Quem não sabe quem foi Caim, o que matou Abel e que foi uma espécie de anti-herói bíblico? É dele que trata este romance de Saramago.
Bem, podemos facilmente dividir a obra de Prêmio Nobel José Saramago (1922-2010) entre os livros sérios e os divertimentos. Caim está decididamente entre os divertimentos. Narrativa leve, constantemente cômica e fluida, é uma road novel a pé e em jumento pelo Velho Testamento. Talvez melhor fosse chamar o romance de picaresco, “diz-se picaresco dos romances e das peças de teatro cujo herói é um aventureiro ou um vadio que vai de um lugar a outro, sem destino determinado”. O surpreendente capítulo final — que não será contado aqui — dá uma inesperada grandeza à sucessão de boas piadas contidas no romance.
Como fez em O Evangelho segundo Jesus Cristo, aqui Saramago retoma a Bíblia como base e o faz com graça e inteligência extremas. O livro começa com a história com Adão e Eva no paraíso. Após os eventos que levam à expulsão deles, Caim nasce, cresce, mata o irmão Abel e logra convencer deus de ser Ele o culpado pelo fato de ver e não interferir. Admitindo em parte sua culpa, deus poupa Caim mas dá-lhe uma punição: ele será um errante. E aqui inicia-se o que chamei de road novel: as andanças de Caim pelas histórias do Velho Testamento: Lilith, Jó, Abraão, Noé, etc. O efeito muitas vezes é cômico, mas há um compromisso complexo e indignado além da paródia. Profundas questões morais alternam-se com fatos rotineiros.
Caim chama a atenção da bela e casada (e rica) Lilith e se torna o amante dela. Mas, é dispensado após fazer-lhe um filho e decide seguir pelo mundo. A falta de contentamento parece ser um castigo divino. Errante, sobre um burrinho, Caim começa a viajar por diferentes tempos e lugares.
Em seu caminhar, Caim passa pelas histórias mais conhecidas (só the best of) do Velho Testamento. Saltando no tempo, pois há estradas que apresentam “presentes diferentes”, Saramago dedica um olhar mais do que debochado a cada uma delas. E todas elas possuem um elemento comum além da presença de Caim: um deus mau ou pior do que isso, um deus que parece desejar apenas punir ou vingar-se de sua criação — Caim, Abraão, Jó… — ou que se compraz com limpezas étnicas (expressão minha) — Sodoma e Gomorra, o episódio da arca de Noé…
Com humor corrosivo e paradoxal leveza, Caim não é leitura indicada para carolas ou quetais. Ou é, pois os católicos costumam ignorar o Velho Testamento. Um livro que redime Caim e acusa deus de ser o autor intelectual dos crimes mais hediondos deveria talvez irritar mais os judeus do que os católicos? Não sei e, para dizer a verdade, nem me interessa. O que me importa é a alta diversão proporcionada por Saramago neste romance despretensioso e de final arrebatador.
Entre seus episódios, Saramago vai filtrando heresias como a ideia de que, se antes deus aparecia aos homens, agora ele deixou de fazê-lo pela vergonha gerada por algumas de suas tristes atitudes ou, numa frase do português com destino ao Citador: “A história dos homens é a história de seus desacordos com deus, nem ele nos entende nem nós o entendemos.”
Caim é, enfim, o personagem que Saramago encontrou para levar ao extremo sua ideia de que onde há movimento também há inconformismo e, portanto, uma história que valha a pena contar. E além de revisar o Antigo Testamento, este romance analisa aquela outra fonte de nossa tradição cultural que é a Odisseia. Como Ulisses, Caim também muitas vezes esconde seu nome verdadeiro e se propõe a viver seu destino errático, não sem esconder um ás na manga.
Estava eu no Fronteiras do Pensamento — palestra de Ai Weiwei — ao lado de uma finíssima senhora, quando recebo um Whats da Elena. Tudo bem, as mensagens dela são sempre tranquilas, poderia estar me pedindo para dar uma passadinha no super, por exemplo. Só que aquela era muito diferente, trazia uma foto de Alexandre Frota nu com uma espiga de milho na mão, acompanhado da legenda ELEITO. Me senti como o menininho que é descoberto olhando nudes na Internet. Virei o telefone para o outro lado, onde vi uma outra pessoa chegando. Uma amiga, baita leitora, cliente da Bamboletras… Pô, Elena.
Ia escrever hoje sobre obra-prima de Bergman, que revimos neste fim de semana. Mas este artigo me pareceu tão explicativo que resolvi apenas copiá-lo. Até porque não gostaria de perdê-lo. As fotos foram colocadas por mim. (MR)
Ernest Ingmar Bergman nasceu em Uppsala, na Suécia, em 1918. Filho de um pastor luterano, teve uma infância rígida, marcada por castigos psicológicos e corporais, temas freqüentes em seus trabalhos.
Começou a fazer e dirigir teatro ainda adolescente. Tornou-se famoso como roteirista na Suécia, escrevia para os maiores cineastas da época, e, com Sorrisos de Uma Noite de Amor fez seu nome como diretor de cinema, mas foi com O Sétimo Selo que ganhou fama internacional.
Foi o principal responsável pela recuperação, para o cinema sueco, do prestígio que este perdera na década de 20, com a partida de importantes cineastas para Hollywood.
Fez um total de 54 filmes, 39 peças para o radio e 126 produções teatrais, onde seus temas principais eram Deus, a Morte, a vida, o amor, a solidão, o universo feminino e a incomunicabilidade entre casais, tema onde foi pioneiro no cinema. Tornou-se autor completo de seus filmes e renovou a linguagem cinematográfica. Seus primeiros filmes trazem com frequência influências do naturalismo e do romantismo do cinema francês dos anos 30. Alguns chegaram a ser repelidos por causa do erotismo e expressionismo.
É muito conhecido por seu domínio do métier, por seu conhecimento técnico de câmera, luzes, processos de montagem, criação de personagens e qualidade de celuloide e som. Sempre trabalhava com a mesma equipe técnica e atores.
Ganhou Oscar com os filmes A Fonte da Donzela e Fanny e Alexander.
Da peça ao filme
Bergman dava aulas na Escola de Teatro de Malmö, em 1955. Procurava uma peça para encenar para alguns jovens. Acreditava que essa era a melhor maneira de ensinar. Nada encontrou e então resolveu escrever ele mesmo, dando o titulo de Uma pintura em madeira.
Era um exercício simples e consistia num certo numero de monólogos, menos uma parte. Um dos alunos se preparava para o setor de comédia musical, tinha uma aparência muito boa e ótima voz quando cantava, mas quando falava era uma catástrofe, ficando com o papel de mudo, e ele era o cavaleiro.
Trabalhou bastante com seus alunos e montou a peça. Ocorreu-lhe um dia que deveria fazer um filme da peça e tudo aconteceu naturalmente. Estava hospitalizado no Karolinska, em Estocolmo, o estomago não estava muito bom, e escreveu o roteiro, passando o script para o Svensk Film Industri, que não foi aceito, e só quando veio o sucesso Sorrisos de uma noite de amor (filme que recebeu um premio importante no festival de Cannes) que Ingmar obteve permissão para filmá-lo.
Bergman disse em uma entrevista “Foi baratíssimo e muito simples”, mas na biografia critica de Peter Cowie, a origem de O Sétimo Selo é tratada de modo a aparecer um pouco menos simples. Cowie fornece mais pormenores do que Bergman sugere, diz, que a peça original é um ato para dez estudantes, entre eles Gunnar Bjornstrand, e foi levada a cena pelo próprio Bergman em 1955. Mas a encenação que arrebatou a critica ocorreu em setembro do mesmo ano quando um outro elenco, que contava com a presença de Bibi Anderson dessa vez, representou no Teatro Dramático Real de Estocolmo, sob a direção de Bengt Ekerot (ator e diretor renomado que interpretou a Morte em O Sétimo Selo).
Apenas alguns elementos foram aproveitados no roteiro final do filme: o medo da peste, a queima da feiticeira, a Dança da Morte. Mas a partida de xadrez entre a Morte e o Cavaleiro não havia, e, nem existia o artístico-bufanesco “santo casal” Jof e Mia com seu bebê. Somente Jons, o Escudeiro, não sofreu mudanças.
Bergman retornou a Suécia, reescreveu o roteiro e reuniu a equipe. Deram-lhe trinta e cinco dias e um orçamento apertado. Foram gastos cerca de 150 mil dólares e o diretor manteve-se dentro do cronograma e do orçamento. O filme foi feito em 1956 e estreou na Suécia em fevereiro de 1957.
Contexto Histórico
O século XIV, que é a época diegética de O Sétimo Selo, assinala o apogeu da crise do sistema feudal, representada pelo trinômio “guerra, peste e fome”, que juntamente com a morte, compõem simbolicamente os “quatro cavaleiros do apocalipse” no final da Idade Média.
Inicialmente, a decadência do feudalismo resulta de problemas estruturais, quando no século XI, a elevada densidade demográfica na Europa, determinou a necessidade de crescimento na produção de alimentos, levando os senhores feudais aumentarem a exploração sobre os servos, que iniciaram uma série de revoltas e fugas, agravando a crise já existente.
As cruzadas entre os séculos XI e XIII representaram um outro revés para o sistema feudal, já que os seus objetivos mais imediatos não foram alcançados: Jerusalém não foi reconquistada pelos cristãos, o cristianismo não foi reunificado, e a crise feudal não foi sequer minimizada, já que a reabertura do mar Mediterrâneo promoveu o Renascimento Comercial e Urbano, que já contextualizam o “pré-capitalismo”, na passagem da Idade Média para a Moderna.
O trinômio “guerra, peste e fome”, que marcou o século XIV, afetou tanto o feudalismo decadente, como o capitalismo nascente. A Guerra dos Cem Anos (1337-1453) entre França e Inglaterra devastou grande parte da Europa ocidental, enquanto que a “peste negra” eliminou cerca de 1/3 da população européia. A destruição dos campos, assolando plantações e rebanhos, trouxe a fome e a morte.
Nesse contexto de transição do feudalismo para o capitalismo, além do desenvolvimento do comércio monetário, notamos transformações sociais, com a projeção da burguesia, políticas com a formação das monarquias nacionais, culturais com o antropocentrismo e racionalismo renascentistas, e até religiosas com a Reforma Protestante e a Contra Reforma.
O filme toca imaginativamente nesse mundo antigo, saturado de feiticeiras, cavalos, fome, peste e fé, depositando confiança em nossa imaginação.
O filme
Foi o décimo filme que Bergman dirigiu e é uma de suas poucas tramas não-realistas. O roteiro original se lê como peça de teatro e poderia, com alguns retoques, ser montada como tal. Não se encontra nenhum Plano Geral, Zoom ou Pan, nada de Exterior Dia Floresta; nem Interior Dia Taverna; é como uma peça, com relativamente poucas rubricas. Podemos encontrar muitas influências culturais tanto no filme como no próprio roteiro: o quadro dos dois acrobatas de Picasso; A Saga dos Folkung e O Caminho de Damasco de Strindberg; os afrescos religiosos que Bergman viu na Igreja de Haskeborga.
Houve apenas três dias de locação nas filmagens: a sequência de abertura e as tomadas na encosta do morro. As condições atmosféricas, a locação e a luz eram perfeitas e não foi preciso repetir as tomadas. Foi um filme cheio de improvisações, a maior parte filmado nos estúdios, em Rasunda (Suécia). Bergman conta que em uma sequência na floresta, olhando com muita atenção podemos ver as janelas envidraçadas de um bloco de apartamentos, e a torrente na floresta era o transbordamento de um cano solto que ameaçava inundar o local.
A velocidade do andamento das cenas , como uma cena passa para a outra dizendo tudo o que precisa e encarando grandes e pequenas questões com a mesma seriedade, buscando o óbvio, fazem parte do mundo bergmaniano. A clareza dos diálogos, a maneira teatral como são utilizados, também fazem parte desse mundo.
O filme, assim como toda a obra do diretor no seu início, é considerado neo-expressionista. Os cenários são muito rústicos e simples, a maquiagem é impressionante, e muitas vezes os atores aparecem machucados, ou com dentes podres, desprovidos de qualquer regra de higiene atuais, o que dá mais realismo ao filme.
O Sétimo Selo foi dedicado a Bibi Andersson e ela, assim como Max Von Sydon, Erland Josephson, Ingrid Thulin, Liv Ullman, Harriet Anderson e Gunnar Bjosrnstrand, que começaram com ele no teatro, se tornaram para sempre “atores bergmanianos” e seguiram carreiras internacionais.
O título é uma referência ao capitulo oito do livro das revelações. A história é simples. Um Cavaleiro e seu Escudeiro voltam das Cruzadas. O país está assolado pela peste. Eles se encontram com a Morte e o Cavaleiro faz um trato com ela: enquanto conseguir contê-la numa partida de xadrez, sua vida será poupada. Na viagem pela terra natal, encontram artistas, fanáticos, ladrões, patifes, mas por toda parte a presença da Morte, empenhada em ganhar o jogo por meios lícitos e ilícitos. No fim, todos, menos os artistas, são arrebanhados por ela. Intelectualmente a trama do filme é entretecida com dois: o da busca, pelo Cavaleiro já desesperado, de alguma prova, alguma confirmação de sua fé, e o da atitude do Escudeiro, para quem não existe nada, para além do corpo em carne e osso, senão o vazio.
O filme articulou perguntas que não se atrevia fazer: quais eram os sinais verdadeiros de que existia um Deus? Onde estava o testemunho coerente de qualquer benevolência divina? Qual era o propósito da oração? A dúvida do Cavaleiro, sua determinação de se apegar aos exercícios exteriores da crença quando o credo interior estava esmigalhado coincidia com a situação de muitos. Mostrou com uma visão simples e totalmente moderna para a época, o relacionamento de Deus com o Homem.
A natureza religiosa da obra de Bergman se manifesta de imediato no filme. Em uma entrevista declarou que utilizava seus filmes para encarar seus temores pessoais, disse ele: “Tenho medo da maior parte das coisas dessa vida” e “Depois daquele filme ainda penso na morte, mas não é mais uma obsessão”, e em O Sétimo Selo ele enfrentou o seu medo da morte. A Morte está presente todo o tempo, e cada um reage de maneira diferente a ela. Deus e a Morte são os grandes pilares do filme, e em grau menor, mas essencial, mostra seus sentimentos sobre o Amor e a Arte.
A tela destinava-se ao divertimento, quem estivesse em busca da verdadeira substância do pensamento abria um livro. Bergman botou isso de pernas para o ar nesse filme, mostrando um cinema não somente para a diversão, mas também para a reflexão.
As pessoas são geralmente muito sérias acerca do que o diretor considera serem questões sérias: Amor, Morte, Religião, Arte. Sua resoluta preocupação com assuntos sérios, mesmo em suas poucas comédias, o distingue e talvez explique porque em certo sentido ele saiu de moda. Ele insiste em enfrentar o todo da vida com seriedade, aborda o total da existência e o que está acima dela, junto com sua religiosidade, transformando-o num estrangeiro de um mundo pós-moderno e em maior parte descrente.
O senso de humor aparece, às vezes sutil e às vezes mais ostensivo como quando a Morte serra árvore para levar o artista, é a cena mais engraçada do filme. Finamente bem humorado – sobre desafios, negociações e as eternas dúvidas e curiosidades em torno de questões metafísicas que atormentaram, atormentam e atormentarão o ser humano. Acredito que Bergman está presente no filme na angústia do cavaleiro que vê sua vida destituída de sentido, e também no ateísmo de seu fiel amigo Escudeiro.
O encontro com a Morte
A cena de abertura dá o tom: antes de qualquer imagem a música Dies Irae começa solene. A tela se ilumina, uma nuvem esbranquiçada que se não estivesse ali deixaria tudo cinza e turbulento. O coro interrompe no corte: uma dramática reelaboração da música de Dies Irae. Uma ave aparece pairando quase imóvel no céu, e o pink noise (silêncio), que é muito usado nos filmes de Bergman, dá ainda mais suspense. Outro corte mostra uma praia pedregosa e uma voz calma e suave lê um trecho do apocalipse, ouve-se o barulho das ondas batendo nas pedras.
O Cavaleiro descansa sobre as pedras e um plano mais fechado nos leva para mais perto da ação: tem um tabuleiro de xadrez ao seu lado, e ele segura uma espada na mão. O Escudeiro também dorme e seu amigo abre os olhos e observa o céu.
O dia está nascendo e Antonius se levanta para lavar o rosto. Logo após ajoelha sobre as pedras e faz uma oração, num intenso plano americano, mas seus lábios não se mexem, talvez não saiba mais rezar. Ele vai até o tabuleiro de xadrez, onde as peças já estão montadas, o silêncio traz uma figura parecida com um monge, um fantasma. O Cavaleiro arruma uma sacola e vê aquela figura. Começam a dialogar (uso de planos gerais): “Quem é você?”, “Eu sou a morte”.
E a morte aparece como um homem, uma presença. Segundo Bergman “Essa é a fascinação do palco e do cinema. Se você pega uma cadeira perfeitamente normal e diz “Eis a cadeira mais cara, fantástica e maravilhosa já feita em todo o mundo”, se você diz isso, todos acreditam. Se o Cavaleiro diz “Você é a Morte”, você acredita nisso” .
Em outro plano a Morte abre seu manto a fim de levar o Cavaleiro, sua pele é muita branca e a “música medieval” impulsiona a ação.
Após o trato sentam-se para jogar xadrez. Antonius parece estar muito calmo diante da tão aterrorizante Morte. Há até um pouco de ironia quando as peças negras são sorteadas para serem jogadas pela morte, que diz para o Cavaleiro, “Bem apropriado não acha?”.
A imagem se dissolve e vemos Antonius numa igreja, olhando uma imagem de Jesus Cristo. Seu rosto, e o talento naturalmente, mas a seriedade e a capacidade também de serenidade desse ator valorizam o filme. É um rosto pensante, a procura de um entendimento da vida, uma indagação antiga, às vezes banal que nos convence. Seus momentos de extrema emoção são quando geralmente ele se vê só, salvo, talvez, por Deus.
As sombras aparecem muito, há muito contraste de claro e escuro e os closes nos personagens são muito usados. Bergman usava muito o close-up porque acreditava que eles mostravam muito da personalidade dos personagens. O sino da igreja toca sem parar, a imagem de Cristo aparece novamente, mas não é uma imagem comum, parece deformada e sofredora.
O Cavaleiro revela sua fé, sua busca. As imagens que estão por perto dele são difíceis de identificar por causa da sombra. Ele confessa esperar o conhecimento da vida, e nós vemos, entre as grades do confessionário que a Morte é quem o ouve. Ela não quer ser reconhecida e nos mostra suas más intenções. O sino cessa e eles continuam a falar de Deus e agora da Morte. Antonius está nervoso, revela sua estratégia para vencer a Morte e mostra todo seu desespero e sua surpresa ao ver que ela o enganou. Um primeiro plano mostra a expressão de seus rostos. As sombras e a escuridão tomam conta de quase toda a tela, e vemos apenas o vulto dos personagens e as grades do confessionário. A Morte vai embora, e ele observa sua mão, o sangue que pulsa nela. Antonius Block se apresenta para os espectadores junto com sua fé, coragem e satisfação, talvez até orgulho de jogar xadrez com a Morte.
Os flagelantes
A cena com os flagelantes é maravilhosa. Começa com a apresentação dos artistas, numa inocente maneira de divertir o público do vilarejo. Eles dançam, cantam, brincam, tocam instrumentos quando a música entra, dando um clima de terror a cena. É um contraste ver a alegria dos artistas seguidas de tanta dor, culpa, desespero e fé dos torturadores: “Eles acreditam que a peste é um castigo de Deus por eles serem pecadores”.
Os olhos de Jof e Mia se enchem de espanto, assim como a de todas as pessoas que vêem a procissão. A música é apavorante.
Eles passam por uma porteira carregando Imagens e Cruzes. Pessoas deficientes, muito magras e idosas impressionam. Estão vestidos como monges, com roupas esfarrapadas, se ouve os gritos e o barulho dos chicotes. Os closes aparecem freqüentemente mostrando o espanto das pessoas que vêem os flagelantes passar.
Essa cena foi feita em um só dia, os extras foram feitos em clinicas geriátricas da cidade.
A dança da Morte
Após todos serem arrebanhados pela Morte, o plano que segue é o de Mia, olhando para o céu com seu filho Mickael e Jof ao seu lado, dentro da carroça. Ela acorda o marido e se vêem a salvo. O céu está claro e a cena é a mais iluminada do filme. Eles parecem felizes, os pássaros cantam e, saindo da barraca, jof observa a montanha. Sua expressão é de espanto ao ver todos eles, o ferreiro e lisa, o Cavaleiro, Raval, Jons e Skat, na mais famosa cena do filme, a Dança da Morte. A imagem do ator se difundi com a da dança. “Dançam rumo a escuridão e a chuva cai nos seus rostos”, “No céu tempestuoso”, diz Jof. A trilha impressiona.
“Você e suas fantasias” diz Mia sorrindo, acredita que tudo não passa da imaginação de Jof. Eles vão embora por uma trilha da encosta, os pássaros voltam a cantar e a música agora transmite paz e alegria.
Essa cena foi feita com muita improvisação, tão em cima da hora que um dos atores (o ferreiro) precisou de um dublê. As condições do tempo eram perfeitas e Bergman não precisou repetir a tomada.
Durou décadas a ditadura em Portugal. A rigor, foram 48 anos entre os anos de 1926 e 1974. Só Antônio de Oliveira Salazar governou por 36 anos, entre 1932 e 1968, e a Constituição de 1933, que implantou o Estado Novo nos moldes do fascismo italiano com seu Partido Único, permaneceu até 1974, por 41 anos.
Acabou em 25 de abril de 1974 numa revolução quase sem tiros. Morreram apenas quatro pessoas pela ação da DGS (ex-PIDE). A adesão aos militares que protagonizaram o golpe na ditadura foi tão grande que as cinco mortes mais pareceram um desatino final. O nome de “Revolução dos Cravos” foi devido a um ato simbólico tomado por uma simples florista. Ela iniciou uma distribuição de cravos vermelhos a populares e estes os ofereceram aos soldados, que os colocaram nos canos das espingardas.
Tudo fora bem planejado. A ação começou em 24 de abril de forma muito musical. Um grupo militar instalou secretamente um posto no quartel da Pontinha, em Lisboa. Às 22h55 foi transmitida por uma estação de rádio a canção E depois do adeus, de Paulo de Carvalho. Este era o sinal para todos tomarem seus postos. Aos 20 minutos do dia 25, outra emissora apresentou Grândola, Vila Morena, de José Alfonso. Ao contrário da primeira canção, a qual era bastante popular, Grândola estava proibida, pois, segundo o governo, fazia clara alusão ao comunismo.
Passados 38 anos, todos reclamam em Portugal. Tendo no centro do cenário a atual crise econômica, a esquerda considera que o espírito da revolução se perdeu, assim como várias das conquistas dos primeiros anos, enquanto a direita chora as estatizações do período pós-revolucionário, afirmando que esta postura prejudicou o crescimento da economia. O ex-presidente Mário Soares afirma que tudo o que ocorreu nos últimos 38 anos pode ser discutido e reavaliado, mas que a comparação entre o passado e o que há hoje é comparar “um passado de miséria, de guerra e de ditadura” com um país onde há “respeito pela dignidade do trabalho, pelos sindicatos e pela democracia pluralista”.
A ditadura iniciou em 1926 com o decreto que nomeou interinamente o general Carmona para a presidência da República. Após a dissolução do parlamento, os militares ocuparam todas as principais posições do governo. A ditadura teve o condão de unir todos os partidos que antes disputavam entre si. Eles enviaram uma declaração conjunta às embaixadas dos EUA, Inglaterra e França, informando que não reconheciam o governo. Em resposta, a repressão policial foi acentuada e todos os que assinaram a declaração foram presos em Cabo Verde, sem julgamento.
Todas as revoltas foram sufocadas enquanto os militares se viam às voltas com uma crise econômica. Havia duas correntes: uma representada pelo ministro das finanças, o general Sinel de Cordes, que desejava recorrer a um empréstimo externo e outra, de um professor de finanças da Universidade de Coimbra, Antônio de Oliveira Salazar, que pensava não ser necessário o empréstimo externo para resolver a difícil situação financeira do país. O empréstimo não foi feito em razão de que as condições exigidas eram inaceitáveis – quase as mesmas que a “troika” exigiu e levou atualmente. O resultado final do episódio foi o pedido de demissão de Sinel de Cordes e o convite a Salazar para a pasta das finanças.
Salazar impôs austeridade e rigoroso controle de contas. Obteve o equilíbrio das contas de Portugal em 1929. Na imprensa, controlada pela censura, Salazar era chamado de “o salvador da pátria”. O prestígio ganho junto ao setor monárquico e católico, além da propaganda, consolidavam pouco a pouco a posição de Salazar, abrindo espeço para sua ascensão. Ele se tornou o esteio dos militares, que o consultavam para tudo, principalmente para as reformas ministeriais. Enquanto a oposição era dizimada, Salazar recusava o retorno ao parlamentarismo e à democracia da Primeira República, criando a União Nacional em 1930, preparando a instalação de um regime de partido único.
Em 1932, foi discutida uma nova Constituição que seria aprovada no ano seguinte. Nela, é criado o Estado Novo, uma ditadura que dizia defender “Deus, a Pátria e a Autoridade”, principalmente a terceira, que depois foi alterada para Família. A ditadura portuguesa foi muitíssimo pessoal e revelava claramente o caráter de seu chefe. Salazar era uma estranha espécie de misantropo que governava um país ao mesmo tempo que amava a solidão e posava de inacessível. Suas palavras são surpreendentes, mesmo para um ditador. “Há várias maneiras de governar e, a minha, exige isolamento… O isolamento muito me ajudou a desempenhar minha tarefa e permitiu-me, no passado como hoje, concentrar-me, ser senhor do meu tempo e dos meus sentimentos, evitar que fosse influenciado ou atingido”. Muito católico, Salazar nunca casou e vivia entre padres. O cardeal de Lisboa, D. Manuel Gonçalves, disse dele: “é um celibatário austero que não bebe, não fuma, não conhece mulheres”, mas, a fim de afastar qualquer inclinação homossexual, ressaltou: “mas ele aprecia a companhia das mulheres e a sua beleza sem, no entanto, deixar de levar uma vida de frade”.
Tal como fazia na vida privada, Salazar criou uma curiosa política e um bordão não menos. Praticava uma política de isolacionismo internacional sob o lema Orgulhosamente sós. Atuava de forma tortuosa. Apoiou Franco na Guerra Civil de 1936, mas manteve com este uma relação fria e desconfiada. Durante a Segunda Guerra Mundial, agarrou-se à neutralidade como se disto dependesse sua vida. Talvez tivesse razão. Próximo ideologicamente do fascismo italiano, Portugal não hostilizou o eixo Roma-Berlim-Tóquio, apesar de ter tornado ilegais os movimentos fascistas, prendendo seus líderes. Comprou armas, mesmo durante a Guerra, tanto na Alemanha quanto da Inglaterra, evitando o confronto e a adesão. Acendendo uma vela para cada um dos lados, Salazar aceitava dar vistos a judeus em trânsito vindos da Alemanha e da França. Também concedeu aos Aliados uma base nos Açores.
O ditador foi homenageado por Fernando Pessoa.
Antonio de Oliveira Salazar
Antonio de Oliveira Salazar.
Três nomes em sequencia regular…
Antonio é Antonio.
Oliveira é uma árvore.
Salazar é só apelido.
Até aí está bem.
O que não faz sentido
É o sentido que tudo isto tem.
Este senhor Salazar
É feito de sal e azar.
Se um dia chove,
A água dissolve
O sal,
E sob o céu
Fica só azar, é natural.
Oh, c’os diabos!
Parece que já choveu…
Coitadinho
Do tiraninho!
Não bebe vinho.
Nem sequer sozinho…
Bebe a verdade
E a liberdade,
E com tal agrado
Que já começam
A escassear no mercado.
Coitadinho
Do tiraninho!
O meu vizinho
Está na Guiné,
E o meu padrinho
No Limoeiro
Aqui ao pé,
Mas ninguém sabe porquê.
Mas, enfim, é
Certo e certeiro
Que isto consola
E nos dá fé:
Que o coitadinho
Do tiraninho
Não bebe vinho,
Nem até
Café.
Após a Segunda Guerra Mundial, manteve a política do Orgulhosamente sós, mas nem tanto assim, pois Salazar desejava permanecer orgulhosamente só, porém, com suas colônias. Desde o final da Segunda Guerra Mundial, a comunidade internacional e a ONU passaram a defender políticas de autodeterminação dos povos em regiões colonizadas. Salazar ignorou o fato, levando o país a sofrer consequências negativas tanto do ponto de vista econômico como culturais.
Internamente, a violência da democracia de fachada de Salazar não ficava nada a dever a suas congêneres latino-americanas. O Estado Novo tinha sua polícia política, a PIDE (Polícia Internacional de Defesa do Estado), a qual era antes chamada de PVDE (Polícia de Vigilância e Defesa do Estado) e depois de DGS (Direção-Geral de Segurança). Em comum, a perseguição e morte aos opositores do regime. O regime autoritário, mas sem violência é uma fantasia que muitos católicos portugueses gostam de manter, pois a Igreja Católica sempre era citada por ele. Até hoje, alguns saudosos de Salazar misturam fascismo e catolicismo.
Em março de 1961, ocorreu uma chacina de colonos civis no norte de Angola. A resposta de Salazar foi uma Guerra Colonial chamada Para Angola rapidamente e em força. Depois, novas guerras em Guiné e Moçambique, sempre com o propósito de permanecer orgulhosamente só, mas com as províncias ultramarinas sob sua bandeira. As Guerras Coloniais tiveram como consequências milhares de vítimas e forte impacto econômico sobre o país, tendo sido uma das causas da queda do regime.
Salazar foi afastado do governo em 27 de Setembro de 1968, após uma grave queda em casa, o que lhe causou uma trombose cerebral. Seu fim foi digno de opereta: naquele 1968, o então Presidente da República, Américo Tomás, chamou Marcello Caetano para substitui-lo. O curioso é que, até morrer, em 1970, Salazar continuou a receber “visitas oficiais” como se fosse ainda o presidente do país, nunca manifestando sequer a suspeita de que já o não era, no que não foi contrariado.
O longo inferno foi finalizado pelo 25 de Abril, tal como o conhecem os portugueses. O Movimento das Forças Armadas (MFA) foi composto por oficiais intermediários da hierarquia militar, na sua maioria, eram capitães que tinham participado na Guerra Colonial e que foram apoiados por oficiais e estudantes universitários. Este movimento nasceu por volta de 1973, baseado inicialmente em reivindicações corporativistas das forças armadas envolvidas nas guerras coloniais, acabando por se estender a protestos contra a ditadura. Sem grande apoio e com a adesão em massa da população à Revolução dos Cravos, a resistência do regime foi praticamente inexistente, registrando-se apenas cinco mortos em Lisboa pelas balas da famigerada DGS.
Após o 25 de abril, foi criada a Junta de Salvação Nacional, responsável pela nomeação do presidente da República. Assim, em 15 de Maio de 1974, o general António de Spínola foi nomeado presidente.
Estabilizada a conjuntura política, prosseguiram os trabalhos da Assembleia Constituinte para a nova constituição democrática, que entrou em vigor no dia 25 de Abril de 1976, o mesmo dia das primeiras eleições legislativas da nova República.
Tanto Mar, de Chico Buarque
Sei que está em festa, pá
Fico contente
E enquanto estou ausente
Guarda um cravo para mim
Eu queria estar na festa, pá
Com a tua gente
E colher pessoalmente
Uma flor no teu jardim
Sei que há léguas a nos separar
Tanto mar, tanto mar
Sei, também, que é preciso, pá
Navegar, navegar
Lá faz primavera, pá
Cá estou doente
Manda urgentemente
Algum cheirinho de alecrim
Foi bonita a festa, pá
Fiquei contente
Ainda guardo renitente
Um velho cravo para mim
Já murcharam tua festa, pá
Mas certamente
Esqueceram uma semente
Nalgum canto de jardim
Sei que há léguas a nos separar
Tanto mar, tanto mar
Sei, também, quanto é preciso, pá
Navegar, navegar
Canta primavera, pá
Cá estou carente
Manda novamente
Algum cheirinho de alecrim
A dicotomia tipicamente gaúcha foi exportada para a política nacional faz mais de uma década. O Grêmio e o Inter, a noite e o dia, o bem e o mal, o preto e o branco, deus e o diabo, o céu e o inferno, o PT e o PSDB. Isso é empobrecedor demais. A Veja e assemelhados fazem seu discurso de ódio ao PT, enquanto vários pequenos veículos e blogs respondem. Um trata de demonizar o outro em exageros espetaculares, como se o mundo se resumisse a detestar a Dilma ou o Aécio.
No entanto, há mais coisas no ar. Houve uma bancada que conseguiu enorme projeção no primeiro mandato de Dilma: a Bancada Evangélica. Segundo dados da própria Frente Parlamentar Evangélica, nas eleições de 2010 a bancada cresceu de 46 deputados (9% do total da Casa) para 68 deputados (13,2% do total), um crescimento de quase 50%. No Senado, os evangélicos têm 3 representantes: Walter Pinheiro (PT-BA) da Igreja Batista, Magno Malta (PR-ES) da Assembleia de Deus e o bispo Marcelo Crivella (PR-RJ), um ex-bispo da Igreja Universal do Reino de Deus.
Os evangélicos cresceram tanto que o comando da campanha à reeleição de Dilma Rousseff está preocupado com o voto deles, um eleitorado que representa 22,2% da população, ou 42,3 milhões de brasileiros, segundo o último Censo do IBGE. Agora será mais difícil conquistar esse eleitorado, sobretudo diante da candidatura de um de seus representantes, o Pastor Everaldo Pereira, do “Partido” Social Cristão (PSC) e da Assembleia de Deus. Em seu primeiro dia de campanha, Everaldo anunciou que criará o Ministério da Segurança Pública. E disse: “Com a Bíblia e a Constituição Federal nas mãos, inicio aqui, com Fé, minha caminhada para mudar o Brasil de verdade”. Assim vai nosso Estado Laico.
Dei uma passada no Facebook, blog e site do pastor. É de um retrocesso constrangedor. Inverdades vendidas como “verdades” e mais ódio, ódio e ódio à, digamos o termo exato, felicidade. Os evangélicos preveem um maior crescimento nestas eleições. Pensam que aumentarão em 30% sua presença no Congresso. Já há partidos políticos que se colocam frontalmente contrários ao Estado Laico, casos do PR e PSC. As mulheres e os homossexuais que se preparem, ainda mais que as leis de financiamento de campanha nunca são alteradas. Os caras têm grana e Everaldo já teria 4% dos votos, segundo as pesquisas. Isso sem contar com Marina Silva, vice de Eduardo Campos, terceiro colocado nas pesquisas.
Aberrações como o tal Estatuto do Nascituro — com sua consequente proibição do aborto –, cura-gay, homofobia, retirada da diversidade de gênero do Plano Nacional de Educação, o impedimento do kit gay — que foi retirado do MEC por Dilma e que era apenas um kit educacional contra a homofobia — e outros fatos foram os primeiros passos contrários a um Estado Laico onde a religião seja uma escolha íntima, uma necessidade pessoal. O que virá? Olha, me cago de medo dessa gente.
Esta matéria foi escrita na tarde de 21 de dezembro e programada para ser publicada na madrugada do dia 22. Evidentemente, quando foi escrita, o mundo ainda existia e, se você a está lendo neste momento, temos outra evidência de que o mundo, mais uma vez, não acabou e que você pode preparar-se com tranquilidade para as festividades natalinas. Este é o motivo de nosso título altamente confiante.
A sigla Nasa significa National Aeronautics and Space Administration. Ignoramos como os EUA obtêm administrar o espaço sideral, mas estivemos de olho em seus informes. Estes garantiam que nada estava sendo ocultado e que nenhum fenômeno celeste rondava nosso planeta. O tal Niburi, planeta quatro vezes maior que a Terra e que estaria em rota de colisão conosco — em exata analogia com o filme Melancolia, de Lars von Trier — , nem passou perto. Se o Niburi viesse de encontro à Terra, seria uma catástrofe muito maior do que aquela que teve como resultado a extinção dos dinossauros há 65 milhões de anos. Na época, um asteroide de 10 a 15 km de diâmetro caiu sobre a atual península de Yucatán, no México. Don Yeomans, cientista do Laboratório de Propulsão de Jatos da Nasa, acrescenta que, se o Nibiru estivesse chegando, ele seria visível, muito visível, mesmo a olho nu, como o foi no filme de von Trier.
Nada visível foi outra ameaça prevista e que também foi afastada pela Nasa: a de uma grande tempestade solar. Segundo a Nasa, a previsão do tempo no Sol é a seguinte para os próximos meses: as tempestades solares se acentuarão e seu máximo deverá ser no mês de maio. Mas, garante Yeomans, trata-se de ciclos normais. A cada 11 anos, o sol passa por uma fase chamada de “máxima solar”. Durante esta fase ou qualquer outra, a Terra é muito pouco afetada. Diz a Nasa que um “apagão solar” está previsto apenas para daqui a 5 bilhões de anos, quando Sol se tornará um gigante vermelho. Antes disso, o calor galopante provocará a evaporação dos oceanos e o desaparecimento de nossa atmosfera. Depois, o astro-rei se resfriará até a extinção. Então, em nota tranquilizadora emitida dias antes do suposto fim do mundo, a Nasa negou também o fim do Sol, ao menos nos próximos dias.
Tirado daqui, ó. Só não coloquei as fotos das cartas a serem leiloadas.
Um ano antes de morrer, o célebre físico Albert Einstein escreveu, em 24 de março de 1954, uma carta ao filósofo judeu Eric B. Gutkind, expressando sua visão sobre o povo judeu, as religiões e a existência de Deus. O documento estará em leilão no eBay de 8 a 18 de outubro, com lance inicial de US$ 3 milhões (mais de R$ 6 milhões).
“Estamos excitados por oferecer a uma pessoa ou organização a oportunidade de possuir um dos documentos mais intrigantes do século 20″, disse Eric Gazin, presidente da Auction House (agência que está cuidando da venda), em entrevista ao LiveScience. “Esta carta pessoal de Einstein representa um nexo entre ciência, teologia, razão e cultura”.
Einstein x Deus e as religiões
A carta era uma resposta do físico ao livro de Gutkind “Choose Life: The Biblical Call to Revolt” (“Escolha a Vida: A Chamada Bíblica à Revolta”), no qual o filósofo sustentava a ideia de que os judeus eram um povo de “alma incorruptível”. “A alma do povo judeu nunca foi uma alma de massas. A alma de Israel não poderia ser hipnotizada; nunca sucumbiu a ataques hipnóticos (…). A alma de Israel é incorruptível”, escreveu.
Einstein não concordava:
Para mim, a religião judaica é, da mesma forma que todas as outras, uma incarnação das superstições mais infantis. E o povo judeu, ao qual eu pertenço com boa vontade, e que tem uma mentalidade com a qual tenho uma afinidade profunda, não tem, para mim, uma qualidade que o difere de qualquer outro povo. Até onde minha experiência vai, ele também não é melhor que outros grupos humanos, embora esteja protegido dos piores cânceres por falta de poder. Fora isso, não consigo ver nada de ‘escolhido’ sobre ele.
No final de sua vida, Einstein se mostrou contrário às religiões. Mas ele acreditava em Deus? Não exatamente, como se lê em uma carta escrita em 24 de março daquele mesmo ano:
Foi, é claro, uma mentira o que você leu sobre minhas convicções religiosas, uma mentira que foi repetida de forma sistemática. Eu não acredito em um Deus pessoal, nunca neguei isso, mas expressei de forma clara. Se algo em mim pode ser chamado de religioso, é minha ilimitada admiração pela estrutura do mundo que nossa ciência é capaz de revelar.
Na carta a Gutkind, Einstein disse que a palavra “Deus” nada mais era do que “a expressão e produto da fraqueza humana, e a Bíblia, uma coleção de honoráveis, porém primitivas lendas que eram no entanto bastante infantis”.
“Se Deus não existe e a alma é mortal, tudo é permitido”, diz o personagem Ivan Karamázov em Os Irmãos Karamázovi, de Dostoiévski. O russo era cristão e foi um escritor genial. Tão genial que lograva transferir-se para a pele de seus personagens de tal maneira que é difícil supor as ideias do homem por trás do romancista. Pois Dostoiévski não parece projetar-se em ninguém; em seus romances não há uma voz onisciente que comande tudo. Desta forma, o ateu Ivan Karamázov era provocativo, principalmente com seu irmão mais moço, o beato Aliócha, e a célebre frase é um caso exemplar de descontextualização por ter sido pronunciada por Ivan para Aliócha e não de Dostoiévski para uma plateia, por exemplo.
A noção de entidades superiores que julgam os atos dos homens talvez preceda a própria noção de humanidade. Para a antiguidade, de forma mais indiscutível do que hoje, Deus criara não apenas a vida e a existência do mundo e do universo, mas encarnava os preceitos éticos do certo e do errado. Deparando-se com o caos da vida e com leis insuficientes, os homens precisavam de limites. Sem eles, talvez os homens roubassem e matassem uns aos outros, cada um pensando ter direito a tudo. Deus os olharia e julgaria, no papel de representante do bem, do correto e da retidão, enquanto o Diabo representaria o mal, o errado, a destruição, o roubo e a morte. O ser humano que estivesse em coesão com Deus estaria de acordo com sua justiça.
Depois — durante toda a Idade Média e além, houve longo predomínio da moral cristã no mundo ocidental — , Deus permaneceu identificado com o Bem, a Justiça e a Verdade. Santo Agostinho (354-430), bispo, teólogo e filósofo da Igreja Católica, fundamentou a moral cristã na busca pela felicidade e a felicidade suprema consistiria num encontro com Deus na imortalidade. Só assim o homem poderia ser verdadeiramente feliz. E, para sê-lo, bastaria obedecer às leis e aos preceitos de Deus.
Desta forma, a Justiça dos homens acostumou-se a invocar Deus a fim de julgar corretamente os problemas do mundo, pois o contexto impedia a existência de teorias éticas autônomas da doutrina da Igreja. Todas elas, de uma forma ou outra, teriam que estar de acordo com os princípios divinos. Quem não viu filmes onde a testemunha, antes de responder a qualquer coisa, jurava dizer a verdade, somente a verdade, nada mais do que a verdade, com a mão sobre a Bíblia?
Crucifixo que abençoa o plenário da Câmara Municipal de Porto Alegre | Foto: Ramiro Furquim/Sul21.com.br
Não surpreende, portanto, que até hoje haja símbolos católicos nos prédios da Justiça e de outros órgãos públicos. É contra isto que a Liga Brasileira de Lésbicas (LBL) e outras cinco entidades protocolaram pedidos. Desejavam a retirada dos símbolos religiosos das repartições do Executivo estadual, da Assembleia Legislativa, da Câmara dos Vereadores de Porto Alegre e do TJ-RS, Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Em resposta, o juiz assessor Antonio Vinicius Amaro da Silveira utilizou o argumento de que, no preâmbulo da Constituição de 1988, consta a frase de que esta fora promulgada “sob a proteção de Deus” e isto garantiria que aqueles símbolos religiosos não deveriam ofender os ateus e os adeptos de outras crenças. Seriam esperados e “naturais”.
Naiara Malavolta, articuladora estadual (RS) da Liga Brasileira de Lésbicas, explica a ação na Justiça: “Primeiramente, há uma clara contradição na Constituição Federal. A constituição que declara o estado como laico foi escrita ‘sob a proteção de Deus’. O fato é que precisamos reagir contra a invasão do público pelo privado. Nas escolas, a história das religiões deveria ser ministrada por historiadores, não por religiosos. A consequência de toda esta presença é a desconstituição de direitos por parte de representantes da moral católica”. Sobre os símbolos, Naiara explica que os símbolos religiosos agridem boa parte dos homossexuais, pois simbolizam não apenas a fé como a tutela da instituição sob uma moral religiosa. “Muitos evangélicos, por exemplo, pouco sabem do que está escrito na Bíblia, mas ouvem o que é dito nas reuniões. E o que é dito é a posição majoritária evangélica: são homofóbicos, contra o aborto, propõem ‘curas gays’, etc. A oposição ao PLC122 (Projeto de lei que criminaliza a discriminação por orientação sexual) por parte da bancada evangélica diz tudo.
Monumento à Bíblia em praça de Paranavaí
O antropólogo Emerson Giumbelli, professor da UFRGS e coordenador do Núcleo de Estudos da Religião (NER) afirma que há, cada vez mais, iniciativas visando a retirada dos símbolos religiosos de locais públicos, mas que a resistência é forte. “As respostas costumam ser ou evasivas ou de clara recusa. Porém, se reconhecemos a sociedade como plural em termos religiosos, tais símbolos, tidos como naturais a quem professa a religião católica, deveriam ser retirados”. Perguntado sobre o fato dos símbolos serem católicos, Giumbelli respondeu que “o cruxifixo é uma imagem rigorosamente católica, os protestantes e muitos evangélicos usam as cruzes sem o Cristo. A novidade é que a Bíblia tem crescido como símbolo de religiosidade, principalmente entre os evangélicos, mas também em Câmaras de Vereadores, etc. Por exemplo, no interior do país, já há muitos Monumentos à Bíblia. Os crucifixos têm cada vez menor representatividade”.
Sobre o fato da iniciativa dos pedidos de retiradas serem basicamente dos movimentos LGBT, Giumbelli afirma: “É claro que tais movimentos são muito mais sensíveis à questão. Porém, e isto agora é uma opinião pessoal, penso que eles só conseguirão avançar quando um leque mais amplo da sociedade civil lhes der apoio. O fato é que não há mais símbolos consensuais. A extensão de cada um é limitada e há ainda que considerar as pessoas sem religião”.
O antropólogo da UFRGS faz questão de sublinhar um fato que vem ao encontro da manifestação do desembargador Túlio de Oliveira Martins, presidente do Conselho de Comunicação Social do TJ-RS e finaliza: “Fico feliz que esta discussão exista. Discutir símbolos religiosos ou a retirada total deles é muito importante. Além da questão cultural e pessoal há o princípio do estado laico que não deve ser desrespeitado”.
E Dostoiévski? Melhor esquecê-lo? Não, de modo algum. Afinal, a frase deve ser limitada a uma inteligente provocação de Ivan Karamázov a seu irmão Aliócha. A quem duvidar disto, bastará ler o que diz Raskolnikov em Crime e Castigo e saber que Dostoiévski jamais assassinou velhinhas a machadadas. O personagem acaba antes do autor, assim como o privado antes do público.
Minha mãe está internada na CTI (UTI) do Hospital Moinhos de Vento. Está com insuficiência respiratória aos quase 84 anos. Entubada, com respirador artificial, o prognóstico do médico e a cara de minha irmã — que também é médica — não são das coisas mais animadoras. Para completar, o horário noturno de visitação é o pior possível: das 20 às 21 horas. Então, o resultado é que ontem saí do hospital às 20h40.
O concerto da OSPA que ocorria quase no mesmo horário não era nada trivial. Era um programa de só uma obra, mas esta é das coisas que mais amo neste mundo e das quais tenho umas dez gravações: o notável, perfeito Um Réquiem Alemão, de Johannes Brahms, aquele mesmo que é chamado pelos tolos de O Réquiem Ateu, como se falar pouco em deus o tornasse ateu. (Ateu sou eu, Brahms não era). Só que, como disse, eram 20h40, o concerto começava às 20h30 e eu estava longe do local onde ele já iniciara.
Comecei a dirigir para casa pensando que talvez eu não quisesse ir por superstição ou quisesse ir para quebrá-la. Afinal, este Réquiem existe por um só motivo: a morte da mãe do compositor em fevereiro de 1865. O Réquiem de Brahms, escrito entre 1865 e 1868, tem várias curiosidades: é composto de sete movimentos, que juntos resultam em algo entre 65 a 75 minutos, tornando-o a mais longa composição de Brahms. Há mais: Um Réquiem Alemão é música sacra, mas não é litúrgica e, ao contrário de uma tradição musical de séculos, não é cantado em latim e sim em língua alemã, de onde vem seu título Ein deutsches Requiem ou Um Réquiem Alemão. Pois aquela bosta que me caracteriza de projetar um problema onde ele não está, naquele dilema desesperado entre ir ou não ir a um concerto em andamento acabou por furar um bloqueio longamente preparado e meu pragmatismo começou a desabar lentamente.
Enquanto os carros e as pessoas na rua perdiam seus contornos e algo quente descia pelo meu rosto, resolvi comer alguma coisa. Com a mulher viajando, a vizinha namorando e a Babi na mãe dela, estava condenado a comer mal se fosse para casa. E da forma mais imbecil possível comecei a procurar um lugar e a juntar na cabeça as informações que sabia para escrever um texto sobre o concerto não assistido. Sabem vocês que a primeira referência ao Réquiem está em uma carta de 1865 que Brahms escreveu para Clara Schumann, viúva de Robert? Escreveu que pretendia desenvolver uma peça a ser “uma espécie de Réquiem alemão”. Depois, Brahms teria dito ao diretor de música na Catedral de Bremen, que teria de bom grado chamado o trabalho de Um Réquiem Humano. Mais adiante, vocês verão que este sujeito de Bremen era um cagão pior do que eu.
Embora as Missas de Réquiem na liturgia católica comecem com orações pelos mortos, o de Brahms centra-se na vida, começando com o texto “Bem-aventurados são aqueles que suportam a dor, porque serão consolados”. O tema do conforto aos que ficam repete-se em todos os movimentos seguintes, exceto o final, e era exatamente isso o que furara meu bloqueio. Simplesmente não deveria ter pensado. Acho que consigo passar longos dias só agindo. Ao menos tenho esta impressão.
Em seu Réquiem, Brahms omitiu propositalmente qualquer dogma cristão. Até pelo fato da ideia de deus ser visto sempre como fonte de consolo, a simpatia pelo humano persiste por todo o tempo, o que não significa dizer que o Réquiem seja ateu, apesar de sua contenção religiosa, longe daquele hábito de rasgar-se musicalmente pelo criador. De qualquer forma, a enigmática escolha dos textos fica para os musicólogos decifrarem. Quando o diretor da Catedral de Bremen expressou sua preocupação com isso, Brahms recusou-se a adicionar o movimento que lhe fora sugerido: “A morte redentora do Senhor, etc.” (João 3 : 16). E, por incrível que pareça, em Bremen, o citado diretor obrou finalizar o Réquiem por uma ária do Messias de Handel, — ??? — “I know that my redeemer liveth”. Tudo para satisfazer o clero. Um total abuso.
Sem encontrar um local para comer e pensando pouco, acabei voltando para o hospital, indo a um restaurante que há ali. Caro. Já tinha acabado o horário de entrar na CTI. Comi muito lentamente, refazendo várias vezes o texto sobre Brahms, imaginando que a OSPA já estaria finalizando o concerto. Sei que quando a música exige, a OSPA cresce. Certamente deveria ter atravessado a cidade furando todos sinais para que visse ao menos um pedaço.
Meus pensamentos giravam sobre como o Réquiem fora inicialmente detestado. Wagner mandou bala contra ele, mas temos que lhe dar o mérito da coerência e Wagner: ele erra sempre e sempre com farta documentação. Na verdade, estava apenas puto com o título “Alemão”. Nada mais “Alemão” do que ele, o que Brahms estava pensando? A reavaliação do Réquiem veio através de Schoenberg e seu brilhante ensaio Brahms the progressive. Então, a história da percepção a Brahms descreveu um círculo completo: a partir da década de 1860, seu trabalho passou a ser visto como “moderno” e “difícil”. As depreciações do inimigo Wagner o tornaram “clássico” e “‘acadêmico” em 1880. E, em meados do século XX, o homem voltou a ser moderno e denso. Agora, é eterno.
Fui embora do restaurante e do hospital de novo pensando na Dra. Maria Luiza. E em mim — pois assim como o homem de Bremen cometera um abuso, era um total abuso uma pessoa tentar agir como se não fosse um mamífero, fingindo preocupar-se apenas com o operacional. E fui finalmente para casa, onde fiquei sozinho.
De acordo com a Bíblia no principio era a verborreia, e a verborreia estava com Deus, e a verborreia era Deus. Deus criou os céus e a terra. Então Deus disse que haja a luz, bateu as palmas e a luz acendeu. Deus viu que a luz era boa e a separou da escuridão. Deus pôs na posição de água quente o nome de “inverno” e na de agua fria pôs o nome de “verão”. Deus chamou a luz de dia e a escuridão de noite, por algum motivo isso foi um ‘dia’, apesar de ainda nao existir o Sol e a Lua.
Entao Deus criou monstros. E Deus viu que isso era bom. Deus criou árvores. E viu Deus que isso era bom. Deus criou os arbustos, foi atrás deles se aliviar, e viu que isso era bom. Deus então deu uma assoprada em um monte de barro e criou o homem. E em sua eterna sabedoria disse: frutificai e multiplicai-vos. Sorrateiramente arrancou um estribo do ouvido do homem enquanto este dormia, e, embora o homem surdo a este ponto, deu outra soprada e, voialá!, eis a mulher.
As escolas brasileiras ligadas a instituições religiosas sempre ensinaram o criacionismo. Seja nas aulas de religião, seja nos cultos, os alunos aprendem que Deus criou o mundo e todos os seres que o habitam. É o fim do mundo.
Hoje acordei assim porque fui convidado a participar de um documentário onde as pessoas contam casos de preconceito contra ateus. Detesto falar em público mas acho que vou ter que.
O escritor britânico Christopher Hitchens falou sobre o mal que as religiões causam à política internacional.
Por Gabriel Brust
Na noite em que lançou no Brasil seu mais novo livro, o polêmico escritor Christopher Hitchens despejou uma hora de críticas à fé religiosa em sua palestra no ciclo de conferências Fronteiras do Pensamento. Para o britânico, que também participou de sessão de autógrafos de Deus Não é Grande – Como a Religião Envenena Tudo, decidir entre a razão e o divino é uma questão urgente.
Embora o debate seja antigo, para Hitchens o momento histórico e a conjuntura internacional — com regimes baseados em religião se multiplicando pelo mundo — exige que ele volte à pauta.
— Precisamos decidir se estamos aqui pelo resultado das leis da Biologia, ou segundo um plano divino, que não tem nada a ver com nossa vontade — afirmou o escritor.
Conhecido por criticar figuras incontestáveis no imaginário político internacional, como a Princesa Diana, Hitchens não tem dúvida sobre qual a decisão a ser tomada.
— A religião foi a tentativa primeira e mais primitiva de tentar descobrir o que é a verdade e o que é o bem. Ela surgiu numa época em que sabíamos muito pouco, na infância aterrorizada de nossa espécie — explicou o autor.
Implacável com a questão religiosa, o autor acabou deixando de lado o debate político, pelo qual ficou mais conhecido em livros como Amor, Pobreza e Guerra e Cartas a Um Jovem Contestador. Ontem, os argumentos de Hitchens foram todos contra a religião. Com o conhecimento de quem trabalhou muito tempo como correspondente internacional, traçou uma espécie de relatório da geopolítica religiosa. No Irã, uma teocracia. Nos Estados Unidos, cristãos influenciando o ensino. Na Rússia, a Igreja Ortodoxa pregando o ódio aos judeus.
O autor diz que o argumento de que a religião forneceu bases morais para o mundo é falso:
— A Bíblia diz que somos feitos de pó, que nascemos do pecado, mas que Deus nos ama. Isso é um truque sadomasoquista, que não se destina à saúde psíquica e moral.
Hitchens não obteve resposta ao lançar um desafio ao público:
— Desafio alguém a me mostrar uma ação moral feita por um crente que não possa ser repetida por um não-crente.
Para finalizar, esclareceu que não é um ateu, mas um antiateísta, alguém que não crê em Deus e também não acha que seria bom se ele existisse:
— Sou um antiateísta, me sinto melhor sabendo que não existe um déspota celeste que nega a nossa liberdade.
P.S.- A propósito, Gabriel, não seria antiteísta em vez de antiateísta?
Li a Zero Hora de sábado. A notícia principal do jornal era o assassinato do Secretário da Saúde Eliseu Santos à saída de um culto evangélico. Sim, sei que é preconceito, mas tenho para mim que homens ricos que frequentam cultos evangélicos — e Eliseu era contumaz em sua “fé” na Assembleia de Deus — são, na maioria dos casos, perfeitos idiotas ou políticos em busca de votos. Dizem que Eliseu sempre ia a estes lugares… Talvez satisfizesse minhas duas condições, o que sei eu? O fato é que já ouvira e lera a respeito de uma lista de preços de propinas do Santo Homem, algo entre 10 e 30 mil de entrada, acompanhada de mensalidades. Há até um vídeo no YouTube que o acusa.
O fato é que, no dia anterior, Eliseu, o puro, tinha sido chamado pela Polícia Federal (Operação Pathos) a fim de prestar esclarecimentos sobre o desvio de R$ 9 milhões em sua secretaria. E no dia seguinte apareceu com três tiros, tendo alvejado seu assassino com outros dois, porque santo que se preza anda armado e Eliseu, ao sair do culto, já estava imbuído de Cristo e pronto para sacar. O que surpreende a todos é a transformação de homem e político agitado e até truculento (ZH de sábado) em São Francisco de Assis (ZH de hoje). Como se não bastasse, o crime também mudou, passou de político a comum… Vejamos, um homem sai de um culto imbecil com sua mulher e filha. As duas entram no carro, o homem se atrasa. Repentinamente, sem dizer nada — a mulher e a filha disseram que não ouviram nada — o homem chega à porta de seu carro e é atingido por um criminoso que está a alguns metros. Assalto? Estranho, mas é o que está sendo comentado. Eliseu Santos estava muito tenso nos últimos dias, relataram amigos e companheiros de partido. Tudo porque previa um assalto, sem dúvida! Deus talvez o tivesse avisado.
Flagrante de Deus avisando Eliseu: “Você será assaltaaado, pegue sua aaarma”.
Quem fez esta interpretação das atitudes de ZH é o Diário Gauche. Aqui e aqui. Será que a “limpeza” do nome político do prefeito Fogaça — único nome viável para enfrentar Tarso Genro nas eleições para Governador — vale tanto assim? Céus, vão matar meio Rio Grande!
Enquanto um imenso grupo de baba-ovos tentar arrumar um lugarzinho no encontro que Ratzinger, o Papa Bento XVI, terá com “representantes” da cultura portuguesa, José Saramago já declinou previamente do convite. O convescote está marcado para o dia 12 de maio, no Centro Cultural de Belém. “Não temos nada para dizer um ao outro”, garantiu o escritor que recentemente se envolveu em recente polêmica com a Igreja Católica, por conta de seu romance Caim.
Saramago autografa Caim, em foto recente
Certa vez, Graham Greene pediu para ser apresentado a Augusto Pinochet, só para ter o prazer de negar-lhe o cumprimento. Seria uma grande ideia para Saramago, mas acho desaconselhável em sua idade, ainda mais que o Papa estará cercado por uma claque de perigosa de carolas.
A Igreja Católica descreve Bento XVI como um homem da cultura e um apaixonado por filosofia, que procura reunir-se com artistas e intelectuais nos países que visita. Posso imaginar o papo.
De minha parte, gostaria de entrevistar-me com São Pedro a fim de que ele me explique a temperatura dos últimos dias em Porto Alegre. Não quero falar com Deus, que é vingativo e mau caráter. São Pedro me basta. Vou escrever ao Vaticano.
Engraçado, meus sete leitores gostam mesmo de um mistério. Telefonemas, e-mails, comentários até hoje, réplicas… Tudo para descobrir a identidade de Alma Welt. E em verdade vos digo: Alma Welt existiu, assim como existem Lúcia Welt e o pesquisador Jungmar Jensen.
Anton Tchékhov existiu também. E quem duvida da realidade de Gurov e de sua dama do cachorrinho Ana Serguêievna? Thomas Mann esteve entre nós, mas confesso que Adrian Leverkühn me é muito mais consistente e presente, até por ter feito um pacto com o Demônio. O Demônio também existe e não serei eu a duvidar de Fausto. Aquele foi criado pela religião, este por uma lenda popular, o que é a mesma coisa. E o que dizer de Deus, tão presente em nossas vidas?
Um de nossos leitores foi bastante fundo, pois trabalhou como inspetor de polícia na cidade onde Alma Welt escreveu grande parte de sua obra e suicidou-se. Por vício de profissão e equipado de boas práticas e autoironia, encafifou com o caso: imaginem que ele pesquisou sobre todas as mortes e suicídios recentes de Rosário do Sul. Mais: entrou em contato com a Associação dos Poetas Rosarienses. Um de seus membros declarou estar “consternado por desconhecer a pessoa e a obra de Alma Welt e mais ainda por ela nunca ter feito parte dos quadros da instituição”. Desta e de muitas outras formas, meu leitor garante que nada daquilo ocorreu, nem a morte daquele pobre e torturado padre citado na fortuna crítica e biográfica da grande Alma. Sua única preocupação é um elegante deboche: ele gostaria de saber se dialoga com um homem ou com uma mulher. Por quê? Ora, é que estava despedindo-se de Lúcia Welt com beijos e se esta fosse um homem tal atitude poderia, em suas palavras, “arruinar minha reputação”.
Pois eu me contraponho e ataco a Jorge Lima perguntando-lhe se foram documentados os terríveis crimes ocorridos nas cidades gaúchas de Boa Ventura e Santa Fé. Por exemplo, o jornalista e advogado Dr. Alcides Viana foi morto numa madrugada por um certo Fagundes ao sair da casa de sua noiva. Onde soube disso? Ah, foi no romance Porteira Fechada, de Cyro Martins, mas e daí? Alcides não representa a imprensa idealista com colhões? E toda aquela mortantade que houve por dois séculos em Santa Fé? Ou alguém aí vai dizer que nosso escritor maior mentiu e que, por exemplo, Ana Terra e Rodrigo Cambará jamais existiram? ERA SÓ O QUE FALTAVA PARA ACABAR DE VEZ COM NOSSO ESTADO!!! Não basta a Yeda?
Então, mesmo que o número IP de Jungmar Jensen e Lúcia Welt fossem iguais em alguns momentos — apesar do cuidado que deus tinha de usar IPs variáveis — , a gente deve contribuir para que a existência e a essência da Alma Welt se espraie pelo pampa como a de Erico e de Cyro.
E digo mais, tive um caso com Lúcia Welt, sua irmã. Vi in loquo as extraordinárias pinturas de Guilherme de Faria tendo Alma Welt como modelo. Pratiquei maravilhosos intercursos em salas com paredes lotadas de Almas que nos observavam, arfantes e apaixonados. Amei Lúcia Welt sabendo que nela encontraria algo dos restos de sua irmã. E, contrariamente a nosso inspetor, encontrei não apenas a mesma carne e o mesmo sangue, como os inestimáveis papéis amarelados de Alma, todos rabiscados de sonetos.
Ontem, Idelber Avelar publicou um rumoroso post MANDANDO os ateus saírem do armário. Como já estou aqui fora tomando sol e chuva faz uns 40 anos (sim, tenho 51 e uns 40 de ateísmo) e ouvi o chamado do Mestre Idelder, cá estou para dizer que, em minha opinião, Deus é uma criação humana, mais ou menos assim como, digamos, meu amado Dom Quixote. Um trecho do post diz o seguinte:
Uma pesquisa recente, da Fundação Perseu Abramo, mostra que os ateus representamos o grupo social mais discriminado socialmente. Mais que negros. mulheres, travestis, gays, lésbicas. Mais, até mesmo, que transsexuais. Eu não estou dizendo que a discriminação cotidiana que sofre, por exemplo, um ateu branco, é comparável à que sofre um negro de qualquer crença. Não é. Não é, em primeiro lugar, porque ser negro e, até certo ponto, ser gay, são coisas impossíveis de se esconder. Ser ateu, não. Mas se você perguntar a um brasileiro em qual membro de grupo social ele não aceitaria votar de jeito nenhum, os ateus estamos, disparados, em primeiro lugar. Vivemos ainda nesse estranho regime que associa a moralidade à crença religiosa, como se existisse alguma relação entre religiosidade e comportamento moral, como se não soubéssemos nada sobre a lambança feita pelos padres com as crianças e adolescentes – para não falar dos séculos de lambança obscurantista e anticientífica promovida pelas religiões.
Vou contar uma coisa para vocês. Entrei em três concursos literários até hoje: ganhei um, fui menção honrosa em outro e perdi o terceiro. Nada demais; eu estava quieto, no meu canto, só que um dia me contaram porque eu tinha perdido este concurso e me afirmaram que, se fosse possível entrar em contato comigo e se eu retirasse o trecho a seguir, teria vencido… O trecho também não é nada demais. Aqui está:
— Ó Pai, que estás nos céus, colocado lá pela fraqueza, medo, culpa e imaginação de alguns, feito à nossa imagem e portador de nossos defeitos, olha por nós, pobres pecadores, que não usamos teu nome para nada e que vivemos pelo mundo como cães sem dono. Permite que os cães com dono não nos mordam – aqui olhou para o amigo — e que as boas intenções e desespero enviados diariamente por eles a ti, retornem na forma de grandes chuvas de bênçãos e não como tens feito ultimamente. Que a beleza da tua figura, formada em cada poro e célula por nosso afeto a nós mesmos e nosso horror ao vazio, possa espalhar-se pelo mundo e transformar-se em vales de onde jorrarão o leite e o mel necessários a nutrir teu povo…
Era uma oração. Obviamente, eu não retiraria este trecho de meu conto. Por que o faria?
Mas voltemos ao post do Idelber. Vou ser um pouco imodesto ao dizer que a parte que mais me entusiasmou no post é aquela em que ele amplifica de forma mais inteligente coisas que este que vos escreve repete há anos:
1. Que a maior TOLICE é afirmar que os ateus, ao se organizarem, criam uma seita e, portanto, tornam-se tão religiosos quanto blá-blá-blá. Cada vez que ouço alguém sofismar desse modo — sempre com aquele ar professoral que os tolos são hábeis para fingir –, saio em procura de meu copo, do livro que estou lendo ou de alguém que me salve.
2. Que os cristãos não aceitam críticas, mas metem o nariz onde não são chamados, como, por exemplo, na homossexualidade e no útero das outras.
3. Que o fato de instituições religiosas não pagarem impostos é a maior sacanagem que há contra as instituições laicas como, por exemplo, o colégio de meus filhos. Há empresas que se tornaram as maiores em suas áreas pelo simples fato de não pagarem impostos. Tenho exemplos, mas a autocensura está me pegando forte depois da agressão que sofri (vocês sabem). É claro que há alguma benemerência aqui, ali e acolá — e que são importantes –, mas as vantagens empresariais herdadas de Cristo são o sonho de todo o neoliberal.
4. Que quem é ateu e declara tal “absurdo” não tem nenhuma chance política.
E (o Idelber não afirma o que escrevo a seguir):
5. Que respeitar a religião dos outros é aceitar uma opção íntima que, se for vendida, merece imediata reação da parte do ateu, que pode, sim, fazer proselitismo em sua defesa.
E vou trabalhar. E estou de péssimo humor.
(A citação acima foi retirada de um comentário de Maurício Santos, um dos 264 que o post do Idelber gerou).
Sempre tive desmedida admiração por J. S. Bach e Ingmar Bergman. O que não sabia, até uns anos atrás, era da admiração que Bergman nutria pelo alemão. Nos livros do diretor sueco há muitas referências a Bach e não são observações triviais ou superficialmente admirativas, são observações de conhecedor, de alguém que conhece inclusive o simbolismo que perpassa algumas obras.
Ele diz ter utilizado a música de Bach nas cenas mais importantes de seus filmes ou, pelo menos, naquelas em que achava que a atenção do espectador podia ser dividida com a música. A escolha era quase sempre entre Bach ou o silêncio. No livro “Lanterna Mágica”, ele transcreve uma longa conversa que teve com o ator Erland Josephson. Nela, revela que, nos momentos de maior desespero, costumava contar para si mesmo uma história vivida por Bach.
Johann Sebastian havia feito uma longa viagem de trabalho e ficara dois meses fora. Ao retornar, soube que sua mulher Maria Barbara e dois de seus filhos haviam falecido. Dias depois, profundamente triste, Bach limitou-se a escrever no alto de uma partitura a frase que servia para consolar Bergman: Deus meu, faz com que eu não perca a alegria que há em mim.
Bergman escreve em A Lanterna Mágica:
Eu também tenho vivido toda a minha vida com isto a que Bach chama “a sua alegria”. Ela tem-me ajudado em muitas crises e depressões, tem-me sido tão fiel quanto meu coração. Às vezes é até excessiva, difícil de dominar, mas nunca se mostrou inimiga ou foi destrutiva. Bach chamou de alegria ao seu estado de alma, uma alegria-dádiva de Deus. Deus meu, faz com que eu não perca a alegria que há em mim, repito no meu íntimo.
Eu, o limitado Milton Ribeiro, um dos tantos admiradores de Bergman e de Bach, também fiquei repetindo esta frase por muito tempo. Era um mantra que me emocionava, me acalmava e me fazia pensar que a minha alegria ainda estava ali comigo, tinha de estar. É um grito infantil que reconheço e que não me abandonou.