Porque hoje é sábado, Anna Karina

Hanne Karin Blarke Bayer nasceu na Dinamarca. Aos 17 anos, após uma última briga com sua mãe…

… fugiu para Paris. Ela descreve sua infância como uma desesperada, constante e mal sucedida …

… tentativa de ser amada. Fugiu de casa muitas vezes, até fazê-lo definitivamente.

Em Paris, não tinha dinheiro nem falava francês. Vivia nas ruas.

Então, começa o conto de fadas. Uma publicitária cruza com ela na rua e lhe pede algumas fotos. Ela conhece …

… Coco Chanel e Pierre Cardin que a tomam como modelo. Cardin lhe batiza Anna (de Hanne, seu nome)…

Karina (de carina, bonita em italiano). Então, Jean-Luc Godard a vê numa série de propagandas…

… para o sabonete Palmolive e a convida para atuar num de seus primeiros filmes: Acossado.

Ela recusa o papel, mas ele a convida novamente para o seu filme seguinte: O pequeno soldado.

Em seu segundo filme com Godard, Uma Mulher É uma Mulher, já ganha o prêmio de melhor atriz do Festival de Berlim.

Chega ao ponto de casar com Godard, faz mais uma dúzia de filmes com ele, mesmo após o fim de seu casamento.

Hoje, Anna Karina é cultuada como a mais importante atriz da nouvelle vague

… e também símbolo de mulher elegante e talentosa. Escreveu roteiros de filmes…

… atuando dentro e fora da França, com diretores como Visconti, Rivette, Fassbinder e Cukor.

Particularmente, acho que o belíssimo rosto de Anna Karina encerra em si o próprio cinema.

O bom cinema. O realizado numa época em que nem tudo era resultado de exigências mercadológicas.

Ou, como diz minha filha, que digita este texto ditado por mim, EU A AMO!!!

Desânimo

É ruim quando a gente vê que aquilo que nos serve de motor — a nossa incontrolável alegria, às vezes perversa alegria — é jogada contra nós como se fosse um grave defeito. Mesmo que ontem tenha sido um dia coberto de elogios do ponto de vista profissional, a sanção ao lado B (ou A) passou o dia enchendo o saco.

(…)

Para completar, minha irmã também está em fuga para a Itália. Volta dia 26. Já que o Supremo Tribunal Federal ainda não deportou o Cesare Battisti, vão elas? Será que obedecem a uma ordem do Mino Carta?

Ao menos minha filha fica. Ela diz que irá cuidar de mim. Para quê? Logo eu, uma natureza fiel! Como é que é? Obama ganhou o Nobel da Paz? Que perigo dar um prêmio desses a um presidente americano! Enquanto isso, Berlusconi diz que a imprensa não tem noção da realidade. Enfim, concordamos!

Declaração:

Conforme determinação judicial na Audiência de Advertência realizada na presente data, onde foi determinado que me retratasse no meu blog sob o título “Uma questão pessoal ou Meus pecados com Euclides da Cunha” das declarações contra o Instituto Santa Luzia, na pessoa da Irmã Gerceli. Sendo assim, declaro que cometi um equívoco ao fazer as referidas afirmações e me comprometo a não mais mencionar essa Instituição e as pessoas a ela ligadas, bem como impedir que qualquer comentário a esse respeito seja postado em meu blog.

Porto Alegre, 07 de outubro de 2009.

Milton Luiz Cunha Ribeiro

Delírio dialógico polifônico matinal (após longo e literário telefonema que me impediu de escrever o post)

É? Então vai ver que persigo os polifônicos…

Eu defenderia Thomas Bernhard e Cunningham numa discussão, mas seria capaz de gritar por Virginia Woolf, de me escabelar por Guimarães Rosa, de ir às vias de fato por Melville, de roubar álcool, tabaco e papel para Faulkner, de rolar no chão pelo Mann de Doutor Fausto, de ter uma convulsão por Joyce, outra por Dostoiévski, de matar e roubar por Juliette Binoche, Emmanuelle Béart, Irène Jacob ou Cécile de France e faria minuciosamente TUDO O QUE ACABO DE CITAR por Tchékov, cujas peças te mostrariam, te mostraram ou te mostrarão grandes diálogos.

Diálogos? Ih, esqueci Shakespeare e… Deixa assim.

Sinuca embaixo d`água, de Carol Bensimon

O segundo livro de Carol só perde para o primeiro na capa. Deve haver um critério muito misterioso de marketing que justifique o fato da Companhia das Letras ter escolhido aquela coisa sem graça num livro tão visual como Sinuca. Antes de qualquer consideração, porém, peço licença para observar meu próprio umbigo. Se a atmosfera do romance é a da morte de uma jovem (Antônia), do fim de um bar (causado pela estupidez dos moradores em torno), da poluição do lago e do abandono de uma criança, nada disso me afeta muito comparado com a alegria que me causa a realização de um romance tão belo. Você pode dizer que troco e-mails com Carol, que já a vi duas ou três vezes e que meu exemplar veio com dedicatória, mas tal admiração passa longe do compadrio que detesto. A alegria é um defeito de fabricação: quando, por exemplo, ouço a desesperada súplica de arrependimento diante de Deus de Erbarme dich, mein Gott da Paixão Segundo São Mateus, de J. S. Bach, fico feliz pela realização de Bach, mesmo sem ignorar o sentimento que o levou àquilo. Na verdade, sinto-me eufórico.

E o mesmo ocorreu comigo ao finalizar Sinuca, fiquei eufórico com um romance que trata, entre outras coisas, da morte. Ou seja, Sinuca embaixo d`água não é um bombom nem um passeio de pedalinho pelo lago. É o romance do luto de três personagens principais — o namorado Bernardo, irmão Camilo e o dono do bar next door Polaco –, de quatro pequenas histórias paralelas e do bar, do próprio bar, outro morto.

A linguagem de Carol Bensimon alterou-se em relação a Pó de Parede. Lá, havia uma poesia menos dura do que a de Sinuca. As frases encurtaram, muitas são intencionalmente vagas e o seu significado exato é dado pela experiência do leitor. Não obstante, não é uma leitura trabalhosa; é, isto sim, poética. Deu trabalho, certamente, pois Carol ainda precisava adaptar a linguagem a cada um dos personagens.

E cada personagem encara a morte de sua maneira. Bernardo é o namorado culto que percorre a via crucis da forma mais inteligente e “normal”. Houve uma grande perda e a hora é de sofrer, seja ouvindo jazz, seja ouvindo coisas desnecessárias da parte de amigos, seja jogando um jogo à morte. Temos a impressão de que a construção da linguagem foi dedicada a ele, mas ela adapta-se igualmente a Camilo, o irmão preterido pela morte. Drogadito light, faz-nada e mecânico amador, amava a irmã ao ponto de sentir um controlado ciúme de Bernardo. E Polaco é o dono do bar que coleciona perdas. Porém os maiores personagens do romance são Antônia, desenhada lenta e minuciosamente a seis mãos, e o bar, ponto de encontro e centro do ódio de certa cidade.

O bar não tem seu nome declinado pela autora mas…, meus amigos, é o Timbuka. Se eu soubesse disso, teria falado três vezes com Carol Bensimon. Conheci-a na quarta ou quinta-feira da noite de autógrafos (1). Voltei a vê-la no Parangolé, durante a ImpedFest (2) e, no dia seguinte, lá estava ela, talvez com uma garrafa térmica, quem sabe com uma cuia, tomando chimarrão com o namorado do lado esquerdo e as ruínas do Timbuka do lado direito. Não quis interromper, mas interromperia, se soubesse que o bar era um dos temas do livro — teria excesso de assunto!.

Então, para terminar esta resenha que já vai longe, digo que este é um dos melhores romances porto-alegrenses que li, até por trazer com delicadeza um dos fatos dos quais a cidade deveria se envergonhar: a derrubada do Timbuka. Algo de perto semelhante vi no final de 2005: participei de uma reunião do movimento da Rua Gonçalo de Carvalho, justo em essência, mas que conseguiu enxotar uma Orquestra Sinfônica em nome do ecossistema da rua… A exposição de burrices e a emissão de preconceitos devem ter sido análogas quando da discussão sobre a ação de uma retroescavadeira sobre um local era apenas um culto à felicidade, como o Franciel descreve neste post.

Para não finalizar fora do tópico e como o pessoal que visita meu blog não é brincadeira e lê mesmo, uso o tempinho que sobra para sugerir os capítulos “Polaco” (p. 19), “Lucas” (p. 96) e “Bernardo” (p. 83, 101 e 115). São demonstrações claras do virtuosismo nada gratuito de Carol neste Timbuka, ops, Sinuca embaixo d`água.

Una novelita lumpen, de Roberto Bolaño (crítica publicada no El Pais do último sábado)

No hay un Bolaño menor

Por JORDI GRACIA

 

Esta novela breve nació como un encargo y el resultado fue valioso, como sucede con tantos otros encargos que felizmente la industria editorial hace a los autores de los que se fía (o en los que confía). Quizá por eso Herralde ha decidido rescatar este relato de Roberto Bolaño, escrito por encargo de Claudio López de Lamadrid para una colección de Mondadori en 2002 (lo ha contado por escrito el propio Herralde). Transcurre en Roma pero podría transcurrir en las quimbambas mientras hubiera casas grandes y pisos pequeños, comercios de alquiler de vídeos y personajes con biografías complicadas o infinitamente sosas. La de la protagonista es anodina y amputada, peluquera de poco futuro, amante mecánica y urgente de un par de tipos que viven azarosamente en su propia casa, huérfana de edad indefinida pero ya crecida, y a cargo de un hermano desorientado y más joven que ella.

El cuadro es simple y muy poco prometedor: lo que sucede es todo mate. No hay melodrama ni hay autocompasión ni fantasías redentoras más allá de la mera ilusión de mejorar de vida. Pero hay una gran habilidad en dotar de una irresistible inocencia a la protagonista que narra una breve etapa de su vida y donde vibra sin notarse la inteligencia sentimental del mejor Bolaño. Algunos somos más decididamente partidarios del Bolaño comedido y sutil -el de esta novela breve o el de Estrella distante– que del Bolaño arrebatado por la ambición y la desmesura de Los detectives salvajes o de 2666. En las más extensas demasiadas veces acude la pregunta de para qué, y en ésta cada línea tiene un para qué inequívoco, fatal. Quizá precisamente porque el propio Bolaño no debió tomársela demasiado en serio.

Está el mejor Bolaño sin desatarse: el de la piedad difusa y sin huellas visibles, el de la amargura de las vidas malsanas sin culpa, el de las frustraciones veladas pero invencibles, y el de la vitalidad psicológica suficiente como para trazar personajes de escasa complejidad cuyo papel sin embargo desemboca en relatos complejos. Todo es fácil y directo en Una novelita lumpen y sin embargo la novela trata de la infelicidad y de las recompensas falsas dentro de la infelicidad, de la valentía para cambiar de rumbo y de la lucidez súbita sobre el rumbo real de la vida de cada cual: un pedazo de realismo inteligente sin sermón.

(Una novelita lumpen, Anagrama, Barcelona, 2009, 151 páginas. 15 euros.)

Mais um artigo encontrado e enviado por Helen Osório. Obrigado!

Richard Wagner e o Nazismo

Uma mente madura deve ser capaz de admitir a coexistência de dois fatos contraditórios: que Wagner foi um grande artista e, segundo, que Wagner foi um ser humano abominável.

Edward Said

Você talvez pense que, se a música é algo impalpável e transitório — se, como disse Busoni, “é apenas ar sonoro” –, não haveria grande espaço para a ideologia ou o nacionalismo nela. Mesmo no terreno da ópera, com a necessidade de se contar uma história, fazer “poesia”, ser teatro e música ao mesmo tempo, seria complicado estabelecer teses. Pois é, você só pensará assim se ignorar compositores como Shostakovich, que consegue comunicar “intenções” e protestos sem palavras. No caso de Wagner, há Wagner e Wagner, o autor e o homem. Inteligentemente, ele deixou quaisquer referências diretas aos judeus fora de sua música. Aliás, é um curioso mecanismo de ocultamento (ou culpa) este que faz alguns autores escreverem pequenos ensaios como Das Judentum in der Musik (O Judaísmo na Música, de 1850), mas deixarem sua obra maior livre destas delicadas referências seculares… Também Céline, Hamsun e Pound não entremearam sua obra com referências anti-semitas ou nazistas, deixando essas coisas para os panfletos e jornais. O fato é que Wagner foi trazido pelo próprio Hitler ao centro da discussão, tornando-o o maior dos anti-semitas, postura que está longe de ser um privilégio exclusivo. Em Das Judentum in der Musik ele vai longe e como! Primeiro, ataca a influência dos judeus na música e cultura alemãs, descreve os judeus como ex-canibais de fato e agora canibais das finanças. Logo após afirma que são de natureza muito pouco profunda, acusa-os de corruptores da língua alemã e ataca Meyerbeer e Mendelssohn, compositores judeus que considerava inimigos… Em uma carta para Lizst, Wagner confessa que “Sinto um ódio, por muito tempo reprimido, contra os judeus e esta luta é tão necessária à minha natureza como meu sangue… Quero que deixem de ser nossos amos. Afinal, não são nossos príncipes, mas nossos banqueiros e filisteus…”.

Embora não haja referências anti-semitas em suas óperas, é bastante claro o significado da existência de Beckmesser em Os Mestres Cantores de Nurenberg e de Mime no Anel. São associações muito claras e ao final ambos são derrotados. Uma mesma canção interpretada por Beckmesser nos Mestres Cantores causa riso e rejeição, enquanto que a interpretação de Stolzing dá vida à música… E o discurso de Hans Sachs ao final da mesma ópera traz uma apologia da santa arte alemã, alertando para os perigos que vêm de fora. Mime estranhamente se declara hipócrita, pois esconde “pensamentos íntimos”, mas o pior é a parentesco de sua conduta — Mime, seu nome, mímesis em grego, significa imitação) — com a descrição dos judeus em O Judaísmo na Música, acrescida pelo fato de Wagner obrigar o personagem a registros altíssimos e a cantar em intervalos semelhantes aos de um pássaro – um corvo, uma gralha –, reservando-lhe ao final uma morte brutal sob a espada de Siegfried.

Grande admirador de Wagner, Gustav Mahler escreveu:

No doubt with Mime, Wagner intended to ridicule the Jews with all their characteristic traits — petty intelligence and greed — the jargon is texually and musically so cleverly suggested; but for God’s sake it must not be exaggerated and overdone as Julius Spielmann does it… I know of only one Mime and that is myself… you wouldn’t believe what there is in that part, nor what I could make of it.

Ora, tais coisas, quando em contato com quem necessita de justificativas para seus ódios… só pode criar uma idolatria. Não por acaso, caíram na mão de um certo Adolf Hitler. Ele ia com freqüência assistir às óperas de Wagner e orgulhava-se de ter lido tudo o que dele havia. Era amigo dos netos do compositor — fez-se fotografar inúmeras vezes com eles — e visitava Bayreuth mesmo durante os anos de guerra. Em 1923, foi conhecer a viúva de Wagner, Cosima. Ou seja, fazia absoluta questão de ligar-se ao compositor. Claro que o nazismo não é uma conseqüência direta disto, mas é indiscutível que Wagner influenciou a sociedade alemã com suas sagas nórdicas — tão ao gosto do nazismo –, sua pompa e anti-semitismo. Imaginem que Hitler era tão influenciado que tornou-se vegetariano… por causa e tal como o compositor!

Agora, há grandes méritos em Wagner. Foi compositor, regente, libretista, ensaísta, político (principalmente no sentido de que era suscetível a alterar suas posições subitamente, era um casuísta), polemista, amigo e referência de toda a intelectualidade alemã da época, entendido em acústica, publicitário dos bons, e era quase tudo o que você imaginar. Sem dúvidas, era um gênio. Construiu em Bayreuth um teatro revolucionário que até hoje é o melhor para suas óperas serem apresentadas, devido ao grande palco e ao fato da posição da orquestra ficar sob o mesmo, no chamado Abismo Místico (mystischer Abgrund), o qual produz um som absolutamente espetacular, escondendo inteiramente a orquestra dos espectadores — pois Wagner queria atenção absoluta ao palco — e permitindo que a orquestra abuse dos fortíssimo porque, por misteriosa ciência acústica, a posição da orquestra garante que tudo será ouvido clara e perfeitamente pelos espectadores da ópera (os fortíssimos serão suportáveis e não irão impedir que se ouçam ao mesmo tempo os instrumentos capazes de menos decibéis), apesar dos músicos sofrerem com o calor do aposento. A acústica do teatro está mais para o milagre do que para qualquer outra coisa.

Sua imaginação melódica e suas texturas harmônicas são de um refinamento ao qual é impossível associar imagens como, por exemplo, as dos assassinatos em massa. Há um enorme descompasso quando Goebbels utiliza sua música na propaganda nazista. Na verdade, é uma música revolucionária destinada a entendidos. Mas Goebbels se interessa pelo autor de O Judaísmo na Música, a música de um nacionalista que odiava os judeus, porém apenas algumas aberturas e a tal Cavalgada das Valquírias serviam aos propósitos propagandistas do regime e não suas vastas e complexas óperas que, em seu contexto, fizeram a efetiva ligação entre a música dó século XIX e a moderna. Sua música sempre aparece descontextualizada sob o nazismo e eu imagino o que não sofriam os nazistas que faziam a peregrinação anual à Bayreuth para assistir por horas e horas óperas destinadas a uma elite intelectual… Só que eles tinham que gostar, não? Na opinião do chefe, era a expressão de uma superioridade.

Eu leio Céline — um dos maiores romancistas que conheço — e abomino seu lado B; também leio Pound e gosto de Dali, um admirador de Franco. Por que não ouviria Wagner? É ilógico, mas confesso que o evito. Sinto como se houvesse muito de demasiado na personalidade de Wagner e isto invade a esfera artística de tal modo que é dificílimo ouvi-lo (não há erro na expressão “muito de demasiado”). Ele queria tudo: a obra de arte total, a criação de uma nova música, o teatro ideal para ela, procurava a maior controvérsia, escrevia panfletos, fazia tudo para aparecer e era tudo para si. É demais para mim saber de tudo isso, mesmo não ignorando seus indiscutíveis e tão audíveis méritos. Para vocês terem uma idéia, a cena em estética nazista do filme Apocalipse Now – a dos helipcópteros bombardeando os surfistas tendo a Cavalgada como fundo – provoca-me náusea… E nem sou judeu! É irracional, mas é assim. Defendo-me com o auxílio de Thomas Mann que denunciou o substrato racista das obras de Wagner sob aquelas confusas sagas nórdicas, das quais também não gosto nem um pouco, mas sei que é isso é apenas colocar uma grife numa rejeição para a qual não encontro explicação. Por que posso preterir o grande Richard Wagner e não o não menos enorme Louis-Ferdinand Céline? Sei lá.

Então, meu caro Said, eu não devo ter uma mente madura.

A aula do professor Kretzschmar, por András Schiff

Verbalmente menos brilhante do que o professor do imortal oitavo capítulo de Doutor Fausto de Thomas Mann, o pianista András Schiff tenta explicar as variações do segundo movimento da Sonata Op. 111. Sim, Schiff, a terceira variação é quase um jazz. Boogie-woogie não, de cheito nenhum. A masterclass está incompleta, claro, mas ele demonstra em seis minutos as variações. É muito bonito.

E não é que o Rio ganhou?

Eu queria.

Comentário do crasso e civilizadíssimo carioca Marcos Nunes:

Queres morrer de rir? leia os comentários furibundos dos leitores da Folha SP. Putz, os cara e as mina moram em São Paulo e falam do Rio com uma propriedade que tô até com medo de ir à rua no final do expediente… Assaltos, balas perdidas, políticos a roda, favelas desabando sobre as avenidas… Vou ignorar que, à minha frente, tenho a plácida (e, ainda bem, distante – pelo mau cheiro) Baía de Guanabara, cercada pelo Aterro do Flamengo, verdejante, e, numa pequena enseada, os barquinhos circulando em torno da Marina da Glória. Atrás de mim, Santa Teresa, seu burburinho riponguístico, artistas cercados de favelas por todos os lados, cujos habitantes são ainda mais artistas, apesar de nada riponguísticos… Ah, quanta depressão forçada, dor-de-cotovelo porque teremos Copa, Olimpíadas, temos “o cara”, crise virou marola e o mercado interno cresce, cresce… Ah, tem uns probleminhas de distribuição de renda, corrupção, depredação ambiental, privilégios concedidos a latifundiários, e… e… e… e… e…, por aí vai, mas sempre lembro às pessoas, ô, cambada, lembram de fato os anos Efeagagá? Mas lembram mesmo? Pô, tá ruim, mas, putz, olha lá dez anos atrás, o que a gente tinha pela frente? Nada, cara, nada. Hoje a gente pode ter só ilusão, mas nem isso dava pra ter naquela época. Então deix’eu rumar pr’as ruas e pr’o meu bar beber meu vinho e, sim, comemorar mais essa, que será bom, será caótico, será o que será caralhos!

Todos são horríveis, mas este é um texto que elogia a direita (melhor avisar antes)

Por Luís Januário
— provando que alguns (muitos) portugueses vivem numa realidade paralela

De facto a esquerda é utópica. A esquerda é qualquer coisa em que é impossível acreditar. Assim como um amor que durasse para sempre. A direita é natural. A esquerda é sobrenatural. A direita é uma coisa conhecida: o curso de direito, uma bebedeira ao fim-de-semana, uma bofetada do marido, um quadro do Cargaleiro, uma homilia de domingo, o Expresso, a crónica do Marcelo, os lucros do Belmiro e a nossa inevitável pobreza, as festas da Hola, os filmes da Lusomundo, a literatura internacional e a comida do Eleven, a hipertensão e a obesidade. A esquerda é a nacionalização do petróleo, um curso de enfermagem veterinária, um bellini ao fim da tarde em Corso Como, o esplendor das línguas, a pele secreta que as mulheres do Ocidente revelaram no final do século, a música de Arvo Part e Marilin Crispell e Christina Plhuar, os romances de Bolaño, Sebal – a esquerda tem tendência a ter um êxito póstumo -, VilaMatas, Coetzee, o design de Laszlo Moholy-nagy, o testamento de vida , os legumes no wok, o vinhateiro que resiste no Mondovino.

Os itálicos são meus. O incrível é que os portugueses acharam isso aí brilhante e comprovável… Bem, acho Pärt um saco e ele queria dizer Sebald, eu acho. Agora com licença, tenho que tomar minha sopinha de agrião.

Os ateus são pessoas más?

Por Renato Sabbatini

Recentemente a Igreja Católica iniciou uma campanha cerrada contra o que denominou de “valores ateus” e suas supostas conseqüências (basicamente, coisas como ser a favor do aborto e do uso da camisinha e da clonagem de embriões). Um bispo brasileiro, exagerado, chegou a afirmar publicamente que “os ateus são pessoas más”, possivelmente porque muitos religiosos acreditam que a religião é a única fonte da moral. Logo…. ateus não têm moral. Mas não têm mesmo? Os ateus são em média mais imorais e maus do que os que têm religião? A evidência científica aponta que parece ser justamente o contrário… A Bíblia afirma, em Salmos 14:1, que “Diz o insensato no seu coração: Não há Deus. Corrompem-se e praticam abominação; já não há quem faça o bem”. Então serão os ateus insensatos ou tolos? Corruptos e abomináveis? Incapazes de fazer o bem? Quanto à questão das “abominações”, a evidência é incontestável. Um estudo feito em 1997 pela Federal Prison Board, dos EUA mostrou que enquanto que 75% da população carcerária americana se declara religiosa e crente em Deus, apenas 0,2% se declaram ateus ou agnósticos! (na população em geral eles já representariam cerca de 10%). O divórcio (um pecado, segundo o catolicismo, mas não segundo os protestantes) ocorre em 40% dos católicos americanos, 27% de evangélicos e apenas em 21% dos ateus… Ou seja, a crença em um pecado é inversamente proporcional à sua adoção… Além disso, não é preciso pesquisar muito na história para constatar que, em nome de valores religiosos, foram praticadas grandes mortandades, infindáveis guerras, horrendas atrocidades (como a Inquisição) e nefandos atos terroristas. Ou matar em nome de Deus não é uma constante insana da humanidade? Quem é mau, então? Numerosos estudos sociológicos têm demonstrado cabalmente que ateus, em geral, cometem menos crimes, respeitam mais as leis, e criam seus filhos com mais critérios morais e familiares do que a maioria dos que acreditam em Deus. Conclusão: não é preciso acreditar em Deus para ser moral e respeitador dos costumes e das regras sociais. Eu mesmo, por exemplo, sou agnóstico, criei meus dois filhos sem batismo, Deus ou religião, e podemos nos incluir tranquilamente entre as pessoas mais morais e sérias e praticantes do bem que eu conheço. Tolos? Veja só a lista dos “tolos” e “insensatos” que foram ou são ateus ou agnósticos: Albert Einstein, Charles Darwin, Stephen Hawking, Francis Crick, James Watson, Richard Feynman, Paul Dirac, Linus Pauling, Alfred Kinsey, Karl Popper, Carl Sagan, Edward O.Wilson, Marvin Minsky, Thomas Edison, B.F. Skinner, Marie Curie, Bertrand Russell, Noam Chomsky, Isaac Asimov, Sigmund Freud, Michel Foucault, Richard Dawkins, Steven Pinker, Daniel Dennett, Stephen Jay Gould, Steve Jobs, Thomas Jefferson, Denis Diderot, Auguste Comte, Friedrich Nietzsche, Arthur Schopenhauer, Karl Marx, Oscar Niemayer, George Bernard Shaw, Jorge Amado, Jorge Luis Borges, Gore Vidal, Jean Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Albert Camus, Robert Frost, H.G. Wells, José Saramago, Salman Rushdie, Mark Twain, Arthur Clarke, Michael Crichton, Milan Kundera, Marcelo Gleiser, Drauzio Varella, Ernest Hemingway, Kurt Vonnegut Jr., Luis Buñuel, Ingmar Bergman, Charlie Chaplin, John Lennon, Woody Allen, Angelina Jolie, Jodie Foster, Marlon Brando, Christopher Reeve, Juliana Moore, Jack Nicholson, Larry King, Chico Buarque, Paulo Autran e muitos outros. A nata da nata. Quase 40% de todos os cientistas declaram não ter religião. O ateísmo é muito mais prevalente entre pessoas de maior escolaridade, intelectuais e autores, do que no resto da população. Exceção: políticos (isso deve ser o resultado da democracia, ou seja. o fenômeno de seleção pelo eleitorado religioso, ou então medo de declarar publicamente seus “valores ateus”, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso fez uma vez, e perdeu a eleição para prefeito de São Paulo). Não fazem o bem? Os três maiores doadores de dinheiro para causas boas e nobres, de toda a história (conjuntamente doaram mais de 70 bilhões de dólares), George Soros e Warren Buffet (financistas) e o fundador da Microsoft, Bill Gates, são ateus declarados. Meu ídolo científico, o físico alemão Albert Einstein, eleito pela revista Time como a Maior Personalidade do Século XX (e erroneamente citado como sendo religioso) escreveu uma vez sobre isso: “Se as pessoas são boas apenas porque têm medo de punições, e esperam uma recompensa, então elas formam um grupo realmente lamentável“.

E disse tudo!

Provas do ENEM eram vendidas em pizzaria e outros símbolos

Acordei e estava discutindo tranquilamente com o Cristóvão Feil a respeito do fundamental tema da cobertura das ovelhas. Ele me dizia que eu me confundira e que:

No rebanho de ovinos, se lambuza a barriga do carneiro com pigmento colorido engraxado, gorduroso (como fixador). Se tiver mais de um, marcam-se com cores distintas. Quando alguma ovelha fica “ocilha” (conforme se diz em Viamão), o carneiro (se for do ramo) monta e emprenha (se for “especialista”). Aquela fêmea, já fecundada, fica com o lombo colorido, carimbado e engraxado das partes pudendas do macho. Então, ela é apartada do rebanho, com o objetivo de merecer mais cuidados, alimentação balanceada, observação diária, etc.

Por isso, hay que tener precauciones quando uno mas pícaro ha dito que todavia esta sucio de “graxa” de ovejas. Onde? Nas pudendas ou no lombo?

Era uma troca de e-mails muito pouco séria, pois eu estava admirado com o valor metafórico ou simbólico do fato dos amantes ficarem marcados com a mesma cor denunciadora de seu ato, mesmo sem relacionar os locais das pinturas ao sexo de cada animal, certamente denunciadores de outras preferências.

Enquanto isso, via na TV a mais bela das brasileiras ufanando-se da candidatura do Rio de Janeiro para as Olimpíadas. Um de meus menores problemas é o de amar o Rio de Janeiro. É a cidade quase perfeita, apenas lhe falta as gaúchas. Infelizmente, digo que a média de todas as cariocas que não leem meu blog estão em nível bastante inferior de beleza. Porto Alegre e o interior do estado sempre foi um duro teste para a fidelidade (imaginem que escrevi fodelidade, mas notem que o “o” fica ao lado do “i”, mesmo no seu teclado, maldoso leitor) de quaisquer maridos e a região de Passo Fundo — onde italianos, alemães e bugres moram juntos — é a região do país que apresenta proporcionalmente o maior número de divórcios. Mas tergiverso, penso em mulheres quando tenho que cortar o cabelo e acabo não enveredando pelo caminho planejado de argumentar que o Rio de Janeiro é o maior símbolo do Brasil, com sua beleza e perfeição, riqueza e pobreza, corrupção e desídia; que adoro passear numa cidade onde as pessoas, mesmo os velhos, saem às ruas à noite — enquanto aqui temos apartamentos-asilos –; que adoro as padarias de meus patrícios; que gosto das esquinas com lojas de sucos; que acho os cariocas gentis e filhas da puta. E que, apesar de estar acostumando com mulheres mais belas, gosto muito daquilo e, portanto, torço para o Rio ser a cidade sede das Olimpíadas de 2016, mesmo que nosso prezado Marcos Nunes veja perturbada sua vida de pedestre habitante da cidade. Não preciso falar com ele para saber: posso antecipar que ele é contra o evento e hoje, enquanto tomava café num bar, olhando e sonhando com Renata Vasconcellos (suspiro), dizia, orgulhoso de sua sacrofobia, a seu vizinho, :

— Fodam-se as Olimpíadas. Que vão para outro lugar.

Maior valor simbólico talvez seja o fato da prova do ENEM ter sido vendida numa pizzaria, que fazia a intermediação do negócio. Provavelmente vinha da gráfica do Senado ou da Assembleia gaúcha direto para a pizzaria paulista. Visualizo uma prova colada, dentro de um plástico, sob a caixa de uma telentrega. Pague R$ 500 mil ao motoboy. Sim, porque o Sr. Luciano Rodrigues, proprietário da Donna Pizzaria & Restaurante, estava cotando a prova em R$ 500 mil. Alega que trabalhava para dois sujeitos que teriam a posse das provas. Repórteres viram a dita cuja. A piada é que, entrevistado, declarou que, se voltar a se encontrar com os dois homens, vai avisá-los de que a reportagem da Folha quer falar com eles a fim de saber como foi feito o vazamento das questões. Rodrigues afirmou que não sabe como isso aconteceu, claro.

Para finalizar este post objetivo e focado, informo-lhes que, enquanto via Renata, escrevia para o Cristóvão e pensava no Rio, chegou um e-mail do Sergio Gonçalves com um conteúdo de 1928, uma maravilha — The Lion`s Cage, de Charlie Chaplin:

Todas as filas a fila

1. Dizem que o OPS trocará de servidor neste fim de semana. Estaremos certamente parados por algumas horas antes que paremos por completo.

2. Ontem foi o dia de instalar programas. Troquei meu velho notebook por um desktop bem mais parrudo. Queria trocar de notebook, mas digamos que era mais “fácil” comprar uma configuração com mais disco e memória se voltasse ao velho desktop. Sem problemas. Por conta da confusão, perdi de acompanhar a formação de mais um belo grupo de comentários, mas era necessário: os 40 GB e o XP ainda original — nunca reinstalado — do meu velho Dell Latitude mereciam aposentadoria. Ele se pagou, foram quatro anos de trabalho intenso. Hoje ele vai se assustar por não ter sido ligado. Talvez ele sirva para viagens. É incrível como consigo não estragar minhas coisas, mas a fila tem de andar.

3. Ontem também foi o dia de conversar com as assistentes sociais que acompanham o cumprimento de minha pena. Elas me pediram um tempo antes de fazerem a provável (certa) transferência. Fiquei tão indignado com aqueles acontecimentos que fiz questão de agregar a meu processo um texto que não era outro senão o post linkado acima. Elas ficaram tão pasmas com o acontecimento quanto eu, ou ao menos fingiram muito bem. Fui claro, disse que considereva-me ofendido. Querem contatar a instituição, o juiz, o escambau. Só espero que não lembrem de direcionar as consequências para meu combalido ânus. Chega, né? Querem saber?, temo muito passar de vítima a vilão.

4. À noite, fui ao show do Guinga, do baixista Max Robert e da cantora Marcê Porena no Teatro São Pedro. A desproporção entre o que toca e compõe Guinga em relação a Max Robert é acachapante. Não sei o motivo de se apresentarem juntos. Já está mais do que na hora de Guinga, 59 anos, assumir-se como chefe e fazer-se acompanhar de um pequeno grupo e de uma cantora ou cantor eficiente. Esse negócio de ficar longos minutos — tempo emocional — suportando composições e interpretações de segunda categoria à espera de alguns minutinhos — tempo emocional — do grande violonista e dentista Guinga, é como ir ver um show de Chico Buarque e ele convidar Joana para cantar por uns 45 minutinhos.

5. Há gente louca para tudo. Tanto que uma pequena e simpaticíssima editora me convidou para publicar O Monólogo Amoroso com eles. Teria que finalizar, né?

6. Vou tentar produzir algo futebolístico para o Impedimento hoje. Há algum tempo comecei uma série chamada “A ascensão e a ascensão dos negociantes”. Burramente, parei no segundo ou terceiro capítulo. Pior, deixei de fazer anotações. A tese será baseada no Inter, mas serve para todos. O Internacional é hoje um balcão de negócios, porém a estrutura comercial não consegue criar resultados, apenas lucro, egos e esperanças de contratos no exterior para os jogadores. Tudo o que chega ao Inter, excetuando-se Guiñazu e Clemer, tem o imediato horizonte da venda. Os caras são tão bons nisso que até Magrão conseguiu ser negociado, mesmo que tivesse se arrastado por meses em campo. Bastou duas boas partidas e tchau. O técnico Tite há que ser compreendido. Ele esta lá não para fazer futebol, mas para fazer a fila de vendas andar. Então, só joga quem estiver na hora de ser vendido. Se fosse investidor, acho que gostaria deste “técnico”. Quem sabe o Inter passa a informar a torcida sobre os balancetes? A gente torceria por eles, mas sempre haveria um chato para contestar as comissões…

7. Ah, e acho que está na hora de tratar disso. Afinal, nove entre dez conselheiros independentes sabem que o Beira-Rio tem de ser derrubado para a Copa. Não há conserto. É sucata. E, olha, a questão é muito séria. Há um grupo de pessoas que estão esperando o time melhorar para denunciar a verdade. Só que o time não lhes dá a mínima chance. Em tempo: acho ridícula toda esta movimentação para vermos dois ou três jogos da Copa na cidade. Já pensaram se nos couber Gana x EUA, Equador x Japão, Arábia Saudita x Bélgica?