Na praia 2

Eu e Elena podemos discordar em coisas desimportantes, mas concordamos no principal. Por exemplo, adoramos concertos e concordamos que os bons banhos de mar são os intrépidos.

E vamos lá na frente, deixando preocupados os salva-vidas. No início desta semana, um deles me chamou. Não foi a primeira vez, mas desta vez fiquei muito chocado. Ele apitou, me chamou e disse que a bandeira era vermelha e que havia, aqui e ali, correntes que poderiam nos levar para o fundo.

OK. Eu prometi — e fomos obedientes — um melhor comportamento. Mas ele completou sua explicação assim:

— E se vier um repuxo forte? E daí, veterano, tu te garante?

Veterano? PQP, fiquei pensando só umas 72h na palavra. Credo, é triste ter 64 anos.

Quando contei o fato para minha irmã, ela rolava de rir.

Já a Elena, nos dias subsequentes, ao chegar na praia, estufava o peito como uma heroína de guerra e dizia, só pra me consolar:

— Lá vêm os veteranos.

Obs.: Ela é bem mais jovem do que eu.

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Na praia 1

Eu e Elena passamos uma semana na praia. Foram dias lindos e calmos. Estávamos precisando disso. Eu estava há dois anos trabalhando praticamente todos os dias.

Houve algumas cenas engraçadas e outras lindas, como a noite em que voltávamos a pé do mar e, quando ultrapassávamos uma avó de mão com seu netinho, este viu seus pais virem na direção contrária.

Ele abriu os braços, abriu um enorme sorriso e começou a gritar:

— Pai! Mãe! Tem uma lua lá! Tem uma lua lá! — e abria o quanto podia seus braços para dar a dimensão da lua.

Seu pai fez uma cara de encanto absoluto, pegou o guri no colo e todos eles voltaram para a beira-mar.

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Bamboletras recomenda três livros de mulheres

Bamboletras recomenda três livros de mulheres

A newsletter desta quarta-feira da Bamboletras.

Olá!

Não foi planejado, fomos pegando na loja três livros que achávamos relevantes para divulgar e o trio final foi de pequenos livros escritos por mulheres. Seria de mau gosto usar o lugar-comum de dizer que trata-se de três pequenos grandes livros? Bem, é o caso.

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Ao pó, de Morgana Kretzmann (Patuá, 157 páginas, R$ 40,00)

Vencedor do Prêmio São Paulo de Literatura, este romance de estreia de Morgana Kretzmann narra a história de Sofia, jovem nascida em uma cidadezinha do interior do Rio Grande do Sul que sofreu abusos sexuais por parte de um tio em sua infância. Já na adolescência, quando percebe que o mesmo tio também está abusando de sua irmã mais nova, Sofia decide fugir de sua cidade natal. Alternando idas e vindas no tempo, acompanhamos a trajetória de Sofia em sua juventude, em especial entre os anos de 2006 e 2014. Morando no Rio de Janeiro, consegue se aprumar, aos poucos, porém, vamos percebendo o quanto é difícil apagar as chagas do abuso sofrido no passado, sendo presa fácil para novos abusos físicos e psicológicos, sempre agarrada à esperança de acertar as contas com o passado.

Escute as feras, de Nastassja Martin (Editora 34, 112 páginas, R$ 46,00)

Estudiosa do Grande Norte subártico, a antropóloga francesa Nastassja Martin viaja em busca dos even – mais precisamente, de algumas famílias even que, tomando distância da vida na Rússia pós-soviética, preferem voltar a viver no coração das florestas siberianas. A rotina do trabalho de campo vai avançando como quer a disciplina etnográfica, com os cadernos se enchendo de anotações. Mas alguma coisa a mais parece estar em gestação, alguma coisa que por fim eclode na forma de um incidente — ou, quem sabe, de um encontro — entre a antropóloga e um urso. É a partir desse acontecimento inesperado que Martin tece a trama de Escute as feras, em que a experiência vivida alimenta uma reflexão vertiginosa sobre o humano e o natural,

O verão selvagem dos teus olhos, de Ana Teresa Pereira (Todavia, 112 páginas, R$ 54,90)

Dona de uma prosa elegante, Ana Teresa Pereira retoma a história de Rebecca de Winter imortalizada nas páginas do romance de Daphne du Maurie, no clássico filme de Alfred Hitchcock e, mais recentemente, em uma nova produção cinematográfica. A autora conta a trajetória de Rebecca antes do casamento com Max de Winter, o herdeiro empertigado de Manderley a quem a personagem conheceu e por quem se apaixonou quando muito jovem. O verão selvagem dos teus olhos constitui-se numa engenhosa peça da ficção contemporânea. É uma viagem por um tempo e um universo que sempre habitarão o coração dos leitores. Quem leu o Rebecca de du Maurier (ou viu o filme de Hitchcock) sabe do que falamos… Vale a pena.

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No Museu do Milan

No Museu do Milan

A foto abaixo é do Museu do Milan. Vejam como eles diferenciam Mundial e Intercontinental… Uma coisa é uma coisa, outra coisa… Bem, vocês sabem.

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Medina sem filé

Medina sem filé

Como tem razão um amigo colorado que me escreveu no Whats sobre o Cacique Medina! Leiam:

O bom cozinheiro é aquele que faz algo acontecer com o que tem. Com filé todo mané faz bom bife. Técnico bom é quem faz render com o que tem a mão…

Virou ironia

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As Intermitências da Morte, de José Saramago

As Intermitências da Morte, de José Saramago

Quando escrevemos uma resenha, dificilmente usamos a primeira pessoa do singular, mas creio que isto será impossível nesta. Eu estava de férias e resolvi ler um livro que me fosse agradável. Um daqueles cuja lembrança fosse querida e consistente. Lembrava de que rira muito ao ler a primeira parte deste As Intermitências da Morte e que achara belíssima a segunda. Só que algo parece ter mudado em mim ou algo em nosso país mudou tanto que os absurdos passaram a fazer mais sentido ou a nossa angústia ficou mais facilmente alcançável. Simplesmente, a farsa ganhou algo da realidade.

Saramago gosta de metáforas fortes. Por exemplo, em Ensaio sobre a Cegueira, todos ficam cegos à exceção de uma mulher. Já em A Jangada de Pedra, a Península Ibérica sai flanando pelo oceano até fixar-se em outro local — leiam!, leiam! Aqui, ocorre que num pequeno país de 10 milhões de habitantes (Portugal?), a morte simplesmente resolve suspender suas atividades e mesmo os moribundos quedam-se indefinidamente no estado em que se encontravam. O fato gera conflitos econômicos, filosóficos, religiosos e políticos e a corrupção ganha novos gêneros, com uma certa máphia que leva moribundos para além das fronteiras a fim de eles morram de uma vez. Ou seja, vê-se com clareza que a morte é necessária. Ou que pelo menos faz parte da vida.

No início, o país se ufana. Afinal, ali não se morre. Porém, as madeireiras e os empresários do setor funerário ficam “desprovidos de matéria-prima”, o negócio das companhias de seguros entra em crise, hospitais e geriatrias passam a conviver com a superlotação. O primeiro-ministro se faz de esperto, mas na verdade não sabe o que fazer, a não ser que deve ser condescendente com a máphia. Os religiosos se desesperam, pois “sem morte não há ressurreição, e sem ressurreição não há igreja”. As ligações entre todos os setores — do primeiro-ministro às questões domésticas — vão sendo mostradas. Porém, em sua intermitência, a morte pode a qualquer momento retomar seus trabalhos. E até utiliza a imprensa para seus comunicados. As Intermitências é uma fábula, uma fábula sobre o papel da morte e como ela altera a vida dos que (ainda) vivem.

No livro, morte é um personagem. Ela não aparece em público, pois tem o aspecto de um esqueleto, é claro. Sim, ela é como as representações da morte às quais nos acostumamos ver nas pinturas.

Arnold Böcklin, Autorretrato com a morte tocando violino (1872)

Ela, a morte, retorna, mas há uma determinada pessoa que não morre, o que — exatamente na página 135, o romance tem 206 —  dá início à segunda parte do romance, que é muito mais lírica e onde há ecos musicais, principalmente quando a morte lê a partitura da Suíte Nº 6 para Violoncelo Solo de Johann Sebastian Bach. Frente àquilo até a morte cai de joelhos e estremece.

…aí uma parte de si deteve-se a olhar o caderno que estava aberto sobre uma cadeira, era a suite número seis opus mil e doze em ré maior de johann sebastian bach composta em cöthen e não precisou de ter aprendido música para saber que ela havia sido escrita, como a nona sinfonia de beethoven, na tonalidade da alegria, da unidade entre os homens, da amizade e do amor. Então aconteceu algo nunca visto, algo não imaginável, a morte deixou-se cair de joelhos, era toda ela, agora, um corpo refeito, e por isso é que tinha joelhos, e pernas, e pés, e braços, e mãos, e uma cara que entre as mãos escondia, e uns ombros que tremiam não se sabe porquê, chorar não será, não se pode pedir tanto a quem sempre deixa um rasto de lágrimas por onde passa, mas nenhuma delas que seja sua. Assim como estava, nem visível nem invisível, em esqueleto nem mulher, levantou-se do chão como um sopro e entrou no quarto…

O livro foi publicado quando Saramago tinha 83 anos. Devia estar refletindo muito sobre a morte, que o veio buscar aos 87 anos.

José Saramago (1922-2010)

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Bamboletras recomenda Pagu, Leibniz e mais Modernismo

Bamboletras recomenda Pagu, Leibniz e mais Modernismo

A newsletter desta quarta-feira da Bamboletras.

Pagu

Olá!

O olhar lânguido de Pagu — bem anos 30 — esconde uma mulher avançada para os padrões da época. Com seu comportamento considerado extravagante, foi escritora, poetisa, tradutora, desenhista, cartunista, jornalista e militante comunista. Fumava e bebia em público, usava roupas colantes e transparentes, usava cabelos curtos, manteve diversos relacionamentos amorosos, e costumava falar palavrões. Suas atitudes não eram compatíveis com sua origem familiar, conservadora e tradicional. O livro que indicamos é o recém relançado Parque Industrial — mas, vejam só, nossa introdução está por demais longa. Culpa da Pagu!

E teríamos que falar dos outros dois livros, do espetacular Os Órgãos dos Sentidos e do belo, bem escrito e maravilhosamente ilustrado Modernidade em Preto e Branco. Maiores detalhes abaixo.

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Parque Industrial, de Pagu (Patrícia Galvão) (Companhia das Letras, 112 páginas, R$ 49,90)

Romance de estreia de Pagu (Patrícia Galvão), Parque Industrial teve sua primeira edição paga por Oswald de Andrade. É o primeiro romance proletário da literatura brasileira, ou seja, o primeiro que tinha como tema personagens, problemática e ambientação ligados à classe operária. O romance, usando recursos expressivos modernistas, tem influência do estilo de Oswald. É um painel abrangendo personagens da classe operária e de classe média alta. A vida na fábrica, nos cortiços do bairro paulistano do Brás, são o cenário de pequenos dramas cotidianos centralizados no amor, no sexo e no dinheiro. Abordando as consequências da industrialização brasileira do século XX, Parque Industrial se consagrou tanto como retrato de época quanto como um manifesto em favor de seus personagens. Com habilidade sutil, Pagu denuncia as precárias condições enfrentadas pelas trabalhadoras da indústria têxtil paulistana, alinhando a isso as frustrações, traumas e vivências pessoais da mulher proletária. Este livro é passagem obrigatória não só para os leitores de Pagu, mas a quem se interessa pelo panorama social do período.

Os Órgãos dos Sentidos, de Adam Ehrlich Sachs (Todavia, 224 páginas, R$ 69,90)

Em Os órgãos dos sentidos, lançado pela Todavia, o norte-americano Adam Ehrlich Sachs combina obsessão científica e loucura ao imaginar o filósofo e matemático alemão Gottfried Leibniz (1646-1716) envolvido em uma ousada previsão astronômica. A história começa no ano de 1666, quando um astrônomo afirma que um eclipse solar vai acontecer ao meio-dia de 30 de junho, deixando a Europa na escuridão por não mais do que quatro segundos. Esse cientista, responsável por uma previsão tão certeira, seria cego? E se estivesse usando o maior telescópio do mundo? Esses rumores chegam a Leibniz, antes de ele se tornar uma referência da matemática, e assim a narrativa se desenvolve: três horas antes do possível acontecimento, o jovem gênio — em crise existencial — parte em busca do profeta. Uma deliciosa deturpação da História para os leitores da Bamboletras.

Modernidade em Preto e Branco: Arte e Imagem, Raça e Identidade no Brasil, 1890-1945, de Rafael Cardoso (Companhia das Letras, 368 páginas, R$ 99,90)

Modernidade em preto e branco oferece ao leitor não só um novo entendimento a respeito de um dos principais movimentos artísticos do país, mas também uma janela para compreender a primeira metade do século XX. Geralmente entendido como um movimento de elite, o modernismo brasileiro costuma ser associado a um seleto grupo paulistano. Contudo, desde as primeiras favelas das décadas de 1890 e 1900 até a reinvenção do carnaval nos anos 1930 e 1940, e atravessado pelo boom das novas mídias impressas e da fotografia, o modernismo perpassou diversas classes sociais e áreas geográficas. Neste livro, Rafael Cardoso oferece uma releitura radical do movimento, trazendo à luz elementos absolutamente centrais para seu desenrolar — e que não se encontram somente em terras paulistas. Ilustrado com uma centena de imagens, Modernidade em preto e branco combina extensa pesquisa com uma prosa envolvente, que guia o leitor da Bamboletras por diversos âmbitos da sociedade brasileira entre 1890 e 1945.

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Vila Sapo, de José Falero

Vila Sapo, de José Falero

Foi um pouco complicado conseguir o Vila Sapo para ler. Li antes o excelente romance Os Supridores e o livro de crônicas Mas em que mundo tu vive?, mas o livro de estreia tinha passado batido. Consegui um exemplar emprestado e não me decepcionei. É um pequeno livro com 6 contos nada longos, que pode ser lido em uma ou duas sentadas, e que vale a pena. A temática é semelhante à do romance Supridores e não fica longe de várias crônicas do Mas em que mundo.

É estranho ler o primeiro livro de um autor logo após a leitura dos últimos. Tudo fica mais claro. Muitas vezes um livro muito bom como Os Supridores consegue dissimular suas intenções sob uma trama muito presente. Já Vila Sapo — sem ser ruim, de modo algum — deixa transparecer mais cruamente suas razões de ser.

O primeiro conto, Atotô, é uma joia em que três meninos observam e comentam as pessoas que flanam pela Vila até que um acontecimento faz com que eles abandonem seu posto. Dignidade-relâmpago é um sensacional thriller com direito à perseguições. Aconteceu amor é a esplêndida demonstração de coragem de uma jovem mulher e em Um otário com sorte é o narrador que flana em um ônibus contando o que vê até chegar à casa da irmã após um belíssimo primeiro parágrafo. Estes são 4 contos perfeitos. 4 em 6 — sendo que são os 4 mais longos.

Um baita livro. Falero não erra. Ou apenas erra ao vestir tanto a camiseta abaixo. Tá louco!

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Quatro Peças, de Anton Tchékhov

Quatro Peças, de Anton Tchékhov

Com a idade, a sensibilidade do leitor vai se alterando, ao menos foi assim com a minha. Hoje, acho que Tchékhov é o maior dos escritores russos. Este livro, por exemplo, é maravilhoso. São peças de teatro, não é romance nem contos, mas é complicado encontrar livro melhor. O que Tchékhov nos apresenta é a vida. Ele foi inigualável no manejo da arte dos detalhes. Um riso, uma frase, uma descrição e, pronto, temos desvelado um ser humano diante de nossos olhos. Andrei Konchalovsky dizia escrever seus roteiros considerando sobre o que pensaria Tchékhov daquilo. Após lê-lo um livro de Tchékhov também ficamos um bom tempo em sua companhia, no que somos aqui auxiliados pelo excelente tradutor Rubens Figueiredo. Há textos de contextualização para cada peça e cada uma dessas histórias guarda o melhor Tchékhov nas linhas e nas entrelinhas de seus extraordinários diálogos. E a gente fica com a certeza de que o russo poderia realmente fazer tudo, tal seu talento.

Ricardo Piglia escreveu que o segredo de um conto bem escrito é que, na realidade, todo conto narra duas histórias: uma em primeiro plano e outra que se constrói em segredo. A arte do contista estaria em saber cifrar a segunda história nos interstícios da primeira. Uma história visível esconde uma história secreta, narrada de forma elíptica e fragmentária. O efeito de surpresa se produz quando o final da história secreta nos salta aos olhos. Às vezes, o que parece supérfluo para uma história é fundamental para a outra. É o que Tchékhov consegue em suas peças. As pessoas falam e falam de muitas coisas, muitas vezes de banalidades, mas suas banalidades escondem coisas fundamentais. As entrelinhas dos textos chegam a aparecer em negrito piscante para nós…

A sinopse de cada história é curta e, na verdade, é apenas informativo escrever sobre cada uma delas, pois há muitos personagens e o que interessa são os notáveis diálogos.

A Gaivota tem com uma peça dentro dela. Ela é montada para familiares e amigos. O autor é o filho de uma grande atriz. Ela assiste a peça e a acha passadista e medíocre. A peça de Trepliov descreve uma harmonia estética incompatível com as pessoas que a assistem e com a frustração encarada pelo próprio autor, que é bastante ridicularizado. E mais não digo.

Tio Vânia é de enlouquecer de tão perfeita. O personagem-título passou sua vida cuidando de uma fazenda e repassando seus lucros ao dono da mesma, na esperança de garantir o futuro de um familiar. Então o dono, Serebriákov, um “acadêmico e escritor de alto mérito”, sem maiores considerações, resolve outra coisa. A peça é também um olhar sobre a velhice, tanto de Vânia como de Serebriákov, que casado com a jovem, bela e cobiçada Elena.

Três Irmãs é o mais fraco de todos, mas o profundo lirismo das aspirações das irmãs fazem dela uma peça muito bonita e triste. Olga, Irina e Macha, vivem numa província no interior da Rússia, em companhia de seu irmão André. Olga é a professora solteira que vê os anos, a oportunidade de casar e de se mudar passarem. Macha é a esposa de um professor que aos poucos percebe a mediocridade do marido. Irina, a mais nova, que é a única que ainda acredita no futuro. Todas idealizam Moscou como a sua única salvação, o lugar onde haviam passado uma infância feliz.

O Jardim das Cerejeiras é outra maravilha tão grande quanto Tio Vânia. A emancipação dos servos assinada por Alexandre II em 1861 permitiu a eles adquirirem riqueza e status — se trabalhassem –, enquanto alguns aristocratas empobreciam, incapazes de manter suas propriedades sem o trabalho barato da escravidão — e sem o próprio trabalho, pois trabalhar seria indigno deles. O efeito dessas reformas ainda eram sentidos enquanto Tchékhov escreveu a peça quarenta anos depois. Um desses ex-servos avisa e avisa que a casa, a fazenda e o jardim das cerejeiras seriam perdidos pela família, mas ela prefere não acreditar nisso.

Anton Tchékhov (1860-1904)

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Bamboletras recomenda Modernismo e Juremir

Bamboletras recomenda Modernismo e Juremir

A newsletter desta quarta-feira da Bamboletras.

Olá!

Esta semana sugerimos dois livros sobre o Modernismo brasileiro. O primeiro vem coberto de elogios e é de autoria do sociólogo e professor Sergio Miceli. O segundo é de um personagem do movimento — são inéditos do grande Oswald de Andrade. E o terceiro é a poesia Juremir Machado da Silva o que é garantia de qualidade e cultura.

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Lira Mensageira — Drummond e o grupo modernista mineiro, de Sergio Miceli (Todavia, R$ 74,90, 264 páginas)

Ninguém conhece tão profundamente os mecanismos que regem a vida intelectual do Brasil quanto Sergio Miceli. Este livro dá continuidade a seu projeto. No centro da análise estão Drummond e seus contemporâneos em Minas Gerais. Miceli mostra de forma inovadora os caminhos disponíveis para aqueles literatos que se encontravam no café Estrela. A obra traz olhares sobre o modernismo paulista e a classe política na Era Vargas. Em ensaio com foco nas obras de estreia de Menotti del Picchia, Guilherme de Almeida, Mário de Andrade, Oswald de Andrade e outros, Miceli traça um panorama do que seria a Semana de 22, cravejado de tensões que seriam posteriormente diluídas.

Diário Confessional, de Oswald de Andrade (Cia. das Letras, R$ 99,90, 560 páginas)

“Resiste/ Coração de Bronze!”, anota Oswald de Andrade em diferentes momentos nas páginas de seus diários. Os cadernos deixados pelo autor de Serafim Ponte Grande incluem uma seção intitulada “Diário confessional”, que teve início em 1948 e fim em 1954, meses antes de sua morte. Esse material – que permaneceu inédito por cerca de setenta anos – finalmente vem à luz com a publicação do presente volumeNesses registros, somos apresentados a uma figura bem distinta do personagem irreverente que se consagrou em nosso imaginário. Aqui está a mente extraordinária e inquieta, cáustica e ao mesmo tempo amorosa do escritor – mas também passamos a conhecer um homem em crise, profundamente atormentado por incertezas. Documento singular para compreender a cena artística, literária, política e histórica brasileira do período, bem como as transformações que desenharam a cidade de São Paulo na metade do século XX, Diário confessional é o retrato de uma época e de um dos mais notáveis intérpretes da nossa cultura.

Quase (Toda) Poesia, de Juremir Machado da Silva (Sulina, R$ 44,90, 280 páginas)

Conhecemos o grande radialista, jornalista e cronista, o excelente entrevistador, o ótimo romancista e ensaísta Juremir, além, é claro, do santanense. É a hora de conhecer sua poesia. “Publico este livro para marcar meus sessenta anos (29 de janeiro de 2022). Parafraseando outro poeta, já não temo, hoje faço com meus versos o meu viver. E talvez o meu morrer. Tudo é permitido quando o tempo se esvai: rimar ou não, confessar-se, revelar-se, desvelar-se, desnudar-se, recuar.”

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Obras clássicas odiadas por autores famosos (I)

Obras clássicas odiadas por autores famosos (I)

“Fiquei um pouco entediado depois de um tempo. Quer dizer, a estrada parecia ser muito longa.”

Por Emily Temple (tradução do autor do blog)

O mundo literário pode ser uma espécie de câmara de eco. Ou seja, se um número suficiente de pessoas diz que um livro é “ótimo”, o fato se torna oficial. Torna-se um Grande Livro, e olhares horrorizados são dirigidos a quem ousar menosprezá-lo. Reputações como essa podem ser feitas mesmo quando quase ninguém leu o livro em questão, apenas passando alguns “ouvi dizer que é incrível”. Mas mesmo quando todos parecem concordar, é uma aposta segura que existem alguns — em alguns casos mais do que alguns — dissidentes por aí. Eles podem estar apenas escondidos.

Parece uma pena hoje em dia que muitos escritores sentem que não podem expressar publicamente quaisquer sentimentos negativos sobre um livro — isto é ruim para os leitores, que cada vez mais contam com seus autores favoritos para sugestões, e também para a indústria do livro, que corre o risco de exagerar em seus esquecimentos. Entendo por que isso acontece, mas isso é um ensaio para outra hora.

Tudo isso para dizer que é divertido ver um gigante levar uma surra (especialmente se você secretamente não gostou tanto daquele gigante), e ainda mais divertido ver gigantes lutarem — que é mais ou menos como eu me sinto lendo grandes escritores menosprezando o trabalho de outros grandes escritores. Todas as lendas em questão são seguras, o que torna a dissensão literária — e convenhamos, comentários maldosos — um prazer sem culpa.

Então, sem mais delongas, uma seleção de escritores que odiavam livros que se tornaram clássicos e o que diziam sobre eles. Se eles estavam certos ou errados ainda está em debate.

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Virginia Woolf em Ulysses, de James Joyce

De seus diários:

Quarta -feira , 16 de agosto de 1922:
Eu deveria estar lendo Ulysses e inventando o meu a favor e contra. Li 200 páginas até agora — nem um terço — e foram momentos divertidos, estimulantes, encantadores, interessantes os primeiros dois ou três capítulos, até o fim da cena do cemitério. E então tudo ficou entediante, irritante e desiludido como se fosse escrito por um estudante enjoado. Tom, o grande Tom [TS Eliot], acha que isso está no mesmo nível de Guerra e Paz! Um livro analfabeto, mesquinho, parece-me. O livro de um trabalhador autodidata, e todos sabemos como são angustiantes, como são egoístas, insistentes, crus e, em última análise, nauseantes. Quando se pode comer a carne cozida, por que servir-se da crua? Mas acho que se você é anêmico como Tom, há glória no sangue. Posso revisar isso mais tarde sem comprometer minha sagacidade crítica. Eu planto um graveto no chão, marcando a página 200.

Quarta-feira, 6 de setembro de 1922:
terminei Ulysses e acho que é falho. É também genial, eu acho; mas de extração inferior. O livro é difuso. É salobro. É pretensioso. É um subproduto não apenas no sentido óbvio, mas também no sentido literário. Um escritor de primeira linha que quer escrever para ser complicado, que gosta de acrobacias. Lembrou-me o tempo todo de algum garoto de escola inexperiente, cheio de inteligência e poderes, mas tão autoconsciente e egoísta que perde a cabeça, torna-se extravagante, barulhento, inquieto, faz as pessoas gentis sentirem pena ele e deixa as pessoas severas irritadas; esperando que ele cresça com isso. Só que, como Joyce tem 40 anos, isso não parece provável… É totalmente absurdo compará-lo com Tolstói.

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Um psicopatinha

Um psicopatinha

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Eu desconfiava. Todas as minhas luzes de alerta piscavam quando ele estava por perto, principalmente nos últimos seis meses de nosso contato. Informando-me, aprendi que a psicopatia poderia apresentar diversos níveis, alguns mais severos e outros mais brandos. Meu psicopata não era um serial killer de filme, apenas tinha charme e afetividade superficiais — ambas sujeitas a chuvas e trovoadas –, amor pela mentira — criava todo um mundo ao redor de suas invenções — e parecia incapaz de sentir culpa ou remorso. Simpático, era curiosamente incapaz de unir-se a alguém em empatia. E, bem, depois de algum tempo, passou a demonstrar verbalmente o que estava claro em sua postura. Ele desejava o mal de muita gente, às vezes trabalhando duro para isso. Criava fakes, descobria coisas e sistematicamente queria prejudicar alguém.

Eu convivia numa boa trabalhando com o louco. Tenho minha redoma bem construída. Só me dei conta de que a coisa era grave quando ouvi ele falar de seu próprio potencial e talento, coisas verdadeiramente enormes e ecléticas que foram solapadas pela família. Ele poderia ter sido músico, artista plástico, advogado ou chef, mas os fatores externos o prejudicaram. Notei que, dono de um sincero e equivocado sentimento de grandeza, ele agora esperava ser reconhecido como tal, mesmo sem nenhuma realização.

Um belo dia, meio irritado, chutei numa conversa com outro colega. “Ele vai acabar se relacionando com uma mulher bem simples e jovem, inexperiente, afinal, ele precisa de plateia”. Putz, não deu outra. Dei-lhe os parabéns.

Um dia, ele veio com uma estranha história de um assédio sexual que sofrera na infância. Era um caso grave, como todos os do gênero. Voltou ao assunto dias depois, descrevendo uma coisa impossível do ponto de vista físico, coisa de contorcionista mesmo. Fui sacana, pedi mais detalhes e ele amenizou a mentira. Disse que nunca tinham chegado ao ato, que eram só carinhos que ele detestava receber. Aliás, na mesma oportunidade ele me disse que achava que sua jovem mulher tinha uma demanda excessiva de carinhos, enquanto ele só queria sexo. “Tu estás com ela só pelo sexo?”, perguntei. “Claro! Amor a gente finge, As mulheres pedem coisas demais!”.

Os comentários que fez a respeito da moça quando romperam foram de matar. Para justificar a separação, ele criou um fracasso pessoal para ela, coisa que foi recebida com justificado ódio pelas colegas. Ela era perdulária, frígida e fácil de substituir, tanto que ele já estava encaminhando uma nova relação antes de finalizar esta. Sua falta de emoção tornava sombria a bizarrice daquelas declarações públicas.

É um psicopatinha que anda solto por aí. Agora bem longe.

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Os livros mais vendidos em janeiro na Bamboletras

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Bamboletras recomenda Arbex e outros dois grandes livros

Bamboletras recomenda Arbex e outros dois grandes livros

A newsletter desta quarta-feira da Bamboletras.

Olá!

Três livros bem diferentes entre si são as recomendações da Bamboletras para a semana. O primeiro é mais uma baita reportagem de Daniela Arbex. Como nosso país insiste em produzir tragédias, precisamos de cronistas que as documentem e Arbex é notável nisso. O segundo livro é sobre a saudade de um pai por uma filha que não conheceu. E o terceiro narra brilhantemente um caso de gravidez adolescente.

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Arrastados, de Daniela Arbex (Intrínseca, R$ 59,90, 328 páginas)

Daniela Arbex é uma tremenda repórter. Dela, já tivemos livros perfeitos como Holocausto Brasileiro — sobre o Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena — e Todo o dia a mesma noite — sobre o incêndio da boate Kiss. Agora, ela retorna com Brumadinho. No dia 25 de janeiro de 2019, a B1, barragem desativada da Mina do Córrego do Feijão, explorada pela mineradora Vale na cidade de Brumadinho, MG, rompeu. Seu rastro de lama, rejeitos de minério e destruição se estendeu por mais de 300 quilômetros, levando torres de transmissão, trens de carga, pontes, casas, árvores, animais e, na contagem oficial da tragédia, a vida de 270 pessoas. Jornalista investigativa premiada, a mineira Arbex foi a campo para reconstituir em detalhes as primeiras 96 horas da tragédia. Ela entrevistou sobreviventes, familiares das vítimas, bombeiros, médicos-legistas, policiais e moradores das áreas atingidas. Arbex retornou à região para acompanhar o impacto das disputas por indenizações e contrapartidas institucionais para a reparação dos danos materiais. Além da escrita precisa da autora, que reconstitui a trajetória das vítimas e dos trabalhos de resgate com toda a brutalidade da tragédia, mas ao mesmo tempo com extrema delicadeza, o livro apresenta ainda fotografias que ajudam a dimensionar e humanizar a tragédia. Novamente, Arbex constrói memória e impede que mais uma catástrofe brasileira se perca em meio à banalidade do noticiário cotidiano.

Princípio de Karenina, de Afonso Cruz (Cia. das Letras, R$ 59,90, 200 páginas)

Uma carta de amor de um pai à filha que não conheceu, revelando distâncias e aproximações. Uma história de amor impossibilitada pelo medo. Uma reflexão sobre o que somos e o que desejamos ser. “Eu seria muito infeliz num mundo feliz. Ela seria feliz em qualquer mundo. Esta história, minha e da tua mãe, é também a tua.” Com essa referência à célebre frase que abre o romance Anna Kariênina, de Tolstói, um pai se dirige à filha que não conheceu para lhe contar a sua história – que é também a história dela –, numa longa carta que é uma entrega sincera e emotiva, mas também uma bela reflexão sobre o significado da felicidade. Há um pai que ergue muros de silêncio, uma criada muito velha, uma amante. Estes são alguns dos personagens que testemunham – ou dificultam – a busca desse homem por um amor incondicional. Afonso Cruz é um multipremiado autor português.

Em Carne Viva, de Jacqueline Woodson (Todavia, R$ 59,90, 144 páginas)

Este romance centra-se em duas famílias negras que se uniram quando Iris e Aubrey, um casal de adolescentes ainda no colégio, descobriram que seriam pais. Ao revelar esta nova família singular — e remontar ao massacre racial de Tulsa em 1921 — Jacqueline Woodson explora o desejo sexual, identidade, ambição, gentrificação, educação, classe, status e as mudanças de vida advindas da paternidade. Em Carne Viva olha para o fato de que os jovens, muitas vezes, devem tomar decisões duradouras sobre suas vidas — até mesmo antes de começarem a descobrir quem são e o que querem ser.

Daniela Arbex

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100 anos de Ulysses: ‘Nota sobre o homem feminino’

100 anos de Ulysses: ‘Nota sobre o homem feminino’

Outro fragmento encontrado no meu micro. Sim, no dia 2 de fevereiro, Ulysses completará 100 anos incomodando.

Quando nos encontramos com Leopold Bloom, ele está fazendo café da manhã para sua esposa e falando carinhosamente com um gato. Se você passasse por Bloom na rua, nunca o notaria. Sua vida exterior é circunscrita pelas ruas de Dublin e pelas exigências de sua carreira totalmente inconsequente (publicitário), mas sua vida interior é vasta e cheia de humor. Ele está totalmente à vontade com suas próprias sombras e contradições. Ele aceita o mundo e sente prazer nas menores coisas. Conheceu a tragédia — o suicídio de seu pai, a morte de seu filho recém-nascido — e conheceu a alegria, como marido de Molly e pai de Milly. Ele ama animais, abomina a violência e aceita o fato de que sua esposa está transando com outra pessoa. Esta última parte lhe causa dor, mas ele aprendeu há muito tempo que o mundo é maior do que sua dor e possessão não faz parte de sua compreensão do amor.

Bloom é o filho de um imigrante judeu e, portanto, não é a escolha óbvia para ser o herói de um épico irlandês. Bloom é Dublin por completo, mas ele ainda é um estranho. Seus concidadãos gostam muito dele, mas ele ainda é um mistério e eles não confiam nele. Em suas mentes, ele é passivo e “feminino”. Todos sabem que sua esposa está tendo um caso. O que está errado com ele? Que tipo de homem é esse?

Bloom é rapidamente ridicularizado por expressar essa queixa sentimental, mas ele não parece se importar. Ele tem acesso a uma palavra, a um sentimento, a um universo — o amor — que homens como os seus contemporâneos fazem tudo o que podem para evitar. Porque deixar entrar aquela palavra, esse sentimento, destruiria a fachada de força que eles passam todo o tempo tentando manter.

O labirinto de Ulysses parece ter sido projetado com um propósito, dentre outros: neste dia comum, 16 de junho, um jovem, Stephen Dedalus, conhecerá um homem mais velho, Leopold Bloom, que é totalmente livre das definições de masculinidade que fizeram o mundo tão miserável. Bloom acorda Stephen de seu pesadelo.

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100 anos de Ulysses: ‘Alguma coisa sobre o sexo em Ulysses

100 anos de Ulysses: ‘Alguma coisa sobre o sexo em Ulysses‘

Este fragmento estava no meu micro. Não lembro de tê-lo escrito, mas tenho tantos arquivos esquecidos por aí que sei lá se é meu ou copiado. Minha dúvida vem dos muitos parênteses. Não costumo usá-los tanto assim. Bem, vocês devem saber que Ulysses completa 100 anos no próximo dia 2 de fevereiro, não?

O tema da sexualidade é essencial no Ulysses de James Joyce. Este romance é pontuado de passagens que descreve sexo e, principalmente, falam a respeito. Tal onipresença da sexualidade conduz o leitor através do romance como um tema central: a maioria das ações centra-se no encontro das 16h entre a esposa de Leopold Bloom, Marion (Molly) Bloom e Hugh Boylan. Este encontro é muito significativo durante aquele 16 de junho de 1904. Engraçado meu relógio parou às quatro e meia, ele vem à tarde,  Bloom está sempre com isso na cabeça.  São apenas duas as passagens que se referem ao encontro de Molly com Boylan e, portanto, a seu caso com outro homem.

Desde sua publicação, Ulysses criou grande polêmica devido a suas passagens obscenas. O livro foi classificado como escandaloso e se tornou um objeto de censura. Hoje, não parece tão obsceno, porém o caráter de Leopold Bloom surpreende e é moderno até hoje.

Leopold Bloom tem enorme admiração pela esposa, acha-a linda, parece envaidecido com os elogios que ela recebe, mas não dorme com ela desde a morte de seu filho Rudy, mais de uma década antes. Como alternativa, procura por pequenas “aventuras eróticas” em sua vida cotidiana. No açougue, ele dá uma boa olhada no traseiro de uma mulher. Caminha atrás dela. Agradável ver isso logo de manhã. Em outra passagem, Bloom observa uma bela dama na rua enquanto está conversando com McCoy até que de repente um bonde passa e bloqueia sua visão.

A história está cheia desses pequenos incidentes, que são uma alternativa à antiga vida sexual de Bloom com Molly. Lembrando-se de um momento íntimo com sua esposa, Leopold Bloom, nota uma diferença entre ele mesmo há 10 anos: “Eu. E eu agora. ”. Ele de certa forma se apieda e anseia por afeição física, que ele compensa com a masturbação.

Ao longo da história, o leitor descobre vários encontros sexuais de Leopold Bloom com outras mulheres.

Leopold Bloom tem uma correspondência erótica com uma mulher chamada Martha, para o qual ele usa o pseudônimo “Henry Flower”. Ao ler a carta de Martha, pode-se supor que Martha está ansiosa para conhecer Bloom, e também que Bloom deve ter negado esse pedido várias vezes: “Oh, como eu anseio em conhecê-lo. Henry querido, não negue meu pedido antes que minha paciência se esgote.”. No geral, a carta de Martha parece ser muito apaixonada e íntima, já que ela se refere a Bloom como “desobediente”. Bloom, por outro lado, parece estar bastante entediado, ou talvez até incomodado com essa correspondência, o que pode ser visto na passagem em que ele responde à carta de Martha. Sentado em um hotel, ele casualmente escreve sua carta, fingindo que é um anúncio e observando que ninguém perceba que na verdade não é.

No entanto, Leopold Bloom quer manter contato com Martha e tenta “continuar assim”. Ele só pode usar essa correspondência para aumentar sua autoconfiança, já que Martha adora ‘Henry Flower’.

O 13º episódio Nausicaa fala sobre Bloom estar na praia assistindo uma jovem garota chamada Gerty MacDowell. Este episódio pode ser visto como uma das passagens centrais sobre a sexualidade em Ulysses. Também pode ter sido recebido como a passagem mais “obscena” do romance, quando Leopold Bloom observa a uma jovem garota, que provavelmente tem mais ou menos a mesma idade de sua própria filha, com uma conotação erótica. Além disso, o protagonista se masturba na praia, o que teve um caráter ofensivo nos tempos de Joyce.

O capítulo está dividido em duas partes. A primeira parte é contada por um narrador onisciente em um estilo feminino de escrita. A segunda parte de Nausicaa muda novamente para o monólogo interior de Leopold Bloom.

No início do capítulo, Gerty é descrita como extremamente bela, quase parecida com uma deusa: “A palidez do rosto era quase espiritual em sua pureza de marfim, embora sua boca de rosa fosse um arco genuíno de Cupido, grega perfeito”. Esta menina está passando a tarde na praia com duas de suas amigas, até que Leopold Bloom aparece. Gerty percebe e olha para ele de uma maneira bastante romântica. Ela reconhece o rosto triste de Bloom (“[…] o rosto que encontrou seu olhar lá no crepúsculo, pálido e estranhamente desenhado, pareceu-lhe o mais triste que já vira” e sente uma atração por ele baseado na imaginação romântica . Gerty pergunta a si mesma se esse homem pode se casar (“Havia a questão mais importante e ela estava morrendo de vontade de saber se ele era um homem casado ou um viúvo que perdera a esposa”) e, portanto, pensa em uma vida futura com Leopold Bloom: “Mais querida do que o mundo inteiro, ela seria para ele e douraria seus dias de felicidade”. Apesar do fato de que Gerty tem uma perspectiva muito romântica, ela também está ciente de seu impacto sexual no estranho.

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Os monstros septuagenários (ou octogenários)

Os monstros septuagenários (ou octogenários)

Penso que a reposição de supercraques da música brasileira simplesmente não ocorreu. Dos mais jovens, quem poderia entrar naturalmente nesta lista? Talvez André Mehmari, Lenine, Arnaldo Antunes, Zeca Baleiro e Chico César. Há outros?

Caetano Veloso (7 de agosto de 1942 — idade 79 anos)
Carlos Lyra (11 de maio de 1933 — idade 88 anos)
Chico Buarque (19 de junho de 1944 — idade 77 anos)
Edu Lobo (29 de agosto de 1943 – idade 78 anos)
Egberto Gismonti (5 de dezembro de 1947 — idade 74 anos)
Elomar (21 de dezembro de 1937 — idade 84 anos)
Francis Hime (31 de agosto de 1939 — idade 82 anos)
Gilberto Gil (26 de junho de 1942 — idade 79 anos)
Guinga (10 de junho de 1950 — idade 71 anos)
Hermeto Paschoal (22 de junho de 1936 — idade 85 anos)
Ivan Lins (16 de junho de 1945 — idade 76 anos)
João Bosco (13 de julho de 1946 — idade 75 anos)
João Donato (17 de agosto de 1934 — idade 87 anos)
Jorge Ben Jor (22 de março de 1939 — idade 82 anos)
Marcos Valle (14 de setembro de 1943 — idade 78 anos)
Martinho da Vila (12 de fevereiro de 1938 — idade 83 anos)
Milton Nascimento (26 de outubro de 1942 — idade 79 anos)
Paulinho da Viola (12 de novembro de 1942 — idade 79 anos)
Paulo César Pinheiro (28 de abril de 1949 — idade 72 anos)
Rita Lee (31 de dezembro de 1947 — idade 74 anos)
Tom Zé (11 de outubro de 1936 — idade 85 anos)
Toquinho (6 de julho de 1946 — idade 75 anos)

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Funeral Blues, de W. H. Auden

Funeral Blues, de W. H. Auden

O poema Funeral Blues foi escrito por Auden em 1936, como a Canção 9 do livro Twelve songs, e costuma ser citado como expressão exemplar de um forte sentimento de perda e de luto. O poema ganhou popularidade internacional devido ao filme Quatro casamentos e um  funeral, numa cena em que o personagem Matthew homenageia seu companheiro morto. Funeral Blues foi musicado por Benjamin Britten. Segue o original e algumas traduções. Ao final, colocamos a famosa cena de Quatro casamentos.

Funeral Blues

Stop all the clocks, cut off the telephone, 
Prevent the dog from barking with a juicy bone, 
Silence the pianos and with muffled drum 
Bring out the coffin, let the mourners come. 
 
Let aeroplanes circle moaning overhead 
Scribbling on the sky the message ‘He is Dead’. 
Put crepe bows round the white necks of the public doves, 
Let the traffic policemen wear black cotton gloves. 
 
He was my North, my South, my East and West, 
My working week and my Sunday rest, 
My noon, my midnight, my talk, my song; 
I thought that love would last forever: I was wrong. 
 
The stars are not wanted now; put out every one, 
Pack up the moon and dismantle the sun, 
Pour away the ocean and sweep up the woods; 
For nothing now can ever come to any good. 
 
April 1936

W. H. Auden (1907-1973)

.oOo.
 
Que parem os relógios, cale o telefone,
jogue-se ao cão um osso e que não ladre mais,
que emudeça o piano e que o tambor sancione
a vinda do caixão com seu cortejo atrás.
 
Que os aviões, gemendo acima em alvoroço,
escrevam contra o céu o anúncio: ele morreu.
Que as pombas guardem luto — um laço no pescoço —
e os guardas usem finas luvas cor-de-breu.
 
Era meu norte, sul, meu leste, oeste, enquanto
viveu, meus dias úteis, meu fim-de-semana,
meu meio-dia, meia-noite, fala e canto;
quem julgue o amor eterno, como eu fiz, se engana.
 
É hora de apagar estrelas — são molestas —
guardar a lua, desmontar o sol brilhante,
de despejar o mar, jogar fora as florestas,
pois nada mais há de dar certo doravante.
 
(tradução de Nelson Ascher)

.oOo.
 
Parem todos os relógios, desliguem o telefone,
Não deixem o cão ladrar aos ossos suculentos,
Silenciem os pianos e com os tambores em surdina
Tragam o féretro, deixem vir o cortejo fúnebre.
 
Que os aviões voem sobre nós lamentando,
Escrevinhando no céu a mensagem: Ele Está Morto,
Ponham laços de crepe em volta dos pescoços das pombas da cidade,
Que os polícias de trânsito usem luvas pretas de algodão.
 
Ele era o meu Norte, o meu Sul, o meu Este e Oeste,
A minha semana de trabalho, o meu descanso de domingo,
O meio-dia, a minha meia-noite, a minha conversa, a minha canção;
Pensei que o amor ia durar para sempre: enganei-me.
 
Agora as estrelas não são necessárias: apaguem-nas todas;
Emalem a lua e desmantelem o sol;
Despejem o oceano e varram o bosque;
Pois agora tudo é inútil.
 
(tradução de Maria de Lourdes Guimarães)

.oOo.
 
Parem já os relógios, corte-se o telefone,
dê-se um bom osso ao cão para que ele não rosne,
emudeçam pianos, com rufos abafados
transportem o caixão, venham enlutados.
 
Descrevam aviões em círculos no céu
a garatuja de um lamento: Ele Morreu.
no alvo colo das pombas ponham crepes de viúvas,
polícias-sinaleiros tinjam de preto as luvas.
 
Era-me Norte e Sul, Leste e Oeste, o emprego
dos dias da semana, Domingo de sossego,
meio-dia, meia-noite, era-me voz, canção;
julguei o amor pra sempre: mas não tinha razão.
 
Não quero agora estrelas: vão todos lá para fora;
enevoe-se a lua e vá-se o sol agora;
esvaziem-se os mares e varra-se a floresta.
Nada mais vale a pena agora do que resta.
 
(tradução de Vasco Graça Moura)

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Parem todos os relógios, desliguem o telefone,
Não deixem o cão ladrar aos ossos suculentos,
Silenciem os pianos e abafem o tambor
Tragam o caixão, deixem passar a dor. 
 
Que os aviões voem sobre nós lamentando,
Escrevinhando no céu a mensagem: Ele Está Morto,
Ponham laços de crepe nos pescoços das pombas da região,
Que os polícias de trânsito usem luvas pretas de algodão. 
 
Ele era o meu Norte, o meu Sul, o meu Este e Oeste,
A minha semana de trabalho, o meu descanso de domingo,
O meu meio-dia, a minha meia-noite, a minha conversa, a minha canção;
Pensei que o amor ia durar para sempre: “não tinha razão”. 
 
Agora as estrelas não são necessárias: apaguem-nas todas;
Emalem a lua e desmantelem o sol;
Despejem o oceano e varram a floresta;
Pois agora nada mais de bom nos resta.
 
(tradução anônima)

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Parem os relógios, cale o telefone 
Evite o latido do cão com um osso 
Emudeça o piano e que o tambor surdo anuncie 
a vinda do caixão, seguido pelo cortejo. 
 
Que os aviões voem em círculos, gemendo 
e que escrevam no céu o anúncio: ele morreu. 
Ponham laços pretos nos pescoços brancos das pombas de rua 
e que guardas de trânsito usem finas luvas de breu. 
 
Ele era meu Norte, meu Sul, meu Leste e Oeste 
Meus dias úteis, meus finais-de-semana, 
meu meio-dia, meia-noite, minha fala e meu canto. 
Eu pensava que o amor era eterno; estava errado 
 
As estrelas não são mais necessárias; apague-as uma por uma 
Guarde a lua, desmonte o sol 
Despeje o mar e livre-se da floresta 
pois nada mais poderá ser bom como antes era. 
 
(tradução anônima)

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À morte de um canalha, por Mario Benedetti

À morte de um canalha, por Mario Benedetti

(Em 2006, em “homenagem” à morte de Pinochet, o grandíssimo Mario Benedetti (1920-2009) escreveu o poema que segue em tradução livre encontrada na rede).

À morte de um canalha, por Mario Benedetti

Vamos festejá-lo
venham todos
os inocentes
os lesados
os que gritam à noite
os que sonham de dia
os que sofrem no corpo
os que alojam fantasmas
os que pisam descalços
os que blasfemam e ardem
os pobres congelados
os que amam alguém
os que nunca se esquecem
vamos festejá-lo
venham todos
o crápula morreu
acabou-se a alma negra
o ladrão
o suíno
acabou-se para sempre
hip-hurra´
que venham todos
vamos festejá-lo
e não-dizer
a morte
sempre apaga tudo
a tudo purifica
qualquer dia
a morte
não apaga nada
ficam
sempre as cicatrizes
hip-hurra´
morreu o cretino
vamos festejá-lo
e não-chorar por vício
que chorem seus iguais
e que engulam suas lágrimas
acabou-se o monstro prócer
acabou-se para sempre
vamos festejá-lo
a não-ficarmos tíbios
a não-acreditar que este
é um morto qualquer
vamos festejá-lo
e não-ficarmos frouxos
e não-esquecer que este
é um morto de merda

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A la muerte de un canalla

Vamos a festejarlo!
vengan todos!
los inocentes, los damnificados
los que gritan de noche
los que sueñan de día
los que sufren el cuerpo
los que alojan fantasmas
los que pisan descalzos
los que blasfeman y arden
los pobres congelados
los que quieren a alguien
los que nunca se olvidan
vamos a festejarlo!
¡vengan todos!
el crápula se ha muerto!
se acabó el alma negra!
el ladrón
el cochino
se acabó para siempre
hurra!
que vengan todos
¡vamos a festejarlo!
a no decir: la muerte siempre lo borra todo
todo lo purifica cualquier día
la muerte no borra nada!
quedan siempre las cicatrices
hurra!
murió el cretino
vamos a festejarlo!
a no llorar de vicio!
que lloren sus iguales y se traguen sus lágrimas!
se acabó el monstruo prócer!
se acabó para siempre!
vamos a festejarlo!
a no ponernos tibios!
a no creer que éste es un muerto cualquiera
vamos a festerjarlo!
a no volvernos flojos!
a no olvidar que éste
es un muerto de mierda

Por Mario Benedetti
Montevideo, 11 de diciembre 2006.

Mario Benedetti (1920-2009)

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Em 3 sugestões, a Bamboletras reúne passado, presente e futuro

Em 3 sugestões, a Bamboletras reúne passado, presente e futuro

A newsletter desta quarta-feira da Bamboletras.

Olá!

As sugestões da semana têm a ver com passado, presente e futuro. Passado que se reflete até hoje na obra Memórias do Esquecimento, de Flávio Tavares. Presente na discussão sobre racismo e feminismo da autoficção da grande Djaimilia Pereira de Almeida, Esse Cabelo. E futuro no livro sobre Edgar Morin que trata dos desafios multidisciplinares do século XXI — num mundo cada vez mais especializado.

Excelente semana com boas leituras!

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Esse Cabelo, de Djaimilia Pereira de Almeida (Todavia, R$ 57,90, 104 páginas)

Romance de estreia da excelente Djaimilia, Esse Cabelo é um livro amoroso e um tanto irônico. Nascida em Angola em 1982 e agora vivendo em uma nação da periferia da Europa, o romance é a história da maturidade de uma mulher negra que é considerada forasteira em seu próprio país e não consegue enxergar a possibilidade de “retornar” a uma pátria que, de fato, jamais foi sua. Obra de estreia de Djaimilia Pereira de Almeida, com pontos de contato com o romance pós-colonial, o ensaio de identidade e a autoficção, este livro traz uma contribuição única a um diálogo global cada vez mais importante sobre racismo, feminismo, colonialismo e independência.

Memórias do Esquecimento, de Flávio Tavares (L&PM, R$ 46,90, 269 páginas)

Vencedor do Prêmio Jabuti, Memórias do Esquecimento é um relato cru sobre a prisão e a tortura após o golpe militar de 1964 no Brasil. Formado em Direito e professor da UnB, o jornalista Flávio Tavares participou da resistência à ditadura e foi preso. Libertado com outros catorze presos políticos em troca do embaixador dos Estados Unidos, em 1969, iniciou longo exílio no qual foi vítima (e sobrevivente) da chamada Operação Condor. Este livro é um testemunho sobre os labirintos de uma época sombria e tortuosa. Da repressão à resistência, da dor à esperança, está tudo aqui, para jamais esquecer. Livraço!

Edgar Morin — Complexidade no Século XXI, org. de Edgard de Assis Carvalho (Sulina, R$ 39,90, 182 páginas)

O objetivo primordial deste livro é problematizar o significado da obra de Edgar Morin na busca da complexidade perdida, nestes tempos sombrios do século XXI, dominados pela fragmentação, pela especialização, pelas desigualdades e contradições da mundialização. Às vésperas de completar 100 anos em 8 de julho deste ano, Edgar Morin é um pensador polifônico, transdisciplinar, empenhado em desvendar os sentidos do futuro num mundo cada vez mais interligado, interconectado, interdependente. Sua vida e suas ideias transparecem a todo tempo em seus ditos e escritos. Daí decorre a religação entre a razão e a emoção, marca indelével da totalidade de sua extensa obra, que considera a racionalidade aberta como matriz para o desvendamento dos múltiplos sentidos. A complexidade no século XXI será necessariamente transdisciplinar, envolvendo terra, a vida, a cultura, a humanidade. Considerado como um utopia realizável, esse horizonte exigirá a formação de pesquisadores que ultrapassem suas competências disciplinares e proponham interpretações universais, ao mesmo tempo globais e locais, capazes de englobar a totalidade dos saberes.

Djaimilia Pereira de Almeida

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