Hoje, os 100 anos de Clarice Lispector

Hoje, os 100 anos de Clarice Lispector

Clarice Lispector (1920-1977) foi uma escritora, contista e cronista brasileira cuja obra — estranha, difícil, experimental, mas fascinante e de excepcional qualidade — ganha cada vez admiradores. Prova disso são as mais variadas homenagens que ela recebe neste 9 e 10 de dezembro, além das que recebe diariamente em nossos memes… Motivo: Clarice faleceu num 9 de dezembro e nasceu num 10 de dezembro. Seu nascimento completa 100 anos hoje. São, pois, dias de Clarice. Como suas preocupações literárias nunca incluíram a narração linear de uma história, seus textos exigem uma postura mais meditativa para receber um leque de ideias e impressões que se multiplicam. Mesmo seus críticos mais hostis dobraram-se à qualidade de sua prosa, ela seria “uma grande escritora à procura de um tema”. E daí? Porém, tais reservas são fartamente compensadas e ultrapassadas por uma legião crescente de leitores. Infelizmente, há ainda outro lado: ela é uma das escritoras preferidas por quem gosta de colocar uma grife em suas postagens com frases falsas de Clarice.

“Naquela terra eu nunca pisei: fui carregada no colo”, dizia Clarice sobre a Ucrânia. Ela foi a terceira filha do casal de judeus Mania e Pinkouss Lispector e, quando nasceu em Tchetchelnik no dia 10 de dezembro de 1920, seus pais percorriam várias aldeias do país em razão da perseguição aos judeus durante a Guerra Civil Russa de 1918-1921. Ela chegou ao Brasil aos dois meses de idade ainda com o nome de Haia. Aqui quase toda a família de cinco mudou de nome: o pai Pinkouss tornou-se Pedro; Mania virou Marieta; a irmã Leia, Elisa; Haia, Clarice; apenas a outra irmã, Tania, manteve o nome.

Primeiro foram para Maceió, depois, em 1924, para Recife. “O Brasil é minha verdadeira pátria”, sempre afirmava a escritora de beleza eslava. A literatura parece sempre ter estado dentro dela e Clarice começou a escrever logo após aprender as primeiras letras. Fora de casa ouvia e falava português, em casa, o ídiche. A vida era sofrida. A mãe sofria provavelmente de sífilis e não conseguia realizar as tarefas domésticas, papel em que era substituída pelas irmãs, principalmente por Elisa, que cuidava da casa e de todos. O pai tinha dificuldades para manter-se nos empregos. Em 1930, quando Clarice tinha 9 anos, a mãe morreu. Aos 12, pegou emprestado de uma amiga o livro “Reinações de narizinho”, de Monteiro Lobato, e apaixonou-se definitivamente pela literatura. Em 1935, ano em que Clarice completaria 15 anos, a família mudou-se para o Rio de Janeiro. O motivo parece ter o sido o fato de que Elisa conseguira um emprego público na capital por intervenção de Agamenon Magalhães, então ministro do Trabalho, Indústria e Comércio de Getúlio Vargas. O pai continuava atrás de oportunidades na capital, enquanto Clarice seguiu estudando até formar-se em Direito em 1943: “Me formei por pirraça, só para provar que era capaz de levar até o fim”.

Em 1942, ocorreu a morte do pai, a qual teve consequências traumáticas para Clarice e as irmãs. O fato, causado por uma simples retirada da vesícula biliar com complicações no pós-operatório, deixou Clarice arrasada e acabou por afastá-la definitivamente da religião. No mesmo ano, conhece e apaixona-se pelo escritor Lúcio Cardoso, de quem se torna amiga íntima.

No ano seguinte, aos 23 anos, Clarice casaria com o colega e futuro diplomata Maury Gurgel Valente e, em 1944, publicou Perto do Coração Selvagem. O livro causou espanto e nele foram encontradas pelos críticos influências de James Joyce e Virginia Woolf, autores que Clarice desconhecia… A epígrafe de Joyce e o título, inspirado em citação do livro de Retrato do Artista quando Jovem, também de Joyce, foram sugeridos por Lúcio Cardoso após o livro ter sido escrito.

Em 1944, recém-casada, viajou para Nápoles, onde serviu num hospital da Força Expedicionária Brasileira. De volta ao Brasil, publicou em 1946 O Lustre e, depois de uma longa estada na Suíça e Estados Unidos, fixou-se no Rio de Janeiro.

A partir de então, Clarice passa a surpreender e surpreender. Em seus romances e contos, os acontecimentos e circunstâncias, assim como a própria trama perdem importância. A escritora investe cada vez mais em um radical trabalho de linguagem que busca expressar impressões, detalhes, paixões e estados de espírito, utilizando não apenas os recursos de análise psicológica e do monólogo interior, como também subvertendo a própria língua. Tudo muito, mas muito poético e bem escrito. Costumava partir de livres-associações que vão lentamente à transcendência. Sua ficção não se localiza no tempo e no espaço; as personagens normalmente são mulheres que se colocam em situações limite.

A melhor prosa da autora talvez esteja nos contos de A Legião Estrangeira (1964) e Laços de Família (1972) e em romances como A Paixão Segundo G.H. (1964) e Água-viva (1973). Seus personagens aceitam um universo arbitrário, sem Deus, e permanecem atônitos diante da existência. Outros grandes romances são A Cidade Sitiada (1949), Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres (1969) e A Hora da Estrela (1977), talvez o mais famoso de seus livros – ao lado de Laços de Família – e que conta a história de Macabéa, moça do interior em busca de uma vida na cidade grande.

Evitamos o fácil termo “intimista”. Ele parece ser fraco pois a literatura de Clarice não apenas reflete a intimidade de suas personagens, mas uma indireção que a torna-se íntima de quem a lê. O leitor me é ou torna-se eu, poderia ter escrito Clarice. Longe dos padrões estabelecidos, temos de abdicar da segurança das convenções da literatura tradicional para deixar sua maravilhosa invenção nos levar. A palavra é protagonista tão importante em sua criação que temos a sensação de que vem antes do pensamento: Como poderei saber o que penso até que veja o que digo? (*) Sua arte é de tal forma envolvente, que quando relemos nossas anotações anos depois, não compreendemos mais do que se trata. É melhor recomeçar o livro, reentrar em seu espaço, é melhor ir direto a Clarice de, por exemplo, “Água Viva”: Minhas desequilibradas palavras são o luxo de meu silêncio. Escrevo por acrobáticas e aéreas piruetas – escrevo por profundamente querer falar. Embora escrever só esteja me dando a grande medida do silêncio.

(*) Os Moedeiros Falsos, André Gide

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Livros de Clarice Lispector:

Perto do coração selvagem (1944)
O lustre (1946)
A cidade sitiada (1949)
Alguns contos (1952)
Laços de família (1960)
A maçã no escuro (1961)
A legião estrangeira (1964)
A paixão segundo G.H. (1964)
O mistério do coelho pensante (1967)
A mulher que matou os peixes (1968)
Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres (1969)
Felicidade clandestina (1971)
A imitação da rosa (1973)
Água viva (1973)
A vida íntima de Laura (1974)
A via crucis do corpo (1974)
Onde estivestes de noite (1974)
Visão do esplendor (1975)
A hora da estrela (1975)
Póstumos
Para não esquecer (1978)
Quase de verdade (1978)
Um sopro de vida (pulsações) (1978)
A bela e a fera (1979)
A descoberta do mundo (1984)
Como nasceram as estrelas (1987)
Cartas perto do coração (2001) (cartas trocadas com Fernando Sabino)
Correspondências (2002)
Correio Feminino (2006)
Entrevistas (2007)

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Abaixo, a última entrevista de Clarice, concedida para a TV Cultura de São Paulo no ano de sua morte:

Parte 1:

Parte 2:

Parte 3:

Parte 4:

Parte 5:

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Cervantes, Nietzsche, Suassuna, García Márquez, Clarice, Pessoa e outros, ao comerem miojo

Cervantes, Nietzsche, Suassuna, García Márquez, Clarice, Pessoa e outros, ao comerem miojo

Autor desconhecido. Foi muito alterado e acrescentado por mim e amigos — o texto mais que dobrou.

– Você é Nietzsche?
– Sou sim.
– Então fala: “comi um miojo”
– Deveras obscura a ideia de que uma ração precária e arbitrariamente nomeada alimento, possa, de fato, nutrir ao ponto de esquecermos de que toda a vontade de potência manifesta na determinante ideia diante da tragédia do eu, cuja única escolha possível é o aniquilamento total de toda divindade contida na ignorância e na natureza da matéria dormente e vagante a que chamam: homem. Era sim um prato de massa delicadamente disforme que sentia adentrar minhas entranhas, embebida em um suco pobre e tépido, salino! humano demasiado humano e arbitrário afirmar que de fato é um miojo.

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– Você é Suassuna?
– Sou sim
– Então fala “comi um miojo”
– Já cansado dessa agonia de passa fome, come gororoba, passa fome, come gororoba, achei por bem de engolir essa papa e torcer pra não chegar tão cedo a hora de descomer!

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– Você é Cervantes?
– Sou sim.
– Então fala: “comi um miojo”.
– Calhou de aquele dia ser sexta-feira, e não havia em toda a estalagem nada além de umas rações de uma massa que em Castela chamam miojo, e na Andaluzia macarrão instantâneo, e noutras partes lámen, e noutras ainda noodles. Perguntaram-lhe se porventura comeria ele noodles, pois não havia outra massa que dar-lhe de comer.

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– Você é Gabriel García Márquez?
– Sou sim.
-Então fala: “comi um miojo”.
– Minhas únicas viagens foram quatro aos Jogos Florais de Cartagena de índias, antes dos meus trinta anos, e uma noite ruim na lancha a motor, convidado por Sacramento Montiel para a inauguração de um de seus bordéis em Santa Marta. Quanto à minha vida doméstica, sou de comer pouco e de gostos fáceis. Quando Damiana ficou velha não se tornou a cozinhar em casa, e minha única refeição regular desde então foi um macarrão de rápido cozimento, embebido em um caldo salgado que me confundia o paladar, depois do fechamento do jornal.

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– Você é Tolkien?
– Sim
– Então fala: “comi um miojo”
– Adentrei a cozinha naquela tarde ensolarada. Os raios atravessavam as janelas fazendo traços paralelos que tocavam a parede cimentada e pintada de azul. Um azul profundo como de um céu a tarde a beira do crepúsculo em Valfenda. O teto contrastava com o azul, a madeira me lembrava as florestas de carvalho. O assoalho era de madeira de lei, rangia enquanto eu caminhava para pegar minha tigela favorita. Quando a água começou a borbulhar na panela, introduzi o macarrão em meio a fervura. O fogo crepitava sob a panela de ferro, era uma leve brisa que invadia pelo corredor longo. Coloquei os temperos e senti subir o aroma. Despejei na tigela a sopa e sorvi ainda quente. Era como o fogo de Aldruin, com o sabor dos banquetes em Minas Tirith.

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– Você é Augusto dos Anjos?
– Sou sim.
– Então fala “Comi um miojo”.
– Senti como que preso a um ferrolho
Incapaz de saciar minha própria fome
Prostrado diante da massa disforme
Coberta de um ígneo e mal cheiroso molho

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– Você é Bukowski?
– Sou sim
– Então fala “comi um miojo”.
– Tomei um último gole de vinho do porto. Olhei pro pacote em cima da mesa. Abri. Joguei a massa seca e fedorenta na água fervente. Não era nada saboroso mas ia garantir uma boa cagada. É necessário ter algo pra se cagar além de cerveja e vinho barato.

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– Você é Drummond?
– Sou sim
– Então fala “comi um miojo”.
– No meio da fome tinha um miojo,
Tinha um miojo no meio da fome
Fome vasta que dá nojo
Se eu comesse um miojo
Seria uma rima, não uma solução.
Fome vasta, mais vasto é meu coração.

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– Você é Clarice Lispector?
– Sim.
– Então fala: “Comi um miojo”.
– Se ela ao menos soubesse onde está o macarrão desidratado nessa casa desidratada, pouparia o mundo do constrangimento de se deixar flagrar agora no centro ordinário da cozinha que sequer treme, e não responde ao sussurro “Onde está o miojo?”. Pare de buscar. Um meio de obter é não procurar, um meio de ter é o de não pedir e somente acreditar que o silêncio que eu creio em mim é resposta a meu – a meu mistério”. “Se tivesse a tolice de se perguntar ”quem sou eu?” ao invés de “onde pus o miojo?”, cairia estatelada e em cheio no chão, com o pacote do lámen sabor blattodea na mão . Sabor barata. Comeria já frio o miojo que não comi.

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– Você é Fernando Pessoa?
– Sim e não. Sou outros.
– Então fala: “comi um miojo”.
– Falo a três vozes. A quatro. A mil.
(Ricardo Reis) Enquanto a biblioteca de Alexandria arde em chamas, como esse miojo e é tudo. Sábio é o que assiste ao espetáculo do mundo.

(Alberto Caeiro) A flor é a flor, o tempo é só flor. Pensar é mastigar. O mais é flor, chuva, miojo.

(Álvaro de Campos) Eia, engrenagens que moem, trituram a moderna nutrição dos argonautas do amanhã! Eia, uhaaa, r-r-r-r-r-r de meus dentes apolíneos contra o trigo do gêmeo cop-noodles que fermenta o filho odisseico e já regurgito o novo homem-lámen das auroras sanguinárias.

(Fernando Pessoa) O miojo de vossa mesa não é mais belo e triste que o miojo de minha aldeia.

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– Você é Homero?
– Sim.
– Então fala: “comi um miojo”.
– Canto a brava sofreguidão de Aquiles, que tomando da inexorável colher de bronze investia contra a massa semelhante aos cabelos de Medusa, que fervilhava fumegante sobre as bem construídas mesas. Briseida, tá sem sal! bradou o filho de Peleu. Eu avisei! retrucou Cassandra do alto das inexpugnáveis muralhas.

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– Você é Leonardo Padura?
– Sim.
– Então fala: “comi um miojo”.
– Ele sabia que a velha Josefina não o perdoaria pelas folhas de taioba não entregues. Precisava falar com o magro Carlos e pedir que intercedesse a seu favor com a velha. Mas a cabeça ainda latejava devido as duas garrafas de rum vagabundo que conseguira comprar com o que lhe restou da venda do último livro, uma espécie de guia de como remover pulgas de cães. Acordou com o focinho gelado de Lixeira II no seu braço testando se ainda havia ali, naquele moribundo, um resquício de alma ou se teria de voltar a cavocar o pote com massa que havia lhe servido na noite anterior.

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– Você é Guimarães Rosa?
– Sim.
– Então fala: “comi um miojo”.
– Nonada, minha barriga estava desinquieta. Como diz meu compadre Quelemém, lá das bandas do Andrequicé, se ouvir uns roncos das entranhas homem, Deus esteja. Varei o pacotinho das minhoquinha a vir a ser um caldo cramunhado e salgado com as lágrimas do visitado pelo sem nome. Meti-lhe goela adentro. Travessia.

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– Você é Anaïs Nin?
– Sim.
– Então fala: “comi um miojo”.
– A massa contra o prato produz asco, mas o contato com a língua apenas engendra repulsa e resignação.

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– Você é Monterroso?
– Sim.
– Então fala: “comi um miojo”.
– Quando viu, o miojo ainda estava lá.

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Uma(s) lista(s) de melhores contos, na minha humilde opinião e na do El País

Uma(s) lista(s) de melhores contos, na minha humilde opinião e na do El País
Machado de Assis e Guimarães Rosa.
Machado de Assis e Guimarães Rosa.

O Brasil sempre privilegiou o conto, mas os europeus nunca deram grande importância ao gênero. O Caderno de Cultura Babelia do jornal espanhol El País publicou uma notícia que fala sucintamente da recente valorização do conto naquele país, pedindo para que autores espanhóis citem seus contos favoritos da literatura não espanhola. Curiosamente, nenhum conto foi citado duas vezes. Depois, coloco uma relação de contos favoritos deste blogueiro.

Relatos universales que no hay que perderse

Escritores, editores y libreros que han participado en este especial sobre el renacer y la nueva valoración del cuento en España comparten con los lectores títulos de sus cuentos favoritos en español y otras lenguas.

— El llano en llamas, de Juan Rulfo, y Bartleby, el escribiente, de Herman Melville (Berta Marsé).

— Carta a una señorita en París, de Julio Cortázar, y La dama del perrito, de Antón Chéjov (Cristina Cerrada).

— La Resucitada, de Emilia Pardo Bazán, y El bailarín del abogado Kraykowsky, de Witold Gombrowicz (Cristina Fernández Cubas).

— El Aleph, de Jorge Luis Borges, y Una casa con buhardilla, de Antón Chéjov (Eloy Tizón).

— El espejo y la máscara, de Jorge Luis Borges; Una luz en la ventana, de Truman Capote, y Donde su fuego nunca se apaga, de May Sinclair (Fernando Iwasaki).

— Bienvenido, Bob, de Juan Carlos Onetti; El álbum, de Medardo Fraile; En medio como los jueves, de Antonio J. Desmonts; Alguien que me lleve, de Slawomir Mrozek; Los gemelos, de Fleur Jaeggy; La colección de silencios del doctor Murke, de Heinrich Böll, y Guy de Maupassant, de Isaak Babel (Hipólito G. Navarro).

— Un tigre de Bengala, de Víctor García Antón, y La revolución, de Slawomir Mrozek (José Luis Pereira).

— No oyes ladrar los perros, de Juan Rulfo; El veraneo, de Carmen Laforet; La corista, de Antón Chéjov, y Rikki-tikki-tavi, de Rudyard Kipling (José María Merino).

— Continuidad de los parques, de Julio Cortázar, y El nadador, de John Cheever (Juan Casamayor).

— El Sur, de Jorge Luis Borges; Parientes pobres del diablo, de Cristina Fernández Cubas; Tres rosas amarillas, de Raymond Carver, y La dama del perrito, de Antón Chéjov (Juan Cerezo).

— El infierno tan temido, de Juan Carlos Onetti, y Los muertos, de James Joyce (Juan Gabriel Vásquez).

— Las lealtades (de Largo Noviembre de Madrid), de Juan Eduardo Zúñiga, y El nadador, de John Cheever (Miguel Ángel Muñoz).

— Continuidad de los parques, de Julio Cortázar, y William Wilson, de Edgar Allan Poe (Patricia Estebán Erlés).

— Ojos inquietos, de Medardo Fraile; Noche cálida y sin viento, de Julio Ramón Ribeyro, y Míster Jones, de Truman Capote (Pedro Ugarte).

Minha relação saiu um pouco grande, apesar de ter sido escrita improvisadamente. Mas se pensasse mais, talvez não mudasse demais. Vamos a ela.

Contos estrangeiros:

— A Viagem, de Luigi Pirandello;
— O Velho Cavaleiro Andante, de Isak Dinesen (Karen Blixen);
— Ponha-se no meu lugar, de Raymond Carver;
— A Fera na Selva, de Henry James;
— Bartleby, o Escrivão, de Herman Melville;
— A Enfermaria Nº 6, de Anton Tchékhov;
— Queridinha (ou O Coração de Okenka), de Anton Tchékhov;
— A Corista, de Anton Tchékhov;
— A Dama do Cachorrinho, de Anton Tchékhov;
— Olhos Mortos de Sono, de Anton Tchékhov;
— Os Sonhadores, de Isak Dinesen (Karen Blixen);
— A Morte de Ivan Ilitch, de Leon Tolstói;
— Uma Alma Simples, de Gustave Flaubert;
— As Jóias, de Guy de Maupassant;
— Os Mortos, de James Joyce;
— O Licenciado Vidriera, de Miguel de Cervantes;
— O Artista da Fome, de Franz Kafka;
— A Colônia Penal, de Franz Kafka;
— A Queda da Casa de Usher, de Edgar Allan Poe;
— Berenice, de Edgar Allan Poe;
— William Wilson, de Edgar Allan Poe;
— O Primeiro Amor, de Ivan Turguênev;
— Três Cachimbos, de Ilya Ehrenburg;
— A Loteria da Babilônia, de Jorge Luis Borges;
— A procura de Averróis, de Jorge Luis Borges;
— O jardins dos caminhos que se bifurcam, de Jorge Luis Borges;
— Tlön, Uqbar, Orbis Tertius, de Jorge Luis Borges.

Contos brasileiros:

— Missa do Galo, de Machado de Assis;
— Uns Braços, de Machado de Assis;
— Noite de Almirante, de Machado de Assis;
— Um Homem Célebre, de Machado de Assis;
— A Terceira Margem do Rio, de Guimarães Rosa;
— Meu tio, o Iauaretê, de Guimarães Rosa;
— A Hora e a Vez de Augusto Matraga, de Guimarães Rosa;
— O Duelo, de Guimarães Rosa;
— Guapear com Frangos, de Sérgio Faraco;
— O Voo da Garça-pequena, de Sergio Faraco;
— Corvos na Chuva, de Ernani Ssó;
— Contrabandista, de João Simões Lopes Neto;
— Baleia, de Graciliano Ramos (não é um conto, mas pode funcionar como tal);
— O homem que sabia javanês, de Lima Barreto;
— O Vitral, de Osman Lins;
— O Afogado, de Rubem Braga;
— Venha Ver o Pôr do Sol, de Lygia Fagundes Telles;
— Feliz Aniversário, de Clarice Lispector;
— Uma Galinha, de Clarice Lispector;
— O Japonês dos Olhos Redondos, de Zulmira Ribeiro Tavares.

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Um porque hoje é sábado anômalo, mas especialíssimo

Um porque hoje é sábado anômalo, mas especialíssimo

Erico Veríssimo dizia que Lygia Fagundes Telles não devia ter tanto talento para a literatura. Era bonita demais para isso. Ela ria, envaidecida.

Convencionou-se dizer que Clarice Lispector era uma bela mulher. Belo telefone, não?

Belíssima era Cecília Meirelles, dona daquele sorriso que tudo parece compreender. Foi tradutora de …

Virginia Woolf *, que tinha perfil de camafeu, extraordinários livros e sofria enormemente com sua loucura.

Suicida como Virginia, tivemos a bonita brasileira Ana Cristina César. Apesar de sua boa poesia, ela ficaria aos pés de…

ana cristina cesar

Anna Akhmátova *, cujo grande sofrimento era de causas exteriores. Que poetisa maravilhosa ela era! Dá vontade de aprender russo como quis uma vez …

Simone de Beauvoir, aqui em linda e arejada foto, demonstrando que tinha a frente, o conteúdo e o verso interessantes.

Tão de esquerda quanto Simone foi a ex-stalinista Doris Lessing, que se tornou a mais irritante das direitistas.

doris lessing

Sempre foi de direita a talentosa belga Marguerite Yourcenar, apesar do costume de fantasiar-se como agente da KGB.

Yourcenar

A outra Marguerite, a Duras, gostava de cinema, de amantes orientais e sua obra permanecerá mais do que a das três anteriores.

marguerite duras

Conversas mais íntimas tinha Anaïs Nin, que escrevia diários e corria atrás de um homem sensível.

AnaisNin

Nome de francesa tinha a severamente inglesa Daphne du Maurier, autora de livros que assustaram minha adolescência, como Rebecca.

daphne_du_maurier_

Também gostava de assustar a imensa, perfeita e maravilhosa dinamarquesa Karen Blixen *, que publicou suas obras-primas com o nome masculino de Isak Dinesen e que …

karen blixen

… traduzia seus livros para o inglês. Quando envelheceu, ficou “meio anoréxica”, mas mantinha as boas companhias — minha nossa!

blixen marilyn monroe Carson McCullers

Conversando com Karen, à direita, está a caçadora solitária Carson McCullers, …

carson-mccullers

… tão menos famosa do que Jane Austen *, cujos seis romances são cantados em prosa e verso pelos críticos e é adorada pelo cinema.

Jane-Austen

Em comum com Karen na utilização de nome um nome masculino, com Austen no espetacular talento, temos a insuperável George Eliot * (Mary Ann Evans).

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A também inglesa Muriel Spark faz livros menos intelectuais quanto os de Eliot, mas é sempre fascinante e grudenta. Escreveu pelo menos duas obras-primas modernas.

Muriel-Spark

Tem nome comprido e estranho a grande e bela poetisa portuguesa Sophia de Mello Breyner Andresen, descoberta por mim logo após sua morte.

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Com algumas exceções, são todas mulheres bonitas — às outras sobraria a beleza interior… — e as que receberam asterisco logo após seu nome são as minhas Top 5 da literatura feminina mundial.

Obs.: Mais literatura feminina aqui.

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Literatura e sensibilidade feminina

Literatura e sensibilidade feminina

Publicado em 26 de janeiro de 2014 no Sul21

Houve tempo em que elas eram poucas, houve tempo em que Erico Verissimo dizia com certa ironia à Lygia Fagundes Telles que era bela demais para ser escritora. Este panorama, porém, alterou-se completamente. Um tanto irresponsavelmente, pinçando nomes aqui e ali, temos uma nominata nada desprezível de escritoras mulheres no Brasil. Clarice Lispector, Cecilia Meireles, Maria Alice Barroso, Rachel de Queiroz, Lygia Fagundes Teles, Nélida Piñon, Sonia Coutinho, Ana Cristina César, Hilda Hilst, Adélia Prado, Zelia Gattai, Ana Miranda, Marina Colasanti, Lygia Bojunga Nunes, Maria Adelaide Amaral, Flora Sussekind, Leyla Perrone-Moisés, Cora Coralina, Walnice Nogueira Galvão, Lucia Abreu, Regina Zilbermann, Marilena Chauí, Zulmira Ribeiro Tavares, Patricia Melo, Jane Tutikian, Fernanda Young, Claudia Tajes, Carol Bensimon, Mariana Ianelli.

O fato é que há muito tempo o termo “Literatura de Mulherzinha” tornou-se anacrônico. Apesar da dificuldade para caracterizar os elementos que fazem a literatura feminina ser diversa, os leitores reconhecem sua poética, parecendo pressentir seus elementos próprios: de modo geral, acertaremos dizendo que ela é habitualmente mais sensorial, poética e livre. Não se pode falar em gênero, pois os estilos e as temáticas variam muito. “Não se pode dizer que a literatura feminina seja sempre feita por mulheres, assim como boas narrativas gays podem ser escritas por heterossexuais e boas narrativas carcerárias podem ser escritas por gente que nunca esteve presa. Ao menos não há nada, nenhuma barreira física ou moral, que impeça isso.”, escreveu Nelson de Oliveira. “Da mesma maneira que a literatura policial não é a literatura escrita apenas pelos policiais, a literatura feminina não precisa necessariamente ser a literatura escrita apenas pelas mulheres. É certo que há policiais escrevendo literatura policial, mas também há professores, psicanalistas, filósofos… O mesmo acontece com a literatura feminina da maneira como eu a vejo: há homens e mulheres trabalhando dentro dos limites desse gênero”, completa.

Mas, se hoje Lídia Jorge é acompanhada de muitas outras, tivemos precursoras seminais. E a maior delas foi Virginia Woolf, que escreveu um curioso — e muito feminino — livro fundador.

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Virginia Woolf: a teórica e incentivadora de uma literatura feminina
Virginia Woolf: a teórica e incentivadora de uma literatura feminina

Um teto todo seu (A Room of One`s Own, 1929) é um dos mais surpreendentes livros da célebre ficcionista inglesa Virginia Woolf. A primeira surpresa é o fato de não ser ficção; a segunda é a absoluta ousadia no trato do assunto abordado: o feminismo.

O livro nasceu a partir de duas palestras chamadas “As mulheres e a ficção”, proferidas por Virginia para uma plateia essencialmente feminina da Sociedade das Artes, na Londres de outubro de 1928. O texto de Virginia tem a qualidade estupenda de seus livros da época. Mrs. Dalloway (1925), Passeio ao Farol (1927) e Orlando (1928) foram seus predecessores; As Ondas (1931) deu continuidade à série de grande livros. Encrustado na sequência mais importante de romances de Virginia, o ensaio Um teto todo seu não decepciona de modo algum. O livro tem cerca de 140 páginas. Não pensem que ela o leu por inteiro nas duas palestras – algo como 70 páginas por dia; na verdade o texto foi bastante ampliado para publicação logo após as palestras.

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Kubrick e Spielberg: uma amizade improvável

Kubrick e Spielberg: uma amizade improvável

Sabiam que antes de gravar qualquer canção, Roberto Carlos consultava Tom Jobim a respeito? Só após o OK de Tom é que Roberto aprovava a divulgação de qualquer obra. O Rei ficou inconsolável com a morte de seu mentor em 1994. Ficou perdido no mundo. O mesmo aconteceu com Paulo Coelho e José Saramago. O mago só mandava seus escritos para o prelo se o português lhe dizia: tá bom, alquimista, vá em frente. Fernando Sabino fazia o mesmo com Clarice Lispector; se a autora de Água Viva e Laços de Família não lhe escrevesse “Alles klar. Clarice.”, estaríamos livres de Zélia, Uma Paixão.

stanley_kubrick

Claro que o parágrafo acima é inteiramente mentiroso. Mas o título deste texto é verdadeiro. Spielberg e Kubrick eram amicíssimos e se consultavam a respeito de seus filmes. Várias sugestões trafegavam e eram aceitas nos dois sentidos. O erudito mestre Stanley Kubrick prezava muito o mestre do entrenimento Steven Spielberg e vice-versa. Amo o cinema de Kubrick e nada tenho contra Spielberg, mas penso que dificilmente haverá dois amigos e colaboradores (mesmo que informais) mais diferentes entre si.

Steven Spielberg

A importância de Stanley Kubrick para o cinema mundial pode ser medida pela qualidade e variedade dos poucos filmes que produziu. Muito pensam que ele era inglês, mas ele foi um novaiorquino que produziu parte de sua obra na Inglaterra. Kubrick criou ficção científica, suspense, reconstituição histórica, filmes de guerra, filmes intimistas e comédia sempre com brilhantismo — com brilhantismo ofuscante, creio eu. Ele — que se definiu para Anthony Burgess como um maestro dei colore que lia bons livros, que gostava de boa música e que tentava trazer isto para seus filmes — produziu apenas 13 filmes em 46 anos de carreira. E eu garanto que você viu ou pelo menos sabe da existência de mais da metade deles. Quer comprovar?

1. Fear and desire (1953) – Que Kubrick rejeitava por ser péssimo.
2. A morte passou por perto (1955) – Idem
3. O grande golpe (1956) * – Suspense
4. Glória feita de sangue (1957) * – Guerra
5. Spartacus (1960) * – Épico romano
6. Lolita (1962) – Intimismo politicamente incorreto
7. Doutor Fantástico (1964) – Comédia
8. 2001- Uma Odisséia no Espaço (1968) * – Ficção Científica
9. Laranja Mecânica (1971) * – Futurismo anarquista
10. Barry Lyndon (1975) – Romance vitoriano de Thackeray, passado no século XVII
11. O Iluminado (1980) * – Terror
12. Nascido para Matar (1987) * – Guerra
13. De Olhos Bem Fechados (1999) * – Intimista, baseado na grande novela Breve Romance de Sonho, de Arthur Schnitzler

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Esta não é uma série de filmes clássicos, é apenas a obra de Kubrick. O que mais o distingue é a inteligência e o fato de sempre se propor a esgotar os temas aos quais se dedica, chegando, às vezes, a produzir três filmes contrastantes dentro de um só. É como se produzisse variações sobre um mesmo tema, ao estilo dos compositores eruditos. Fez isto no tríptico Laranja Mecânica — (1) Ultra-violência, (2) Tratamento Ludovico e (3) Retorno à sociedade –, em De Olhos Bem Fechados — (1) Amor, (2) Ciúme e medo e (3) Aventura mórbida — e em outros, como 2001.

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A surpreendente amizade com Spielberg só ganhou notoriedade quando da morte de Kubrick. A quem foi passada a tarefa de finalizar De Olhos Bem Fechados? Ora, a Spielberg, que era quem tinha conhecimento de todo o projeto. É sintomático que Spielberg, após este trabalho, voltasse a outro projeto de Kubrick: Inteligência Artificial. Porém, curiosamente, ao filmar a história que Kubrick filmaria a seguir, acabou realizando um tríptico típico do mestre: (1) Conhecendo e rejeitando o robô, (2) O robô solto no mundo e (3) Final açucarado para você chorar de emoção ou raiva. Esta característica musical de reapresentar o mesmo tema de diversas formas foi também assumida por Spieberg em seu filme seguinte, Minority Report. Porém, insisto…

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Caricatura retirada do The Simon Magazine, mais exatamente do artigo “Steven Spielberg’s Artificial Inheritance“, de Edward Patch.

Kubrick não se repetia, Spielberg fez 3 Indiana Jones e não sei quantos Parques dos Dinossauros. Kubrick era um erudito generalista ao estilo dos grandes homens do renascimento, Spielberg é o tarado da ação, mesmo que se declare um apaixonado pela literatura. Kubrick quase não dava entrevistas, Spielberg não para de falar. Kubrick sempre foi hostil às estéticas aceitas por hollywood e não ficou milionário, Spielberg aderiu e é produtor riquíssimo em hollywood. Kubrick realizava filmes secos, profundos, corrosivos e analíticos, Spielberg os faz normalmente divertidos, superficiais, açucarados e infantis. Kubrick fazia um filme a cada 4 anos, Spielberg faz um por ano. Um concentra, o outro dilui. Mas nada disto os impedia de discutirem seus respectivos projetos em detalhe e a resultante destas discussões poderia ser tão diferente quanto o são Parque dos Dinossauros, Indiana Jones, Nascido para Matar ou O Iluminado.

Seria respeito profissional? Admiração mútua? Amor ao que o outro tinha de inatingível? Não sei, apenas acho curioso.

(*) Filmes de Kubrick que, em minha opinião, qualquer um de nós deveria ver a fim de crescer mais alguns centímetros.

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O que torna ruins os livros ruins?

Ora, um monte de coisas, mas acho que o pior de tudo é a construção de um conflito desinteressante, piegas ou cheio de clichês. Ou má construção de um conflito, ignorando a seu potencial. Os clichês incomodam muito, mas quando peguei um livro de Ian Fleming (007), o himalaia de clichês era tão impressionante que era divertido… Parecia Tarantino… Aliás, quando assistimos a um filme do 007, esperamos exatamente o clichê e ai do diretor que não nos satisfizer. Não li Dan Brown, mas o filme feito sobre O Código da Vinci é outro interminável e desagradável desfiar de clichês. A falta de charme e de originalidade é uma merda, mesmo.

Eu adoro os inícios dos romances de Balzac. Quase sempre, eles começam com uma calma e elegante apresentação dos personagens. O texto avança e nos açambarca, pois já traz os conflitos grudados a cada um dos personagens como parasitas. Mas ele escreveu o desagradável A Mulher de 30 Anos, um dos maiores exeplos de ruindade que conheço. Ele estava com pressa ao escrever, tinha dívidas e fez uma desgraça de livro.

Nunca uma capa disse tanto sobre um romance

Tenho certeza de que a identificação de uma má redação é intuitiva. A correção gramatical pode ser chata, o tom pode ser chato, o brilhantismo pode ser chatíssimo, Eu não sei porque alguém tem má redação ou é chata, mas há gente muito capaz que é desinteressante. É uma pena quando um desses escritores descobre um bom tema. Dia desses, li um livro que era um porre. Era de um blogueiro. O cara sabe escrever, mas a construção da novela era (muito) periclitante, até paradoxal, e ainda o acompanhava uma nota final – havia outra, a inicial… – em que o sujeito justificava as mancadas ou, em outras palavras, sua ruindade. Insuperável chatice arrogante, pois há pessoas que apenas usam o romance para chamar a atenção das pessoas para suas existências, independentemente do texto produzido. Sei que escrever é vaidade; sei melhor que escrever bem é a vaidade recebendo a admiração alheia. Um bom mutualismo!

Também há os que têm seus modelos literários e tentam desesperadamente alcançá-los (no caso de autores) ou procurá-los (no caso de críticos). “Infelizmente, alguns dos meus colegas da Universidade julgam tudo pela proximidade a Ulisses, de Joyce, o qual releem anualmente”, li num artigo. Se o Charlles Campos, leitor e comentarista habitual do blog, julgasse tudo sob um filtro – o qual seria certamente imaginado por ele – de Faulkner, eu o chamaria de imbecil para baixo. Seria o mesmo que eu, kafkiano de quatro costados, admirar o austríaco que escreve em um só parágrafo por seus incertos e tênues parentescos com o tcheco. Durante anos a literatura brasileira sofreu do Efeito Clarice. Um monte de gente queria ser Clarice Lispector. Houve grandes epígonos que livraram-se em bom momento da sombra ucraniana – Caio Fernando Abreu, João Gilberto Noll e poucos mais – , mas imitar Clarice… Por quê? E para quê imitar a mais pessoal das escritoras? Ah, e céus, como escreveram porcarias!

(um dia qualquer, continuo)

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A (pouca) utilidade das oficinas literárias, segundo Dacanal

Lá do Recife, o escritor Fernando Monteiro me pede para ler um artigo publicado em Zero Hora no último sábado. É um artigo de Carlos André Moreira sobre o livro recém lançado de José Hildebrando Dacanal, Oficinas Literárias: Fraude ou Negócio Sério? Como se depreende facilmente do título provocativo, o assunto é a duvidosa utilidade das oficinas literárias com a finalidade de servir como incubadoras ou criadouras de novos talentos…

José Hildebrando Dacanal é formado em Letras e Ciências Econômicas pela UFRGS e trabalha como jornalista, professor e ensaísta há 40 anos. Tem em seu peculiar currículo obras sobre linguagem, literatura, história, política e economia. Eu discordo radicalmente do homem político Dacanal, mas não sou idiota a ponto de fazer-lhe oposição pelo mero esporte de incomodar quem está no outro lado, ainda mais quando ele, curiosa e cada vez mais, tem escrito e defendido teses bastante claras, razoáveis e óbvias — na verdade até caindo de maduras –, tais como sobre baixa qualidade do ensino (e a necessidade dos clássicos) e agora esta sobre as tais oficinas.

Dacanal recupera-se de duas visitas ao fundo do poço ao escrever um livrinho em parceria com César Busatto (o nanico que dança com a desgovernadora ao lado) naquele longínquo ano de 1998, em que os amigos de Yeda assistiram a vitória de Olívio Dutra — casualmente um homem também formado em Letras — para o governo do Estado… Mais transtornada ainda é sua parceria seguinte: em 1999, quando o governador Olívio Dutra mal tinha chegado ao poder, emprestou sua grife ou escreveu a quatro mãos com João Hernesto Weber o livro A Nova Classe – O Governo do PT no Rio Grande do Sul. Ultimamente, anda esquecido da política. A qualidade dos governos Rigotto e Yeda empurraram o professor — antes tão contumaz em expressar suas objeções — àquilo que ele melhor faz e pensa: à literatura. Melhor assim. Apesar de que acharia divertido ver Dacanal justificar e propor soluções para a suruba do Piratini. Creio que o político voltará em 2011… Dacanal é um volante brucutu que só sabe destruir, mas não sabe o que fazer, nem para onde correr, quando está com a bola. Deste modo, fiquemos por enquanto com o brucutu das letras. E aproveitemos.

Como a Editora Soles não facilita muito essa coisa de compra de livros, vamos comentar a ideia de Dacanal, esperando que um dia possamos tocar o pequeno volume que antes chamava-se Oficinas literárias: caça-níqueis, estelionato e bordel. Lamento muito que Dacanal tenha aliviado o título e talvez seu conteúdo. Seria muito interessante a “parte bordel” das oficinas, pois estou certo de que os cursos de línguas, academias de ginástica e outras reuniões eletivas do gênero servem notavelmente ao flerte e, bem, conheço tantas histórias que é melhor nem começar.

Nunca participei de oficinas literárias e o motivo é que não acredito nelas. O escritor nasce da absoluta necessidade e pressão interna de ler e escrever. É, sim, paixão. Escrever é uma forma de abordagem à inatingível verdade deste mundo e é o futuro autor quem sabe o que é preciso ler, não o tutor. Acredito que, por exemplo, seja sempre interessante e agradável ouvir alguém como Charles Kiefer ou Fernando Monteiro — até aceitaria pagar para ouvi-los! Eles sabem o suficiente para apontar caminhos de leitura ou mandar alguém trabalhar na construção civil, mas não creio que um escritor precise muito mais do que saber que existem coisas como foco narrativo, que é bom criar eficientemente um conflito, que ter uma boa história é algo interessante, que um trabalho de linguagem pode ser necessário aqui ou ali ou em tudo, que é legal ter noções da língua, de pontuação, da música das frases, etc. E que é preciso conhecer suas afinidades e a tradição de cada estilo, pois, sempre que sentamos para escrever, estamos, de uma forma ou outra, equilibrando-nos sobre os ombros de gigantes do passado, como diria Newton.

Quanto aos melhoramentos e críticas… Há coisas de Clarice Lispector que, fora de seu contexto, parecem imbecilidades. Já imaginaram a tragédia que ocorreria com a literatura brasileira se o Assis Brasil começasse a persegui-la com a intenção de deixá-la mais próxima a seu convencionalismo? Há tantas e diferentes vozes que a sabedoria teria receio de afirmar taxativamente: isto é péssimo, isto é bom! Acredito muito mais em alguém que dissesse: você, leia isto, informe-se sobre aquilo ou abra uma padaria.

No mais, o verdadeiro fracasso é entrar numa confraria dessas e sair sem uma boa amizade. Pois no fundo, lá no fundo mesmo, é este o objetivo de quem adere a uma oficina literária.

Eu acho que o livro tem tudo para ser bom e merece ser comprado e lido. Quem souber como, me avise. Afinal, a Soles tem existência mais obscura do que alguns volantes de Celso Roth.

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