García Márquez e Fidel na última Bravo

A última Bravo! traz uma grande matéria de capa a respeito de um tema muito importante: “O Escritor e o Ditador — O Fascínio dos Intelectuais por Líderes Autoritários”. A matéria é centrada na relação Gabriel García Márquez com Fidel Castro. A amizade é não muito considerada e sim o fascínio, a obediência, o apoio incondicional. Está correto. Depois, o artigo avança na direção de outras relações de fascínio — o de Jorge Amado por Stálin, o de Ezra Pound por Mussolini e Mussolini , o de Camilo José Cela por Francisco Franco. Todos verdadeiramente escreveram odes a seus musos, algumas bastante constrangedoras. O autor do artigo, André Lahóz, procura manter um equilíbrio entre os políticos de direita e de esquerda, mas acho que perdeu uma bela oportunidade de falar no Brasil quando tocou levemente no tema da questão moral da complexa relação entre governantes e intelectuais. Também, coitado, Lahóz é editor-chefe da Exame…

Em nosso país de compadres, parece ser difícil falar nos escritores que buscam e buscaram cargos junto a governos ditatoriais. Mais importante do que o fascínio ou apoio que escritores destacados dão isolada e publicamente, talvez fosse analisar o mar de intelectuais que trabalham e trabalharam silenciosa e vergonhosamente para esses governos. No Brasil, meus caros, a coisa é disseminada até hoje. Eu mesmo conheço um importante escritor gaúcho que arranjou uma boquinha com a Yeda e, olhando mais para trás, quem não sabe que o ministro Gustavo Capanema tinha em seu time de assessores gente célebre e trabalhadora como Carlos Drummond de Andrade, Mário de Andrade, Cândido Portinari, Manuel Bandeira, Heitor Villa-Lobos e Vinícius de Morais, entre outros? Ora, isso ocorre até hoje, é só prometer um cargo que nossos intelectuais aceitam ou dobram-se com a maior facilidade. Sim, poucos morrem em revoluções no Brasil… Por isso, acho absolutamente sem sentido o final do artigo no qual Lahóz declara que, hoje, passados os dias dos seguidores de Marx e Lênin, abençoadamente substituídos pelo seguidores de John Stuart Mill e Alexis de Tocqueville — repito aqui o ato falho de Lahóz ao citar o Karl Marx da primeira dupla (a dos esquecidos) apenas pelo sobrenome, enquanto que a segunda (a dos triunfantes) pelo nome completo, como se fosse necessário esclarecer quem fossem esses “famosos faróis” — , então,como dizia, passados os dias do seguidores de Marx e Lênin, hoje seria complicado para Hugo Chavéz, Evo Morales ou Kirschner (?) laçarem escritores que os bajulem e legitimem (mas ele acha mesmo que GGM legitimou Castro?). O final foi 100% Veja. Viva o Admirável Mundo Neoliberal!

Mas vale a leitura.

Logo após o artigo de Lahóz, há outro de Sérgio Rodrigues. Este faz uma excelente resenha sobre o livro Gabriel García Márquez: Uma Vida, notável investimento de 17 anos do inglês Gerald Martin, a ser lançado no Brasil em março. A biografia, apesar de autorizada, não contorna fatos embaraçosos — dentre os quais Omar Torrijos e Andrés Pastrana seriam os maiores, em minha opinião… — que foram descritos pelo inglês, segundo Sérgio, com compreensiva economia de adjetivos. Porém Sérgio também comete um pecado crasso.

(Certa vez, li um longo ensaio sobre a história do maxixe. Lá pela metade, o autor escrevia en passant que Pixinguinha era o maior compositor brasileiro de todos os tempos. A curta afirmativa parecia prescindir de quaisquer argumentos, pois era matéria transcorrida em julgado, assim como dizer que a água molha… Ora, sugeri educadamente ao autor que retirasse aquela frase que forçava uma verdade não tão clara assim. Houve concordância.)

A historinha acima adequa-se a Sérgio Rodrigues quando ele dá a entender que o conceito ou a ideia de “esquerda”, na política, está morto. Sem maiores explicações, ele decide que GGM tem uma atuação pública de esquerda que “sobreviveu à própria ideia de esquerda” (as aspas são minhas). Ora, este é um falso truísmo (Def.: Verdade trivial, tão evidente que não é necessário ser enunciada). Agora mesmo, a fim de ver se a matéria já tinha transcorrido em julgada, consultei teses contemporâneas de Ciências Políticas e vi que a validade de tais conceitos é efetivamente debatida, só que a maioria das teses, mesmo as de direita, reafirma que são conceitos válidos e mais, sugerem que dizer isso é uma espécie de vezo da direita mais truculenta.

Não sei exatamente o que Lahóz e Rodrigues escreveram. Ás vezes vem um editor e altera o texto, sei disso. Mas penso que a ideologia da Veja está pegando fundo em toda a Editora Abril. Ou a ideologia da Abril pegou na Veja, deu lucro e agora está sendo repassada, sei lá.

Saramago recusa encontrar-se com o Papa em Lisboa

Enquanto um imenso grupo de baba-ovos tentar arrumar um lugarzinho no encontro que Ratzinger, o Papa Bento XVI, terá com “representantes” da cultura portuguesa, José Saramago já declinou previamente do convite. O convescote está marcado para o dia 12 de maio, no Centro Cultural de Belém. “Não temos nada para dizer um ao outro”, garantiu o escritor que recentemente se envolveu em recente polêmica com a Igreja Católica, por conta de seu romance Caim.

Saramago autografa Caim, em foto recente

Certa vez, Graham Greene pediu para ser apresentado a Augusto Pinochet, só para ter o prazer de negar-lhe o cumprimento. Seria uma grande ideia para Saramago, mas acho desaconselhável em sua idade, ainda mais que o Papa estará cercado por uma claque de perigosa de carolas.

A Igreja Católica descreve Bento XVI como um homem da cultura e um apaixonado por filosofia, que procura reunir-se com artistas e intelectuais nos países que visita. Posso imaginar o papo.

De minha parte, gostaria de entrevistar-me com São Pedro a fim de que ele me explique a temperatura dos últimos dias em Porto Alegre. Não quero falar com Deus, que é vingativo e mau caráter. São Pedro me basta. Vou escrever ao Vaticano.

Vinde a mim, vamos conversar…

Entre luzes e sombras

Por Francisco Viana

Em meio à chamada intelectualidade, três teses ganham corpo na medida em que se aproximam as eleições. A primeira diz respeito ao presidente Lula, com frequência acusado de tramar a implantação de um regime autoritário no país. A segunda, relacionadas à primeira, coloca em foco a ministra Dilma Rousseff, apresentada como ex-terrorista ou guerrilheira. E a terceira, que se transformou num lugar comum, está relacionada com a liberdade de imprensa que estaria sendo ameaçada. As três teses são falsas.

Vamos ao teste da realidade. Primeiro, não há sequer um átimo de autoritarismo no governo Lula. Pelo contrário, está criando condições para que o país se transforme numa grande democracia de massas, a exemplo do que aconteceu na América dos anos 20 e 30. É a participação popular que constrói a democracia, não os desígnios de um grupo de supostos iluminados. Mesmo Platão, que advogava uma república aristocrática, jamais imaginou tal contra-senso. Na sua República, os sábios se dedicavam ao bem comum. Mas quem melhor retratou a imagem de uma república mista foi o historiador Políbios ao descrever na História a explicitação dos conflitos de Roma antes da era cristã com a participação dos aristocratas, da burocracia e do povo. A Revolução Americana reeditou o modelo polibiano, fazendo da participação popular o verdadeiro espírito revolucionário. Estamos chegando atrasado em cena, mas o processo é irreversível.

A segunda tese, a Dilma guerrilheira-terrorista, é oca como um anel. A ministra Dilma não foi uma vilã, mas um dos símbolos de uma geração corajosa e generosa que dedicou os seus melhores anos a mudar o país. Foi o oxigênio que nutriu a liberdade que hoje usufruímos. Foi presa, torturada, em nome de um ideal libertário. Como o tema é tratado fora do contexto pela intelectualidade crassa, passa a impressão de que aconteceu justamente o contrário. A verdade, porém, é outra e a história está aí para demonstrar. Há por fim a questão da liberdade de imprensa. Em lugar de sufocada, está sendo cada vez mais ampliada. Por uma questão simples: a sociedade é cada vez mais livre. E se a sociedade é livre, a imprensa é livre. Não o contrário. Não existe liberdade de imprensa: a liberdade é da sociedade. Não existe um único exemplo de país onde o povo seja amordaçado e a imprensa seja livre.

Na realidade a ofensiva ultraconservadora tem uma razão de existir. Se a história da humanidade é a história da luta de classes, como diagnosticou Marx, a história brasileira é a história da luta contra os privilégios. E pode ser sintetizada, desde o alvorecer da República, nesse conflito entre uma democracia com povo participante e uma democracia com povo como mero espectador. Os países que prosperaram ao longo da história seguiram o caminho inverso do Brasil. Roma foi um exemplo florescente de República participativa. Era fruto daquilo que Políbios definou como virtù – um termo filosófico que significa a capacidade de mudar a vida. A América sempre teve esse valor maior, a participação, como alicerce. Atenas encarna a sua grandeza também na democracia, mas esta iluminou apenas um pequeno período da história e era uma democracia com escravos. No Brasil seguimos por muito tempo na contra-mão. Agora que estamos tomando o caminho certo vem o grande problema dos interesses prejudicados.

É em defesa dos privilégios do Brasil fossilizado que se que erguem as vozes roucas e os rostos ensombrecidos dos conservadores, Iagos de província. Na falta de bandeiras tentam semear o medo, pois se sentem ameaçados. Como são individualistas, antissociais, perdem acesso fácil às verbas públicas, que dilapidam, se sentem intimidados pela ascensão dos movimentos populares, temem o embate vivo e transparente pelo direito à igualdade. Estão historicamente condenados a desaparecer. Pregam no deserto. Contra a voz dos Iagos de província, há o coro polifônico da sociedade que aprova as mudanças, com índices de 8 para cada dez brasileiros. O tempo da caça as bruxas passou. Restaram apenas as suas tristes viúvas envoltas no mando opaco das trevas.

Pina Bausch e Dilma Rousseff

Ontem à noite liguei a TV e estava passando Fale com ela de Pedro Almodóvar. Não lembrava que o filme mostrava bem no seu início o Café Müller de Pina Bausch. É uma coisa estranha, nunca dei muita bola para dança, mas um dia fui assistir em Porto Alegre ao Teatro de Dança de Wuppertal, certamente por culpa da Helen. Sim, eu vi Pina Bausch. Vimos duas coreografias que tornaram-se clássicas; afinal, tanto Café Müller como A Sagração da Primavera são sempre citadas. Lembro de ter ficado hipnotizado vendo tudo aquilo, de que não tinha a mínima ideia prévia, acontecer bem na minha frente. Obviamente, a Sagração causou maior impacto — há muito mais som nela e amo Stravinsky — mas a memória parece ter valorizado muito mais o Café Müller.

Com uma trilha sonora que me pareceu à princípio livre-associação, pois toda centrada em árias desencontradas de Henry Purcel ou no silêncio, e que ganhou sentido quando chegou ao Lamento de Dido, da ópera Dido e Eneas, o Café expressa de forma fria e obsessiva nossa tristeza pela impossibilidade de maior contato humano. O palco é cheio de mesas e cadeiras vazias (mais parece a cantina de um hospício) que têm de ser insistentemente afastadas enquanto quem realmente dança erra às cegas pelo palco, inteiramente dentro do desespero da perda do amor. É algo que parece simples, com muitas repetições — um Thomas Bernhard dançado? — porém toda a movimentação de um verdadeiro Teatro de Dança em que muitas coisas aconteciam em diferentes pontos do palco, resultava em congelante emoção e medo. As repetições, lógicas em seus inícios, dissolviam-se em frenesis em sentido. O comportamento dos bailarinos é ora agressivo, ora apático. Lá em 1980, nunca imaginaria a existência de tal arte.

Pois eu e a Claudia estávamos vendo Pina quando um de nós inadvertidamente se virou na cama e pressionou um botão qualquer do controle remoto. E então o canal muda e damos de cara com Luciana Gimenez entrevistando Dilma Rousseff. Sim, claro, na RedeTV. Abaixo da imagem de ambas havia o anúncio de que Dilma ia cozinhar a seguir. Oh, God, precisávamos ver aquilo. Afinal, talvez fosse o ensaio para ela preparar uma refeição na Ana Maria Braga. Adeus Almodóvar, Pina Bausch e o Caetano (Cucurrucucu, Paloma) que apareceria depois.

E ela fez um omelete, reclamou da falta de uma Tefal, falou sem parar, disse que tinha grudado e que então agora eram ovos mexidos, provaram, estava sem sal (culpa de Luciana que mandou a ministra pôr menos), depois as duas comeram tudo até o fim, rasparam vergonhamente seus pratos — o troço ficou com ótima cara — , sem deixar nada para os famintos do auditório, que aplaudiu, Dilma disse que voltaria para fazer um bacalhau e mais aplausos. Avisou que virá com uma Tefal e com colher de pau, pois a produção do programa deixou-a com uma espátula que mais parecia uma pá de pedreiro para desgrudar a merda. (Prova de que o PT não está preparado para uma candidata mulher…) Bem, e aí o clima inicial Bausch-style já tinha ido pro saco e vim escrever este post.

Abaixo, para lembrar, um fragmento de Café Müller — muita atenção a partir dos 2min25 — e o fragmento final da Sagração de Pina Bausch.

Saramago relança livro com renda revertida para o Haiti

Gisele Bündchen doou US$ 1,5 milhão ao Haiti; Madonna, US$ 250 mil; este menino conseguiu quase U$ 300 mil; vários países, inclusive o Brasil, fizeram vultosas doações. Ontem, José Saramago, anunciou que a editora com a qual trabalha em Portugal e na Espanha, a Alfaguara, relançará A Jangada de Pedra em edição cuja renda irá 100% para o país caribenho. Em nota, Saramago explicou que a iniciativa é da sua fundação e só foi possível graças à “pronta generosidade das entidades envolvidas na edição do livro”. As entidades são a editora, distribuidoras e livrarias ibéricas. Uma bonita atitude, uma atitude esperada. Saramago completa: “Se chegássemos a 1 milhão de exemplares vendidos, seriam 15 milhões de euros de ajuda. Diante da calamidade que atingiu o Haiti, a soma não seria mais que uma gota d’água”. O livro terá relançamento no dia 28 de fevereiro a partir da campanha “Uma jangada de pedra a caminho do Haiti”.

Uma vez, durante uma entrevista a que estava presente, ouvi Saramago dizer que A Jangada de Pedra era uma decepção. A plateia protestou com razão. Ocorre que o  romance começa quando uma falha separa a Península Ibérica do resto da Europa e a transforma em uma enorme balsa de pedra à deriva no Atlântico. Saramago disse que um romance não pode começar por um fato tão extraordinário que jamais poderá ser superado depois. Bobagem, Saramago leva o livro brilhantemente até seu final. Não contarei o final. É muito significativo e, sim, meu caro Saramago, tão extraordinário quanto o início da Jangada. Acho o livro muitíssimo consistente e bom.

Achei a ideia maravilhosa e tentarei comprar um exemplar.

Estou esperando. Esperando o livro? Sim, também. Mas antes espero que Lasier Martins reclame do comunista Saramago, assim como criticou o meia-esquerda Lula por sua ajuda humanitária. Para quem não é do Rio Grande do Sul e não conhece a estupidez que nos impinge a “Globo daqui”, indico este post.

El Roto, do El Pais

Saudades de um tempo em que os cartunistas brasileiros não eram borra-bostas de donos de jornais. Sim, os cartuns abaixo poderiam sair na grande imprensa brasileira, mas a fama de El Roto (Andrés Rábago) fez-se com humor “incorreto”, politizado, negro e agressivo. Suas séries sobre o campo de concentração de Gaza merecem sair em livro, se é que já não saíram.

Plano Nacional dos Direitos Humanos, versão 3

Sem construção de alicerces de conhecimento histórico, a ignorância erige-se em terreno fértil para que os apoiadores da ditadura, fossem eles truculentos ou silentes, voltem a sibilar barbaridades. Estas, por sua vez, tem, cada vez mais, tomado a forma da velha cantilena de que se travava uma guerra desde 1963, de que o Brasil teve que escolher entre uma ditadura de direita ou uma de esquerda, de que o golpe do Castelo Branco foi necessário, sendo que, depois, o regime degringolou por alguns anos, com os generais da linha dura. Barbaridades, que a pesquisa histórica tem desmentido.

Luís Augusto Farinatti (em comentário feito neste blog)

Ululante ou não, é óbvio que este blog defende o diabo, ou seja, o Plano Nacional dos Direitos Humanos, versão 3. Quando vi quem berrava contra ele, fiquei irremediavelmente apaixonado:

1. Os militares consideraram o plano insultuoso e revanchista, temendo uma caça aos torturadores. Ora, não vejo a hora da caçada. Há que se definir o que foi guerra e o que foi tortura e as punições devem ser para todos os que ultrapassaram os limites. Evidentemente, este blog não pensa em punir o militar que deu um tiro fatal num guerrilheiro no Araguaia; este blog gostaria apenas de saber quem trabalhou nos varais de pau-de-araras, quem foi manicure, essas coisas. Como os militares sabem que foram responsáveis por muito mais mortes, temem as investigações. Teria especial curiosidade sobre as mortes mais espetaculares. Como a de Juscelino Kubitschek (09/08/1976) — ocorrida em acidente automobilístico contrário às Leis da Física, na época suspensas pela ditadura — , como a de Carlos Lacerda (22/07/1977) — internado com uma forte gripe e que morreu logo após uma injeção — e como a do enfarto de João Goulart (06/12/1976) — encontrado com um travesseiro sobre o rosto, em posição bastante atípica para sua causa mortis. Vocês não acham essas mortes muito, assim, tipo muito próximas cronologicamente? Os argentinos gostam muito deste esporte, uma das atividades mais dignas que ocorrem em nosso conturbado vizinho. Bem, sou a favor das investigações e das punições antes que estes caras morram. Há uns bem vivos. Há um, inclusive, ex-membro do CCC, que comenta notícias num programa de TV em rede nacional.

2. A Igreja Católica não curtiu muito a aprovação do aborto, as restrições à ostentação de símbolos religiosos, a união civil entre pessoas do mesmo sexo e o direito a adoção para gays. Lula, o catolicão, já começa a recuar nestes pontos que são tranquilos, compreensíveis e razoáveis a quaisquer vertebrados (explico, os vertebrados costumam ter um cérebro numa das pontas da vértebra; a outra ponta costuma estar nas proximidades de coisas menos dignas; mas até os católicos as têm). Alguém poderia informar a eles que o aborto é opcional, que nem todos se ligam em igrejas e que deixem de encher o saco?

3.  A Abert — Associação Brasileira de Rádio e Televisão tem a posição mais cômica de todas, pois vê ameaçada a liberdade de expressão de seus associados. O motivo é incrível: mesmo sendo donos de meras “concessões”, acham repugnante a criação de uma comissão governamental para monitorar suas programações. Querem continuar livres, exercendo a liberdade democrática de bombardear a esquerda e a cultura diariamente. Claro, são empresas privadas, seus donos têm convicções políticas firmes, só que — incrível — trabalham sob “concessões” renovadas periodicamente. Têm uma função social, como não? Tal monitoramento teria como objetivo ranquear as empresas de comunicação dentro de critérios de aderência aos Direitos Humanos. Ora, que absurdo, não? Um ranking! E, olha, estamos falando apenas de rádio e TV. Nada de publicações escritas como a Veja e alguns de nossos bem conhecidos jornais.

Para terminar:

Você sabia… Que em dezembro de 2002, último mês do governo Fernando Henrique, em apenas sete dias foram publicadas no Diário Oficial da União 96 novas concessões por todo o país?

Você sabia… Que em apenas um dia (13 de dezembro), o Diário Oficial publicou 46 novas outorgas? Entre os principais beneficiados pelas novas concessões, destacaram-se a RBS e a Fundação João Paulo II. O grupo gaúcho obteve 21 novas concessões, 21,87% das que foram designadas pelo Ministério das Comunicações.

Fonte dos dois “Você sabia…”.

Bóris Casoy – terrorista de extrema direita em 1968

O Cloaca News volta a ESTARRECER O MUNDO. Sempre atrás dos coliformes fecais de nossa imprensa de esgoto, o Cloaca foi buscar uma reportagem da revista O Cruzeiro de 9 de novembro de 1968. A reportagem completa pode ser lida aqui. Deixo algumas imagens a seguir. Publicada dias antes do AI-5, tem como tema o CCC – Comando de Caça aos Comunistas.

Casoy entra na última página, a qual tem este título:

A gente examina e tem a surpresa:

Oh, mas temos de virar a página:

A data da publicação:

E, na primeira página da reportagem, o focinho de Casoy:

Mais uma vez parabéns ao Cloaca. Como ele mesmo me disse um dia pelo telefone, “esgoto é o nosso negócio”!

Muito bem acompanhado (o Guto)

Já tinha até um post pronto, porém Nikelen Witter, mulher do Farinatti, um de nossos habituais comentaristas, veio ao blog e fez um daqueles comentários que merecem destaque. O assunto é o discurso de Pepe Mujica que publiquei neste post. Penso que seu texto descreva, de forma clara, emocionada e inconformista, este nosso cinismo infértil de cada dia e que assume normalmente a máscara da sofisticação. Como educadora, ela deve lidar com isso diariamente. Mas não pretendo me alongar na apresentação. A seguir o comentário:

Nikelen
on Jan 6th, 2010 at 12:50 pm

Oi Milton

Nunca comento aqui, mas o Guto (Farinatti para ti) sempre divide comigo os posts do teu blog (casamos em comunhão de sementes para pensar, ele me traz algumas, eu levo outras). Não preciso repetir o que teus comentadores disseram sobre o belíssimo discurso do presidente uruguaio. De mais a mais, acho que ele fala por si só. Talvez mais que isso.

As palavras de Mujica voam além das nossas programadas inteligências e falam ao nosso coração. Aquele que, jovem, aventureiro, sonhador, foi embalsamado junto com nossos trastes de saída da casa paterna e ficou naquela caixa, nunca aberta, esquecida num canto do armário das coisas as quais um dia pretendemos voltar, e nunca voltamos. Afinal, nós precisamos trabalhar, não é? E precisamos fazer as “nossas coisas” (tão “importantes”, elas, não?). Precisamos ler o último livro daquele autor que amamos, ver o novo filme de nosso cineasta favorito, precisamos amar os nossos amores e criar os nossos filhos. Nos intervalos, lembramos que sabemos pensar e criticamos. Sabemos colocar o dedo na ferida e dizer o que está errado. Somos capazes de apontar todos os problemas. Ora, no Brasil, todo mundo ou é técnico de futebol ou economista e “é a droga do governo que não faz nada diante desta situação!”.

Quem é da área educacional, como eu, deve ter ouvido à exaustão: precisamos formar o aluno crítico! Então, pegamos as criancinhas e lhes ensinamos como o mundo é ruim, como não se pode acreditar no que lhes é dito, como elas devem olhar tudo a sua volta (sem ter esperança) e criticar! Sim, nós temos o aluno/jovem crítico (nós já o somos tanto), e também: cético, cínico… que, depois de tudo, são outras palavras para dizer: descrente, sem curiosidade, sem sonhos, sem utopias, sem paixão.

Quando eu era menina, meu pai falava que um mundo melhor era possível, um mundo diferente, um mundo em que todos sabiam ler e escrever (e liam e escreviam!), onde o conhecimento (não no sentido de dados, mas de pensamento) era o mais importante, onde a inteligência cultivada tinha um valor acima do dinheiro no banco, onde todos comiam três refeições por dia e ninguém passava frio. Lembro que, na mesma época, minha irmã morria de medo de o mundo acabar com uma bomba atômica (ou no ano 2000), eu não… eu sonhava. Sonhava em construir esse mundo melhor, em viver nele, sonhava em criar coisas capazes de ajudar esse mundo a existir. Eu ficava curiosa em descobrir como as coisas funcionavam, pois entendendo, eu achava que seria mais fácil achar um lugar, no meu mundo, onde eu poderia trabalhar para construir o próximo. O mundo do futuro, dos meus sonhos, dos sonhos do meu pai. E, o mais engraçado, nunca achei que meu pai estivesse mentindo para mim ou algo assim, e, jamais duvidei, um único dia, de que o meu sonho seria a realidade do meu futuro.

Então, hoje, cá estou, cheia de diplomas e cercadas de jovens criados para serem críticos, mas não para criar. Criados para serem céticos e não para acreditar que seus sonhos são possíveis. Jovens que olham o mundo e a humanidade com um cinismo e uma antipatia que me assustam. Jovens para quem o dinheiro e o consumo são aquilo a que se resume a vida. Jovens que pensam em salvar o planeta, mas não acreditam na humanidade. Jovens que nem sabem o que palavras como inconformismo significam. Confundem-na o tempo todo com indignação. E, céus, quem não sabe? Indignação virou arroz com feijão, ou pior, virou apenas algo que dá e passa. Ninguém se perde por indignação. Quase ninguém mais sabe que para a indignação nos fazer levantar do sofá, é preciso que não nos conformemos em aceitar viver com ela.

O fato é que, na área educacional quase nunca ouço falar de curiosidade, de criatividade, de utopias. Estas não são palavras que apareçam nos manuais educacionais. E aí, de repente, é tão interessante perceber que o nosso “aluno crítico”, tão cuidadosamente formado, não sabe fazer perguntas. Ele critica, mas não possui a dúvida instigadora. Critica sem observar, sem comparar, sem contraste, sem relativismo. Critica como uma obrigação, sem ver, apenas porque essa é a “competência” e a “habilidade” que se costuma a exigir dele, e mais nada. Não há impulso para a ciência ou para a arte, não de forma massificada. Pelo contrário, quando alguém assim surge é um acaso, uma sorte, é o extra-ordinário. Inteligência não é pensar mais, nem melhor. Não é criar, nem se inconformar, muito menos acalentar sonhos de coisas que provavelmente não vão acontecer. Nas escolas públicas, aluno inteligente é o que consegue ficar na escola por mais tempo e sobreviver. Nas particulares, inteligente é o que consegue aprender mais rapidamente todas as funções do último equipamento de bolso criado pela Nokia ou pela Sony.

Às vezes, vejo a nós, professores, como o Dr. Frankenstein. Queremos dar vida à criatura, mas… Deus nos livre caso ela ande por suas próprias pernas, olhe por seus olhos, ou pense por sua própria cabeça.

E aí esse… esse maravilhoso veterano de um tempo em que o sonho era a maior matéria da realidade, vem com suas palavras cheias de paixão e sonho, e faz, de novo, o mundo de que meu pai falava, existir em algum lugar. Pode ser no Uruguai, num futuro mais distante que a minha existência, numa terra ainda não descoberta ou apenas nesse discurso. Mas só saber que em alguém, em algum lugar, esse desejo de criação, esse exercício de esperança ainda existe, já me faz menina de novo. E, me faz voltar a desejar – com uma força esquecida – um mundo assim para o meu filho viver. Como o meu pai, um dia, desejou para mim.

Valeu pela semente, Milton.
Um abraço.

Queremos um Uruguai cheio de engenheiros, filósofos e artistas

Quase todos nós somos céticos profissionais. Mas o discurso feito na semana passada pelo presidente eleito do Uruguai, José “Pepe” Mujica, a um grupo de intelectuais foi deveras espantoso. Ele fez um pedido: contagiem todo o povo uruguaio com o olhar curioso sobre o mundo — que está no DNA do trabalho intelectual — e com o inconformismo. Mujica propôs também uma revolução na educação. “Escolas de tempo completo, faculdades no interior, ensino superior massificado. E, provavelmente, inglês desde o pré-escolar no ensino público. Porque o inglês não é idioma falado pelos ianques; é o idioma com o qual os chineses conversam com o mundo. Não podemos ficar de fora”.

Retirado da Carta Capital.

Discurso proferido em dezembro de 2009 pelo presidente eleito da República do Uruguai, José Alberto Mujica Cordano (El Pepe), dirigente histórico e fundador do Movimento de Libertação Tupamaros:

A vida tem sido extraordinariamente generosa comigo. Ela me deu inúmeras satisfações, mais além do que jamais me atrevera a sonhar.

Quase todas são imerecidas. Mas nenhuma é mais que a de hoje: encontrar-me aqui agora, no coração da democracia uruguaia, rodeado de centenas de cabeças pensantes.

Cabeças pensantes! À direita e à esquerda. Cabeças pensantes a torto e a direito, cabeças pensantes para atirar para cima.

Vocês se lembram do Tio Patinhas, o tio milionário do Pato Donald que nadava em uma piscina cheia de moedas? Ele tinha uma sensualidade física pelo dinheiro.

Gosto de me ver como alguém que gosta de tomar banho em piscinas cheias de inteligência alheia, de cultura alheia, de sabedoria alheia.

Quanto mais alheia, melhor. Quanto menos coincide com meus pequenos saberes, melhor.

O semanário Búsqueda tem uma frase charmosa que usa como insígnia:

“O que digo, não o digo como homem sabedor, mas sim buscando junto com vocês”.

Por uma vez estamos de acordo. Sim, estaremos de acordo.

O que digo, não o digo como chacareiro sabichão, nem como trovador ilustrado. Digo-o buscando com vocês.

O digo, buscando, porque só os ignorantes acreditam que a verdade é definitiva e maciça, quando ela é apenas provisória e gelatinosa. É preciso buscá-la porque ela anda correndo brincando de esconde-esconde. E pobre daquele que empreenda essa caça sozinho. É preciso fazê-la com vocês, com aqueles que fizeram do trabalho intelectual a razão de sua vida. Com os que estão aqui e com os muito mais que não estão.

De todas as disciplinas
Se olharem para trás, seguramente encontrarão algumas caras conhecidas porque se trata de gente que trabalha em espaços de trabalho afins. Mas vão encontrar muito mais rostos desconhecidos porque a regra desta convocação foi a heterogeneidade.

Aqui estão os que se dedicam a trabalhar com átomos e moléculas e os que se dedicam a estudar as regras da produção e da troca na sociedade. Há gente das ciências básicas e de sua quase antípoda, as ciências sociais: gente da biologia e do teatro, da música, da educação, do direito e do carnaval. Há gente da economia, da macroeconomia, da microeconomia, da economia comparada e até alguns da economia doméstica. Todas cabeças pensantes, mas que pensam distintas coisas e podem contribuir desde suas distintas disciplinas para melhorar este país.

E melhorar este país significa muitas coisas, mas entre as prioridades que queremos para esta jornada, melhorar o país significa impulsionar os processos complexos que multipliquem por mil o poderio intelectual que aqui está reunido. Melhorar o país significa que, dentro de vinte anos, o Estádio Centenário não seja suficiente para abrigar um ato como este, pois o Uruguai estará cheio, até as orelhas, de engenheiros, filósofos e artistas.

Não é queiramos um país que bata os recordes mundiais pelo puro prazer de fazê-lo. É porque está demonstrado que, uma vez que a inteligência adquira um certo grau de concentração em uma sociedade, ela se torna contagiosa.

Inteligência distribuída
Se, um dia, lotarmos estádios de gente formada será porque, na sociedade, haverá centenas de milhares de uruguaios que cultivaram sua capacidade de pensar. A inteligência que traz riqueza para um país é a inteligência distribuída. É a que não está só guardada nos laboratórios ou na universidade, mas sim anda pela rua. A inteligência que se usa para plantar, para tornear, para manejar uma máquina, para programar um computador, para cozinhar, para atender bem um turista é a mesma inteligência. Alguns subiram mais degraus do que outros, mas se trata da mesma escada.

E os degraus de baixo são os mesmos para a física nuclear e para o manejo de um campo. Para tudo é preciso o mesmo olhar curioso, faminto de conhecimento e muito inconformista. Acabamos sabendo porque antes ficamos incomodados por não saber. Aprendemos porque temos comichão e isso se adquire por contágio cultural desde quando abrimos os olhos ao mundo.

Sonho com um país onde os pais mostrem a pastagem a seus filhos pequenos e digam: “Sabem o que é isso? É uma planta processadora da energia do sol e dos minerais da terra”. Ou que lhes mostrem o céu estrelado e façam com que pensem nos corpos celestes, na velocidade da luz e na transmissão das ondas. E não se preocupem que esses pequenos uruguaios vão seguir jogando futebol. Só que, lá pelas tantas, enquanto vêem a bola picar, podem pensar ao mesmo tempo na elasticidade dos materiais que a fazem rebotar.

Capacidade de interrogar-se
Havia um ditado: “Não dê peixe a uma criança, ensina-a a pescar”.

Hoje deveríamos dizer: “Não dê um dado a uma criança, ensina-a a pensar”.

Do jeito que vamos, os depósitos de conhecimento não vão estar mais situados dentro de nossas cabeças, mas sim fora, disponíveis para buscá-los na internet. Aí vai estar toda a informação, todos os dados, tudo o que se sabe. Em outras palavras, aí vão estar todas respostas. Mas não vão estar todas as perguntas. O diferencial vai estar na capacidade de se interrogar, na capacidade de formular perguntas fecundas, que provoquem novos esforços de investigação e aprendizagem.

E isso está bem no fundo, marcado quase no nosso de nossa cabeça, tão fundo que quase não temos consciência.

Simplesmente aprendemos a olhar o mundo com um sinal de interrogação e essa se torna nossa maneira natural de olhar para o mundo. Adquirimos essa capacidade muito cedo e ela nos acompanha por toda a vida. E, sobretudo, queridos amigos, ela contagia.

Em todos os tempos foram vocês, os que se dedicam à atividade intelectual, os encarregados de espalhar a semente. Ou para dize-lo em palavras que nos são muito caras: vocês têm sido os encarregados de acender a necessária inquietação.

Por favor, vão e contagiem. Não perdoem a ninguém.

Necessitamos de um tipo de cultura que se propague no ar, entre os lugares, que se cole nas cozinhas e até nos banheiros. Quando conseguirmos isso, teremos ganho a partida quase para sempre. Porque se quebra a ignorância essencial que enfraquece muita gente, uma geração após a outra.

O conhecimento é prazer
Precisamos, antes de mais nada, massificar a inteligência, para nos tornarmos produtores mais potentes. Isso é quase uma questão de sobrevivência. Mas nesta vida não se trata só de produzir: também é preciso desfrutar. Vocês sabem melhor do que ninguém que, no conhecimento e na cultura, não há só esforço, mas também prazer.

Dizem que as pessoas que correm pelas ruas chegam num ponto em que entram numa espécie de êxtase onde já não existe o cansaço e só fica o prazer. Creio que ocorre o mesmo com o conhecimento e a cultura. Chega um ponto onde estudar, investigar e aprender já não é um esforço, mas um puro deleite.

Que bom seria que esses manjares estivessem a disposição de muita gente! Que bom seria se, na cesta de qualidade de vida que o Uruguai pode oferecer a sua gente, houvesse uma boa quantidade de consumos intelectuais. Não porque seja elegante, mas sim porque é prazeroso. Porque se desfruta com a mesma intensidade com a qual se pode desfrutar de um prato de talharim.

Não há uma lista obrigatória das coisas que nos tornam felizes! Alguns podem pensar que o mundo ideal é um lugar repleto de shopping centers. Nesse mundo, as pessoas são felizes porque todos podem sair cheios de sacolas com roupas novas e caixas de eletrodomésticos. Não tenho nada contra essa visão, só digo que ela não é a única possível.

Digo que também podemos pensar em um país onde a gente escolhe arrumar as coisas ao invés de jogá-las fora, onde se prefere um carro pequeno a um grande, onde decidimos nos agasalhar melhor ao invés de aumentar a calefação.

Esbanjar não é o que fazem as sociedades mais maduras. Vejam a Holanda e as cidades repletas de bicicletas. Aí as pessoas se deram conta de que o consumismo não é a escolha da verdadeira aristocracia da humanidade. É a escolha dos farsantes e dos frívolos.

Os holandeses andam de bicicleta, eles as usam para ir trabalhar, mas também para ir a concertos ou aos parques. Chegaram a um nível em que sua felicidade cotidiana se alimenta de consumos materiais como intelectuais.

De modo que, amigos, vão e contagiem todos com o prazer pelo conhecimento. Paralelamente, minha modesta contribuição será fazer com que os uruguaios andem de pedalada em pedalada.

Inconformismo
Eu lhes pedi antes que contagiem os outros com o olhar curioso sobre o mundo, que está no DNA do trabalho intelectual. E agora aumento o pedido e lhes rogo que contagiem também com o inconformismo. Estou convencido que este país necessita uma nova epidemia de inconformismo, como a que os intelectuais geraram décadas atrás.

No Uruguai, nós que estamos no espaço político da esquerda somos filhos ou sobrinhos daquele semanário Marcha, do grande Carlos Quijano. Aquela geração de intelectuais impôs-se a si mesma a tarefa de ser a consciência crítica da nação. Andavam com alfinetes na mão, estourando balões e desinflando mitos.

Sobretudo o mito do Uruguai multicampeão. Campeão da cultura, da educação, do desenvolvimento social e da democracia. Acabamos não sendo campeões de nada. Menos ainda nestes anos, nas décadas de 50 e 60, onde o único recorde que obtivemos foi ser o país da América Latina que menos cresceu em 20 anos. Só o Haiti nos superou neste ranking.

Esses intelectuais ajudaram a demolir aquele Uruguai da siesta conformista.

Com todos seus defeitos, preferimos esta etapa, onde estamos mais humildes e situados na real estatura que temos no mundo. Mas precisamos recuperar aquele inconformismo e colocá-lo embaixo da pele do Uruguai inteiro.

Antes eu dizia a vocês que a inteligência que serve a um país é a inteligência distribuída. Agora, digo que o inconformismo que serve a um país é o inconformismo distribuído. Aquele que invade a vida de todos os dias e nos empurra a perguntar-nos se o que estamos fazendo não pode ser feito melhor. O inconformismo está na própria natureza do trabalho de vocês. Precisamos que ele se torne uma segunda natureza de todos nós.

Uma cultura do inconformismo é aquela que não nos deixa parar até que consigamos mais quilos por hectare de trigo ou mais litros por vaca leiteira. Tudo, absolutamente tudo, pode ser feito de um modo um pouco melhor do que foi feito ontem. Desde arrumar a cama de um hotel até produzir um circuito integrado.

Necessitamos de uma epidemia de inconformismo. E isso também é cultural, também se irradia desde o centro intelectual da sociedade para sua periferia. É o inconformismo que fez com que pequenas sociedades ganhassem respeito sobre o que fazem. Aí estão os suíços, meia dúzia de gatos pintados como nós, que se dão o luxo de andar por aí vendendo qualidade suíça ou precisão suíça. Eu diria que o que vendem de verdade é inteligência e inconformismo suíços, que estão esparramados por toda a sociedade.

A educação é o caminho
Amigos, a ponte entre este hoje e este amanhã que queremos tem um nome e se chama educação. É uma ponte longa e difícil de cruzar. Porque uma coisa é a retórica da educação e outra coisa é nos decidirmos a fazer os sacrifícios necessários para lançar um grande esforço educativo e sustentá-lo no tempo. Os investimentos em educação são de rendimento lento, não iluminam nenhum governo, mobilizam resistências e obrigam o adiamento de outras demandas.

Mas é preciso seguir esse caminho. Devemos isso a nossos filhos e netos. E é preciso fazê-lo agora, quando ainda está fresco o milagre tecnológico da internet e se abrem oportunidades nunca antes vistas de acesso ao conhecimento.

Eu me criei com o rádio, vi nascer a televisão, depois a televisão a cores, depois as transmissões por satélite. Mais tarde, passaram a aparecer quarenta canais em minha TV, incluindo aí os que transmitiam direto dos Estados Unidos, Espanha e Itália. Depois vieram os celulares e os computadores que, no início, serviam apenas para processar números. Em cada um destes momentos, fiquei com a boca aberta. Mas agora com a internet se esgotou a minha capacidade de surpresa. Sinto-me como aqueles humanos que viram uma roda pela primeira vez. Ou que viram o fogo pela primeira vez.

Sentimos que nos tocou a sorte de viver um marco na história. Estão sendo abertas as portas de todas as bibliotecas e de todos os museus. Todas as revistas científicas e todos os livros do mundo vão estar a nossa disposição. E, provavelmente, todos os filmes e todas as músicas do mundo. É perturbador.

Por isso precisamos que todos os uruguaios e, sobretudo, todos os pequenos uruguaios saibam nadar nessa corrente. Precisamos subir essa corrente e navegar nela como um peixe na água. Conseguiremos isso se a matriz intelectual da qual falávamos antes estiver sólida. Se soubermos raciocinar em ordem e fazermos as perguntas que valem a pena.

É como uma corrida em duas vias: lá em cima no mundo o oceano de informação; aqui embaixo, nós, preparando-nos para a navegação transatlântica.

Escolas de tempo completo, faculdades no interior, ensino superior massificado. E, provavelmente, inglês desde o pré-escolar no ensino público. Porque o inglês não é idioma falado pelos ianques; é o idioma com o qual os chineses conversam com o mundo. Não podemos ficar de fora. Não podemos deixar nossas crianças de fora.

Essas são as ferramentas que nos habilitam a interagir com a explosão universal do conhecimento. Este mundo não simplifica a nossa vida: complica-a. Nos obriga a ir mais longe, a ir mais fundo na educação. Não há tarefa maior diante de nós.

O idealismo ao serviço do Estado
Queridos amigos, estamos em tempos eleitorais. Em benditos e malditos tempos eleitorais. Malditos, porque nos põe a brigar e a disputar corridas entre nós. Benditos, porque nos permitem a convivência civilizada. E mais uma vez benditos porque, com todas as suas imperfeições, nos fazem donos do nosso próprio destino. Aqui todos aprendemos que é preferível a pior democracia à melhor ditadura.

Nos tempos eleitorais, todos nos organizamos em grupos, frações e partidos, nos cercamos de técnicos e profissionais e desfilamos frente ao soberano. Há adrenalina e entusiasmo. Mas depois, alguém ganha e alguém perde. E isso não deveria ser um drama.

Com estes ou com aqueles, a democracia uruguaia seguirá seu caminho e irá encontrando as fórmulas rumo ao bem-estar. Seja qual for o lugar que nos toque, ali estaremos colocando a tarefa sobre os ombros. E estou seguro de que vocês também. A sociedade, o Estado e o Governo precisam de seus muitos talentos. E precisam mais ainda de sua atitude idealista. Nós que estamos aqui, entramos na política para servir, não para nos servir do Estado. A boa fé é a nossa única intransigência. Quase todo o resto é negociável. Muito obrigado por acompanharem-me.

Pepe Mujica

A provável extinção da TVE e da FM Cultura

Olha, eu não vejo televisão. Para mim, a TV existe para as notícias e o futebol. Como as notícias vêm com o filtro das grandes corporações, fico mesmo é com o futebol. Então, não pensem que conheço a programação da TVE. Nunca conheci. Mas sei de alguns fatos: a TVE tinha uma programação que vinha de três fontes: a TV Cultura de São Paulo, TV Educativa do Rio de Janeiro e havia a programação local. O espaço era dividido por 3, de forma mais ou menos igual. Só que, em 2 de dezembro de 2007, a Educativa do Rio foi extinta para dar no lugar à TV Brasil, canal de televisão pública do governo federal, fundada no dia em que começaram as transmissões de sinal de TV Digital em território brasileiro. A programação da TV Brasil parece ser boa. Aí é que Ela entra na história. Identificando a TV Brasil como a TV do Lula, a Inepta resolveu cortar a programação vinda do Rio, ficando só com a sua e a da TV do Serra (TV Cultura de São Paulo). Nunca antes um governador achara que as TVs públicas do Brasil tinham uma programação tão partidarizada a ponto de impedir as emissões vermelhas de um ou as azuis de outro, mesmo em programas sobre arte ou gastronomia. O estranho é uma governadora que já conta com todas as emissoras comerciais — todas notoriamente pró-Ela e anti-PT — , especialmente a maior delas, parece desprezar tamanho favor, investindo seu tempo em impedir a chegada ao estado de perigosos programas lulistas à sua TV de baixa audiência… Ou quem sabe quer vender alguma coisa à principal patrocinadora?

Bem, então chegou o impasse. A TVE gaúcha e a FM Cultura estão num prédio do INSS. O contrato chegará ao seu final em março e a desgovernadora teria que manifestar sua intenção de compra até meados deste mês. O governo do RS tem mais de 1500 prédios ociosos, que poderiam ter sido oferecidos para permuta. Apesar de ter a preferência na compra, o governo gaúcho não quis adquirir o imóvel… A compra seria um ótimo negócio, o preço era uma bagatela. Porém a Néscia deixou a data expirar. Não comprou o prédio. Nem vai mais. De forma mui lépida e inteligente, a TV Brasil, a do Lula, esperou que o prazo da Trouxa passasse, foi lá no INSS e arrematou o imóvel. Imaginem só: um prédio prontinho, histórico (era o ex-estúdio da TV Piratini da rede de Chatô, encampado pelo INSS quando da falência), com estúdios, antena, estrutura, fiação, vista para o lago Guaíba, tudo lindo e pronto, como não interessaria? Só não interessa à Tola.

Nesse embate, quem se rala é a TVE e a FM Cultura. Agora, a Parva arranjou um lugar para as emissoras: um andar inteiro do Centro Administrativo, um garajão no térreo, hoje cheio de entulho. Detalhe: a TVE tem que se mudar para lá em março. A Tonta chamou a transferência de local de Revitalização. Na boa, eu fico imaginando o ânimo dos funcionários da empresa com a Revitalização que a Palerma pretende. O jornalismo da TV não informa absolutamente nada sobre seu futuro. É a chapa branca elevada a níveis paroxísticos: prefere não olhar para a injeção letal que se aproxima. O presidente do Conselho Deliberativo das Emissoras percebe manobras do Desgoverno para acabar com as emissoras. Ah, é mesmo? Como ele descobriu?

Falta nos fará a FM Cultura, 107,7. O melhor da música brasileira toca ali. Um dia, Mônica Salmaso falou comigo em Parati e disse, encantada:

— Lá vocês têm aquela rádio. A melhor do país.

Ali, pode-se ouvir o melhor mesmo. É a única FM onde se pode ouvir Hermeto, Guinga, Edu Lobo, os grupos instrumentais só ouvidos no exterior, toda a discografia da Biscoito Fino, etc. E há um glorioso programa diário de jazz, o “Sessão Jazz“, apresentado há 11 anos pelo apaixonadíssimo Paulo Moreira. São duas horas por dia na companhia de um baita conhecedor. É algo finíssimo, um luxo que a Ignara não deseja ter. É notável: Serra e FHC demitiram John Neschling lá, o Yedão trata de imitá-los envenenando a cultura daqui com uma desLeal secretária, com uma Sinfônica sem sede e agora… Caramba, que coincidência!

Links importantes:
Blog dos funcionários da TVE e da FM Cultura e
Abaixo-assinado conta a extinção da TVE / FM Cultura

A dona do Clarín adotou seus dois filhos em maio e julho de 1976, só que…

… a fundadora do movimento Avós da Praça de Maio, Chicha Mariani, suspeita que Marcela Noble, filha de Ernestina Herrera de Noble, dona do grupo Clarín, seja sua neta Clara Anahí, cujos pais foram sequestrados por militares em sua casa, em novembro de 1976. A Câmara Federal de San Martín determinou a realização imediata de exames de DNA.

De acordo com o registro da adoção, de 13 de maio de 1976, a viúva de Roberto Noble compareceu perante a juíza Ofelia Hejt com uma bebê a qual chamou Marcela. Ela disse que a tinha encontrado onze dias antes em uma caixa abandonada na porta de sua casa. Ofereceu como testemunhas um vizinho e o zelador da casa ao lado. Em 2001, o suposto zelador Roberto Antonio García disse ao juiz Roberto Marquevich que nunca trabalhou como zelador em sua vida. Seu trabalho durante quarenta anos, foi como um motorista de Noble e da viúva. García acrescentou que Noble nunca morou na casa que onde foi encontrada a criança, fato confirmado por registros oficiais. Alías, nem o alegado vizinho, ja falecido, morou lá.

A adoção do outro filho, Felipe, também é suspeita. Seus registros de adoção dizem que sua mãe, Carmen Luisa Delta, colocou-o à disposição da mesma juíza Hejt em 7 de julho de 1976. No mesmo dia, sem maiores considerações e sem determinar as circunstâncias do nascimento, a juiza concedeu a adoção. Hoje, sabe-se que Carmen Luisa Delta nunca existiu.

Aqui, o imbroglio completo no Pagina 12. Na Argentina, as coisas são investigadas, as pessoas são punidas. É uma gente curiosa, né?

Um homem deve saber a hora de trocar seu e-mail ou Recebendo mensagens da estrela spammer Onyx

Meu amigo Fernando Guimarães, coloradíssimo, recebeu este e-mail deste célebre deputado do DEM/RS:

Sua resposta, 3 minutos depois, foi uma perfeição:

—– Mensagem encaminhada —-
De: Guimaraes Fernando
Para: Onyx Lorenzoni
Enviadas: Segunda-feira, 21 de Dezembro de 2009 10:47:52
Assunto: Res: Feliz Natal Colorado

Não esqueça do meu Panetone !

Fernando Guimarães

Algo vindo do Onyx… Olha, nem embalado à vácuo, sem contato manual.

RBS está morta de preocupação com o consumo de álcool por parte dos jovens…

… tanto que publicou matéria moralizante no último sábado. Era cheia de dados comprobatórios e o tom era da necessária proteção a nossos adolescentes. Porém, …

… seu principal evento para jovens, o medonho Planeta Atlântida, tem até cerveja oficial. Vai ver que sou eu o trouxa. Afinal, a RBS quer proteger nossos jovens servindo-lhes a pior cerveja do mercado. Só pode ser isso! Afinal, são tantos os jovens que se deslocam para lá em seus carros! Há que protegê-los! Tal anúncio dialoga de forma mui subliminar com as campanhas de Paz no Trânsito! Eu é que não tinha entendido!

Après Diário Gauche. Ici.

Berlusca quebra nariz e dois dentes em agressão

Apesar de achar compreensível que alguém agrida Silvio Berlusconi, ele o foi por um maluco. Na verdade, cumprimento o agressor por sua iniciativa e coragem, mas nunca o cumprimentaria pelo objeto de que fez uso: uma réplica do Duomo de Milão. O que desejava dizer ao mundo o ex-anônimo Massimo Tartaglia, 42 anos, há dez em tratamento psiquiátrico? Que a igreja, com sua moralidade, estava punindo a piada pronta da Itália? De qualquer forma, Berlusca, após seu contato com a religião, passa bem.

Este blog não apóia surras, torturas ou castigos físicos, mas acha graça de alguns.