Santa Maria trinta dias depois

A charge de Latuff na manhã de 27 de janeiro quando ainda se pensava em “apenas” 100 mortos.

Oh, filhos, filhos! Como têm coragem de partir?
O Outro Filho, Luigi Pirandello

Um dos lugares comuns com os quais mais concordo é que é absolutamente contra a natureza os filhos morrerem antes dos pais. E que nenhum pai-mãe merece uma coisa dessas. É uma situação intolerável e sempre penso em Drummond, que não queria mais viver após a morte de sua filha Maria Julieta. Ele tinha 85 anos e não suportou: morreu rapidamente, apenas 12 dias depois. Cada pai tem medo do que possa acontecer com seu filho e tem noções muito claras do inferno que sua vida será sem um deles. É isto que está sendo vivido por aqueles que ficaram. Tenho dois filhos e me forço a pensar no assunto porque esta é uma perspectiva que me preocupa e da qual se fala muito pouco: a dos que ficam.

Dia desses, estava com um amigo que é dono de um estabelecimento que pode receber aproximadamente 100 pessoas. Ele me disse que tomou a iniciativa de chamar uma consultoria a fim avaliar o local, “porque depois de Santa Maria temos que ser sérios, não quero carimbo, gaveta, nem jeitinho, quero segurança”. E acho que a sociedade, ao menos aqui no RS, vai conseguir melhorar muito as casas noturnas. Acredito nisso, mas voltemos ao viés inicial.

Não, não conheço ninguém envolvido, mas fico com enorme pena dos pais. Hoje, agora, às 8h, Santa Maria vai parar por um minuto. No sábado passado, 600 pessoas compareceram a um encontro da recém formada Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM). A associação tem como principal objetivo a reintegração social dos pais e irá acompanhar as investigações do caso. Nada mais correto. Essas pessoas precisam de ajuda a fim de trazê-las de volta a uma vida que será tudo menos normal. Há relatos de que muitos estão reclusos, coisa que, conhecendo a mim mesmo, talvez fizesse. Foram 239 mortos, 100 feridos. O grupo de pais tem certamente todo tipo de pessoa, todo tipo de biografia, todo tipo de reação. Essas pessoas devem se conhecer, devem ouvir as histórias um do outro a fim de obter apoio entre seus iguais.

Pois, como escreveu Sábato em Sobre Heróis e Tumbas (cito de memória), nós deveríamos ser como as formigas que veem seu formigueiro pisoteado e começam imediatamente a reconstrução. Por mais que nos desesperemos, não deve haver outra saída. Só que o ser humano tem a noção do que é a morte e é impossível simplesmente agir como um formiga-autômato numa hora dessas. Haja terapia, porque o buraco que o pisão criou é uma verdadeira cratera.

A normalidade não existirá mais para essas pessoas. Um pai esquecer seu filho? Não, impossível. O que acontecerá será um lento e doloroso aprendizado para viver sem a presença dele-dela. Como lidar com as datas, com a saudade, com a madrugada, com o quarto vazio, com a ida ao supermercado sem comprar a guloseima preferida do filho, com os encontros com os amigos, com o computador? Nada do que aconteceu foi banal ou descartável, essas pessoas têm de ser respeitadas, ainda mais neste período em que a ficha está caindo e a dor da realidade está vindo em ondas cada vez mais altas. Será muito dura a rotina sem o filho. Tudo parecerá inútil.

E que a sociedade, as fiscalizações, as defensorias e as prefeituras trabalhem para que uma merda dessas não ocorra em outro lugar. É o mínimo que se pode fazer para honrar aquelas crianças que morreram. A única utilidade delas hoje. Porque o resto é tristeza.

They lived and laughed und loved end left
Nasceram serriram seamaram seforam

Finnegans Wake, James Joyce (trad. Caetano Galindo)

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Um comentário sobre os fatos ocorridos em Santa Maria

É difícil imaginar um cenário mais terrível do que o da Boate Kiss, de Santa Maria, na madrugada de ontem. O local pode receber até 2000 pessoas — lotação só alcançada em sua inauguração — e apresenta bandas e música eletrônica. Ontem, estavam programadas várias bandas e o preço era de R$ 15, o que atrai a presença de muitos  jovens.

Como em todas as tragédias, há participação e culpa de muita gente. Segundo depoimentos que ouço desde a manhã de hoje, tudo começou com o show pirotécnico da banda Gurizada Fandangueira, coisa rotineira em seus espetáculos. Aqui está o primeiro erro: (1) um show pirotécnico em ambiente fechado e altamente inflamável.

Uma fagulha teria alcançado a espuma de isolamento acústico da boate que estava sobre a banda. Era um fogo de nada e, sempre segundo vários depoimentos, um dos vocalistas da banda tentou jogar um copo de água no princípio de incêndio. Como não deu certo, ele pegou o extintor de incêndio, (2) estava vencido, descarregado. O fogo se alastrou e (3) ficou tudo escuro. Caiu a luz da boate. Todos nós sabemos que existem luzes de emergência cujas baterias são carregadas quando há energia e que ligam automaticamente quando há falta de luz. Onde estavam? Tenho uma no banheiro de casa e não tenho fantasias com incêndios, apenas acho legal enxergar quando falta luz.

O que ocorreu depois foi infernal. No escuro, assustados e desorientados, os jovens procuraram a saída. No prédio há 4 saídas, mas (4) apenas uma estava aberta e servia também de entrada. Era um corredor. Às cegas, muitos encontraram portas para fugir e morreram em banheiros. Outros encontraram a verdadeira saída e (5) foram impedidos de sair pelos seguranças. Mesmo com a falta de luz, eles queriam ver as comandas pagas. Depois, sentiram o cheiro forte da fumaça e liberaram a saída. (Eu odeio autoridades, ainda mais quando são falsas).

Um médico entrevistado pela Band, disse que, nestas circunstâncias, qualquer ser humano perde a consciência e morre em aproximadamente 3 minutos. Então, tudo tinha que ser muito rápido, as pessoas deviam estar sentindo o perigo e muitos caminharam uns sobre os outros no escuro, tropeçando em busca de ar.

(6) O Plano de Prevenção de Incêndios de boate Kiss estava vencido, o estabelecimento pedira a renovação, mas (7) estava liberado para funcionar até nova perícia. Lembro que, faz dez anos, houve um caso assim em Buenos Aires e o prefeito recebeu um merecido impeachment. A atuação de Cézar Schirmer no episódio é digna exatamente disso. Só punições deste calibre — foram 232 mortes, certo? — fará com que as autoridades concluam que alvarás, licenças, saídas amplas e planos de contingência são coisas sérias. Depois, vamos ao dono da boate, para chegar até a banda e seus fogos em ambiente fechado.

Todos os meus amigos da região de Santa Maria — a maioria deles é muito jovem — estão bem. Fico embargado ao pensar que é pura casualidade. São universitários que poderiam estar lá dançando e bebendo como qualquer pessoa da sua idade. Um deles, cuja família é de Ijuí, foi dormir e deixou o celular sem som. Quando acordou, havia umas 40 ligações não atendidas. Esta é uma cena de final feliz, mas há outras como esta: a de celulares tocando sem parar no IML sem os funcionários saberem como agir.

Agora, apenas punir é muito bonito. Há que punir e trabalhar na fiscalização. E, enquanto tudo não estiver OK, tem que fechar — e não abrir temporariamente. Afinal, como disse, o meu amigo Eugênio Neves no Facebook, chega de “cultuar a fatalidade”.

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A Soberana dos Móveis não existe mais

A Soberana dos Móveis foi uma loja que reinou por anos em Porto Alegre com suas muitas filiais e insuportáveis propagandas no rádio e na TV. Deve ter fechado antes do advento da internet, pois não encontrei uma mísera logomarca da rede na rede.

Lá pelo fim dos anos 80, eu estava na casa de meus pais, ambos dentistas. Era um sábado, como meus sete leitores poderão constatar, e estávamos no horário do almoço. Sempre almoçava lá neste dia com minha ex-mulher, aquela que se chama Pâmela ou Suélen, nunca lembro. Era o momento da conversa preguiçosa e cordial em torno da cozinha que antecede a comilança, algo que nem era tão exagerado lá em casa porque minha mãe nunca foi uma ás das panelas, nem muito menos sua empregada. Só para dar um exemplo, minha mãe levava muito, muito tempo cortando um frango, coisa que o açougueiro fazia em 30 segundos. Quando a gente lhe dizia isso, ela replicava: “E uma obturação? Em quanto tempo ele faz?” Bem, evitemos as discussões por enquanto.

E então tocou o telefone.

— Alô, é da Soberana dos Móveis?

— Não, minha senhora, é da residência de Maria Luiza e Milton Ribeiro.

Explico: meu nome é Milton Luiz Cunha Ribeiro e o de meu pai era Milton Cardoso Ribeiro. Éramos dois Miltons Ribeiros, portanto.

Desliguei o telefone e voltei à conversa. Passou dois minutos e ele voltou a tocar.

— Alô, é da Soberana dos Móveis?

— Não, minha senhora, é da residência de Maria Luiza e Milton Ribeiro.

Desliguei o telefone novamente e ele voltou a chamar uns 15 segundos depois. Foi quando — como dizia o meu pai — o diabo entrou em minha mente e passei agir como o Woland de O Mestre e a Margarida. Saltei sobre o aparelho e me antecipei:

— Soberana dos Móveis!

— Ah, meu filho, que bom, já tinha ligado umas cinquenta vezes, sempre pro número errado.

— Sim, em que podemos servi-la?

— É que me prometeram entregar meu sofá da sala agora, sábado de manhã, e até agora nada. São 12h30.

 — Bem, minha senhora, é que nós não entregamos nada aos sábados.

— Como assim?! O vendedor me disse que eu não precisava me preocupar. Que fariam a entrega no sábado, dia em que fico em casa! Ele me jurou, prometeu!!!

— Minha senhora, quando a gente vende, a gente promete qualquer coisa. Mas agora chegou a hora de dizer a verdade: segunda-feira a senhora terá seu sofá.

— Olha aqui seu infeliz, segunda eu não estou em casa. Eu quero a entrega AGORA, conforme o combinado.

— Desculpe, mas hoje não vai dar.

— Eu quero falar com o gerente!

— O Aristeu? Ele está em horário de almoço.

— Eu vou aí agora!

— Pode me procurar? Meu nome é Milton Ribeiro.

— Vou procurar sim, com certeza!

— Então, até mais, minha senhora.

Neste momento, consegui afastar o diabo e gritei no telefone para a coitada que aquilo era um trote. Por sorte, ela ainda ouviu. Disse-lhe que não era da Soberana dos Móveis, que não aguentava mais os telefonemas equivocados dela e que estava brincando. Aconselhei-a a esperar mais um pouco. Primeiro ela ficou dubitativa. Expliquei que eu era um palhaço mesmo, que não podia ser levado a sério. Ela ficou pensativa… Então disse:

— Não é da Soberana então? Tu é louco, menino? Tu quase me matou do coração… Bom, mas eles me prometeram para de manhã e já passou do meio-dia.

— Passou um pouquinho só, né?

— Olha, não quero nem saber. Depois de conversar contigo eu me enfezei de verdade e vou lá brigar com eles. É aqui pertinho. Bom almoço pro senhor.

Depois as lojas fecham e a gente não sabe o motivo.

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A cara da Raquel (ou seria Rachel?)

Era o ano de 1988 e estávamos, eu e minha primeira mulher, procurando apartamento. Avisamos a um corretor amigo que queríamos algo muito bom e barato, bem localizado e em excelente estado. E começamos o périplo de ir de apartamento em apartamento indicado. Eu e Suélen (ou Pâmela, nunca lembro seu nome) mais ou menos concordávamos nas avaliações. Então, o corretor resolveu nos mostrar um apartamento especialmente bem localizado. Era na esquina da Venâncio Aires com a Osvaldo Aranha, bem na frente do Pronto Socorro, próximo à Redenção, aos bares do Bonfim e, fundamentalmente, quase ao lado do trabalho de minha ex, no Hospital de Clínicas. Como se não bastasse, o imóvel ficava exatamente sobre um pequeno supermercado. Uma verdadeira maravilha!

Como o mundo nem sempre é perfeito, a fachada do edifício acompanhava a ampla curva da esquina. Tinha janelas grandes em curva e depois ia afinando lá para trás a fim de ajustar-se aos outros prédios. Para que meus sete leitores entendam, digo que cada um dos andares tinha o formato de uma fatia de pizza. Para vocês ficarem certos de que eu nunca minto, abaixo temos uma foto do edifício de costas. A imagem do Google Maps faz referência ao Supermercado Nacional no térreo, observe bem.

Pois então nós chegamos ao edifício e subimos a fim de conhecer o apartamento. A dona ainda morava nele. Fomos recebidos por uma senhora ansiosa que cantava as qualidades de sua habitação à perfeição. E, com efeito, parecia tudo muito bem cuidado e sem problema nenhum de infiltração. A cozinha, impecável e seca, os banheiros idem. Pintura antiga, mas, como disse, seca. Caminhamos para os fundos e ela nos alertou que talvez sua filha estivesse em casa. Aguardamos educadamente que ela abrisse a porta do terceiro quarto da casa, o dos fundos. Disse alguma coisa lá para dentro e nos chamou para conhecer o recinto. Entramos.

Vi uma moça entre os dezoito e vinte anos, sentada em sua cama, com as costas encostadas no espaldar. Mas antes de registrar sua posição no quarto, recebi duas informações realmente claras. Claríssimos eram seus olhos, azuis; menos claros eram os cabelos, apesar de castanhos claros. Raquel era uma mulher bonita, não era nenhuma modelo mas era bonita e esta foi a primeira informação. A segunda foi que ela nos odiava de forma incondicional, ela queria me (nos) ver mortos. Sua cara de ódio era das coisas mais lindas e inequívocas que tinha visto até aquele dia. Fui olhar a paisagem da janela dos fundos, fazendo planos para ficar numa posição favorável a mim: eu estaria nas sombras, protegido pela luz atrás de mim e ela iluminada pela mesma. Ela estava vermelha, roxa de ódio. Fiquei alguns longos segundos ali, fingindo que avaliava o tamanho do quarto.

O ódio era tão imenso, pleno e jovem que eu jamais pensaria na Raquel rosa amorosa da Bíblia, esposa favorita de Jacó. Mas surgia algo estranho. Raquel agora me fazia cara de nojo. A cara era tão obviamente de nojo que comecei a rir, atitude que não foi retribuída. Raquel estava muito irritada e sua mãe não dirigia seu olhar para ela.

Voltamos ao restante do apartamento e em tudo que via, via Raquel e seu olhar. Concluí facilmente que ela não queria sair dali. Imagine, alguém jovem, morando perto de tudo… Decidi perguntar pelo motivo da venda. A mãe de Raquel usou uma franqueza que demonstrava o fato de não ser uma vendedora: disse-me que seu marido tinha sumido e ela estava sem dinheiro.

— A sua filha gosta daqui?
— Adora, a Raquel não quer sair por nada nesse mundo.

Aquilo fez com que eu passasse a não querer mais o apartamento, mas via que Pâmela (ou Suélen, nunca lembro) estava cada vez mais satisfeita com o imóvel. O nojento do arquiteto tinha feito um trabalho notável com aquela fatia. Todas as peças se encaixavam com lógica. A pizza estava escondida por artes demoníacas. Tudo estava no lugar. Nada parecia torto, um verdadeiro milagre. A mulher contava que fazia suas compras no supermercado do térreo pelo telefone, fato que fez Pâmela quase gritar de alegria. As compras eram recebidas na porta do elevador de nosso andar! Para ela, tudo corria às mil maravilhas, só que Raquel tornara-se um dificuldade intransponível. Eu não queria viver pensando nela. Era impressionante, terrível a indignação da moça. Não parecia ser alta, não era grande, mas impôs uma barreira que eu não seria capaz de derrubar.

Procurei Raquel no rosto de sua mãe. Decididamente, os olhos eram do pai fujão. Os cabelos da velha eram pintados, mas o formato do rosto e a boca eram as mesmas de Raquel, só que tudo era nela era esmaecido pela necessidade de ser servil e simpática conosco. A venda e a necessidade dobrara a mãe, mas eu não podia fazer nada por ela. Raquel era invencível.

Na saída, minha mulher estava encantada, mas eu lhe cortei o entusiasmo rapidamente.

— De jeito nenhum vou viver num lugar que mais parece um monte de pizzas empilhadas com um supermercado na base. Esse apartamento é uma merda. Um corredor comprido cheio de portas.
— Mas…
— Nós dois temos poder de veto e eu veto este.

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Cedinho, como os pães

Simplesmente me acostumei a vir trabalhar cedo. É difícil me impedir de pegar minhas coisas e sair de casa às 6h55, enquanto muita gente boa ainda está cheirando seu travesseiro cheio de pensamentos confusos e outros vão ao banheiro com as caras amassadas. Caminho até a parada e o ônibus chega muito rápido ao centro. Para que tanta correria? Às 7h30 já estou no jornal. Acordar cedo tem algum parentesco com pães quentes recém saídos do forno. Na esquina de casa, num dia nublado como hoje, olho a pequena fila iluminada dentro da Padaria Pasquali e passo reto. Nada de pão e muito menos de sentir seu cheiro. Aquilo engorda.

O motorista do ônibus das 7h10 é mesmo um sujeito estressado. Seu colega das 7h40 é muito mais lerdo e adequado. Com o primeiro, dificilmente consigo ler aquelas 15 páginas regulamentares de meu livro. Quando chego ao jornal, começo a ler os outros. Na contracapa de um, leio a palavra “bagaceiro” justo na semana dos cem anos de nascimento de Rubem Braga. Céus, por que não usar “vulgar”? Como editor, na boa, eu mudaria. Há que ser mais fino, mesmo quando se fala em Carlinhos Cachoeira. E por que não usar condenado em vez de corrupto? Uma grosseria já na capa. Abro a internet e vou direto ver como andam as coisas para Hugo Chávez. Tudo na mesma, só que agora os EUA lhe desejaram uma pronta recuperação. Dou uma olhada nos jornais portugueses e as notícias são as mesmas, mas mais objetivas, falam no adiamento da posse e, surpresa!, em tempo de recuperação. De qualquer maneira, parece que já temos o obituário. Tínhamos também o do Niemeyer, escrito por mim. Foi bastante lido, sabe?

Então, vou ao blog de outro Braga, o Monóbio, para ver se ele continua torcendo pela morte de Chávez. Não, seus últimos textos abandonaram Venezuela e Cuba, ele parou de fantasiar sobre a marcha do câncer — cancro, segundo os jornais portugueses — com seus amigos de Miami. Procuro em toda a primeira página do blog do editor pela sequência de caracteres C-h-á-v-e-z y no hay la palabra. A Revolução Bolivariana cansa.  Bem atrás de mim, na redação vazia, sobe uma enorme bolha do garrafão de água. Sorrindo e antes que me demitam, vou fazer café para todos os que chegarem. Afinal, vim trabalhar.

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Desejos bem simples

Em 2013, não quero ir a nenhum velório. Desse jeito, daqui há pouco os porteiros do Crematório São José já vão me saudar com um “Como vai, seu Milton, de novo por aqui?”. Afinal, toda hora estou indo lá. Em termos de mortes, 2012 trouxe muitas más notícias.

E, para que eu não entre lá pela outra porta, acho que eu deveria fazer um check-up. O último foi feito há uns quatro anos e eu simplesmente guardei numa pasta as requisições da Unimed, preenchidas pelo Dr. Hilário Wolmeister. Não fiz nenhum exame, pois parecia-me que sempre tinha algo mais urgente a resolver. Poderia também visitar um oftalmologista. Estou enxergando muito mal de perto e tenho que tirar os óculos para trabalhar no computador. Os óculos — esses já têm quase dez anos — só servem para dirigir, ir no futebol, ao cinema, etc.

Os médicos que me aguardem.

No mais, desejaria que a Bárbara entrasse numa boa faculdade, adoraria viajar, gostaria que minha vida não mudasse muito e que o Sul21 seguisse crescendo, mas isso tudo isso depende de trabalho, né? Então, em resumo, se tivermos saúde dá-se um jeito no resto.

E para a primeira manhã de 2013 tá bom.

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Meu sonho de Natal

Quando eu era pequeno, gostava do Natal. Na verdade, adorava, claro, porque meus pais nos enchiam de presentes. A festa era diferente, era matinal. A gente ia dormir pensando naquilo que o Papai Noel nos deixaria durante a noite e, quando acordávamos, nossa, ele tinha adivinhado nossos mais profundos desejos! Lembro especialmente de quando ganhei um autorama, mas isso é outro papo.

Depois, meu esfriamento em relação à data chegou a grau zero. Ainda na pré-adolescência, sem ler nada e sem maior influência, tornei-me ateu, um ateu natural e a data, que originariamente é uma festa pagã, passou a me irritar em razão de seu substrato religioso. Acho que todos os meus sete leitores sabem que a origem da festa não guarda o menor ranço de cristianismo: é o Solis Invictus (Sol Invencível), o Solstício de inverno. Era uma enorme festança que acontecia na noite mais longa do hemisfério norte para comemorar o recomeço, pois dali por diante os dias seriam mais longos, pouco a pouco mais quentes, e haveria a possibilidade de novas e fartas colheitas. Uma belíssima data do hemisfério norte, uma data bem realista que nos foi tomada pela igreja. De certa forma, era mais ou menos (eu escrevi mais ou menos) o que é nossa virada de ano, com suas renovadas esperanças, resoluções e renovação.

Depois, quando vieram as crianças, cheguei a me vestir de Papai Noel. No segundo ano, o Bernardo ficou me olhando como quem diz “Mas esse aí é o meu pai” e, perguntado se não era no dia seguinte, neguei e desisti de novas tentativas. A Bárbara deve ter aproveitado menos dessas festinhas. Também pudera! Ela, com três anos de idade e já sob a influência do irmão três anos mais velho, costumava observar aos coleguinhas de maternal que nem Deus nem Papai Noel existiam, fato que a deixava extremamente popular entre seus amiguinhos e objeto de desconfiança dos outros pais. Quem seria aquela crespinha louca, de três anos, que fazia proselitismo ateu num maternal?

Terrível: Bárbara por volta da época em que fazia proselitismo ateu. Ainda faz, acho.

Hoje, nem dou bola para o Natal, mas acho que está na hora dos movimentos ateus serem menos mal humorados. A data é nossa. Simples assim. Por exemplo, o presidente da Atea (Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos, da qual sou sócio), Daniel Sottomaior, comemora tranquilamente e não se incomoda com a data. Ele tem uma filha de 8 anos que adora o 25 de dezembro. Diz ele: “Nossa árvore é uma árvore de referência a Isaac Newton, que nasceu nesta data e que descobriu a Lei da Gravidade. Ela tem maçãs e luzes. Os outros simbolismos – perus, renas, presentes, árvores, Roberto Carlos – , nada disso nasceu com o Natal”. E completa: “Estamos apenas retomando uma data pagã que nos foi roubada pela igreja e que foi comemorada por sete mil anos antes do século III”.

Aqui em casa, durante o Natal, meu filho costumava  — esse ano ele não fez (por quê?) — escrever no quadro de avisos da cozinha em letras garrafais: Natalis Solis Invictus, isto é, Nascimento do Sol Invencível. O nascimento do Sol Invencível é o momento em que o Sol inicia a Sua ascensão triunfante, representando, neste momento, a Luz que nunca morre e vence sempre, reflexo da imortalidade. (E que acabará com a Terra, daqui a 5 bilhões de anos…). Á época, a data era uma coisa tão forte que a igreja trouxe o nascimento de Jesus justo para o 25 de dezembro… Vergonha.

Então, meu sonho de Natal é que o paganismo retome a data. E que, no hemisfério sul, a gente invente um modo bem livre e religiosamente incorreto de comemorá-lo. Eu acharia muito justo se os namorados perseguissem uns aos outros nus pelas ruas, algo assim. É sonho, e em sonhos vale tudo.

P.S. — Rodrigo Cardia que, assim como eu, odeia o verão, escreveu: O texto do Milton Ribeiro me fez lembrar do significado original da celebração: o solstício de inverno no hemisfério norte, noite mais longa do ano, depois elas começam a ficar mais curtas. E então percebo que tenho algo a celebrar: aqui no hemisfério sul as noites começam a ficar mais longas… 

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A migração dos cinemas de Porto Alegre (Parte 1 – Centro)

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

Anarene é a pequena cidade retratada pelo diretor Peter Bogdanovich no clássico A última sessão de cinema, de 1971. O filme é melancólico e utiliza de forma muito hábil a fragilidade do cinema frente a televisão naquela cidade onde tudo parece estar acabando, à exceção dos olhares vigilantes da vizinhança. No filme, o encerramento das atividades de um certo cinema Royal representa a tristeza e a situação da cidade decadente e de seus habitantes. Naquele tempo, era apenas a TV. Hoje, também temos a internet e a violência, porém, se formos realistas, só podemos reclamar do fim dos cinemas nas cidades pequenas. Enquanto elas ficaram quase sem salas e o governo cria  projetos como o Projeto Cinema da Cidade para incentivá-las a uma reação, o ano de 2011 bateu o recorde de vendas de ingressos. Nas grandes cidades, não houve o fim dos cinemas, mas uma migração deles cinemas em direção aos shoppings, Casas de Cultura, Sindicatos, etc.

O Sul21 não pretende fazer uma matéria triste ou apocalíptica, mas um pouco de nostalgia é inevitável, pois vamos mostrar como estão os locais onde antes havia cinemas. Vamos começar por 18 cinemas do Centro de Porto Alegre. Havia mais alguns ainda mais antigos, em clubes e até em circos. Vamos repassar os mais conhecidos.

As fotos antigas foram retiradas de diversos, sites, blogs e do Facebook, normalmente sem o autor da foto. Talvez haja direitos reservados e esperamos ser avisados se tal fato ocorrer. As fotos dos locais atuais são de Bernardo Jardim Ribeiro.

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Victória, na esquina da Andrade Neves com a Borges de Medeiros, foi fundado em 1940 com o nome de Vera Cruz. Tornou-se Victória após uma reforma realizada em 1952. Em 1957, foi o primeiro cinema de Porto Alegre a receber “Ar Condicionado Perfeito”.

A foto abaixo é do final dos anos 50. Jovem, bonita e sonhadora, Sarita Montiel cantava para distrair seus fregueses. Até que um dia, sua voz encantadora chama a atenção de um jovem e rico aristocrata. Era La Violetera.

Abaixo, uma bela foto do início dos anos 60. Estava passando Psicose, de Alfred Hitchcock.

As calças boca de sino mostram que chegamos aos anos 70, vez de passar Tubarão (1975), de Steven Spielberg. Havia uma fila imensa e carros subindo a Borges desde o Mercado Público. O Victória gostava de artigos, tanto que chama o filme de O Tubarão.

Hoje, há a Casa das Lâmpadas na esquina.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

Alguns não sabem, mas o Victória ainda existe. Sua enorme sala foi dividida em duas. A entrada é logo ali, descendo um pouquinho a Borges.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

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O Capitólio, na esquina da Borges de Medeiros com Demétrio Ribeiro,  foi inaugurado em 1928. No final dos anos 60, o prédio passou por uma reforma e mudou de nome para Premier. No início nos anos 80, sofreu outra remodelação e voltou a se chamar Capitólio. Com este nome encerrou as atividades em 1994.

O Capitólio em 1928.

Na virada do século, após o fechamento.

O prédio foi tombado pelo IPHAE em 2006, após solicitação do Instituto Estadual de Cinema. O objetivo é o de reunir ali grande parte do acervo audiovisual do Rio Grande do Sul. Porém, apesar do patrocínio da Petrobras, o projeto caminha lentamente. O Capitólio hoje.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

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O Cacique é de 1957 e era localizado na Rua da Praia. O Scala foi construído em 1969 a partir do mezanino do Cacique. Ficava, portanto, no andar de cima.

Era imenso e tinha pinturas de inspiração indígena em suas paredes. Era o Cacique, claro.

Hoje não se vê quase nada dele.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

Fechado desde 1994 e sem as pinturas, parcialmente destruídas por um incêndio em 1996, o Cacique é hoje uma garagem. O restaurante Per Tutti ocupa o ex-Scala. Com alguma imaginação, estando lá dentro, pode-se “montar” o ex-cinema, com sua tela e cadeiras.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

Para se chegar ao restaurante, a escadaria do Scala ainda é utilizada.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

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O Carlos Gomes da Rua Vigário José Inácio é de 1923. Por décadas, foi o local do cinema erótico em Porto Alegre.  Tinha sessões contínuas que iniciavam pela manhã e adentravam a noite.

Atualmente, abriga uma filial das Lojas Pompéia.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

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O São João ficava na mesma Vigário José Inácio, fazendo esquina com a Salgado Filho. Nasceu luxuosamente em 1968 para morrer em 1994.

Hoje é uma agência do Banco do Brasil.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

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O Rex foi inaugurado em 1936 e tem história muito mais longa. Nasceu na Rua da Praia, quase na esquina com a Rua da Ladeira, atual Gal. Câmara.

Então, em 1960, foi posto abaixo para dar lugar à Galeria Di Primio Beck, que está no local até hoje com seu Banco Itaú.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

Mas não morreu. Transferiu-se para a Sete de Setembro (clique na imagem abaixo para ampliar).

De onde foi retirado para dar lugar… a outra agência do Itaú. A página ao lado foi retirada do blog de Emílio Pacheco e mostra a Folha da Tarde anunciando a possibilidade de uma segunda reabertura em “qualquer ponto da cidade” ao mesmo tempo que ostenta, ao lado, um anúncio de Tubarão (sem o artigo), no Cine Victória. O jornalista recebera a informação de outra garagem ou galeria. Não contava com o Itaú. É uma bela e longa agência. O cinema pode ser pressentido em cada canto.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

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O Imperial e o Guarani ficavam lado a lado na Andradas em frente a Praça da Alfândega e têm belas fotos. Nos anos 50.

Nos 60.

O Guarani é de 1913 e era muito bonito (prédio à esquerda na foto).

Sua arquitetura era utilizada para promover os filmes, como fez com o grandioso Os Dez Mandamentos..

O edifício do Guarani ainda está lá, belíssimo. O prédio foi vendido nos anos 1980 para o Banco Safra. A velha fachada está restaurada. A construção menor, ao lado, é a das Farmácia Carvalho.

Banco Safra – Divulgação

Em sua longa decadência, o Imperial (1931) programou filmes de gosto duvidoso.

Em 1987, o Guarani foi reaberto no mezanino do Imperial. O novo Guarani morreu em 2005, assim como o colega. Ambos aguardam de forma muito feia e paciente um Centro Cultural da Caixa Econômica Federal, em fase de segunda licitação. A primeira foi anulada em razão da lentidão das obras.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

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O Lido da Borges de Medeiros, é o ex-Continente, de 1956. Assim como o Carlos Gomes, teve um final de vida pontuado pelo erotismo.

Hoje está em obras. Abriga várias pequenas lojas.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

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Não conseguimos fotos do Marabá, enorme casa para 1800 lugares, mas de seu antecessor, o Palácio, de 1920.  O Marabá foi inaugurado em 1947 e nada tinha ver com o prédio do Palácio.

Local propenso à destruição, hoje ostenta um prédio moderno.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

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Não sabemos quando nasceu o pornográfico Apolo da Av. Voluntários da Pátria, mas sabemos que fechou em 2009.

Dando lugar à loja Gallego.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

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O Áurea fica na Av. Júlio de Castilhos e é um irmão sobrevivente do pequeno Apolo. Abaixo, em 2009.

E hoje.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

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A Júlio de Castilhos também abriga o Atlas, que era bem simples em 2009. Como diferencial, a casa misturava filmes com sexo ao vivo.

Ainda mistura. E parece ter crescido com a fórmula.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

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Os cinemas novos: a Sala Paulo Amorim dentro da Casa de Cultura Mario Quintana.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

A Sala Eduardo Hirtz, no mesmo local.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

E, ainda no mesmo prédio, mas de frente para a Rua da Praia, a Sala Norberto Lubisco.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

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Há também o Cine Santander Cultural, dentro do Centro Cultural de mesmo nome.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

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O charmoso CineBancários.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

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Os dois cinemas do Shopping Rua da Praia, os Arcoíris 1 e 2.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

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A briosa Sala P.F. Gastal, dentro da Usina do Gasômetro.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

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E já quase fora do centro da cidade, a Sala Redenção do Campus Centro da UFRGS.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

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Na próxima semana, pretendemos visitar os bairros. Utilizamos várias fontes, as principais estão listadas abaixo:

http://cinemasportoalegre.blogspot.com.br/
http://lealevalerosa.blogspot.com.br/2010/05/outros-angulos-de-porto-alegre.html
http://ronaldofotografia.blogspot.com.br/2011/02/cinema-imperial.html

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A morte de Milton Ribeiro

O Escrivão de Polícia sentou-se à mesa e escreveu:

Por ser provocador, por não acreditar em deus, por ter dito isto sempre, por sentir-se superior a quem acredita, por gostar desmedidamente de mulheres, por gostar muito de música, por gostar desmedidamente de literatura, por amar o S.C. Internacional, por ser um glutão, por gostar desmedidamente dos amigos, por defendê-los das iniquidades, por não ser acomodado, por incomodar a acomodação de outros, por gostar de rir desbragadamente, por correr sem ser atleta, por ler mensagens de outros grupos no Facebook, por gostar desmedidamente de cinema, por gostar de criticar internamente, por gostar de externar tais pensamentos em palavras por escrito, por amar Bach, por sofrer eventualmente de hipobachemia, por ser gentil, por ter a baixa auto-estima diagnosticada três vezes e nunca ter se tratado, por não perder piadas, por rir fora de hora, por admirar os seios das mulheres, por desprezar suas bundas, por nunca torcer pela Seleção Brasileira, por manter um blog anônimo, por ser estar sempre insatisfeito, por ter roubado muitos livros, por ter sido processado inutilmente uma vez, por ter sido processado inutilmente duas vezes, por dormir cedo, por acordar às 6h, por nunca ficar doente, por gostar de Bergman e Tarkovski, por ter tido dois filhos, por amá-los incondicionalmente, por ter sido mau aluno, por ter sido o melhor da turma, por dever, por bocejar sem tapar a boca, por enfiar o dedo no nariz quando sozinho, por tomar muitos banhos, por peidar ruidosamente pela manhã, por ter conseguido tocar a sétima de Bruckner de e na cabeça quase sem nenhum erro e no tempo total certo, por ler tudo sobre estética literária e musical, por achar que o Fausto de Mann é maior de todos os livros, por fazer os outros falarem desbragadamente, por desbragadamente ouvi-los, por muitas vezes detestá-los, por ter tantos livros, por ter muitos CDs, por querer mais, por querer mais dos outros, por não querê-los, por trepar pouco, por não ler todos os e-mails que recebe, por nem sempre atender o telefone, por gostar de caminhar, por caminhar pelas ruas como se fosse um personagem de Machado, por ser irônico e debochado com quem conhece, por fazer o mesmo com quem não conhece, por pensar mal das pessoas, por gostar de volantes que saibam jogar e centroavantes fincados, por ter conhecido Londres e Verona, por achar todas as orientais feias, por mentir em coisas sem importância, por exagerar, por não gostar de óperas, por ter opinião, por ter interrompido seu trabalho voluntário — o maior trabalho político que uma pessoa sem talento pode cumprir — , por esquecer de fumar os charutos cubanos que tem em casa, por fazer comentários com nomes falsos, por não gostar de dançar, por gostar que orquestras toquem música escrita para orquestras, por querer os roqueiros tocando rock e os sambistas samba, por todos os pecados que cometeu, por todos os que cometeria, por uma série de motivos que seria longo explicitar e, fundamentalmente, por roncar à noite, sua mulher, de forma inteiramente justificada, coberta de razões, matou-o a golpes de machado na madrugada de ontem.

E, por minha mulher estar fazendo Direito, servi de modelo para um assassinato perpetrado pela fictícia filha, repetidamente abusada, de um fictício cidadão de São Vendelino (imigração italiana) que já olhava a fictícia neta com certo interesse. O sangue era ketchup. Como o vermelho estava muito claro no primeiro momento, fui besuntado também de molho choio — a garrafa está na primeira foto, ao fundo. Os cortes foram feitos com batom. Por mentir a seus sete leitores.

Adendo: não tem muito a ver com a minha história, mas abaixo está o depoimento improvisado, após apenas uma leitura, da vizinha. Tudo isso para o trabalho de aula. Vejam a notável atuação de sua colega Roberta Reginato — sem letras duplas, mas nascida em Cacique Doble (RS).

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O trânsito no Dia das Mães

Ontem, Dia das Mães, fui obrigado a dar umas voltas na cidade pela manhã. Saí de casa às 11h15 e fui visitar minha mãe na clínica geriátrica. Depois, iria almoçar com a família de minha mulher e, principalmente, com minha sogra. Eu já deveria ter aprendido que estes dias são terríveis. Por volta do meio-dia, não apenas fica difícil arranjar um restaurante como até mesmo andar na rua de carro. E eu tendo que atravessar a cidade inteira… Devia ter pensando que, se eu tinha de me deslocar, os outros também.

Dentro do carro, dois CDs de jazz, um de uma big band belga e outra americana. Coisa muito divertida, mas haja big bands! Foram duas horas para ir e voltar numa cidade ainda tranquila e provinciana como a nossa. Não sou dessas pessoas que se irritam muito com o trânsito. Talvez facilite o fato de eu apenas dirigir no fim-de-semana, sei lá. Não obstante, sempre acho incrível a movimentação no almoço do Dias das Mães.

Se conheço tão bem o fenômeno e não sou antropólogo, significa que participo dele há muitos anos. Sim, é tradicional procurar a mãe para almoçar no segundo domingo de maio, mas há mais a considerar: há o não vamos deixar ela fazer almoço hoje, né?  Então, muitos devem ir até a casa de suas mães para dar-lhes um beijo e depois sair para um restaurante. OK, elas podem ir direto, mas é menos gentil. Para piorar o trânsito, as mulheres vivem mais, gerando um número de deslocamentos muito maior, por exemplo, que o do Dia dos Pais, dentre os quais há muito mais mortos. E alguns de nós têm que visitar duas ou três mães: a própria e mais uma ou mais avós, pois as mulheres são maioria nas famílias, elas não apenas nascem mais como vivem mais, como já disse. Outro fato que tive a oportunidade de analisar: o movimento que vai para a Zona Sul de Porto Alegre é muito maior do que o contrário. Tal fato deve ter implicações econômicas que não sei muito bem analisar. Também econômico é o fato que me fez, já preocupado em razão do atraso, entrar pela Vila Cruzeiro (*). Ali o trânsito estava livre, mas garanto havia ainda mais gente caminhando pelas ruas. (Explico: na Cruzeiro, certamente como resultado de função de anos e anos com calçadas esburacadas, quase todas as pessoas preferem caminhar pelo meio da rua. Hoje há mais calçadas, mas o pessoal acha mais confortável andar no meio da rua).

O resultado de tudo isso é que cheguei atrasado no almoço da sogra. Ah, me desculpem a reflexão idiota. É que sempre tive ressentimento pelo fato das mulheres viverem mais e comecei a pensar que isto se reflete até no trânsito…

(*) O bairro central mais pobre de Porto Alegre.

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Entrevista concedida por este que vos escreve ao Substantivo Plural

Retrato do Autor Quando Bebê

Ontem, foi publicada uma entrevista comigo lá no Substantivo Plural. Não sei bem quem conheceu primeiro quem, pensando melhor acho que o site me foi apresentado pelo Fernando Monteiro, o que sei é que o SPlural está no meu Reader e o acompanho há muito tempo. Cliquem aqui para conferir. Ele tem estrutura de um blog, mas não é um blog. É um repositório selecionado daquilo que sai de bom por aí em termos de Cultura e Ideias. As matérias copiadas vêm com educados links e tudo aquilo que se espera em nosso mundo copyleft. O SPlural tem editor —  Tácito Costa —  e colaboradores. E volta e meia eles fazem posts pegando coisas deste blog e do Sul21. Gosto muito quando fazem isso e gostei ainda mais quando o Lívio Oliveira, que não conhecia, me propôs uma entrevista mais ou menos baseada em meu Curriculum Vitae. A entrevista é decididamente amalucada, mas muito franca e o resultado… É comigo mas achei legal, tá? Abaixo, o texto completo:

Milton Ribeiro é um jornalista do Sul do país, crítico literário e de artes, escritor bissexto e editor de um blog maravilhoso (AQUI) muito bem acessado e que muitos aqui certamente já o conhecem. Tácito vem republicando, vez ou outra, alguns textos seus. O seu link também se encontra no canto direito deste SPlural (Aproveitem e vejam todos os endereços eletrônicos de Milton abaixo do presente post).

Milton, uma figura com a qual muito me identifico pelos gostos e escolhas (tomo a ousadia de dizer isso pelo que conheço do seu blog), concedeu-me, generosa e pacientemente, essa entrevista que fiz me baseando num inusitado “curriculum vitae” que está divulgado no seu blog. Procurem ler, antes, o tal “curriculum” e depois leiam a entrevista bem humorada e ao mesmo tempo instrutiva e produtora de reflexões, principalmente de ordem estética.

Aí vai:

L. O. E para começar, assim, já pergunto: por que fazer e manter um blog? O que o move nesse desiderato? É um instrumento essencial para um jornalista independente?

M.R. Tenho blog desde maio de 2003. Antes, ele era bem mais pessoal e eu o utilizava para me colecionar. Tinha de tudo ali, desde contos e capítulos de romances até meras anotações pessoais. Fui adquirindo uma pequena celebridade na chamada blogosfera, também fui processado duas vezes, tal a liberdade que sentia – a propósito, o último processo foi claramente absurdo e intimidatório e recebeu um julgamento muito injusto. Como resultado, deixei que um pouco de autocensura e pudor tomassem conta de mim. Talvez tenha sido um erro, pois sendo mais sério e utilizando menos a primeira pessoa do singular, perdi leitores. Também os blogues se modificaram, saíram da moda, perdendo espaço para o Facebook e Twitter. Por que o mantenho? Ora, porque sou lido por pessoas interessantes e ainda conheço outras. Mas não creio que seja um instrumento essencial.

L. O. Em que medida o daltonismo ajuda na fruição artística? Ou só atrapalha, mesmo?

M.R. Esta é uma pergunta curiosa. Depois de ler alguns livros de Oliver Sacks, tenho a fantasia de que meu profundo amor pela música seja uma boa filha de meu daltonismo, também chamado nos EUA de color blindness. É como se a falta de parte de um sentido tivesse tornado outro hipertrofiado, mas deve ser tudo imaginação. Para a fruição das artes plásticas, o defeito atrapalha de forma considerável, mas ele é decisivo na escolha de roupas. Minha mulher quase enlouquece quando chego num lugar com uma combinação de cores que só faz sentido para mim.

L.O. Mesmo assim, confia em suas escolhas estéticas?

M.R. Em artes plásticas, não. Nas literárias, cinematográficas e musicais, sim.

L.O. Essa mania de contar/catalogar filmes e livros…de onde vem? Qual o sabor disso?

M.R. Outra pergunta complicada. Nasci com mania de catalogador, as pessoas sabem disso e me fazem consultas. Há pessoas que me chama de guru… É como aquela piada do Groucho Marx citada pelo Woody Allen. “Meu irmão pensa que é uma galinha, mas não o trato porque preciso dos ovos”. Muita gente me pede os ovos – bem, a frase ficou esquisita, mas deixa assim. Também tenho muito boa memória, mas não prescindo da bengala de longas listas. Gosto de passar os olhos por uma relação de livros antiga para lembrar que, por exemplo, Uma Confraria de Tolos era uma obra-prima e nunca mais foi reeditada. Há um sabor interessante nisso. Assim como me sinto tranquilo vivendo sob uma rotina, sinto-me ainda melhor se anoto o que faço e vi. Enfim, é uma neurose como qualquer outra.

L.O. E essa outra mania, a de roubar livros? Por sinal, já acabou? E você empresta livros?

M.R. Roubei muitos livros durante a adolescência, roubava para mim e para os amigos. Me dava pena que fossem tão sedentos de cultura e pusilânimes. Durante uma época da vida, roubar livros é o único caminho para leitores apaixonados e sem dinheiro, como eu era. Tudo o que escrevi naquele post é verdadeiro. Hoje não roubo mais, nem saberia fazê-lo. Tenho medo, apesar de que o adolescente Milton nunca foi flagrado em ação. Bolaño foi outro grande ladrão de livros, muito maior do que eu. Eu roubei algo entre 300 e 500 livros. É claro que os livros devem ser emprestados e devolvidos. Tenho também uma lista de livros emprestados e costumo cobrar se não devolvem, claro. Há que ser moral!

L.O. Que ligações existem entre Literatura, Cinema, Música e Futebol?

M.R. Inúmeras. As artes, assim como o futebol, são representações da vida. O futebol nunca chegará ao nível e à abrangência de uma peça de Shakespeare ou de uma música de Bach, mas tem uma riqueza toda particular. É diferente. Há algum lugar onde você vai com a finalidade de desejar uma coisa com todas as suas forças, mas que possa subitamente mudar de partido dependendo do que ocorrer? Além disso, o futebol é muito plástico e emocional. Talvez sua ligação mais difícil seja com a música. Não venham dizer que o drible é uma dança… Não, drible é drible.

L.O. Quem são seus craques preferidos na Literatura, Cinema e Música? E os seus artistas no Futebol?

M.R. Olha, são mais de cem ídolos em cada área. Se você me ameaçar fisicamente para que eu escolha cinco em cada área sairá algo como que segue. (Vou responder rápido antes que me arrependa). Literatura: Tchékhov, Machado, Dostô, Joyce, Melville. Cinema: Bergman, Welles, Kubrick, Kusturica, Antonioni. Música: Bach, Beethoven, Bartók, Brahms e Bahler ou Mahler.

L.O. Por que não publicar os livros que tem em mente? E por que razões os publicaria?

M.R. Bela pergunta. Minha ex-mulher era muito competitiva e, para manter o casamento, era necessário ser humilde, aparecendo menos do que ela. Como ela tinha altas aspirações intelectuais e existe o mito de que o livro é um ápice da vida de alguém, fui treinado a evitar os livros. Hoje tenho a mulher perfeita, mas mantive a mania de escrever para mim mesmo. Há outro motivo também: é divertido apresentar personagens, estabelecer conflitos e até finalizar os romances, mas é muito chato revisar. Também vejo muitos colegas publicando livros sem conseguir vendê-los ou sendo obrigados a se tornarem vendedores em feiras, eventos, etc. Não sei se tenho este talento. Teria se fosse vendê-los em Londres, Roma ou Paris. Porém, você sabe como é: acordo todo o dia às 6h para escrever um romance que está na metade. Mas, olha, não tenho nenhum plano de ir além da finalização do mesmo. Sei que está tão fácil de publicar quanto de ficar encalhado e que ficaria louco se encalhasse.

L.O. Por que razões as mulheres ficam mais belas aos sábados? Vinícius de Moraes tem algo a ver com isso? (falo para Milton de uma das famosas seções de seu blog e que é publicada somente aos sábados, com a publicação de fotos e de comentários irreverentes sobre belíssimas e famosas mulheres).

M.R. O “Porque Hoje é Sábado” nasceu de uma aposta com o ex-Ao Mirante Nelson, atual Tom O`Bedlam. Conversávamos pelo MSN sobre nossos blogs e ele me desafiou a manter, no final de semana, a mesma visitação dos chamados dias úteis. Fui à luta e consegui. Ele disse que aquilo não valia, que foi um golpe abaixo da cintura. Ora, tal fato é visível. Mas a verdade é que não costumo mostrar pelos pubianos. É uma seção família do blog, destinada às grandes atrizes, seus rostos e seios. Adoro seios. E atrizes. Mulheres também.

L.O. Por que mudou para o Sul21?  Sei que a resposta parece óbvia, mas…

M.R. Bem, eu sou um dos editores do Sul21. Era natural que colocasse meu blog no condomínio de blogs do site, não?

L.O. Aí não vale…mas, acredito que a sua maior satisfação com as artes é mesmo na condição de alguém que contempla, na condição de um apreciador, de um fruidor. Nesse contexto, acredita que existem regras para o “gosto”, o “fruir” estético? Há parâmetros exigíveis e/ou necessários para isso?

M.R. Não. Mas o há o bom e o mau gosto. O bom gosto se forma com a vivência. Há que dar acesso às pessoas. Por exemplo, duas semanas de tratamento intensivo de PQP Bach impedem Michel Teló na terceira semana. O problema é que recebemos uma enchente de “Vingadores” e pingos de “A Separação”. Mas é claro que sou um fruidor de arte. E feliz.

L.O. Existe uma hierarquização das artes? Ao menos, existe uma hierarquia na sua cabeça? Percebo que se emociona mais com a música erudita…é verdade? Por quê?

M.R. Creio que exista uma hierarquia diferente para cada pessoa. Há algumas emoções só alcançáveis pelo cinema, outras pela literatura, mas a mais completa das artes é a música. Como Shostakovich comprovou, ela exprime tudo – até a situação política – em linguagem universal, sem palavras.

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Não tem essa de me dar carona!

Mentira. Pois quando me oferecem sempre pego na hora. Porém, hoje, evitei receber o convite quando meu vizinho saiu de casa na mesma hora que eu. Ele é muito educado e solidário, vai de carro e me faz ganhar quinze minutos. Mas hoje eu acelerei o passo e segui meu caminho para a parada. Passei reto por um simples motivo — queria ler meu livro no ônibus. Atualmente, quase só leio nos ônibus e lotações. Dá uma hora por dia. Em casa, sempre há algo solicitando minha atenção. Um saco, um saco. Mas poderia haver outro motivo. Desde há muito comecei a me deslocar sozinho para o Centro da cidade. Na verdade, desde os 9 ou 10 anos de idade. Quando conseguia sentar, aqueles eram momentos felizes nos quais divagava à vontade, como se não pudesse fazer melhor noutro lugar. Talvez a entrada e saída de pessoas desse maior criatividade aos pensamentos. O fato é sempre houve um traço poético em ser levado dentro de um coletivo. Não sei bem por quê: pode ser o balançar do ônibus, pode ser as caras das pessoas que me fazem adivinhar-lhes as histórias. É um momento de pura indireção, em que não há nada de objetivo que possa ser resolvido e me irrito muito se o celular toca. É muito bom. Então, sempre achei prazerosa a coisa dos ônibus. Ademais, há a discutível certeza de estar colaborando com a humanidade ao não estar andando sozinho dentro de um carro. Foi um boa decisão a de ter ficado com um só carro em casa, acho.

Quando criança, preferia os bondes. Afinal, eles andavam sobre trilhos e nunca poderiam alterar seus caminhos. Eu morria de medo que os ônibus saíssem por aí livremente pela fantasia de um motorista alucinado. Achava que todos os adultos conheciam a cidade. Eu não. E era muito tímido para perguntar como voltar pra casa. Então, os trilhos eram minha segurança. Hoje, nem olho muito as caras das pessoas. Entro, dou bom dia para o motorista e sento para ler. Já me falaram na possibilidade de descolamento da retina. Francamente, que descole.

(O umbiguismo voltou com tudo hoje. Acontece).

Imagem retirada do Blog de Rafael Corrêa.

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Cris Kirchner, a MILF preferida da redação

MILF é uma sigla criada sabe-se lá onde que significa “Mom I’d Like To Fuck” (“Mãe que eu gostaria de foder”), e refere-se, obviamente, ao sexo com mulheres de idade suficiente para serem mães de seus parceiros. O pessoal aqui na redação é jovem e tem certa admiração pela viúva e presidente argentina Cristina Kirchner, 59. Principalmente pela viúva.

Hoje pela manhã, vi a jornalista Miriam Leitão, non-MILF, se rasgando de ódio pela nacionalização da petrolífera YPF. Era engraçado, muito engraçado e eu ri, pois até parecia que ela tinha alguma participação societária no Clarín, tal o ódio e ironia que destilava. Alguns jornalistas are overacting — desculpem, não me ocorreu nada melhor — seus patrões. Era por demais engraçado e agora, quando fui tomar café, lembrei da jornalista se rasgando. A forma escolhida por Miriam foi a de desqualificar Cris K dizendo que ela era dominada por seu filho “preferido” Maximo, 34, que trouxe para o governo  uma equipe de economistas ligada ao vice-ministro da economia, Axel Kicillof, 40. Seriam  um bando de malucos perigosos, ladrões e estatizantes, reunidos sob o nome de “La Campora”.

Olha, estou neste mundo há 54 anos e passei boa parte deles estudando as mulheres com relativo insucesso. Acho que posso dizer, assim de longe, que Cris é uma mulher que ouve, mas faz o que acha melhor, sem deixar-se dominar por ninguém, nem pelos os rapazes da redação, que são homenageados a seguir:

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Gostar de coisas ruins

Eu não entendo, por exemplo, quem ouve e conhece a música popular dos anos 80 por apenas para criticá-la, por achá-la ruim. Nem quem se diverte com a breguice dos outros. Muitas vezes, o brega é cômico e serve como diversão passageira, mas minha opinião é a de que, quem está sempre procurando novas ruindades para ridicularizá-las, na verdade gosta mesmo é daquilo. O erro da insistência em achar (ou ver) graça no ruim é a imensa quantidade do que há de bom e interessante. Não há vida que abarque todos os excelentes livros, músicas e filmes que há para serem lidos, ouvidos, vistos e divulgados. Então, fico meio desesperado quando vejo alguém vibrar com a ruindade alheia, conhecendo-a a fundo. Será que encarar o que é bom dá trabalho? Talvez.

Indo numa via paralela, digo que tenho para mim que a pior pessoa é aquela que só vê objeções, sem conseguir construir nada. Em minhas relações, pouco a pouco tendo a me irritar e automaticamente deixo de considerar as opiniões daqueles que apenas têm coisas a criticar e nada a sugerir. E sempre penso que estes são parentes daqueles, os das coisas bregas. A gente não está aqui só para ter contato com merda. Nós merecemos um pouco mais de dignidade para efetivamente poder parar em pé. Quem me conhece um pouquinho mais, sabe que eu, de minha modesta plataforma, tento polinizar alguma coisa por aí.

E mais não devo dizer. A não ser que estou irritado com as exposições de conhecimento brega que andei tendo por aí. Não sou nada perfeito, mas fico feliz por nunca ter ouvido Michel Teló — só conheço aquele estribilho por ouvir pessoas cantando — e de ter descoberto há pouco que Sandy Junior não era uma pessoa só, mas um casal chamado Sandy & Junior. Estou louco para continuar mais um pouco, mas acho que não devo.

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Amor

Escrevi este texto para o Impedimento quando o Inter completou 100 anos. Hoje, quando o Inter faz 103, ele foi citado. Fiquei feliz. Muito.

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Quando eu era criança, costumava fechar a porta do meu quarto para narrar futebol em voz alta com maior liberdade. Minha irmã me enchia o saco, dizendo para eu parar de inventar aquilo. Narrava jogos espetaculares onde o Inter vingava-se de todas as humilhações que o Grêmio nos submetia naqueles anos 60. Era uma vida interior movimentada, que fazia minha garganta doer pelo esforço de gritar tantos gols. Também sonhava com jogos, escrevia escalações, contratava jogadores inatingíveis – muitas vezes era um deles – e fazia cálculos, anotando num caderno vermelho todos os jogos dos campeonatos que o Inter participava. Era uma coisa meio demente, ainda mais num tempo em que o Campeonato Gaúcho valia alguma coisa e em que o Grêmio havia vencido 12 dos últimos 13. Era uma tragédia ter 11 anos naquele 1968 que terminaria com o AI-5. Mas tinha certeza que os anos me fariam melhorar. Minha mãe também.

É, mas não mudou muito. É um grave defeito de fabricação. Vocês não me pegarão mais aos berros no meu quarto – ainda mais se estiver acompanhado -, mas minha vida interior, quando não estou submetido a estresse, inclui aquele momento em que passo a pensar na próximo jogo, na próxima escalação e, ainda, nas próximas jogadas. Entro no elevador e de repente vejo D`Alessandro pisando na bola, retardando o ataque… Aquilo me irrita e já saio do elevador preocupado. No dia seguinte, acordo e de cara levantam uma bola em nossa área. Sandro salva e partimos para um contra-ataque com Taison e Nilmar: gol certo enquanto escovo os dentes.

Acho que há pessoas que pensam em dinheiro e mulheres o tempo inteiro – eu até perco muito tempo também nisso -, mas a vida interior do torcedor de futebol é um pouco diferente. Claro que todo este interesse está associado a um clube que amamos e que, por definição, é mais importante do que todos os outros. E quando este clube tem um inimigo, este será o mais odioso e horrendo – e sifilítico e purulento e idiota e filha da puta e a nossa cara. Sim, acabo de descrever sucintamente o Grêmio.

E então este clube faz cem anos, contingência inevitável para quem, mesmo endividado, não morre, e a gente fica todo bobo, achando que o dia 4 de abril nos oferecerá vales onde correm o leite e o mel, com 11.000 virgens amorosas vertendo Bailey`s das tetas. Confesso que balancei quando meu sobrinho me convidou para ir ao jantar do centenário, mas recuei ao saber que custava R$ 200,00. Também não me entusiasmei pelos tais fogos – quase sempre fecho minhas noites de sextas-feiras em cinemas -, mas achei legal a coisa da caminhada até o Beira-rio no sábado, a tal Marcha do Centenário.

Fiquei indignado quando um pessoal aí, os quais são indiscutivelmente os maiores representantes das torcidas gaúchas (preciso indicar a ironia?), convidaram o prefeito gremista para a caminhada e ameaçaram até com a Yeda. Céus, que gente mais sem noção! Para que misturar a mais simples das comemorações – a procissão de colorados do incerto local onde o clube foi fundado até o Beira-Rio – com mais uma tentativa desesperada de manter a troca de favores com o poder? E eles seriam retaliados, vaiados, precisariam de seguranças. Nosso momento cívico ficaria uma merda.

Sim, eu disse cívico, pois colorado é o que sou. Se habito fisicamente a Rua Gaurama, tenho uma segunda vida com endereço aqui; se tenho um telefone, também tenho e-mail; se sou Suda de modo geral, sou especificamente brasileiro; se tenho o futebol em minha vida interior – assim como tenho a Gaurama, o blog, o número do telefone, o endereço de e-mail, a Suda e o Brasil – esta se foca repetida e especificamente para o Inter. O Inter e seus grandes times moram em mim, completam um século neste sábado e é fato dos mais dignos de celebração que eu possa imaginar, mesmo que tenha achado todos os outros centenários (principalmente aquele) manifestações ridículas e sentimentalóides, sem intersecção com nosso centenário. Não tinha pensado nisso, mas devo me comover na caminhada. Afinal, ninguém consegue ser crítico de si mesmo e o Inter, sei, sou eu.

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Mês 77: verdades estarrecedoras sobre o meu regime

Há quase um ano, publiquei um post chamado Mês 80. Ali, descrevia minha luta para descer dos 84 para os 80 quilos. Tenho 1,71m, acho que deveria chegar aos 73, 72, 71, mais ou menos. O primeiro ato do drama ocorreu entre novembro de 2010 e o início de março do ano passado. A técnica, descrita no post acima (com link), seria a de perder um quilo por mês, com calma. Os primeiros 4 foram bem tranquilos de perder mensalmente, mas os três que perdi no último ano foram duríssimos. Algumas lições:

1. Uma grande almoço ou jantar no fim de semana, por exemplo, gera cuidados extras que nos obrigam a cuidar de cada item ingerido até quarta ou quinta-feira. É uma punição atroz. Melhor bater bapo, provar de tudo e esnobar a gastronomia.

2. Como almoço na rua, próximo a meu local de trabalho, sei que é melhor comer sozinho. Sei lá, quando há companhia se come mais, pois há a conversa demora mais, a gente se serve mais uma vez de alguma coisa da qual gostou especialmente ou pega uma sobremesa. A amizade avaliza a esbórnia.

3. Mas o almoço é um poema perto do jantar. A gente chega em casa cansado e faminto, abre a geladeira e realiza o crime como uma vingança contra todas as iniquidades nos infligidas durante o dia. Na verdade, o corpo é uma merda, a memória de peso contida em nosso cérebro nos faz comer e comer sem se sentir muito lotado. É estranho. Consultem um especialista.

4. Mas tudo pode piorar. Quando se faz atividade física, a fome triplica e daí não adianta nada para efeito de peso, a menos que tivéssemos erguido bigornas na academia. Pois acabamos comendo mais calorias do que as gastas. É um dia para se ter cuidados especiais, certamente.

5. Acompanhar o peso diariamente na mesma hora do dia e sem roupas. Comemorar a cada 100g. É preciso extrair prazer dos números, se me entendem… Quando a coisa não anda, como nos parcos três quilos que perdi no último ano, há que pensar: “Mas quando comprei a porra dessa balança, ela marcava 84 e agora não chega nunca a oitenta”. Esse trabalho de auto-ajuda, tão criativo quanto as últimas colunas da Lya Luft, é fundamental. A gente tem que se considerar um vitorioso, entende?

Putz, olha, é foda.

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Um caso entre mulheres

Ontem, estávamos falando sobre as disputas femininas e eu dizia que estas aconteciam de várias maneiras e que podiam até mesmo não ocorrer. Lembrei-me então de uma curiosidade sobre a qual não penso muito, mas que é digna de ser contada neste blog secreto. Quando me separei, fui morar um tempo na casa de minha mãe. Na primeira noite, ainda não estava deprimido — pensava estar com espírito objetivo e cheio de planos — e fui para o telefone a fim de resolver algumas coisas paralelas que não poderia resolver abertamente na casa em que antes residia. Era uma quarta-feira à noite e vários amigos, sabedores do que era aquela “a primeira noite”, tinham me convidado para sair, mas escolhi ficar em casa. A primeira coisa seria ligar para HC e encaminhar o final de nosso casinho; a segunda, falar com VK para nos encaminhar. As conversas foram bastante amenas, facilitadas pela longa amizade no caso da primeira e pelo bom humor no caso da segunda. VK nunca deu certo, mas ríamos bastante juntos. Lembro que a conversa com ela passou incontrolavelmente para nossos filhos, meus e dela. Era um difícil acerto entre duas mães.

Quando desliguei o telefone, finalizadas minhas pobres conversações galantes, o telefone tocou. Ora, pensei que era D. me perguntando se eu estava querendo me suicidar ou apenas dormir. Mas não, era uma amiga de minha ex que me telefonava. Ela conseguira o número da casa de minha mãe através de um colega meu de trabalho. Muito esforço, nossa. Nunca tinha falado com ela pelo telefone e, a meu ver, ela era casada. Obviamente, desliguei todas as intenções que manifestara nos outros telefonemas e passei ao modo de conversação simpática e asséptica. Afinal, conhecia de vista o marido da moça e tenho aquela coisa de lealdade correndo em meu sangue. Ou penso ter. Conversamos sobre o frio, sobre livros e a coisa estava agradável até que ela começou a tornar a conversa lenta, deixando-me meio sem respostas, sinal inequívoco de que desejava finalizar o papo ou mudar de assunto. Entrei no jogo dando um longo suspiro que seria utilizado pela vontade dela — ou como uma pausa que permitiria o tchau, ou como uma chance para entabular um novo assunto. Novo assunto.

Ela falou que eram foda os primeiros dias de qualquer separação. Mas não parecia penalizada. Depois finalmente entrou no assunto que parecia ser seu objetivo: começou a falar mal de minha ex como colega de trabalho. (Desculpem, nunca lembro do nome de minha ex; acho que seu nome é Pâmela ou Suélen, sei lá). Após várias referências à politicagem interna do Departamento delas na Universidade e do Hospital onde trabalhavam — não dei grande atenção àquilo que depois foi caracterizado por outra amiga como um “cesto de ofídeos” — , a nova amiga me disse que minha ex era “de plástico”, ou seja, que era fria e calculista. Como a interlocutora parecia ser tudo que Suélen não era, depreendi que o significado daquilo era “e eu sou de carne, quente e apaixonada”. Nunca fui um Paul Newman e a maioria das mulheres se aproximam de mim por me acharem legal, não para ir para a cama. Não é falsa modéstia, é a realidade. Na hora pensei que deveria convidá-la para sair naquele momento, talvez naquele dia, mas os feios que se acham inteligentes são também profiláticos. Desligamos com a coisa temporariamente suspensa.

No dia seguinte, uma ligação matinal para o meu trabalho. Vamos almoçar? Fomos.

Hoje, quando penso naqueles poucos dias, concluo que foi uma atitude de vingança. Não era para ter acontecido, mas era divertido ficar abraçado na cama falando mal de Pâmela, ainda mais que eu ainda ia nas sessões com a “terapeuta familiar” na companhia de Su. Eu parecia estar acentuando (ou resolvendo) um problema de relacionamento entre mulheres, mas era bom. Volta e meia, recebo ligações com atualizações das news do Departamento, mas estas estão cada vez mais raras.

Ah, e acho que tem tanta mulher naquele local da UFRGS que a amiga vai achar este post engraçado, se o ler. Ou será que terei que deletá-lo?

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Estilo Zaffari radical

Depois do almoço, fui ao Zaffari da Otto Niemeyer comprar umas coisinhas. Gosto de ir lá. Era um início de tarde quente e pachorrento e as pessoas pareciam com vontade de ir logo para casa tirar uma sesta. Mas vá saber o que se passa nas almas torturadas dos porto-alegrenses? Estava no caixa quando vi duas moças a dois metros de mim — caixas ou empacotadoras do super-mercado, devidamente uniformizadas — pegarem-se a tapas, arranhões e puxões de cabelo. A luta, travada em rigoroso Estilo Zaffari radical, era silenciosa, quase elegante, e só pude ouvir um “o que tu tá pensando” proferido baixinho, quase uma confissão íntima de como “eu te odeio, sua vaca”.

Levei uns dois ou três segundos para me dar conta de que uma desejava a total eliminação física da outra e que deveria ter a hombridade de tentar separá-las. Durante a rápida refrega, nenhuma delas estabeleceu uma vantagem digna de encerrar a luta e um juiz isento teria que se decidir pelo empate. Bem, me meti na coisa e quase sobrou pra mim. Tomei um tapa na clavícula, de cima para baixo. Não machucou, mas a moça era forte. Logo vieram dois outros empacotadores ou fiscais ou superiores e agarraram as lutadoras. Rixa, litígio, querela, inimizade ou paixão? Foi quando uma delas, a menor e mais lisa, a que não bateu em mim, soltou-se de seu guarda e correu em direção à outra. Estava inconformada com o empate. Nada feito, nós a impedimos.

Uma cena certamente lamentável, porém, quando olhei para os lados, todos olhavam o caso deliciados, sorridentes, inclusive os colegas das contendoras. O ser humano não presta mesmo. Eu? Ora, vocês querem que eu narre e ainda exponha meus sentimentos?

Foi, como diria aquele jornal, mais um drama gaúcho.

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Anotação sobre a defesa do politicamente correto

Eu acho que as reações do pessoal de nossa trincheira política à Rafinha Bastos são equivocadas no sentido de defender o politicamente correto. Claro, o cara é um imbecil e não pretendo de forma alguma justificá-lo — nem saberia como. Mas, por exemplo, acho que este elogio ao politicamente correto, que está sendo repassado, copiado e recopiado em muitos blogs de esquerda, ainda vai causar arrependimento. Ali, o politicamente incorreto aparece limitado a gente que ataca líderes LGBTs, defende homofóbicos e racistas, aplica bullying, ri dos outros por seus defeitos e defende a criminalização do aborto e a Igreja Católica (???). Sei não.

Eu concordo com o artigo quando ele ataca alguém tão desqualificado quanto o “humorista” gaúcho, mas sigo achando o politicamente correto burro. O politicamente correto, se ler atentamente Graciliano Ramos, acabará qualificando-o de alguma coisa qualquer da mesma forma como acusou Monteiro Lobato no Brasil e Mark Twain nos EUA de racistas. Em minha sacrofobia, não livro Lobato de racismo, mas daí a censurá-lo, emendá-lo ou deletá-lo vai alguma distância. Acho legal manter a complexidade das coisas. Os leitores e os professores que interpretem e expliquem Emília, por que não?  O politicamente correto deveria submeter-se à Segunda Lei de Milton: Toda qualidade que possamos ter transforma-se em defeito quando algum fato externo a leva ao paroxismo.

Voltando a Rafinha. Sei que os movimentos sociais usam tais seres — refiro-me a Rafinha — como mote, base e exemplo para suas teses e têm razão nisso, mas, porra, como foi dado espaço para o cara! Eu, nesta anotação quase pessoal, digo que nunca vi o CQC e só conheço o cara de fotos. E não li ainda ninguém falando mal da  TV e de sua indústria de celebridades. Caberia.

Mas as piadas são boas. Ricardo Cabral escreveu ontem no Facebook:

Projeto de lei: A partir do meio-dia de 03-10-2011, aquele que em alguma queixa, comentário, crítica, desabafo e afins mencionar as expressões “politicamente correto” e/ou “politicamente incorreto” terá o seu acesso à internet bloqueado por seis meses e deverá ficar no canto da sala, ajoelhado no milho, durante duas horas seguidas. (Maiores de 65 anos sofrerão penas alternativas.) Ficam excluídos destas medidas penas apenas os que fizerem análises mais aprofundadas sobre o uso dessas expressões.

E a resposta de Fernando Monteiro:

Acho politicamente incorreto exibir assim um tom de tanta autoridade imaginária.


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Machado. De mulato a negro em poucas horas

Este é foto mais escura de Machado que encontrei, nas outras, dão-lhe um flashaço

Vou dizer uma coisinha para meus sete leitores. Acho realmente que sou indiferente ao fato de alguém ser negro, branco ou mulato. Só registro em meu cérebro algo diferente se a pessoa for uma mulher muito bonita ou se for japonês ou chinês, que ainda acho exóticos. Ontem, em cima da polêmica retirada do ar da propaganda da Caixa Econômica Federal (CEF), que pode ser vista abaixo, na qual Machado de Assis é emulado por um ator branco, os ativistas dos movimentos sociais começaram a qualificar Machado de negro. Ser negro não desqualifica Machado — creio que até que tal fato seria bastante efetivo na luta em prol do lento fim do racismo em nosso país — , mas é uma mentira. As feições do escritor são de as um homem branco e a pele nem parece tão escura nas fotos. Era o filho mulato de Francisco José de Assis (brasileiro, carioca, descendente de negros alforriados, pintor e dourador) e da lavadeira Maria Leopoldina Machado de Assis (portuguesa da ilha de São Miguel, Açores). Não conheço a qualidade das fotos de 1908 e antes. Talvez houvesse flashes que deixassem tudo esbranquiçado, ainda mais que a maioria das fotos são de estúdio, posadas. Para mim é óbvio que ele tinha ascendentes africanos, mas há muito de europeu em suas feições. O rosto e o cabelo são de um caucasiano, como diria o o velho Orkut. Estou muito errado?

Dona Carolina era uma portuguesa (Porto, 1835), muito culta. Foi o grande amor de Machado.

Acho que, para variar, o politicamente correto exagera ao torná-lo agora negro, a não ser que todo afrodescendente seja considerado negro pelos corretos. Porém, a Caixa errou feio. Senti-me mal vendo a propaganda porque também era uma mentira. Se Machado não era um negão, também não era aquele branquela da propaganda. Também não foi um autor “para brancos”. Seus escritos são incondicionalmente abolicionistas, isto está explicíto em seus livros e principalmente nas ácidas ironias das crônicas. Não era um conformado. E, para piorar, o escritor parece ter sido um homem elegante e bonito, que ganhava de dez do “ator da Caixa”. o qual cumpre honradamente seu contrato, mas que talvez… Bem, resolvamos a questão perguntando a opinião de Dona Carolina!

A chamada "Panelinha", que criou a Academia Brasileira de Letras de Merval Pereira (?)

Mas, ontem, enquanto lia as engraçadas tentativas de escurecer Machado à fórceps ou de tornar negro o Bruxo de Cosme Velho, pensava cá com meus botões: se o escritor fosse como desejam os amantes do correto, teria fundado a Academia Brasileira de Letras, seria um funcionário público bem aceito, teria casado com a alva Carolina Augusta — apelidada Carola pelo mestre — sem maior escândalo? Pois o racismo era aberto, havia a escravatura, não era esta coisa envergonhada e insidiosa de hoje. Então, repito a primeira pergunta, estou muito errado?

Abaixo, a propaganda da discórdia:

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