do pequeno Apolo. Abaixo, em 2009.
E hoje.
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21
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A Júlio de Castilhos também abriga o Atlas, que era bem simples em 2009. Como diferencial, a casa misturava filmes com sexo ao vivo.
Ainda mistura. E parece ter crescido com a fórmula.
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21
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Os cinemas novos: a Sala Paulo Amorim dentro da Casa de Cultura Mario Quintana.
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21
A Sala Eduardo Hirtz, no mesmo local.
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21
E, ainda no mesmo prédio, mas de frente para a Rua da Praia, a Sala Norberto Lubisco.
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21
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Há também o Cine Santander Cultural, dentro do Centro Cultural de mesmo nome.
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21
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O charmoso CineBancários.
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21
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Os dois cinemas do Shopping Rua da Praia, os Arcoíris 1 e 2.
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21
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A briosa Sala P.F. Gastal, dentro da Usina do Gasômetro.
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21
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E já quase fora do centro da cidade, a Sala Redenção do Campus Centro da UFRGS.
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21
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Na próxima semana, pretendemos visitar os bairros. Utilizamos várias fontes, as principais estão listadas abaixo:
O Escrivão de Polícia sentou-se à mesa e escreveu:
Por ser provocador, por não acreditar em deus, por ter dito isto sempre, por sentir-se superior a quem acredita, por gostar desmedidamente de mulheres, por gostar muito de música, por gostar desmedidamente de literatura, por amar o S.C. Internacional, por ser um glutão, por gostar desmedidamente dos amigos, por defendê-los das iniquidades, por não ser acomodado, por incomodar a acomodação de outros, por gostar de rir desbragadamente, por correr sem ser atleta, por ler mensagens de outros grupos no Facebook, por gostar desmedidamente de cinema, por gostar de criticar internamente, por gostar de externar tais pensamentos em palavras por escrito, por amar Bach, por sofrer eventualmente de hipobachemia, por ser gentil, por ter a baixa auto-estima diagnosticada três vezes e nunca ter se tratado, por não perder piadas, por rir fora de hora, por admirar os seios das mulheres, por desprezar suas bundas, por nunca torcer pela Seleção Brasileira, por manter um blog anônimo, por ser estar sempre insatisfeito, por ter roubado muitos livros, por ter sido processado inutilmente uma vez, por ter sido processado inutilmente duas vezes, por dormir cedo, por acordar às 6h, por nunca ficar doente, por gostar de Bergman e Tarkovski, por ter tido dois filhos, por amá-los incondicionalmente, por ter sido mau aluno, por ter sido o melhor da turma, por dever, por bocejar sem tapar a boca, por enfiar o dedo no nariz quando sozinho, por tomar muitos banhos, por peidar ruidosamente pela manhã, por ter conseguido tocar a sétima de Bruckner de e na cabeça quase sem nenhum erro e no tempo total certo, por ler tudo sobre estética literária e musical, por achar que o Fausto de Mann é maior de todos os livros, por fazer os outros falarem desbragadamente, por desbragadamente ouvi-los, por muitas vezes detestá-los, por ter tantos livros, por ter muitos CDs, por querer mais, por querer mais dos outros, por não querê-los, por trepar pouco, por não ler todos os e-mails que recebe, por nem sempre atender o telefone, por gostar de caminhar, por caminhar pelas ruas como se fosse um personagem de Machado, por ser irônico e debochado com quem conhece, por fazer o mesmo com quem não conhece, por pensar mal das pessoas, por gostar de volantes que saibam jogar e centroavantes fincados, por ter conhecido Londres e Verona, por achar todas as orientais feias, por mentir em coisas sem importância, por exagerar, por não gostar de óperas, por ter opinião, por ter interrompido seu trabalho voluntário — o maior trabalho político que uma pessoa sem talento pode cumprir — , por esquecer de fumar os charutos cubanos que tem em casa, por fazer comentários com nomes falsos, por não gostar de dançar, por gostar que orquestras toquem música escrita para orquestras, por querer os roqueiros tocando rock e os sambistas samba, por todos os pecados que cometeu, por todos os que cometeria, por uma série de motivos que seria longo explicitar e, fundamentalmente, por roncar à noite, sua mulher, de forma inteiramente justificada, coberta de razões, matou-o a golpes de machado na madrugada de ontem.
E, por minha mulher estar fazendo Direito, servi de modelo para um assassinato perpetrado pela fictícia filha, repetidamente abusada, de um fictício cidadão de São Vendelino (imigração italiana) que já olhava a fictícia neta com certo interesse. O sangue era ketchup. Como o vermelho estava muito claro no primeiro momento, fui besuntado também de molho choio — a garrafa está na primeira foto, ao fundo. Os cortes foram feitos com batom. Por mentir a seus sete leitores.
Adendo: não tem muito a ver com a minha história, mas abaixo está o depoimento improvisado, após apenas uma leitura, da vizinha. Tudo isso para o trabalho de aula. Vejam a notável atuação de sua colega Roberta Reginato — sem letras duplas, mas nascida em Cacique Doble (RS).
Ontem, Dia das Mães, fui obrigado a dar umas voltas na cidade pela manhã. Saí de casa às 11h15 e fui visitar minha mãe na clínica geriátrica. Depois, iria almoçar com a família de minha mulher e, principalmente, com minha sogra. Eu já deveria ter aprendido que estes dias são terríveis. Por volta do meio-dia, não apenas fica difícil arranjar um restaurante como até mesmo andar na rua de carro. E eu tendo que atravessar a cidade inteira… Devia ter pensando que, se eu tinha de me deslocar, os outros também.
Dentro do carro, dois CDs de jazz, um de uma big band belga e outra americana. Coisa muito divertida, mas haja big bands! Foram duas horas para ir e voltar numa cidade ainda tranquila e provinciana como a nossa. Não sou dessas pessoas que se irritam muito com o trânsito. Talvez facilite o fato de eu apenas dirigir no fim-de-semana, sei lá. Não obstante, sempre acho incrível a movimentação no almoço do Dias das Mães.
Se conheço tão bem o fenômeno e não sou antropólogo, significa que participo dele há muitos anos. Sim, é tradicional procurar a mãe para almoçar no segundo domingo de maio, mas há mais a considerar: há o não vamos deixar ela fazer almoço hoje, né? Então, muitos devem ir até a casa de suas mães para dar-lhes um beijo e depois sair para um restaurante. OK, elas podem ir direto, mas é menos gentil. Para piorar o trânsito, as mulheres vivem mais, gerando um número de deslocamentos muito maior, por exemplo, que o do Dia dos Pais, dentre os quais há muito mais mortos. E alguns de nós têm que visitar duas ou três mães: a própria e mais uma ou mais avós, pois as mulheres são maioria nas famílias, elas não apenas nascem mais como vivem mais, como já disse. Outro fato que tive a oportunidade de analisar: o movimento que vai para a Zona Sul de Porto Alegre é muito maior do que o contrário. Tal fato deve ter implicações econômicas que não sei muito bem analisar. Também econômico é o fato que me fez, já preocupado em razão do atraso, entrar pela Vila Cruzeiro (*). Ali o trânsito estava livre, mas garanto havia ainda mais gente caminhando pelas ruas. (Explico: na Cruzeiro, certamente como resultado de função de anos e anos com calçadas esburacadas, quase todas as pessoas preferem caminhar pelo meio da rua. Hoje há mais calçadas, mas o pessoal acha mais confortável andar no meio da rua).
O resultado de tudo isso é que cheguei atrasado no almoço da sogra. Ah, me desculpem a reflexão idiota. É que sempre tive ressentimento pelo fato das mulheres viverem mais e comecei a pensar que isto se reflete até no trânsito…
Ontem, foi publicada uma entrevista comigo lá no Substantivo Plural. Não sei bem quem conheceu primeiro quem, pensando melhor acho que o site me foi apresentado pelo Fernando Monteiro, o que sei é que o SPlural está no meu Reader e o acompanho há muito tempo. Cliquem aqui para conferir. Ele tem estrutura de um blog, mas não é um blog. É um repositório selecionado daquilo que sai de bom por aí em termos de Cultura e Ideias. As matérias copiadas vêm com educados links e tudo aquilo que se espera em nosso mundo copyleft. O SPlural tem editor — Tácito Costa — e colaboradores. E volta e meia eles fazem posts pegando coisas deste blog e do Sul21. Gosto muito quando fazem isso e gostei ainda mais quando o Lívio Oliveira, que não conhecia, me propôs uma entrevista mais ou menos baseada em meu Curriculum Vitae. A entrevista é decididamente amalucada, mas muito franca e o resultado… É comigo mas achei legal, tá? Abaixo, o texto completo:
Milton Ribeiro é um jornalista do Sul do país, crítico literário e de artes, escritor bissexto e editor de um blog maravilhoso (AQUI) muito bem acessado e que muitos aqui certamente já o conhecem. Tácito vem republicando, vez ou outra, alguns textos seus. O seu link também se encontra no canto direito deste SPlural (Aproveitem e vejam todos os endereços eletrônicos de Milton abaixo do presente post).
Milton, uma figura com a qual muito me identifico pelos gostos e escolhas (tomo a ousadia de dizer isso pelo que conheço do seu blog), concedeu-me, generosa e pacientemente, essa entrevista que fiz me baseando num inusitado “curriculum vitae” que está divulgado no seu blog. Procurem ler, antes, o tal “curriculum” e depois leiam a entrevista bem humorada e ao mesmo tempo instrutiva e produtora de reflexões, principalmente de ordem estética.
Aí vai:
L. O. E para começar, assim, já pergunto: por que fazer e manter um blog? O que o move nesse desiderato? É um instrumento essencial para um jornalista independente?
M.R. Tenho blog desde maio de 2003. Antes, ele era bem mais pessoal e eu o utilizava para me colecionar. Tinha de tudo ali, desde contos e capítulos de romances até meras anotações pessoais. Fui adquirindo uma pequena celebridade na chamada blogosfera, também fui processado duas vezes, tal a liberdade que sentia – a propósito, o último processo foi claramente absurdo e intimidatório e recebeu um julgamento muito injusto. Como resultado, deixei que um pouco de autocensura e pudor tomassem conta de mim. Talvez tenha sido um erro, pois sendo mais sério e utilizando menos a primeira pessoa do singular, perdi leitores. Também os blogues se modificaram, saíram da moda, perdendo espaço para o Facebook e Twitter. Por que o mantenho? Ora, porque sou lido por pessoas interessantes e ainda conheço outras. Mas não creio que seja um instrumento essencial.
L. O. Em que medida o daltonismo ajuda na fruição artística? Ou só atrapalha, mesmo?
M.R. Esta é uma pergunta curiosa. Depois de ler alguns livros de Oliver Sacks, tenho a fantasia de que meu profundo amor pela música seja uma boa filha de meu daltonismo, também chamado nos EUA de color blindness. É como se a falta de parte de um sentido tivesse tornado outro hipertrofiado, mas deve ser tudo imaginação. Para a fruição das artes plásticas, o defeito atrapalha de forma considerável, mas ele é decisivo na escolha de roupas. Minha mulher quase enlouquece quando chego num lugar com uma combinação de cores que só faz sentido para mim.
L.O. Mesmo assim, confia em suas escolhas estéticas?
M.R. Em artes plásticas, não. Nas literárias, cinematográficas e musicais, sim.
L.O. Essa mania de contar/catalogar filmes e livros…de onde vem? Qual o sabor disso?
M.R. Outra pergunta complicada. Nasci com mania de catalogador, as pessoas sabem disso e me fazem consultas. Há pessoas que me chama de guru… É como aquela piada do Groucho Marx citada pelo Woody Allen. “Meu irmão pensa que é uma galinha, mas não o trato porque preciso dos ovos”. Muita gente me pede os ovos – bem, a frase ficou esquisita, mas deixa assim. Também tenho muito boa memória, mas não prescindo da bengala de longas listas. Gosto de passar os olhos por uma relação de livros antiga para lembrar que, por exemplo, Uma Confraria de Tolos era uma obra-prima e nunca mais foi reeditada. Há um sabor interessante nisso. Assim como me sinto tranquilo vivendo sob uma rotina, sinto-me ainda melhor se anoto o que faço e vi. Enfim, é uma neurose como qualquer outra.
L.O. E essa outra mania, a de roubar livros? Por sinal, já acabou? E você empresta livros?
M.R. Roubei muitos livros durante a adolescência, roubava para mim e para os amigos. Me dava pena que fossem tão sedentos de cultura e pusilânimes. Durante uma época da vida, roubar livros é o único caminho para leitores apaixonados e sem dinheiro, como eu era. Tudo o que escrevi naquele post é verdadeiro. Hoje não roubo mais, nem saberia fazê-lo. Tenho medo, apesar de que o adolescente Milton nunca foi flagrado em ação. Bolaño foi outro grande ladrão de livros, muito maior do que eu. Eu roubei algo entre 300 e 500 livros. É claro que os livros devem ser emprestados e devolvidos. Tenho também uma lista de livros emprestados e costumo cobrar se não devolvem, claro. Há que ser moral!
L.O. Que ligações existem entre Literatura, Cinema, Música e Futebol?
M.R. Inúmeras. As artes, assim como o futebol, são representações da vida. O futebol nunca chegará ao nível e à abrangência de uma peça de Shakespeare ou de uma música de Bach, mas tem uma riqueza toda particular. É diferente. Há algum lugar onde você vai com a finalidade de desejar uma coisa com todas as suas forças, mas que possa subitamente mudar de partido dependendo do que ocorrer? Além disso, o futebol é muito plástico e emocional. Talvez sua ligação mais difícil seja com a música. Não venham dizer que o drible é uma dança… Não, drible é drible.
L.O. Quem são seus craques preferidos na Literatura, Cinema e Música? E os seus artistas no Futebol?
M.R. Olha, são mais de cem ídolos em cada área. Se você me ameaçar fisicamente para que eu escolha cinco em cada área sairá algo como que segue. (Vou responder rápido antes que me arrependa). Literatura: Tchékhov, Machado, Dostô, Joyce, Melville. Cinema: Bergman, Welles, Kubrick, Kusturica, Antonioni. Música: Bach, Beethoven, Bartók, Brahms e Bahler ou Mahler.
L.O. Por que não publicar os livros que tem em mente? E por que razões os publicaria?
M.R. Bela pergunta. Minha ex-mulher era muito competitiva e, para manter o casamento, era necessário ser humilde, aparecendo menos do que ela. Como ela tinha altas aspirações intelectuais e existe o mito de que o livro é um ápice da vida de alguém, fui treinado a evitar os livros. Hoje tenho a mulher perfeita, mas mantive a mania de escrever para mim mesmo. Há outro motivo também: é divertido apresentar personagens, estabelecer conflitos e até finalizar os romances, mas é muito chato revisar. Também vejo muitos colegas publicando livros sem conseguir vendê-los ou sendo obrigados a se tornarem vendedores em feiras, eventos, etc. Não sei se tenho este talento. Teria se fosse vendê-los em Londres, Roma ou Paris. Porém, você sabe como é: acordo todo o dia às 6h para escrever um romance que está na metade. Mas, olha, não tenho nenhum plano de ir além da finalização do mesmo. Sei que está tão fácil de publicar quanto de ficar encalhado e que ficaria louco se encalhasse.
L.O. Por que razões as mulheres ficam mais belas aos sábados? Vinícius de Moraes tem algo a ver com isso? (falo para Milton de uma das famosas seções de seu blog e que é publicada somente aos sábados, com a publicação de fotos e de comentários irreverentes sobre belíssimas e famosas mulheres).
M.R. O “Porque Hoje é Sábado” nasceu de uma aposta com o ex-Ao Mirante Nelson, atual Tom O`Bedlam. Conversávamos pelo MSN sobre nossos blogs e ele me desafiou a manter, no final de semana, a mesma visitação dos chamados dias úteis. Fui à luta e consegui. Ele disse que aquilo não valia, que foi um golpe abaixo da cintura. Ora, tal fato é visível. Mas a verdade é que não costumo mostrar pelos pubianos. É uma seção família do blog, destinada às grandes atrizes, seus rostos e seios. Adoro seios. E atrizes. Mulheres também.
L.O. Por que mudou para o Sul21? Sei que a resposta parece óbvia, mas…
M.R. Bem, eu sou um dos editores do Sul21. Era natural que colocasse meu blog no condomínio de blogs do site, não?
L.O. Aí não vale…mas, acredito que a sua maior satisfação com as artes é mesmo na condição de alguém que contempla, na condição de um apreciador, de um fruidor. Nesse contexto, acredita que existem regras para o “gosto”, o “fruir” estético? Há parâmetros exigíveis e/ou necessários para isso?
M.R. Não. Mas o há o bom e o mau gosto. O bom gosto se forma com a vivência. Há que dar acesso às pessoas. Por exemplo, duas semanas de tratamento intensivo de PQP Bach impedem Michel Teló na terceira semana. O problema é que recebemos uma enchente de “Vingadores” e pingos de “A Separação”. Mas é claro que sou um fruidor de arte. E feliz.
L.O. Existe uma hierarquização das artes? Ao menos, existe uma hierarquia na sua cabeça? Percebo que se emociona mais com a música erudita…é verdade? Por quê?
M.R. Creio que exista uma hierarquia diferente para cada pessoa. Há algumas emoções só alcançáveis pelo cinema, outras pela literatura, mas a mais completa das artes é a música. Como Shostakovich comprovou, ela exprime tudo – até a situação política – em linguagem universal, sem palavras.
Mentira. Pois quando me oferecem sempre pego na hora. Porém, hoje, evitei receber o convite quando meu vizinho saiu de casa na mesma hora que eu. Ele é muito educado e solidário, vai de carro e me faz ganhar quinze minutos. Mas hoje eu acelerei o passo e segui meu caminho para a parada. Passei reto por um simples motivo — queria ler meu livro no ônibus. Atualmente, quase só leio nos ônibus e lotações. Dá uma hora por dia. Em casa, sempre há algo solicitando minha atenção. Um saco, um saco. Mas poderia haver outro motivo. Desde há muito comecei a me deslocar sozinho para o Centro da cidade. Na verdade, desde os 9 ou 10 anos de idade. Quando conseguia sentar, aqueles eram momentos felizes nos quais divagava à vontade, como se não pudesse fazer melhor noutro lugar. Talvez a entrada e saída de pessoas desse maior criatividade aos pensamentos. O fato é sempre houve um traço poético em ser levado dentro de um coletivo. Não sei bem por quê: pode ser o balançar do ônibus, pode ser as caras das pessoas que me fazem adivinhar-lhes as histórias. É um momento de pura indireção, em que não há nada de objetivo que possa ser resolvido e me irrito muito se o celular toca. É muito bom. Então, sempre achei prazerosa a coisa dos ônibus. Ademais, há a discutível certeza de estar colaborando com a humanidade ao não estar andando sozinho dentro de um carro. Foi um boa decisão a de ter ficado com um só carro em casa, acho.
Quando criança, preferia os bondes. Afinal, eles andavam sobre trilhos e nunca poderiam alterar seus caminhos. Eu morria de medo que os ônibus saíssem por aí livremente pela fantasia de um motorista alucinado. Achava que todos os adultos conheciam a cidade. Eu não. E era muito tímido para perguntar como voltar pra casa. Então, os trilhos eram minha segurança. Hoje, nem olho muito as caras das pessoas. Entro, dou bom dia para o motorista e sento para ler. Já me falaram na possibilidade de descolamento da retina. Francamente, que descole.
MILF é uma sigla criada sabe-se lá onde que significa “Mom I’d Like To Fuck” (“Mãe que eu gostaria de foder”), e refere-se, obviamente, ao sexo com mulheres de idade suficiente para serem mães de seus parceiros. O pessoal aqui na redação é jovem e tem certa admiração pela viúva e presidente argentina Cristina Kirchner, 59. Principalmente pela viúva.
Hoje pela manhã, vi a jornalista Miriam Leitão, non-MILF, se rasgando de ódio pela nacionalização da petrolífera YPF. Era engraçado, muito engraçado e eu ri, pois até parecia que ela tinha alguma participação societária no Clarín, tal o ódio e ironia que destilava. Alguns jornalistas are overacting — desculpem, não me ocorreu nada melhor — seus patrões. Era por demais engraçado e agora, quando fui tomar café, lembrei da jornalista se rasgando. A forma escolhida por Miriam foi a de desqualificar Cris K dizendo que ela era dominada por seu filho “preferido” Maximo, 34, que trouxe para o governo uma equipe de economistas ligada ao vice-ministro da economia, Axel Kicillof, 40. Seriam um bando de malucos perigosos, ladrões e estatizantes, reunidos sob o nome de “La Campora”.
Olha, estou neste mundo há 54 anos e passei boa parte deles estudando as mulheres com relativo insucesso. Acho que posso dizer, assim de longe, que Cris é uma mulher que ouve, mas faz o que acha melhor, sem deixar-se dominar por ninguém, nem pelos os rapazes da redação, que são homenageados a seguir:
Eu não entendo, por exemplo, quem ouve e conhece a música popular dos anos 80 por apenas para criticá-la, por achá-la ruim. Nem quem se diverte com a breguice dos outros. Muitas vezes, o brega é cômico e serve como diversão passageira, mas minha opinião é a de que, quem está sempre procurando novas ruindades para ridicularizá-las, na verdade gosta mesmo é daquilo. O erro da insistência em achar (ou ver) graça no ruim é a imensa quantidade do que há de bom e interessante. Não há vida que abarque todos os excelentes livros, músicas e filmes que há para serem lidos, ouvidos, vistos e divulgados. Então, fico meio desesperado quando vejo alguém vibrar com a ruindade alheia, conhecendo-a a fundo. Será que encarar o que é bom dá trabalho? Talvez.
Indo numa via paralela, digo que tenho para mim que a pior pessoa é aquela que só vê objeções, sem conseguir construir nada. Em minhas relações, pouco a pouco tendo a me irritar e automaticamente deixo de considerar as opiniões daqueles que apenas têm coisas a criticar e nada a sugerir. E sempre penso que estes são parentes daqueles, os das coisas bregas. A gente não está aqui só para ter contato com merda. Nós merecemos um pouco mais de dignidade para efetivamente poder parar em pé. Quem me conhece um pouquinho mais, sabe que eu, de minha modesta plataforma, tento polinizar alguma coisa por aí.
E mais não devo dizer. A não ser que estou irritado com as exposições de conhecimento brega que andei tendo por aí. Não sou nada perfeito, mas fico feliz por nunca ter ouvido Michel Teló — só conheço aquele estribilho por ouvir pessoas cantando — e de ter descoberto há pouco que Sandy Junior não era uma pessoa só, mas um casal chamado Sandy & Junior. Estou louco para continuar mais um pouco, mas acho que não devo.
Escrevi este texto para o Impedimento quando o Inter completou 100 anos. Hoje, quando o Inter faz 103, ele foi citado. Fiquei feliz. Muito.
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Quando eu era criança, costumava fechar a porta do meu quarto para narrar futebol em voz alta com maior liberdade. Minha irmã me enchia o saco, dizendo para eu parar de inventar aquilo. Narrava jogos espetaculares onde o Inter vingava-se de todas as humilhações que o Grêmio nos submetia naqueles anos 60. Era uma vida interior movimentada, que fazia minha garganta doer pelo esforço de gritar tantos gols. Também sonhava com jogos, escrevia escalações, contratava jogadores inatingíveis – muitas vezes era um deles – e fazia cálculos, anotando num caderno vermelho todos os jogos dos campeonatos que o Inter participava. Era uma coisa meio demente, ainda mais num tempo em que o Campeonato Gaúcho valia alguma coisa e em que o Grêmio havia vencido 12 dos últimos 13. Era uma tragédia ter 11 anos naquele 1968 que terminaria com o AI-5. Mas tinha certeza que os anos me fariam melhorar. Minha mãe também.
É, mas não mudou muito. É um grave defeito de fabricação. Vocês não me pegarão mais aos berros no meu quarto – ainda mais se estiver acompanhado -, mas minha vida interior, quando não estou submetido a estresse, inclui aquele momento em que passo a pensar na próximo jogo, na próxima escalação e, ainda, nas próximas jogadas. Entro no elevador e de repente vejo D`Alessandro pisando na bola, retardando o ataque… Aquilo me irrita e já saio do elevador preocupado. No dia seguinte, acordo e de cara levantam uma bola em nossa área. Sandro salva e partimos para um contra-ataque com Taison e Nilmar: gol certo enquanto escovo os dentes.
Acho que há pessoas que pensam em dinheiro e mulheres o tempo inteiro – eu até perco muito tempo também nisso -, mas a vida interior do torcedor de futebol é um pouco diferente. Claro que todo este interesse está associado a um clube que amamos e que, por definição, é mais importante do que todos os outros. E quando este clube tem um inimigo, este será o mais odioso e horrendo – e sifilítico e purulento e idiota e filha da puta e a nossa cara. Sim, acabo de descrever sucintamente o Grêmio.
E então este clube faz cem anos, contingência inevitável para quem, mesmo endividado, não morre, e a gente fica todo bobo, achando que o dia 4 de abril nos oferecerá vales onde correm o leite e o mel, com 11.000 virgens amorosas vertendo Bailey`s das tetas. Confesso que balancei quando meu sobrinho me convidou para ir ao jantar do centenário, mas recuei ao saber que custava R$ 200,00. Também não me entusiasmei pelos tais fogos – quase sempre fecho minhas noites de sextas-feiras em cinemas -, mas achei legal a coisa da caminhada até o Beira-rio no sábado, a tal Marcha do Centenário.
Fiquei indignado quando um pessoal aí, os quais são indiscutivelmente os maiores representantes das torcidas gaúchas (preciso indicar a ironia?), convidaram o prefeito gremista para a caminhada e ameaçaram até com a Yeda. Céus, que gente mais sem noção! Para que misturar a mais simples das comemorações – a procissão de colorados do incerto local onde o clube foi fundado até o Beira-Rio – com mais uma tentativa desesperada de manter a troca de favores com o poder? E eles seriam retaliados, vaiados, precisariam de seguranças. Nosso momento cívico ficaria uma merda.
Sim, eu disse cívico, pois colorado é o que sou. Se habito fisicamente a Rua Gaurama, tenho uma segunda vida com endereço aqui; se tenho um telefone, também tenho e-mail; se sou Suda de modo geral, sou especificamente brasileiro; se tenho o futebol em minha vida interior – assim como tenho a Gaurama, o blog, o número do telefone, o endereço de e-mail, a Suda e o Brasil – esta se foca repetida e especificamente para o Inter. O Inter e seus grandes times moram em mim, completam um século neste sábado e é fato dos mais dignos de celebração que eu possa imaginar, mesmo que tenha achado todos os outros centenários (principalmente aquele) manifestações ridículas e sentimentalóides, sem intersecção com nosso centenário. Não tinha pensado nisso, mas devo me comover na caminhada. Afinal, ninguém consegue ser crítico de si mesmo e o Inter, sei, sou eu.
Há quase um ano, publiquei um post chamado Mês 80. Ali, descrevia minha luta para descer dos 84 para os 80 quilos. Tenho 1,71m, acho que deveria chegar aos 73, 72, 71, mais ou menos. O primeiro ato do drama ocorreu entre novembro de 2010 e o início de março do ano passado. A técnica, descrita no post acima (com link), seria a de perder um quilo por mês, com calma. Os primeiros 4 foram bem tranquilos de perder mensalmente, mas os três que perdi no último ano foram duríssimos. Algumas lições:
1. Uma grande almoço ou jantar no fim de semana, por exemplo, gera cuidados extras que nos obrigam a cuidar de cada item ingerido até quarta ou quinta-feira. É uma punição atroz. Melhor bater bapo, provar de tudo e esnobar a gastronomia.
2. Como almoço na rua, próximo a meu local de trabalho, sei que é melhor comer sozinho. Sei lá, quando há companhia se come mais, pois há a conversa demora mais, a gente se serve mais uma vez de alguma coisa da qual gostou especialmente ou pega uma sobremesa. A amizade avaliza a esbórnia.
3. Mas o almoço é um poema perto do jantar. A gente chega em casa cansado e faminto, abre a geladeira e realiza o crime como uma vingança contra todas as iniquidades nos infligidas durante o dia. Na verdade, o corpo é uma merda, a memória de peso contida em nosso cérebro nos faz comer e comer sem se sentir muito lotado. É estranho. Consultem um especialista.
4. Mas tudo pode piorar. Quando se faz atividade física, a fome triplica e daí não adianta nada para efeito de peso, a menos que tivéssemos erguido bigornas na academia. Pois acabamos comendo mais calorias do que as gastas. É um dia para se ter cuidados especiais, certamente.
5. Acompanhar o peso diariamente na mesma hora do dia e sem roupas. Comemorar a cada 100g. É preciso extrair prazer dos números, se me entendem… Quando a coisa não anda, como nos parcos três quilos que perdi no último ano, há que pensar: “Mas quando comprei a porra dessa balança, ela marcava 84 e agora não chega nunca a oitenta”. Esse trabalho de auto-ajuda, tão criativo quanto as últimas colunas da Lya Luft, é fundamental. A gente tem que se considerar um vitorioso, entende?
Ontem, estávamos falando sobre as disputas femininas e eu dizia que estas aconteciam de várias maneiras e que podiam até mesmo não ocorrer. Lembrei-me então de uma curiosidade sobre a qual não penso muito, mas que é digna de ser contada neste blog secreto. Quando me separei, fui morar um tempo na casa de minha mãe. Na primeira noite, ainda não estava deprimido — pensava estar com espírito objetivo e cheio de planos — e fui para o telefone a fim de resolver algumas coisas paralelas que não poderia resolver abertamente na casa em que antes residia. Era uma quarta-feira à noite e vários amigos, sabedores do que era aquela “a primeira noite”, tinham me convidado para sair, mas escolhi ficar em casa. A primeira coisa seria ligar para HC e encaminhar o final de nosso casinho; a segunda, falar com VK para nos encaminhar. As conversas foram bastante amenas, facilitadas pela longa amizade no caso da primeira e pelo bom humor no caso da segunda. VK nunca deu certo, mas ríamos bastante juntos. Lembro que a conversa com ela passou incontrolavelmente para nossos filhos, meus e dela. Era um difícil acerto entre duas mães.
Quando desliguei o telefone, finalizadas minhas pobres conversações galantes, o telefone tocou. Ora, pensei que era D. me perguntando se eu estava querendo me suicidar ou apenas dormir. Mas não, era uma amiga de minha ex que me telefonava. Ela conseguira o número da casa de minha mãe através de um colega meu de trabalho. Muito esforço, nossa. Nunca tinha falado com ela pelo telefone e, a meu ver, ela era casada. Obviamente, desliguei todas as intenções que manifestara nos outros telefonemas e passei ao modo de conversação simpática e asséptica. Afinal, conhecia de vista o marido da moça e tenho aquela coisa de lealdade correndo em meu sangue. Ou penso ter. Conversamos sobre o frio, sobre livros e a coisa estava agradável até que ela começou a tornar a conversa lenta, deixando-me meio sem respostas, sinal inequívoco de que desejava finalizar o papo ou mudar de assunto. Entrei no jogo dando um longo suspiro que seria utilizado pela vontade dela — ou como uma pausa que permitiria o tchau, ou como uma chance para entabular um novo assunto. Novo assunto.
Ela falou que eram foda os primeiros dias de qualquer separação. Mas não parecia penalizada. Depois finalmente entrou no assunto que parecia ser seu objetivo: começou a falar mal de minha ex como colega de trabalho. (Desculpem, nunca lembro do nome de minha ex; acho que seu nome é Pâmela ou Suélen, sei lá). Após várias referências à politicagem interna do Departamento delas na Universidade e do Hospital onde trabalhavam — não dei grande atenção àquilo que depois foi caracterizado por outra amiga como um “cesto de ofídeos” — , a nova amiga me disse que minha ex era “de plástico”, ou seja, que era fria e calculista. Como a interlocutora parecia ser tudo que Suélen não era, depreendi que o significado daquilo era “e eu sou de carne, quente e apaixonada”. Nunca fui um Paul Newman e a maioria das mulheres se aproximam de mim por me acharem legal, não para ir para a cama. Não é falsa modéstia, é a realidade. Na hora pensei que deveria convidá-la para sair naquele momento, talvez naquele dia, mas os feios que se acham inteligentes são também profiláticos. Desligamos com a coisa temporariamente suspensa.
No dia seguinte, uma ligação matinal para o meu trabalho. Vamos almoçar? Fomos.
Hoje, quando penso naqueles poucos dias, concluo que foi uma atitude de vingança. Não era para ter acontecido, mas era divertido ficar abraçado na cama falando mal de Pâmela, ainda mais que eu ainda ia nas sessões com a “terapeuta familiar” na companhia de Su. Eu parecia estar acentuando (ou resolvendo) um problema de relacionamento entre mulheres, mas era bom. Volta e meia, recebo ligações com atualizações das news do Departamento, mas estas estão cada vez mais raras.
Ah, e acho que tem tanta mulher naquele local da UFRGS que a amiga vai achar este post engraçado, se o ler. Ou será que terei que deletá-lo?
Depois do almoço, fui ao Zaffari da Otto Niemeyer comprar umas coisinhas. Gosto de ir lá. Era um início de tarde quente e pachorrento e as pessoas pareciam com vontade de ir logo para casa tirar uma sesta. Mas vá saber o que se passa nas almas torturadas dos porto-alegrenses? Estava no caixa quando vi duas moças a dois metros de mim — caixas ou empacotadoras do super-mercado, devidamente uniformizadas — pegarem-se a tapas, arranhões e puxões de cabelo. A luta, travada em rigoroso Estilo Zaffari radical, era silenciosa, quase elegante, e só pude ouvir um “o que tu tá pensando” proferido baixinho, quase uma confissão íntima de como “eu te odeio, sua vaca”.
Levei uns dois ou três segundos para me dar conta de que uma desejava a total eliminação física da outra e que deveria ter a hombridade de tentar separá-las. Durante a rápida refrega, nenhuma delas estabeleceu uma vantagem digna de encerrar a luta e um juiz isento teria que se decidir pelo empate. Bem, me meti na coisa e quase sobrou pra mim. Tomei um tapa na clavícula, de cima para baixo. Não machucou, mas a moça era forte. Logo vieram dois outros empacotadores ou fiscais ou superiores e agarraram as lutadoras. Rixa, litígio, querela, inimizade ou paixão? Foi quando uma delas, a menor e mais lisa, a que não bateu em mim, soltou-se de seu guarda e correu em direção à outra. Estava inconformada com o empate. Nada feito, nós a impedimos.
Uma cena certamente lamentável, porém, quando olhei para os lados, todos olhavam o caso deliciados, sorridentes, inclusive os colegas das contendoras. O ser humano não presta mesmo. Eu? Ora, vocês querem que eu narre e ainda exponha meus sentimentos?
Foi, como diria aquele jornal, mais um drama gaúcho.
Eu acho que as reações do pessoal de nossa trincheira política à Rafinha Bastos são equivocadas no sentido de defender o politicamente correto. Claro, o cara é um imbecil e não pretendo de forma alguma justificá-lo — nem saberia como. Mas, por exemplo, acho que este elogio ao politicamente correto, que está sendo repassado, copiado e recopiado em muitos blogs de esquerda, ainda vai causar arrependimento. Ali, o politicamente incorreto aparece limitado a gente que ataca líderes LGBTs, defende homofóbicos e racistas, aplica bullying, ri dos outros por seus defeitos e defende a criminalização do aborto e a Igreja Católica (???). Sei não.
Eu concordo com o artigo quando ele ataca alguém tão desqualificado quanto o “humorista” gaúcho, mas sigo achando o politicamente correto burro. O politicamente correto, se ler atentamente Graciliano Ramos, acabará qualificando-o de alguma coisa qualquer da mesma forma como acusou Monteiro Lobato no Brasil e Mark Twain nos EUA de racistas. Em minha sacrofobia, não livro Lobato de racismo, mas daí a censurá-lo, emendá-lo ou deletá-lo vai alguma distância. Acho legal manter a complexidade das coisas. Os leitores e os professores que interpretem e expliquem Emília, por que não? O politicamente correto deveria submeter-se à Segunda Lei de Milton: Toda qualidade que possamos ter transforma-se em defeito quando algum fato externo a leva ao paroxismo.
Voltando a Rafinha. Sei que os movimentos sociais usam tais seres — refiro-me a Rafinha — como mote, base e exemplo para suas teses e têm razão nisso, mas, porra, como foi dado espaço para o cara! Eu, nesta anotação quase pessoal, digo que nunca vi o CQC e só conheço o cara de fotos. E não li ainda ninguém falando mal da TV e de sua indústria de celebridades. Caberia.
Mas as piadas são boas. RicardoCabral escreveu ontem no Facebook:
Projeto de lei: A partir do meio-dia de 03-10-2011, aquele que em alguma queixa, comentário, crítica, desabafo e afins mencionar as expressões “politicamente correto” e/ou “politicamente incorreto” terá o seu acesso à internet bloqueado por seis meses e deverá ficar no canto da sala, ajoelhado no milho, durante duas horas seguidas. (Maiores de 65 anos sofrerão penas alternativas.) Ficam excluídos destas medidas penas apenas os que fizerem análises mais aprofundadas sobre o uso dessas expressões.
Este é foto mais escura de Machado que encontrei, nas outras, dão-lhe um flashaço
Vou dizer uma coisinha para meus sete leitores. Acho realmente que sou indiferente ao fato de alguém ser negro, branco ou mulato. Só registro em meu cérebro algo diferente se a pessoa for uma mulher muito bonita ou se for japonês ou chinês, que ainda acho exóticos. Ontem, em cima da polêmica retirada do ar da propaganda da Caixa Econômica Federal (CEF), que pode ser vista abaixo, na qual Machado de Assis é emulado por um ator branco, os ativistas dos movimentos sociais começaram a qualificar Machado de negro. Ser negro não desqualifica Machado — creio que até que tal fato seria bastante efetivo na luta em prol do lento fim do racismo em nosso país — , mas é uma mentira. As feições do escritor são de as um homem branco e a pele nem parece tão escura nas fotos. Era o filho mulato de Francisco José de Assis (brasileiro, carioca, descendente de negros alforriados, pintor e dourador) e da lavadeira Maria Leopoldina Machado de Assis (portuguesa da ilha de São Miguel, Açores). Não conheço a qualidade das fotos de 1908 e antes. Talvez houvesse flashes que deixassem tudo esbranquiçado, ainda mais que a maioria das fotos são de estúdio, posadas. Para mim é óbvio que ele tinha ascendentes africanos, mas há muito de europeu em suas feições. O rosto e o cabelo são de um caucasiano, como diria o o velho Orkut. Estou muito errado?
Dona Carolina era uma portuguesa (Porto, 1835), muito culta. Foi o grande amor de Machado.
Acho que, para variar, o politicamente correto exagera ao torná-lo agora negro, a não ser que todo afrodescendente seja considerado negro pelos corretos. Porém, a Caixa errou feio. Senti-me mal vendo a propaganda porque também era uma mentira. Se Machado não era um negão, também não era aquele branquela da propaganda. Também não foi um autor “para brancos”. Seus escritos são incondicionalmente abolicionistas, isto está explicíto em seus livros e principalmente nas ácidas ironias das crônicas. Não era um conformado. E, para piorar, o escritor parece ter sido um homem elegante e bonito, que ganhava de dez do “ator da Caixa”. o qual cumpre honradamente seu contrato, mas que talvez… Bem, resolvamos a questão perguntando a opinião de Dona Carolina!
A chamada "Panelinha", que criou a Academia Brasileira de Letras de Merval Pereira (?)
Mas, ontem, enquanto lia as engraçadas tentativas de escurecer Machado à fórceps ou de tornar negro o Bruxo de Cosme Velho, pensava cá com meus botões: se o escritor fosse como desejam os amantes do correto, teria fundado a Academia Brasileira de Letras, seria um funcionário público bem aceito, teria casado com a alva Carolina Augusta — apelidada Carola pelo mestre — sem maior escândalo? Pois o racismo era aberto, havia a escravatura, não era esta coisa envergonhada e insidiosa de hoje. Então, repito a primeira pergunta, estou muito errado?
Hoje deveremos ter festa especial no Carmen`s Club (Tia Carmen, Carmen, Carmens). Afinal é o Dia Internacional das Prostitutas. Não posso comemorar, a verdade é que minha comemoração seria hipócrita. O motivo é simples: nunca entrei num puteiro, nunca mantive relações com prostitutas. Não, nada, nunca.
Isto ocorreu em primeiro lugar por eu ser uma natureza fiel. Só faço das minhas se a coisa vai muito mal em casa. Apenas minha ex-mulher Suélen (ou Pâmela, nunca lembro) e duas ex-namoradas tiveram razões para me acusarem de traição, coisa que nunca fizeram talvez por bondade (hã?). Na verdade, além de ser uma natureza fiel, gosto da rotina e, se esta for aventuresca, não é rotina. Para piorar, nunca fiquei muito tempo desimpedido, sou um grudento de verdade. Desde jovem, quando fico sozinho já parto pra outra e fico um bom tempo.
Minha primeira experiência sexual foi com uma amiga aos 18 anos. Os dois virgens, aprendendo juntos, que fófis. Comecei tarde. Passei anos e anos me preparando intensivamente para o grande momento, fazendo justiça pelas próprias mãos. Em minha primeira vez, creio não ter feito fiasco; ao menos deixei meus homúnculos (consultar Laurence Sterne) onde eles devem ficar após a relação. A propósito, um de meus melhores amigos, leitor deste blog, teve uma primeira vez mais mais conturbada. Ejaculou sozinho quando a mulher (uma prostituta) tirou a roupa na sua frente. Acho que este fato originou a célebre expressão da precocidade “Vai ser bom, não foi?”.
Então, minha educação sentimental nunca prescindiu da cantada, do convencimento. Nem imagino o que é chegar assim direto a uma desconhecida. Sempre soube seus nomes e quase sempre seus endereços. Conhecia seus gostos, o que faziam, o modo de vestir, o cinema que viam, os livros que liam e a música que ouviam. Nunca recebi favores sexuais sem interesses sentimentais, por puro prazer. Acho que vou morrer sem isso. Foda-se.
Singelo post dedicado ao fotógrafo Ramiro Furquim, que desconhecia a existência deste prédio no passado de Porto Alegre.
Os mais jovens nem sabem que existiu, outros esqueceram. Uma das construções que deixavam a Porto Alegre de minha infância mais feliz e bonita era o Mata-borrão que ficava na esquina da Av. Borges de Medeiros com a rua Andrade Neves. Ele foi construído em 1958 para ser um local destinado a exposições e outros eventos, acabou servindo como central telefônica enquanto era construído o prédio da CRT do outro lado da rua e, por razões que desconheço, foi demolido no final dos anos 60. Em seu lugar foi construído o edifício perfeitamente comum da ex-Caixa Econômica Estadual (hoje “Tudo Fácil”).
Deve haver estudos sobre a debacle arquitetônica de nossa cidade, claro. Porém este não é um assunto muito comentado. Comenta-se mais a forma insistente como fazemos a autossabotagem de não olhar nunca para o Rio/Lagoa/Estuário Guaíba. Então, na minha humilde opinião, acho que deveríamos derrubar o Tudo Fácil para ali construir um enorme Monumento à Estupidez Porto-alegrense. Por quê? Ora, porque é a esquina mais representativa de nosso mau gosto e vou resumir meus motivos. Vamos a um trecho do Diário do arquiteto Fernando Corona (inédito em livro) que é revelado neste post:
Será curioso constatar o atraso intelectual na Seção de Obras da Prefeitura. Oscar Niemeyer fez um ante-projeto a sua maneira genial, pois uma vez estudado pela Prefeitura, não foi aprovado porque o Engenheiro Bozzano não achava o estilo próprio para a Av. Borges de Medeiros, alegando que iria desentonar das construções ao lado. Mais uma vez se constatou que a falta de um preparo apurado, os nossos engenheiros responsáveis pelas Obras Públicas, pouco entendem de arquitetura. Ora, se o projeto do Oscar fosse aprovado, mesmo que o nosso fosse o primeiro escolhido em concurso, eu me sentiria feliz por vez em nossa cidade um exemplar da arquitetura de Oscar Niemeyer.
Há coisas que não tem explicação. Gastam dinheiro em concursos, aprovam projetos, duvidam de seu valor, encomendam outros fora do concurso e tudo para nada. Até hoje em 1971, ao escrever estas minhas memórias, o terreno da Av. Borges de Medeiros se encontra vazio. Nenhum diretor do IPE se atreveu a construir seu Edifício Sede num terreno tão bom como esse”. Fl,s 375 e 376
Ou seja, em 1949, Oscar Niemeyer venceu um concurso para fazer um edifício naquela esquina, fato que não ocorreu porque iria destoar do restante da Borges de Medeiros… O edifício era este e seria a sede do IPE.
OK, se não era uma Brastemp, ao menos era mais aceitável do que aquela coisa que está lá hoje. Então, no lugar de Niemeyer, quase uma década depois, foi erguido o legendário Mata-Borrão com planta do arquiteto Marcos David Heckman.
O Mata-borrão — apelido que ganhou em função de seu formato, claro — era um prédio que me deixava feliz. Eu descia do ônibus na Salgado Filho ou do bonde na Riachuelo (residia na Av. João Pessoa, próximo ao Colégio Júlio de Castilhos) e passava na frente dele. Ficava olhando, fantasiando um dia morar ali. Tinha menos de 12 anos de idade…
E, além disso, ficava imaginando possiblidades de construções que nem os Jetsons conceberiam. Alguém saberia me dizer o motivo de sua demolição? Excesso de beleza? Era muito estranho? Pouca praticidade? Irritação dos militares com tanta originalidade? O que teria sido? Numa boa, nem quero pesquisar. Fico olhando as fotos e deixo assim.
O atual Tudo Fácil. É útil e feio. E destoa da vizinhança, apesar de ser igual a quase tudo. Que tal derrubar?
Houve uma época em que eu trabalhava com M e J. Nosso chefe era B e todos nós trabalhávamos na empresa R. Era uma pequena equipe de 4 pessoas contratadas para desenvolver um imenso e complexo projeto desde o ponto zero. Prazo: 3 meses. Um verdadeiro absurdo. Todos, inclusive a empresa, sabiam que era quase impossível finalizá-lo a tempo. Era 1986 e nossa obra era um aplicativo de informática — escrito na linguagem C — , um sistema de automação com processos conversando aqui e ali. B era um chefe colaborativo, pegava no pesado junto com a equipe, mas costumava irritar-se ao paroxismo com as mancadas de J e com a irresponsabilidade de M. Estava sendo pressionado e, na época, descontrolava-se facilmente.
M poderia ser chamado de gênio. Era-o, efetivamente, e de uma forma bem típica. Costumava fazer seus próprios horários, discutia detalhadamente cada nova rotina do sistema e realizava-a sempre com brilhantismo… e atraso. Só que seu trabalho era tão impecável e perfeito que era melhor esquecer a questão dos horários. J trabalhava absurdamente, mas era mais ou menos o oposto. Tecnicamente muito bom mas extremamente desatento, costumava esquecer de “detalhes” fundamentais. Resultado: todos nós, tensos, acabávamos brigando e eu, que era um humilde carregador de piano, tentava assumir uma função extra de psicólogo do grupo.
Um dia, a coisa quase chegou às vias de fato. Um programa do gênio M deixara de funcionar no exato momento de seu papinho com um de J. M dissera: o meu está perfeito, o problema é lá. Só que a coisa estourava aqui no de M. Após dias de pesquisa — e não podíamos perder tempo — descobrimos que o programa de J destruía o código de M dentro da memória do computador. Uma coisa de louco. Como J já tinha uma fama de desatento, o mundo caiu sobre sua cabeça. Até hoje não sei como J não foi expulso do grupo naquele momento.
Porém… logo após esta crise, um outro processo começou a ocorrer. M e J passaram a beber cerveja e a sair juntos. Logo o inteligente M viu que sair com o esforçado J tinha suas vantagens. J era alto, magro — um homem longilíneo, passadas largas, pernas fortes, diria o comentarista esportivo Ruy Carlos Ostermann — e trazia mulheres e amigas para o diminuto e, digamos, ineficaz M. A partir daquele momento, vimos que M passou a proteger J mesmo contra B e o projeto. Muitas vezes realizava as partes mais difíceis do trabalho do amigo a fim de que não houvesse problema e os dois pudessem sair cedo para os bares e festas
Foi nesse ambiente que conseguimos entregar o projeto. É claro que faltavam coisas que a gente tinha que compensar com trabalho. Um dia, houve nova e espetacular explosão e essa eu parei para ver porque foi lindo: M acusava J de não apresentar-lhe as mulheres e J, com maior calma, explicou que uma delas tinha dito que não queria conhecer o pigmeu do cabelo molhado. Putz, eles quase se mataram na minha frente. Para sorte de todos, B estava ausente no momento da crise de ciúmes.
É óbvio que logo depois tudo voltou ao normal. M estendia seus finais de semana, retornando sempre terça-feira. Quando sumiu por um mês, foi demitido. Com a demissão, J ficou e logo mostrou-se muito competente.
M era um problema para ele? Ignoro.
Não os vi neste século, acho. Perdi-os de vista. Uma pena.
Vou tratar de tornar útil meu dia. Por isso, estou acordado às 7h31 enquanto a cidade ainda mantém suas bochechas aquecidas sobre os travesseiros. A Festa de Navegantes, comemorado em 2 de fevereiro, é uma festa religiosa. Pegam uma boneca de uma mulher que nem é bonita e caminham atrás dela. Atribuem-lhe o pomposo nome de Nossa Senhora dos Navegantes, como se os houvesse muitos em nosso porto.
Na verdade, é a festa de iemanjá transformada em outra coisa. Trata-se de mais uma apropriação católica de uma tradição africana. Não vejo mérito nem no fundamento nem no sincretismo. Desta vez roubam a rainha do mar, a mãe dos peixes, etc. O que têm as águas doces e sujas do Guaíba com isso? Sei lá.
Sei que originalmente era uma divertida e aventuresca procissão fluvial. Sempre podíamos ter uma colisão ou um naufrágio a registrar. Os barcos vinham do cais do porto até a igreja de Nossa Senhora dos Navegantes. Explico para quem não conhece a cidade que não é muito longe, dá para a ir a pé e eu poderia até fazer o percurso correndo. Correndo, nunca nadando, mesmo que o Guaíba fosse balneável. Porém, a Capitania dos Portos impediu a alegria, a plasticidade e a possibilidade de alguma seleção natural. Então a procissão é hoje terrestre, no calor de nosso sol – o que deve dar certa felicidade aos devotos pela penitência – , levando a imagem desde a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, no centro da cidade, até a Igreja de Nossa Senhora dos Navegantes. Trata-se pois de uma troca de bonecas entre senhoras, nestes dias de valorização daquelas de carne e osso, às quais prefiro não somente pelo predicados citados, mas porque pensam, conversam e habitualmente gostam de mim.
Vou ver se os cachorros têm água e comida e vou iniciar meu dia trazendo uma mesa lá de baixo para minha vizinha. Almoço e janto muitas vezes com ela, minha filha muitas mais. Como veem uns carregam inúteis ícones; outros, talvez mais gratos ou simplesmente interesseiros, levam móveis onde sentarão e comerão. Sim, me falta poesia. Depois vou ler, visitar minha mãe e ir ao cinema. Alguma sugestão?
Abaixo, uma imagem do anos 60 da antiga Festa dos Navegantes. Hoje, cá entre nós, é sem graça mesmo.
Certa vez, um chato de um cético perguntou a Louis Armstrong o que era o jazz e ele respondeu: Man, if you gotta ask, you`ll never know.
Minha mulher ama e conhece muito sobre óperas. Eu não, muito pelo contrário. Não gosto mesmo.
Como morou 7 anos entre Verona, Roma e Londres, pôde passar este período assistindo ao vivo uma ópera por semana. Quando voltou para Porto Alegre, por alguns anos participou de um grupo que se reunia semanalmente a fim de assistir e comentar óperas. Uma pessoa era escolhida para estudar a ópera e fazer o comentário inicial. Depois, a peça era vista de cabo a rabo e tudo terminava num jantar. Então me conheceu e, talvez pelo fato de minha paixão pela música de concerto e de câmara ser tão açambarcante, acabou oprimida e hoje é uma ouvinte mais ou menos conformada daquilo que ouço.
Também contribuiu para seu afastamento uma briga interna com quem administrava o grupo. Alguma dureza é necessária para manter por anos um grupo do gênero, mas os ciúmes e a competição extrapolaram em muito o amor ao bel canto. Os desentendimentos eram recorrentes e voltavam-se principalmente para os que debilmente se insurgiam, se ausentavam ou demonstravam mesmo o mais humilde desejo de mudar alguma coisa.
Para assistir uma ópera é necessária toda uma infraestrutura. O gênero faz menos sentido sem a imagem. É preciso ver cantar, ver o cantor atuar. Deste modo — e já que pouquíssimas óperas são apresentadas nas cidades brasileiras — , é necessário armar-se de um DVD, sentar na frente da TV e ficar ali umas poucas horas. Nem sempre dá, então participar de um grupo com compromissos de horário e discussão é uma boa. Faz acontecer.
A novidade dos últimos anos é ver ópera no cinema, muitas vezes ao vivo. Acho uma solução sensacional, já que nossas cidades são tão ineptas para montar as suas, apesar da paixão de muitos e do excelente material humano.
O fato de minha mulher ter, digamos, “jogado a toalha”, não é uma vitória minha. Na verdade é algo que lamento ter-lhe tirado. Porém ela é muito gregária e, para mim, acompanhá-la é um suplício. O resultado é que fantasio ou durmo. Não gosto do gênero e os motivos não são claros, apenas posso contorná-los. Penso que a maioria dos enredos sejam inverossímeis e talvez cantá-los corresponderia mais ou menos com o fato de atores saírem repentinamente dançando nos musicais. Isto é, acho que a expressão sincera se perde em meio à cantoria empostada e às muitas necessidades do gênero: mostrar voz, mostrar que está sobrando potência, atuar e ainda ser delicado, raivoso, terno, amoroso, rancoroso, engraçado, malvado, interessado, ciumento e tudo. É complicadíssimo e não vejo motivo para todo aquele esforço. I´ll never know. Pior: noto certo desespero dos autores em torcer as melodias para contar a história e os recitativos – frases “semicantadas” que para mim parecem algo como um roubar num jogo (e isso também vale para os das Cantatas e Paixões de Bach) – são de matar. Há também a total proeminência de melodia ou da voz principal na música; coisa que, hoje sei, me irrita. If I gotta think about it, I`ll never know, indeed.
Porém me assusta o fato de tê-la involuntariamente roubado algo que lhe era tão importante. Ainda mais que sua paixão pela música de concerto não me parece tão avassaladora, não obstante sua devoção a Brahms. Um dia, ela vai recuperar o amor pela ópera e eu só espero que não passe a me detestar.
Hoje, ela está na Espanha com sua mãe e depois irá trabalhar em Roma. É claro que esta culpa e este texto é uma expressão em péssimo recitativo de minhas saudades. Até o dia 8.
Estava em meu trabalho de editar matérias e escolher posts quando me avisam:
— Índio Vargas está na recepção.
Índio Brum Vargas, escritor, advogado e ex-militante da luta armada, havia chegado para uma entrevista. O único detalhe é que chegara nove horas antes. Desci para falar com homem. Um pouco mais baixo do que eu, de fala tranquila e enorme sorriso, aquele senhor estava achando muito estranha uma entrevista às 19h. Expliquei para ele que nossa ideia era a de uma longa conversa regada a vinho e salgadinhos, que haveria uns três ou quatro, talvez cinco, jornalistas, e que desejávamos saber tudo.
— Tudo?
— Sim, tudo. Nossa intenção é arrancar tudo — , respondi, apesar de ele não estar com cara de quem tivesse intenção de esconder alguma coisa.
Revelei que viria um jornalista de São Sepé — Ah, dos Cassol de lá? Boa gente! — , que o Prestes tinha lido seu livro Guerra é guerra, dizia o torturador como preparação e que a Nubia não apenas lera seus livros como nos informara que havia um inteiro na internet. Ele simplesmente adorou. Disse-me que seu artigo publicado no Sul21 tivera grande repercussão e que ele deveria ter cuidado mais o texto. Fomos até a porta, combinamos o combinado e então veio a surpresa.
Índio Vargas, feliz da vida, atravessou a calçada de um salto e correu pela rua como se não fosse um septuagenário, mas o guri de São Sepé. Saí porta afora para ver bem visto aquilo. Ele corria mesmo e, olha, o calor era sufocante.