O Arco-Íris da Gravidade, de Thomas Pynchon

Por Charlles Campos

Flaubert morreu sem realizar seu desejo de escrever um livro que não dissesse absolutamente nada. Olhando de nossa situação no tempo_ do meio do ano 2010_, um escritor que produzia seus romances e contos como quem deita delicadas gotas de estricnina em milimétricos quadrados de vidro, não fica difícil perceber que o célebre francês sonhava com uma composição estética à frente de seu tempo, desvinculada de enredo e de personagens, algo próprio para o século que se desanuviaria e que estaria cheio de descobertas cujo modelo para armar seria a falta de coerência que determinaria tudo: a teoria do caos. Homens como nós, pós-modernos_ ou seja qual novo conceito resume esse não-sei-que cosmopolita_, estamos acostumados à falta de sentido, à independência à linha reta, à conturbação e às reticências que só dão a aparência de que a resposta está de molho pronta para ser lançada sobre nós assim que completa sua maturação. Palavras da cartola da ciência foram postas ao olho vivo da platéia, e o pasmo da descoberta de que todos os presentes fazem parte da ilusão de luz e sombras cujo truque final fará que tudo desapareça, como a bela moça de biquíni escondida no caixote, entraram para o linguajar cotidiano. Entropia, Indeterminação, Relatividade, Dimensões Paralelas, Teoria das Cordas. Se Flaubert viajasse na máquina do tempo de Wells e parasse sem estágios aqui nesse olho do furacão onde moramos em sossego, sentiria a vertigem aterrorizante do herói de casaca amarrado no carrinho da montanha russa em franca aceleração em direção ao abismo à frente, onde os trilhos estão partidos: o som inapreensível da queda com o qual nossos ouvidos acostumados transvertem em músic a de comercial das Casas Bahia que já não nos incomoda.

Coube ao americano Thomas Pynchon, um século depois, chegar o mais próximo do sonho de Flaubert, esbanjando vivacidade e fôlego em um romance de 800 páginas que dá ao leitor o sério problema de não saber definir do trata. “O Arco-Íris da Gravidade”, lançado nos Estados Unidos em 1973, em plena ressaca dos anos 60 e no estilhaço das guerras geográficas que transformou a possibilidade de uma nova guerra mundial em um premonitório fantasma convergido em um hipotético botão nuclear, parece não dizer nada, ser uma caixa caleidoscópica que simula um delírio de LSD, ou, mais apropriadamente, a concha marinha onde está registrado o último nó caótico de sons de uma humanidade que desapareceu para sempre. Uma mensagem final dirigida a ninguém, de seres sem rastro que foram incapazes de emitir qua lquer significado conjunto para configurarem o mínimo propósito à sua existência. Na verdade, “O Arco-Íris da Gravidade” é um grande epitáfio a esse projeto mal fadado que é o homem, fazendo-o numa língua impossível cujo tom é dado pelas suas primeiras frases apoteóticas: “Um grito atravessa o céu. Já aconteceu antes, mas nada que se compara com esta vez.” E como todo epitáfio_ ou todo réquiem_ traz uma profunda ternura por trás de sua acusação da brutalidade da finitude; no paradoxo de desnudar o caos, quando tudo é sugado por sua força implacável, emite uma frágil bolha que flutua tranquila na borda do buraco negro para, no momento que cessa sua efemeridade, libertar uma última reação de importância_ como se houvesse algo de sagrado e duradouro na saudade.

Sobre isso que trata o romance, entenderam?

Não?

Bem, há um personagem principal, um misto de espião americano, experimento vivo ambulante e prodígio sexual, cujo nome é William Tyrone Slotrop. Ele ocupa uma parte avantajada dessas 800 páginas, em que erra peripateticamente por uma Europa pós-segunda guerra devastada, sendo alvo das mais absurdas aventuras, algumas das mais memoráveis delas a luta corporal com um polvo, a fuga cinematográfica de uma plataforma subterrânea de lançamento de foguetes nazista (em cima de uma ogiva e com uma série de alemães enfurecidos atrás), um mergulho para dentro de uma fétida privada de um banheiro masculino, enquanto um negão de exageradas proporções corporais tenta lhe mostrar da pior maneira possível por que erram os que julgam que sua superdotação é puramente cerebral. Es ses e outros infortúnios são narrados numa velocidade estonteante, que desarma o leitor de seu assombro crescente assim que tem a revelação de que o verdadeiro personagem do romance_ como diz o autor das orelhas do livro, e do qual me impossibilita dizer algo diferente_ é a linguagem de Pynchon: seu inglês caudaloso, debochado, anárquico, irreverente, paranóico. Um anarquismo lingüístico que não perdoa nada, que muitas vezes arranca o leitor de sua impressão de atingir compreensão para atirá-lo em uma abrupta análise de um pormenor destoante. Um romance que ultrapassa a média em envolvimento e absorção, principalmente por ser composto por materiais nem um pouco convencionais.

Se a micro-história ou a História das Mentalidades retirou o foco dos estudos dos reis e dos heróis nacionais para se concentrar no homem comum, a prosa de Pynchon continuou uma revolução semelhante na seara do romance, utilizando o lixo, os caçoetes e toda a tralha multicolorida da sub-cultura norte-americana, compondo uma obra soberba que, como haveria de ser, gerou repúdio e muita polêmica. A comissão do prêmio Pulitzer lhe conferira o prêmio de melhor romance do ano de seu lançamento, mas na última hora a direção da comenda o rejeitou sob a acusação de ser um romance pornográfico. Talvez pela irreverência das descrições sexuais de um Slotrop que, sempre que transava com uma mulher, determinava por uma ligação misteriosa com o foguete (e o material com q ue ele era feito, o estranho Imipolex) que o local onde estava fosse destruído, logo depois, por uma explosão. E Pynchon se molda, intencionalmente ou não, ao escritor-mito, por sua completa negação a aparecer na mídia, a dar entrevista ou ser fotografado. Chegaram a sugerir que ele e Salinger fossem a mesma pessoa, ambos afeitos a uma reclusão monástica. Seu tradutor brasileiro_ o excepcional Paulo Henriques Britto_ que nos deu uma das melhores conversões já feita desse romance, retém sob severo juramento cartas do próprio Pynchon, escritas em espanhol, com longos esclarecimentos sobre as partes mais complexas da obra. Cartas que com certeza seriam disputadíssimas entre os milhares de fãs ardorosos que formaram um culto organizado em torno de Pynchon.

E “O Arco-Íris da Gravidade” é inusitadamente engraçado, e não pensem que se trata do risinho renhido do sarcasmo saramaguiano, ou os risos sincronizados do único romance com claque da história da literatura, o Ardil-22_ o livro se mantém numa constante e irresistível eletricidade histriônica, um humor abrangente e sem reservas que é um dos seus poderes inigualáveis: o riso se torna um sério posicionamento filosófico, um costume contaminante que muda nosso confrontamento com o mundo, uma herança erudita transformada de Rabelais, Groucho Marx, Monty Python, Os Três Patetas e Buster Keaton.

E, quando chegamos ao final dessa extensa saga, Pynchon nos soluciona o enigma derradeiro: só assim, usando os despojos de nossa cultura, a falta de vergonha de nosso orgulho desarroado, os nossos preconceitos e nossos ódios infinitos, a nossa miséria e capacidade de nos enganarmos e nos iludirmos eternamente, nossa tecla defeituosa que nunca proporcionou aprendizado com o passado, nosso frenesi e arrogância científica que finge esclarecer, poderemos ter a presciência terrível de que toda piada traz o lamento enrustido de só conseguirmos rir até as lágrimas do outro que cai e arrebenta a cara no muro, e nunca compreendermos que afinal rimos de nós mesmos atirados no chão, todos atolados no caos e vítimas das gritantes trivialidades criadas, na única comunhão possí vel de esperar alegremente o aniq uilamento, como nas palavras que finalizam o livro:

“E é bem neste ponto, este quadro escuro e mudo, que a ponta do Foguete, caindo a um quilômetro e meio por segundo, absoluta e eternamente sem som, alcança seu último imensurável intervalo acima do telhado deste velho cinema, o último delta-t.

Há tempo, se este conforto lhe parece necessário, de tocar a pessoa a seu lado, ou de pôr a mão entre suas próprias pernas frias…ou, se é preciso cantar, eis uma canção que Eles jamais ensinaram a ninguém, um hino de William Slothrop, há séculos esquecido e jamais reeditado, para ser cantado com a melodia simples e agradável de uma ária da época. Acompanhe a bolinha:

É a Mão que faz o tempo andar,

Ainda que em tua Ampulheta se esvaia a areia,

‘Té que a luz que abateu as Torres altas

Chegue à Alma Preterida derradeira…

‘Té que os Viandantes durmam à beira

De toda via desta Zona estropiada

Com um rosto em cada encosta de monte,

E uma Alma em cada pedra da estrada…

Agora todo mundo__”

Este seria Thomas Pynchon há muitos anos

Este, retirado de um site francês, vem até com credencial…

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Também é uma questão de ascensorista, claro

Não podemos ignorar o botão que aperta o dedo do ascensorista…Afinal, sabe-se que FHC não atrai votos, e sim os espanta.

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Béla Bartók – Danças da Romênia

Para uma plateia agitada e feliz, ao ar livre, em Amsterdam, Janine Jansen mostra seu virtuosismo neste série de belas danças do folclore romeno, recolhidas do esquecimento e rearranjadas por Bartók. Não esqueçam que Bartók, um de meus três compositores preferidos — os outros são Bach, Brahms e Beethoven — foi um grande pesquisador e o fundador da etnomusicologia. A inspiração cigana pega fundo em quem nasceu na Transilvânia, quando esta era húngara.

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Porque hoje é sábado, ciúmes de Luiz Carlos Merten

Em primeiro lugar, devo dizer que Merten é, em minha opinião, o melhor crítico de cinema de nosso país.

Em segundo lugar, devo dizer que o considero o melhor porque costumo concordar com ele, o que talvez não seja o critério mais honesto, apesar de ser o mais adequado…

Ele está em Cannes, realizando em copiosos textos a cobertura do festival para seu blog e o Estadão.

Até aí, tudo bem. Só que ele pediu uma entrevista com Juliette Binoche. Não ia dar, ela não ia ter tempo.

Depois, concederam-lhe 10 minutos, uma coisinha de nada.

Só que Merten conversou MEIA HORA com a deusa.

O desgranido garantiu ter sido um MOMENTO MÁGICO.

(Tenho a foto acima autografada pela própria. Presente de Fernando Monteiro.)

Vai tomar no cu, Merten! É óbvio que foi um momento mágico!

Por mim, ela podia vir até suja como na foto acima.

Porém, a deusa — que acaba de filmar Copie conforme com Abbas Kiarostami — está envolvida não só com gaúchos como Merten, mas com iranianos. Vejam abaixo seu sofrimento durante a coletiva que tratou da grave de fome…

… do cineasta Jaafar Panahi, preso no Irã. Uma lástima, né, Merten? Por que não a consolaste? Hein, animal?

(Kiarostami é o que está ao lado de Binoche, de óculos escuros.)

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Universidade de Coimbra escolhe os 10 romances mais representativos da língua portuguesa (e dá vexame)

Reunido ontem em Coimbra, o júri do concurso “10 Paixões em Forma de Romance”, selecionou

1. “Os Maias” de Eça de Queirós,
2. “Memorial do Convento”, de José Saramago,
3. “Dom Casmurro”, de Machado Assis, e
4. “Terra Sonâmbula”, de Mia Couto.

Entre os “10 Mais” escolhidos pelo júri, que integrou os escritores José Luís Peixoto e João Tordo e vários docentes da Faculdade de Letras (FLUC), figuram ainda

5. “Amor de Perdição”, de Camilo Castelo-Branco,
6. “Aparição”, de Vergílio Ferreira,
7. “O Delfim”, de José Cardoso Pires,
8. “Esteiros”, de Soeiro Pereira Gomes,
9. “A Sibila”, de Agustina Bessa-Luís, e
10. “Sinais de Fogo”, de Jorge de Sena.

Segundo o director da Imprensa da Universidade de Coimbra (IUC), João Gouveia Monteiro, para chegar a esta lista final “o júri teve em conta a diversidade e representatividade de diferentes épocas, correntes, geografia e géneros, bem como a expressão da vontade dos votantes”.

Acho que principalmente a vontade… Sim, sou brasileiro com cidadania portuguesa e não me ufano exageradamente nem de um, nem de outro; porém, devo dizer que a lista é ridícula. Achei belas surpresas as presenças do grande Cardoso Pires — desconhecido no Brasil — e de Bessa-Luís, mais conhecida por aqui. Também não pretendo apontar quem deveria entrar ou sair de lista, apenas gostaria de saber em que posição estariam Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, Quarup, de Antônio Callado, Crônica da Casa Assassinada, de Lúcio Cardoso e Os Ratos, de Dyonélio Machado, os primeiros que lembrei e que são muito superiores a Esteiros e Sinais de Fogo, por exemplo.

Charlles Campos lembra Lobo Antunes e Miguel Torga, só para ficar em campo ibérico. Ele chama a lista de furada. Tem razão, claro.

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Estudiantes 2 x 1 Inter

Milton Ribeiro traz de volta seu amor, desata macumbaria, doenças mandadas e da carne. Traz seu emprego de volta — assim como o desejo — , cura doenças e faz com que ela chame seu nome durante o orgasmo com outro homem. Faz tudo ao contrário e vice-versa se você for mulher.

Por isso, EU JÁ SABIA !!!

(Conferir ao final do post abaixo).

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Indo à Bombonera

A decisão de ir à Bombonera ver Boca Juniors x São Paulo foi tomada na própria quarta-feira, 19 de setembro. Meu amigo Dario e seu filho Frederico chegariam aquele dia para que o guri (10 anos) participasse de um campeonato infantil de futebol. O Fred acabou a competição como campeão, foi escolhido o melhor jogador e ainda foi o goleador. Conhecendo o Dario há anos e tendo jogado futebol com ele, nunca imaginaria que seu filho pudesse ser um craque. Às vezes, até o Barão de Itararé erra: “De onde menos se espera, daí é que não sai nada”. Saiu. O garoto joga, teve a sorte de nascer canhoto – quem joga futebol sabe das vantagens disso – e já há até fotos do Fred dando entrevistas. O Dario é um bom pai e não se ufana para todo mundo das habilidades do filho e nem pressiona o guri. Apenas dá o acesso, dando vazão ao possível talento do menino.

Mas, voltemos a meu assunto: o Dario deixou um comentário aqui no blog “mandando” eu comprar os ingressos. Comprei três na platéia superior ao preço de 70 pesos cada (algo em torno de R$ 52,00 por ingresso). Antes, tomamos precauções para não sermos confundidos com bambis. Eu comprei uma camiseta com o símbolo do Boca e com a famosa inscrição “La mitad más uno”, indicando que a torcida do Boca é formada pela “metade mais um” dos argentinos. Mais quatro, provavelmente, porque meus três acompanhantes também trataram de comprar camiseta, boné, etc.

Todo brasileiro acha que os argentinos costumam divertir-se linchando alguns torcedores por jogo, servindo-os depois em animadas parrillas. Temíamos que nosso sotaque nos denunciasse não apenas como brasileiros, mas como autênticos bambis potenciais candidatos ao fogo (bambi significa torcedor do São Paulo FC). Queríamos ser identificados como xeneizes e fomos para a lendária Bombonera.

O estádio com formato de caixa de bombons tem uma curiosa história. Nos anos 30, o Boca Juniors quis ampliá-lo, mas desejava mantê-lo no mesmo local. Pediu à prefeitura um espaço maior, porém só obtiveram negativas. Havia trilhos de trens circundando as paredes do estádio – aliás, circundam até hoje – e a Ferrocarril Buenos Aires não aceitava desviar a rota. Depois de muita discussão, um arquiteto que esqueci o nome, apareceu com a solução: crescer para cima. No Museu do Boca, há desenhos de cortes laterais das arquibancadas. O que se vê são arquibancadas notavelmente íngremes, uma sobre a outra, formando três andares altíssimos. A analogia que posso fazer é a de que a disposição de tais arquibancadas parece uma basculante semi aberta. Das arquibancadas inferiores – plateias baixa e média – não se vê o céu, vê-se apenas o campo e na platéia alta, atrás do gol, onde estávamos, temos que levantar e olhar para baixo se quisermos ver uma cobrança de escanteio batida em nosso lado. A bandeira de escanteio está quase sob nossa arquibancada, só isso. É muito alto, não há elevadores e mesmo eu, acostumado com escadas, cheguei cansado lá em cima.

Quando se entra, vê-se que as plateias formam uma ferradura, completada por um edifício que a tapa. O edifício, uns vinte metros mais baixo que a ferradura, é onde ficam os camarotes e Diego Maradona, quando vai ver seu time. É um estádio antigo, velho, gasto, quase tacanho não fosse sua enorme altura. Não há local para os jogadores fazerem aquecimento; acaba o campo e já temos as paredes da caixa de bombons. Ou seja, é uma autêntica arena, tal como o Coliseu de Roma e sua irmã menor, mais bela e ainda em funcionamento pleno: a Arena de Verona. Eu e a Claudia fizemos um teste em Verona: ela desceu até o meio da arena – hoje palco de muitas óperas – enquanto eu permanecia lá cima, na última arquibancada. Ela falou baixo, mas eu a ouvi; ou seja, a Arena de Verona, ao lado da Piazza Bra, na cidade tão amada por mim, por ela e pelo Ubiratan Leal do Balípodo e da Trivela, tem incrível acústica.

Quando o jogo começou, houve momentos de silêncio da torcida e o Dario me disse uma coisa meio maluca, que pude comprovar logo depois: ouvíamos os gritos dos jogadores! Sim, todos os “Porra”, “Vai”, “Chuta” dos brasileiros e, de repente, um berro do goleiro do Boca (“Leandro!!!”), chamando seu companheiro, o número 10 Gracián. Quando a torcida grita, a amplificação do som é algo impressionante, mesmo considerando-se que o estadinho recebia só 20 mil pessoas aquela noite; é algo atemorizante, muito alto e que, pior, ecoa.

Ah, outra coisa inacreditável: o estádio não treme como os nossos, ele balança mesmo. O balanço é sentido nas pernas, no pescoço – temos que impedir que a cabeça caia, certo? – e é visualizado claramente. Pensei que minha cadeira balançasse por obra de algum “hincha de Boca” nervoso em nossa fila, mas não. Olhamos para a frente e observamos que toda a arquibancada balançava contra um gramado parado. Não sei como La Bombonera está em pé, mas está e… balança como se fosse articulada. O Dario sentiu-se tonto e eu pensei que, se os argentinos estavam tranquilos, não seria adequado sair correndo histericamente.

Todo o nosso receio quanto ao comportamento da torcida foi infundado. Lá fora, bom número de policiais; dentro do estádio, bom comportamento e nenhuma provocação aos brasileiros que torciam contra o São Paulo e que gritavam e faziam suas piadas em português. Sei que os barras bravas têm que ser evitados, mas só os vi dentro do estádio, em seus lugares, atrás das duas goleiras, assistindo o jogo em pé (ali não há arquibancadas ou cadeiras). A surpresa é que a torcida do Boca faz menos cantoria e grita menos que a colorada e que seus barras se mexem menos do que a Alma Castelhana do Grêmio. Prova de que não os copiamos, apenas achamos que os copiamos. Todos assistem ao jogo parados, inclusive a barra. O resto é lenda trazida por brasileiros exagerados. O que eles não fazem em hipótese alguma é vaiar seu time. A tranquilidade na torcida era como a de qualquer partida realizada no Brasil quando há torcedores de apenas um time. Mas quando gritam é aquilo…

Talvez o jogo tenha sido fácil demais e por isso estavam tão quietos, mas não sei não.

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Pré-jogo e pré-visões para Estudiantes x Inter

Será no estadinho José Luis Meiszner, de Quilmes, cidade a 27 Km do centro de Buenos Aires, o jogo de hoje. Trata-se das quartas-de-final da Libertadores da América… Após Bolívar comparar o estadinho com o Edmundo Feix (5.000 lugares) de Venâncio Aires (Venâncio Aires, não Buenos Aires), após o Fossati dizer que toda a lateral ao lado da área é um escanteio devido às dimensões do campo, fui ao Google Earth dar uma olhada no local.

Sentiram a panela de pressão onde nos meteram? Vamos precisar de muita catimba e consideráveis porções de Abbondanzieri e D`Alessandro hoje, a partir das 19h45. Meus sete leitores sabem o quanto eu admiro os argentinos e uruguaios, não obstante o fato de eles serem o bando de filhas-da-puta que têm disparado a melhor literatura do continente e que sabem exatamente o que é o futebol: aquela mistura de drama, sacanagem, beleza e vida que se desprende diariamente das páginas do Olé.

Para compensar o grande Estudiantes — atual campeão da Libertadores e com Verón e Boselli e o diabo — , nosso amado treinador ameaça-nos com a Mãe de Todas as Retrancas (expressão do Luís Felipe dos Santos), um humilhante 3-6-1 que mais não é do que um educado convite ao adversário para penetrar em nosso campo. A experiências anteriores demonstraram o profundo amor que Fossati possui à adrenalina e à emoção, proporcionando-nos, nas partidas fora do Beira-Rio, momentos de que nenhuma montanha russa seria capaz.

Apesar de minhas críticas, há duas curiosidades sobre o jogo de logo mais e uma delas fala bem de Fossati:

1. Alejandro Sabella — técnico do Estudiantes — e Jorge Fossati estão no top 10 mundial da IFFHS para treinadores. Espero que o lider tabagista Fossati seja digno da distinção e que eu seja um imbecil…

2. O Inter nunca, mas nunca mesmo, perdeu para o Estudiantes. OK, o gremista que me serve de consciência dirá que sempre há uma primeira vez e o mando tomar no cu, mas por enquanto assim é. Comprove abaixo:

07/03/1948: Inter 3 x 1 Estudiantes – Estádio da Timbaúva – gols de Adãozinho, Tesourinha e Carlitos para o Inter e Infante para o Estudiantes

25/01/1952: Inter 4 x 1 Estudiantes – Estádio dos Eucaliptos – gols de Luisinho (dois), Solis e Canhotinho para o Inter e Barreros para o Estudiantes

03/04/1959: Inter 4 x 1 Estudiantes – Estádio dos Eucaliptos – gols de Zago, Deraldo, Osquinha e Joaquinzinho para o Inter e Alarcón para o Estudiantes

13/07/1969: Inter 4 x 2 Estudiantes – Estádio Beira-Rio – gols de Gilson Porto, Bráulio, Tovar e Valdomiro para o Inter e Rudzki e Verón (papá de La Brujita) para o Estudiantes <— sim, eu vi este jogo, tinha 11 anos

26/11/2008: Estudiantes 0 x 1 Inter – Estádio Ciudad de La Plata – gol de Alex

03/12/2008: Inter 1 x 1 Estudiantes – Estádio Beira-Rio – gols de Alayes para o Estudiantes e Nilmar para o Inter <— também vi

13/05/2010: Inter 1 x 0 Estudiantes – Estádio Beira-Rio – gol de Sorondo <— e este também

Gremistas! Todos quietos hoje, tá? Meu chute: Estudiantes 2 x 1 Inter. Inter nas semifinais.

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Detalhes de um pôr-do-sol, de Vladimir Nabokov

Dia desses — e nem comentei aqui –, li o elogiado livro de contos de Vladimir Nabokov (1899-1977) Detalhes de um Pôr-do-sol. Foi um trabalho penoso e lento para este dedicado leitor, pois poucas vezes algo me foi tão chato, comum e sem surpresas. Levei dez dias para chegar à página final, aquela que tem o número 173 no rodapé. Os contos de Detalhes são de década de 20 e 30. Sempre admirei a literatura de Nabokov e acho notável que ele tenha escrito a obra-prima A Verdadeira Vida de Sebastian Knight nos mesmos anos 30. Mas quem me fez chegar a este livro? Ora, as maravilhosas páginas culturais brasileiras, os maravilhosos articulistas de nossos principais jornais e revistas.

Concordo com quem diz que, hoje, a crítica literária no Brasil quase inexiste e quando um livro recebe críticas favoráveis na revista Bravo, no Caderno 2 do Estadão, na Folha de SP, na Veja e na Isto É, é porque tem uma boa editora na retaguarda… Hoje, procurei na Internet todos estes artigos e eles são favorabilíssimos. O que houve então? Não sei.

São contos de um convencionalismo muito antiquado. Normalmente iniciam-se por longas descrições de ruas ou de apartamentos de emigrados russos em Berlim. Elas precedem à ação e ali não há lugar para sugestões do que está por vir nem para os personagens. É apenas enfadonho e, quando chegamos à história, já perdemos o entusiasmo. Num dos contos, Nabokov chega a ironizar aquelas pessoas que não lêem atentamente as descrições e introduções. Está bem, vá lá, vamos concordar com o autor, digamos que elas sejam necessárias como eram para Balzac. Só que as descrições de Balzac eram coloridas e tinham o objetivo de situar-nos socialmente e de preparar-nos para o grau de galhofa ou seriedade que viria logo a seguir. As de Nabokov são geográficas…. e o que vem depois nunca é muito original, ficando sempre numa linha de melancolia nostálgica.

Na Veja, Marilia Pacheco Fiorillo escreveu que “nessa coletânea não há o menor truque, artifício, uso de “vozes”, ou o que quer que atormente escritores modernos e pós-modernos. Pela simples razão de que Nabokov não precisa de nada disso. Seu estilo dá ao leitor a estranha sensação de não estar diante de um livro, mas da própria vida. Só que mais bem contada.” Acho que, para Marília, Nabokov não precisa de nada para ser sempre bom. Seu texto parece ter sido escrito sob encomenda. No Estadão, o vacilante Daniel Piza escreve que “mesmo em construções sintáticas simples já vemos todos os elementos que marcam sua literatura: o humor entre cômico e melancólico, a preocupação com as ilusões amorosas, a melodia verbal com toques de ironia, a noção do patético mesclado ao dramático. É do grande escritor ser assim tão sutilmente pessoal”. Haja criatividade! Ambos também elogiam a simplicidade transcendente dos contos. A simplicidade, sim… Tenho certeza de que se ambos não conhecessem o Nabokov pós-Lolita, nunca teriam escrito tais coisas. Não sou um débil mental nem um mau leitor, também não sou insensível às possíveis transcendências, símbolos e significados subliminares; portanto digo que, em minha opinião, os contos de Detalhes são obras singelas de um escritor em formação. Seu mérito principal é o de não serem pretensiosos. Se vocês quiserem o bom Nabokov, procurem Lolita, Fala, Memória, Fogo Pálido, Transparências, etc., sem esquecer do melhor de todos Sebastian Knight.

Ou quem sabe os europeus não dão mesmo importância ao gênero “Conto” e ali deitam apenas sobras? Boa pergunta…

P.S.: O nome de um dos livros é Fala, Memória. Não são dois livros.

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Santos 3 x 1 Grêmio

O Grêmio fez grande partida. Adiantou a marcação, conteve Ganso através de Adilson durante todo o primeiro tempo, forçou erros de passes do Santos — algo raramente visto — e atuações constrangedoras de Robinho e Neymar. Mas quando Ganso acertou aquele chute impossível, não soube mudar seu estilo e atacar. Estava programado para se defender e não soube encarar o jogo quando este não lhe favorecia. Acontece. Acho que Silas errou ao não colocar Maylson logo após o primeiro gol do Santos. Amanhã, é nossa vez…

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Santos x Grêmio — Pré-jogo e Pré-visões

Enquanto o treinador da Universidad do Chile chama Wagner Love e Adriano de gordos e esperamos pelo conflito do Inter contra o Estudiantes amanhã, temos os aperitivos de hoje: Santos x Grêmio e São Paulo x Cruzeiro às 22h. Sou quase indiferente ao jogo do Morumbi; minha expectativa vai toda para a Vila Belmiro. A se acreditar nas escalações anunciadas, teremos muitos, mas muitos gols na Vila.

O Santos, a partir de seu meio-de-campo, iria com Rodriguinho, Wesley e Ganso; Neymar, André e Robinho. E o Grêmio com Adilson, William Magrão, Hugo e Douglas; Jonas e Borges. Ou seja, o Santos tem apenas um jogador tipicamente de marcação em seu meio-campo e o tricolor, dois. Considerando-se o caráter artilheiro de ambos os times, acho que não é grande ousadia antecipar uma chuva de gols semelhante à do Olímpico. Se compararmos as zagas, talvez a vantagem fique com o Santos, mas não esqueçam que a zaga do Grêmio estará protegida por dois volantes e a do Peixe por um. Se compararmos os ataques, o santista é superior — não por causa dos atacantes e sim pela presença de Ganso, que deverá jogar enfiado, ops, que deverá meter bolas no meio da zaga lenta do Grêmio, espero… Só que tudo pode ficar equilibrado pela histórica maior vontade de marcar dos gaúchos. E o Santos é um time sujeito a súbitos desligamentos, coisa estranha e perigosa. O bom é isso: são excelentes times, não há favorito e, se um vacilar, periga tomar vários gols em poucos minutos.

Claro que, como colorado, desejo a vitória santista, conto com o histórico do Grêmio jogando fora de casa e com a depressão do fora-da-lista Victor, mas não levo o jogo de barbada. Meu palpite é num placar de 6 x 4 favorável ao Santos. Ou ao Grêmio.

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101 Dias em Bagdá, de Åsne Seierstad

Esta longa reportagem é um equívoco da autora do bom O Livreiro de Cabul. Se a idéia da reportagem é interessante — retratar a Bagdá pré-ataque americano — esta mostra-se inviável ao esbarrar no silêncio dos iraquianos e na duríssima censura vigente. A autora, sempre acompanhada de tradutores que não apenas tentavam determinar onde ela iria como também traduziam somente o que era permitido, permaneceu encalacrada numa Bagdá onde não circulava muita informação. Poucos ousavam falar e, para completar, nem a jornalista tinha grande idéia do que estava acontecendo fora do país, pois seus contatos eram vigiados de perto. Como se tudo isto não bastasse, a renovação do visto dos jornalistas era semanal e dependia de bom comportamento. Ou seja, era muito difícil, para uma estrangeira que não se comunicava em árabe, obter informações relevantes naquela Bagdá.

O livro torna-se mais interessante quando os americanos chegam… isso após quase trezentas páginas! Aguardadíssimos pelos xiítas, que sofreram horrores durante a ditadura de Saddam e que gostariam de saudar o invasor, os americanos chegaram atirando em tudo o que se mexia. Seu lema parecia ser “atire se quiser”. Não havia punição por matar civis e eles se divertiam atirando em janelas abertas, em vacas, galinhas e, desconfiados, em civis que vinham saudá-los — afinal, podiam ser homens-bomba. Também desenvolveram o curioso hábito de dar tiros de canhão em fotografias de Saddam e destruíram todos os prédios públicos, a maioria sem motivo aparente ou resistência; porém, curiosamente, tiveram cuidado com o do Ministério que tratava do petróleo. Ingênuo, boa parcela do povo iraquiano achou estranho que os americanos os tratassem aos safanões e tiros e que não tivessem vindo com intenções de conquistar seus corações…

O livro torna-se interessante quando um tanque resolve fazer mira no hotel dos jornalistas, antes sempre respeitado. Jornalistas e técnicos morrem. Tende a ficar interessantíssimo quando mostra a reversão de expectativa daqueles que antes odiavam Saddam e que passavam pouco a pouco a odiar os americanos, unindo-se aos partidários do ex-ditador. Em poucos dias, todos estavam decepcionados e humilhados. Só que, neste trecho, após quase cem dias no Iraque, a jornalista Åsne mostra-se de saco cheio de tantos dias de isolamento, do constante perigo e decide — seguindo o conselho de familiares e colegas — que é melhor sair do inferno. Com efeito, ninguém parece ter paciência com os iraquianos.

Salvam-se, na reportagem, as descrições das livrarias de Bagdá e os poucos diálogos intelectuais opositores ao regime de Saddam. Mas é muito pouco.

P.S.: Alberto Kopittke, em oportuno comentário escrito neste blog na última segunda-feira, observa o vezo que alguns intelectuais de esquerda têm de criticar best-sellers ou livros de entretenimento. É uma pauta à qual este escriba admirador de Georges Simenon e outros pretende retornar. “A lógica equivocada de que tudo o que faz sucesso é ruim” demonstra preconceito dos mais idiotas.

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Terríveis imagens de um veado sendo comido

Êta, mundo véio sem porteira! Caralhos me piquem e bucetas me mordam se os ecologistas não deveriam intervir no abuso que vemos nas imagens abaixo.

Pois o pobre veadito resolveu charlar com os leopardos acima e até que fez algum sucesso entre as grandes potências que pareciam ter deixado de lado sua natureza selvagem e predatória.

Afago no pescoço — assim como coçar as costas — é típico carinho de casal que quer coisa ou já a fez e, portanto, o veadito estava mais tranquilo que água de poço e mais amoroso do que china com pagamento antecipado.

O que mais me revolta é que o veadito foi até lambido (notem, no pescoço), foi chamado e considerado “o cara”, sinal inequívoco de que os dentes estariam fora deste achego.

Mas então houve aquele súbito ataque tipo Estados Unidos aos leopardos, demonstrando de que lado sempre esteve o monopólio do terrorismo de estado. Pobre do veadito.

E o bicho da esquerda pero no mucho ianque, tão sequioso de sangue, pode comer com os dentes aquilo que antecipava comer com firmeza e ternura. Te cuida, Michele!

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Campanha pela Memória e pela Verdade – OAB/RJ

Uma OAB digna e argentina? Notável! Parabéns MESMO!

Assine aqui o abaixo-assinado da Campanha pela Memória e pela Verdade, pela abertura dos arquivos da ditadura militar.

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Qualquer hora dessas proibirão o drible

Pois se trata da mesma coisa…

A FIFA anunciou hoje que a paradinha no momento do pênalti está proibida. A decisão entra em vigor a partir de 11 de Junho de 2010, data do início da Copa do Mundo.

Jerome Valcke, secretário-geral da FIFA, explicou que continuará a ser possível fazer a paradinha durante a corrida, mas que esta será penalizada com cartão amarelo se for realizada imediatamente antes do remate. Torna-se mais uma questão de “interpretação”. Mais material para a gente discutir arbitragem…

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A terceira idade em Cannes

— Abbas Kiarostami: 69 anos
— Jean-Luc Godard: 79 anos
— Manoel de Oliveira: 101 anos
— Mike Leigh: 64 anos
— Nikita Mikhalkov: 64 anos
— Oliver Stone: 63 anos
— Otar Iosseliani: 66 anos
— Ridley Scott: 73 anos
— Stephen Frears: 69 anos
— Woody Allen: 74 anos

Isso significa alguma coisa?

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‘2666’, romance póstumo de Bolaño, traz temas de livros anteriores

Rafael Gutierréz (*), Jornal do Brasil

RIO – Comecei a ler Roberto Bolaño em uma tarde de março de 2001 em Bogotá, quando minha amiga D. me pôs nas mãos um livro grosso de cor cinza. A imagem da capa era a de três homens jovens, usando chapéus e uma roupa elegante, que caminham por uma praia vermelha, enquanto no fundo se vê o mar de um azul intenso e uma montanha. Quando me entregou o livro, D. disse: “Lê isto. É a melhor coisa que leio há muito tempo”. Confiava no critério de minha amiga, que antes já havia recomendado outras leituras reveladoras.

Sua recomendação não me decepcionou e nos dias seguintes, ou melhor, nas noites e madrugadas seguintes (pois era o único tempo disponível para ler que na ocasião me deixava um trabalho burocrático tedioso e extenuante em um escuro ministério colombiano) li em êxtase Os detetives selvagens. A partir desse momento, continuei procurando e lendo com ansiedade os demais livros escritos por Bolaño. Nenhum deles me pareceu tão bom quanto Os detetives, até ler sua ambiciosa obra póstuma e inconclusa 2666, publicada em 2004.

Em uma entrevista para a edição mexicana da revista Playboy, realizada poucos meses antes de sua morte – em 15 de julho de 2003, aos 50 anos – Bolaño diz que, se não fosse escritor, seria detetive de homicídios para voltar sozinho, à noite, à cena do crime, e não se assustar com os fantasmas. Pois bem, acredito que, em 2666, ele volta ao lugar do crime e finalmente enfrenta os fantasmas. Dois tipos de fantasmas: aqueles que rodeiam a vida do escritor e a solidão do ato da escrita; e aqueles que estão do lado do mal e da violência (e que talvez possam ser os mesmos, como fica sugerido em várias de suas obras).

O primeiro tipo de fantasma aparece em 2666 na história do escritor alemão Benno von Archimboldi que ocupa, basicamente, a primeira – “A parte dos críticos” – e a última parte do romance. Na história de abertura, quatro críticos literários europeus tornam-se amigos ao estudar a obra do misterioso escritor que, apesar do reconhecimento da crítica e de ter sido indicado várias vezes ao Prêmio Nobel, nunca aparece em público; ninguém conhece detalhes de sua biografia. Bolaño descreve as tensões que constituem o campo literário, não a partir da perspectiva dos escritores e poetas marginais, como fez em Os detetives selvagens, e sim do ponto de vista dos estudiosos da literatura, com suas brigas e conspirações intelectuais, embora destacando a amizade e o amor que surge entre eles. De certo modo, esta primeira parte pode ser lida também como uma história de amor (não um triângulo, mas um quadrado amoroso com final inesperado).

“A parte de Archimboldi”, última do texto, está construída como um romance de formação e narra a história de vida do escritor alemão Hans Reiter (que usa o pseudônimo de Benno von Archimboldi), nascido em 1920. Como em outros de seus romances e contos, Bolaño constrói a figura do escritor como um ser marginal, errante e melancólico, afastado dos centros de poder do campo literário e político. Na visão de Bolaño, o verdadeiro escritor estaria próximo de algo que foge ao literário. Talvez por isso, na história de Reiter, a experiência (sobretudo a participação na Segunda Guerra) é definitiva para seu futuro como escritor. Esta parte do romance está atravessada por questões literárias: de onde vem o impulso da escrita? Vale mais a leitura ou a experiência para escrever uma obra-prima? Qual deve ser o lugar do escritor e suas relações com editores e leitores?

A história do escritor alemão e a história dos críticos têm seu ponto de encontro na cidade imaginária de Santa Teresa (nome fictício de Cidade Juarez, localizada na fronteira entre o México e os Estados Unidos, marcada tragicamente pelos milhares de assassinatos de mulheres que vêm acorrendo desde 1993). Os críticos viajam a Santa Teresa ao serem informados de que, possivelmente, ali se encontra Archimboldi. O escritor alemão deseja encontrar seu sobrinho, acusado de ser o autor ou pelo menos de participar daqueles crimes.

No ar estranho da cidade e do deserto que a rodeia, confluem os fantasmas da violência retratada por Bolaño com técnica hiper-detalhista que simula os informes forenses para descrever, em cadeia, os corpos das mulheres assassinadas. “A parte dos crimes” é a mais extensa e a mais arrepiante do romance pela acumulação de mortes e pela aparente ausência de explicação e de sentido para tanta violência. Machismo, narcotráfico, pornografia snuff são algumas das possíveis causas dos crimes, mas nenhuma delas consegue explicá-los por completo.

O que flutua como uma sombra em toda a narrativa é precisamente a pergunta sobre a origem e a causalidade ou casualidade do mal (tema caro a Bolaño e que aparece em seus primeiros textos). Esta parte pode ser lida como um romance policial, inclusive com a participação de um detetive americano com aparência de Sherlock Holmes. Mas, em 2666, os crimes são impossíveis de resolver, deixando no fim uma sensação de impotência e desolação.

Duas histórias, centradas em Santa Teresa, completam as cinco partes do romance: a do professor de filosofia chileno Amalfitano (que compartilha com Bolaño alguns rasgos biográficos); e a história do jornalista americano Oscar Fate.

O professor chileno é um personagem perdido, exilado e próximo à loucura. Em sua cabeça confluem, delirantemente, a filosofia e a história política do século 20. Escuta vozes permanentemente e, em suas noites de insônia, realiza estranhas performances no pátio de sua casa inspirado em instalações de Marcel Duchamp. Apesar do humor e da ironia presentes na história de Amalfitano, o que predomina é um clima de tristeza, melancolia e medo, pois ele teme, o tempo todo, pela vida de sua filha em Santa Teresa.

Cada parte do romance parece nos levar por questões centrais da história do século 20, formando um grande painel histórico-ficcional. No caso do jornalista Oscar Fate, entramos na história do partido dos Panteras Negras através da voz de Barry Seaman, um de seus fundadores. No meio da reportagem sobre Seaman, Fate é obrigado por sua revista a cobrir uma luta de boxe em Santa Teresa e, quase por azar, fica envolvido com a investigação dos crimes.

Embora existam pontos de contato entre todas as histórias, cada parte do romance pode ser lida de forma independente (e Bolaño queria que fosse assim, publicadas com intervalos de um ano para assegurar o futuro econômico de seus filhos). Porém, em conjunto, constituem uma das empresas mais impressionantes da narrativa contemporânea, uma imersão profunda pelos labirintos da criação literária e uma aproximação nada modesta ao mal absoluto.

Em 2666 convivem todas as obsessões bolanianas: a relação entre literatura e vida, a pergunta pela origem do mal e da violência, a proximidade entre literatura e perversão. Escrito com uma prosa direta e objetiva, através da acumulação de histórias e digressões, e apesar de sua longuíssima extensão, Bolaño consegue prender o leitor como só os grandes mestres da narrativa conseguem.

(*) Escritor e crítico literário. Doutor em literatura pela PUC-Rio.

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O Livreiro de Cabul, de Åsne Seierstad

A norueguesa Åsne Seierstad é uma grande estrela da reportagem mundial. Com apenas 40 anos, já escreveu livros sobre os conflitos da Sérvia, do Iraque e do Afeganistão, todos best-sellers. Este O Livreiro de Cabul não é um relato de guerra. É uma narrativa bem amarrada sobre os costumes e a vida no Afeganistão, observados pela autora durante os três meses que viveu com uma família afegã após a queda do talibã, na primavera de 2002. Vendo aquele estranho mundo sob uma burca, a loiríssima Seierstad nos mostra o dia a dia dos Kahn, uma rara e privilegiada família que tinha algo para comer em Cabul naquela época.

O livro tem um sério problema. Como a jovem Seierstad pode julgar uma cultura milenar tendo passado apenas alguns dias com uma família afegã? A fim de não me irritar, tratei o livro como se fosse uma visão estrangeira que tem muito em comum comigo, mas uma visão estrangeira. E crítica.

Estruturando seu relato em capítulos que mais parecem contos e utilizando esplendidamente a condição de comerciante de Sultan Kahn, Seierstad chega a outras instâncias de uma sociedade que nos deixa estarrecidos a cada página, tal o medievalismo das atitudes e opiniões. É claro que esta característica nos faz engolir o livro rapidamente, mas os méritos de O Livreiro de Cabul ultrapassam o da mera “narrativa de ocorrências e costumes para nós absurdos”. O livro é muito bem escrito e alguns capítulos, como Ondulante, esvoaçante, serpenteante, que conta as peripécias de três velozes burcas comprando o enxoval de casamento de uma delas, O carpinteiro, que conta minuciosamente a história de um roubo e sua punição, e Minha mãe, Osama, que conta a viagem de um tradutor por uma região onde o fundamentalismo islãmico é natural e milenar, chegam a entusiasmar. Seierstad reconstrói vividamente cada um de seus personagens, os justifica e nunca nos entedia. E olhem que não tenho muita paciência com obras que não sejam de ficção!

Outro acerto é o de não haver grande intervenção da política no relato. Não precisa, seria apenas ruído em um livro cuja sedução está no interesse da autora pelas pessoas – principalmente por mulheres como Leila ou jovens como Mansur – e pela vida sufocante que a absoluta maioria leva. Mas volto a dizer, há as críticas à cultura afegã e entramos no pantanoso terreno antropológico.

É uma excelente indicação para quem quer um livro grudento e competente.

A tradução é de Grete Skevik. Bom trabalho, mas faltou revisão. Há duas trocas de nomes que tornam seus trechos puzzles e outros errinhos aqui e ali. Nada grave para o leitor atento, só que é chato.

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Adágio da Sonata K. 332 de Mozart e Masterclass da genial Maria João Pires

Não há boas ou más versões, elas são todas más porque não representam nem 1% do que é a música, elas são só uma ideia do que podemos fazer.

Maria João Pires, no início da masterclass abaixo

A portuguesa Maria João Pires é uma grande mestra do repertório clássico e romântico. Após ouvir suas interpretações, fico pensando no quanto ela, Maurizio Pollini e Nelson Freire já acrescentaram a um repertório visitado por todos os monstros do passado, e que apenas são mais formidáveis pelo fato de terem morrido.

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Porque hoje é sábado – Edição Especial

Certa vez, em meu blog anterior, promovi uma eleição — quem seriam as mulheres e os homens mais belos do cinema. O resultado está abaixo:

A Mulher Mais Bela do Cinema: 33 atrizes receberam votação. O destaque foi Branco Leone, que votou em sua própria esposa. Ela é atriz de verdade, mas, assim como Julie Christie, só recebeu um voto, o de seu esposo (as mulheres odeiam as palavras “esposa” e “esposo”, já notaram?). O pódio é formado por:


Ava Gardner (9 votos). Sinatra tinha razão. Depois temos…


Ingrid Bergman (8 votos), mostrando que Rossellini também tinha razão. Ela empatou com…


…Sophia Loren (8 votos), a preferida do baixinho rico, sortudo e nada equivocado Carlo Ponti. Na terceira colocação ficou…


…Rita Hayworth, que não chega a enlouquecer este blogueiro, mas que enlouqueceu muita gente que acha que nunca houve uma mulher como… Vocês sabem.

O Homem Mais Belo do Cinema: 17 atores receberam votos. As fotos abaixo foram escolhidas por minha mulher — imaginem se eu a chamaria de “esposa”… — , que disse que eu não entendia nada de homem. É uma opinião que não chega a me perturbar. Ela procurou fotos de Marlon Brando de camiseta (de Um Bonde Chamado Desejo) e não ficou totalmente satisfeita com as que encontrou. A de George Clooney fez com que ela perdesse muito tempo. Mandou-me publicar a menos pior. Não por culpa de Clooney e sim dos fotógrafos, provavelmente homens pouco sensíveis que não entendem nada de… vocês sabem. Ficou satisfeira com as que escolheu para os amigos Newman e Redford. O destaque aqui vai para Ricardo Branco – outro Branco. Ele votou em si mesmo.

Vamos aos vencedores, com um empate no primeiro lugar:


Paul Newman (7 votos)


Marlon Brando (7 votos)


Robert Redford (5 votos)


George Clooney (4 votos)

P.S.- Antes que alguém largue a piadinha de que meu blog está virando o G Magazine, declaro que voltaremos à programação habitual no próximo sábado.

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