Clint está em Porto Alegre através da estreia de seu filme Além da Vida. Quero vê-lo imediatamente. Enquanto isso..
A Grande Irritação
Lá em casa, estamos todos irritados. Não pretendemos fazer nada com nossa irritação, até porque ainda achamos que não devemos e porque — pessoas sensíveis e centradas e tolas que somos — ela, a irritação, é tão grande que a gente nem consegue raciocinar direito. Se fizéssemos, o natural seria quebrar tudo. Não, nada de brigas de casal. De minha parte, só sei de uma coisa: do jeito que vai eu não aceito continuar. Na verdade, não aceito continuar com a atitude bovina, bondosa e indulgente que me caracteriza. Pois minha atitude favorece a postura passivo-agressiva de outros. Sistematicamente, tomo (tomamos) no rabo. Esta postura nos deixa sempre eticamente tranquilos, mas o fato é que temos que nos tornar culpados por alguma coisa! A santidade tem de ser deposta, a transparência ética não favorece mais meu sono. Pagamos fábulas mensalmente, privamo-nos disso e daquilo, alteramos planos e tudo parece fazer parte de uma obrigação, quando, na verdade, a maioria de nossas prodigalidades são opcionais e raras. A contrapartida? Hum, vocês são legais. E só.
Somos especializados em engolir sapos. Precisamos treinar o arremesso dos bichinhos.
Um post onde brilho um tanto imodestamente, mas que me deixa feliz
Há nove anos, ocorreu uma história incrível. Uma amiga minha foi acusada por um jornal de ter planejado o sequestro de uma figura pública. O sequestro deveras acontecera, só que… Ela tomou um susto e acabou fugindo para o Chile, onde ficou em casa de amigos. Na hora, não soube defender-se e, talvez assustada, sumiu, perdendo grande parte de suas relações por aqui, que provavelmente acabaram acreditando na notícia. Eu fiquei pasmo e à princípio dei crédito à coisa. Algumas horas depois, pensei melhor e cheguei à conclusão clara de que não era possível, mas que com o passado político de minha amiga, poderia haver alguma má vontade do jornal para com ela. Escrevi-lhe um longo e-mail, aproveitando o fato de seu endereço ser pirandello@xxxx.com, algo que automaticamente faria com que eu não a denunciasse. Começamos a nos comunicar e ela me disse que estava contratando um advogado para processar o jornal. Ganhou o processo, claro. Espero que aquelas duas páginas inteiras, cheias de invenções, tenham recebido a vingan$$a merecida. Hoje, olhando uns e-mais velhos, reli o último que ela me escrevera. Faz tempo.
Querido Milton,
há cinco anos quase exatos recebi um e-mail em que dizias “é bom ter notícias do além…”. Menos de três meses depois, foste a única pessoa com quem pude fazer um desabafo sobre a doença da minha mãe. Eu estava longe. Como em toda aquela troca de “inter-planos”, recebi novamente de volta um consolo nada piegas, apenas fundamental, como foi fundamental cada uma das tuas mensagens daquele período, porque em grande medida foram elas que me permitiram “voltar do além”, servindo como uma espécie de fio condutor para não me perder no limbo. E não há exagero nisso. Gostaria de poder e saber retribuir à altura, mas, como quase sempre, só tenho para dar um abraço apertado e um conta comigo que não é, absolutamente, um cliché.
E pensei que não há retribuição maior do que ler este agradecimento.
A Espécie Fabuladora, de Nancy Huston
Autran Dourado é um raro caso de escritor em que sua qualidade como cantor é muito superior à música interpretada. A qualidade de sua escritura bate fácil os temas escolhidos. Tal característica talvez seja fatal para a sobrevivência de seus romances. Conheço casos como o de Naipaul, em que o escritor é tão, mas tão inteligente e arguto, que lhe falta texto para organizar a superfetação de temas e interpretações. Posso ser burro demais para ele, claro; tanto que — à exceção de Uma Casa para Sr. Biswas — costumo ficar meio zonzo. O caso de Nancy Huston parece ser outro. Intuo uma grande escritora e uma grande capacidade que é dobrada pela necessidade de ser simples.
É efetivamente complicado comentar este ensaio sobre a Necessidade da Ficção. De forma sintomática, faço uma analogia ao clássico A Necessidade da Arte, de Ernst Fischer, pois o ensaio de Huston trata de forma menos poética e menos geral dos mesmos temas. Porém, se é menos geral, avança muito mais na forma de pensar e de fantasiar do ser humano.
O livro foi escrito a fim de dar uma resposta à pergunta que uma presidiária fez à autora:
— Para que inventar histórias quando a realidade já é tão extraordinária?
Em resposta à pergunta, a canadense Nancy Huston comprova como o fato de acreditar em coisas irreais nos faz suportar a melhor vida real. Ela comprova que a inserção no mundo ficcional começa quando nascemos, com o sentimento de pertencimento a um grupo, com deus, com os primeiros relacionamentos e a gloriosa busca para encontrar um sentido naquilo que estamos vivendo — instinto básico à condição humana, a única espécie que sabe que nasceu e morrerá. Então, já que a realidade humana é tão repleta de ficções pobres e incompletas, é preciso inventar ficções mais ricas, com situações que façam sentido.
Por que disse que era complicado comentar o ensaio sobre um tema tão fundamental e interdisciplinar? Ora, porque, repito, acho que Nancy Huston é maior do que o resultado. Acredito que a autora tenha facilitado seu texto para que este ficasse mais acessível. Não pretendo colocá-la no pelourinho por isto, mas fiquei com a forte impressão de que, por trás daqueles parágrafos encurtados à fórceps, havia o desejo de ser mais e mais simples num assunto que não é nada trivial e que trata de assuntos que partem do atavismo para chegar à arte mais sofitiscada.
Porém, o grande mérito do livro é o da divulgação de verdades complexas de uma forma perfeitamente organizada e simples. E seu problema é exatamente o mesmo; isto é, o de levar ao paroxismo esta característica. Mas vale a leitura, garanto.
Nancy Huston escreve em francês, vive na França e é autora de Marcas de Nascença, vencedor do Prêmio Femina e finalista do Prêmio Goncourt e do recém lançado Dolce Agonia, além de uma dezena de livros. Me deu vontade de conhecê-la melhor.
Meu filho
Hoje, às 9h40, Bernardo faz 20 anos.
Minha mulher postou no Facebook:
Acho esta foto do meu enteado tão meiga que resolvi postar junto com meu beijo de aniversário. Um momento humano do Batman. Já sei que as gurias vão dizer: “Ahhh, que amor!” No início teve medo de me conhecer, tinha 12/13 anos e um cabelão de dar inveja ao Bode… Hoje é um super amigo e meu provador oficial de quitutes quando está na área. Dado, querido: Feliz Aniversário!
Chávez e Hillary e Lula
A Vida Sexual de Robinson Crusoé, de Michel Gall
OK, podem tirar com minha cara. Poucas vezes me enganei tanto com um balaio de Feira do Livro como com este A Vida Sexual de Robinson Crusoé, do francês Michel Gall (Editora Brasiliense, 165 páginas, Coleção Brasiliensex). Uma boa piada, uma engraçadíssima introdução do autor e — pronto! — Milton Ribeiro caiu como um patinho. Ainda bem que custou apenas R$ 5,00.
O livro tinha tudo para ser bom — a introdução é esplêndida — , contando as fantasias do solitário Robinson, assim como os modos como ele, um homem jovem e saudável, fazia justiça pelas próprias mãos ou pela criatividade na inóspita ilha. Mas a coisa degringola de uma forma tão absurda, com tantas cabras e ovelhas passeando satisfeitas que, olha, não dá. O belo Sexta-feira só aparece ao final do livro e nem precisava, tão movimentada já era a vida sexual do involutário eremita.
Gall faz literatura erótica de qualidade média, apenas isso. Quando comprei eu não sabia, mas ele é autor também de A Vida Sexual de Ulisses, de A Vida Sexual de Adão e Eva e de um certo Os Segredos das Mil e Uma Noites.
Penso que possa sugerir: fuja de todos eles.
A incrível Simone Kermes em árias de Hasse, Händel e Broschi
Nascida em Leipzig, a sensacional soprano de coloratura Simone Kermes dá toda a impressão de ser uma latina bastante doida. Ainda mais cantando em italiano. Muito entusiasmada e com uma relação visivelmente feliz com a música, parece que foi retirada do blog PQP Bach, o qual abriga um bando considerável de malucos. A especialidade da alemã são as óperas clássico-barrocas, principalmente as de Mozart e Händel. Quem me apresentou foi minha mulher. Simone Kermes (seu nome é pronunciado Zimone Kermas) parece, até pela postura e pela forma com que dança e marca o ritmo, estar cantando música popular. Confira abaixo esta tremenda cantora.
No primeiro filme, a ária começa aos 2min20. Nos outros dois, entre direto. Vale a pena assistir.
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Último ato de Lula é um…
Chupa Berlusconi!
Bem-vindo Cesare Battisti ao convívio de nós brasileiros, de todos nós que lutamos contra os diversos tipos de opressão, de controle, de injustiças e de tramas judiciárias contra os lutadores pela liberdade. Ontem, prisioneiro, ameaçado de extradição, hoje Battisti é o atestado de nossa maioridade política e se torna uma marco na nossa história, no epílogo de uma luta entre um judiciário brasileiro desejoso de satisfazer a injustiça italiana contra um executivo, que não se dobrou e optou pela justiça e pelos direitos humanos. É o fecho de ouro do governo Lula.
Carol Bensimon vence o 1º Campeonato Gaúcho de Literatura
Carol Bensimon e seu Pó de Parede venceram a 1ª edição do Campeonato Gaúcho de Literatura na final contra Veja se você responde essa pergunta, de Alexandre Rodrigues. Li ambos os livros, assim como alguns outros que foram eliminados pelo caminho. A presença dos dois na partida decisiva e a vitória de Carol foram merecidas. Apenas livros de contos participaram nesta edição. A próxima edição focará romances.
Foi uma boa decisão a de ter ido ao StudioClio anteontem (28/12) às 18h a fim de assistir o jogo final através da palavra ao vivo e a cores dos três árbitros. O juiz e seus bandeirinhas — não pensem que vou distribuir os cargos entre eles — fizeram um excelente trabalho. Carlos André Moreira, Luiz Gonzaga Lopes e Marcelo Frizon foram bastante competentes nas fundamentações de seus julgamentos, assim como o foram o quarto e quinto árbitros — Lu Thomé e Rodrigo Rosp (o qual parece não ter um link para chamar de seu) — na organização do imenso torneio de seis meses e 51 jogos.

No âmbito de Porto Alegre, o StudioClio firma-se como o local perfeito para o indispensável diálogo culto e a presença da cerveja Coruja serve para como oportuno e delicioso catalisador de debates. Só não entendi o motivo que levava o curador do local, Chico Marshall (acima), a desejar que eu me embriagasse, servindo-me irrecusáveis Corujas uma atrás da outra, como punhaladas de louco.
Mas tergiverso. Se a proposta do projeto era a de provocar o debate sobre a produção local, esta foi alcançada com sobras e só a tímida divulgação impediu um sucesso maior do Campeonato. Digo isto porque acabo de escrever no Google “Campeonato Gaúcho de Literatura” e a primeira referência encontrada é a deste prestigioso blog de sete leitores, sendo que a segunda é a do árbitro Carlos André Moreira. Se escrever “Gauchão de Literatura”, o primeiro a ser encontrado é o blog de Antônio Xerxenesky e o segundo é novamente a do blog bi-vice de Carlos André. Estranho.

Não discordei do julgamento, mas estava com muita vontade de levantar o braço e interromper os votos para fazer perguntas e encher o saco. Sim, pois eles disseram que o livro de Alexandre Rodrigues seria mais experimental e o de Carol mais, assim, convencional, com construção rigorosa de personagens e outros que tais que caracterizariam uma literatura mais “enquadrada”. Se não disseram isto com todas as letras, deram a impressão de terem dito, o que não é a mesma coisa, mas provoca o mesmo efeito. Ora, ora, acho que o livro do Alexandre é mais ousado na formatação dos 14 contos, alguns curtíssimos, outros verdadeiros enigmas, outros efetivamente belos; porém Carol é absolutamente original e desenquandrada na realização de um original e poético trabalho de linguagem que nunca poderá ser chamado de clássico.
Mesmo a construção dos personagens no(s) livro(s) de Carol são feitos na forma mais de mosaicos faulknerianos do que na de um tijolo balzaquiano. O problema é que a Carol é densa e o Alexandre é rarefeito. Quem gosta mais de densidade, de um trabalho voltado para contar a história de forma mais e mais completa, vai com Carol; quem se seduz com formas originais, com histórias cheias de detalhes literários surpreendentes, vai com Alexandre. Ou será que é antiquado ser denso? Nada disso significa que um seja muito melhor do que o outro, significa apenas que, se estamos comparando um com o outro, devemos dar-lhes as devidas qualidades.
Eu evitei escrever sobre o livro do Alexandre porque ainda tenho aquele pingo de bom senso que me dizia estar acima ou abaixo do que eu tinha lido, nunca em sintonia. Ou seja, estava mais ou menos como o juiz Luiz Gonzaga Lopes, que disse num momento que não gostava dos contos de uma página — e os há no livro do Alexandre. São minoria, mas há. Um conto de uma página que não é uma piada ou altamente poético me deixa brocha por dez páginas. Não sei é também o caso do Gonzaga, falo por mim. Fato análogo ocorreu quando li V.S. Naipaul. Eu sabia que era bom, mas que eu não era o leitor ideal. Se me colocarem na parede, direi que que não gosto do trinitário tão mais inteligente e capaz do que eu, mas como aqui posso abrir mão de fazer críticas àquilo que está afastado de meu gosto pessoal ou que não compreendo, abro, ora.
Porém, o principal a ser destacado é que esta é uma geração que, apesar de demonstrar tremenda educação e imensos cuidados para não ferir suscetibilidades, começa lentamente a desprezar o compadrio e os elogios vazios para substituí-los por algum debate. As sete pessoas que leem meu blog sabem o quanto sou bakhtiniano e amigo de Platão: a natureza e o habitat das ideias, onde elas vivem e se transformam é durante o diálogo, e elas ficam ainda mais vivas e melhores ainda com Corujas e um curador louco para nos embebedar.
Pois a gente só sabe agora o quanto nos fazia falta um StudioClio.
Você nunca lerá esta notícia na grande imprensa brasileira
Publicado em 22 de agosto de 2007
Prova de que nem só de esportes vivem os bons programas sociais… Publicado hoje no EL PAIS e garimpado por Helen Osório.
La orquesta milagrosa
Tienen entre 14 y 26 años. Salieron de la calle y se apartaron de la delincuencia gracias a la música. El domingo pusieron en pie al exigente público de los Proms de Londres en una actuación apoteósica.
LOURDES GÓMEZ – Londres – 21/08/2007
“Fantástico”. “Soberbio”. “Nada igual”. “Deben volver”. La audiencia del concierto Proms número 48 (cita obligada de la música clásica en los veranos londinenses) no daba crédito al espectáculo que acababa de presenciar en el Royal Albert Hall. La noche del domingo, jóvenes y mayores salían del auditorio intercambiándose elogios. Fuera arreciaba la lluvia, pero muchos aguardaron en cola para saludar a las estrellas de la velada, el director Gustavo Dudamel y los 150 músicos de la Orquesta Sinfónica de la Juventud Venezolana Simón Bolívar. Los artistas cautivaron al siempre difícil público del más longevo y reputado de los festivales musicales del Reino Unido con un torrente de emoción, pasión y buen humor.
“Fantástica interpretación. Tocan con increíble entusiasmo, emoción y sentimiento. Y cosa rara en las grandes orquestas, estos chicos disfrutan tocando”, exclamaba Martin Dell, asiduo de los Proms. Bob y Martha Hanrott nada hacían para disimular su entusiasmo por el pelotón de artistas, veteranos intérpretes pese a su corta edad: el más joven tiene 14 años, y los mayores, incluido el director, 26.
La pareja británica vestía sendas cazadoras con el estampado de la bandera venezolana que los miembros de la orquesta lanzaron al público. Lo hicieron en un arrebato de histeria colectiva, al final del tercer y definitivo bis del concierto. Hasta entonces, y durante unos 20 minutos, el público aplaudió hasta rabiar, se puso en pie, y taconeó con fuerza el suelo del Albert Hall. Es una costumbre que los promers -los más fieles seguidores del festival- sólo ejercitan en contadas ocasiones. “Nunca había presenciado una reacción semejante”, aseguraba la publicista de la BBC, organizadora del centenario evento. “He visto respuestas entusiastas, pero nunca a este nivel”, escribía ayer el crítico del diario The Telegraph David Fanning.
Fanning se refería en concreto a la interpretación de la Sinfonía número 10 de Shostakóvich, que abrió el concierto. Descrita por el compositor ruso como “un retrato musical de Stalin”, la pieza fluye como un río de encontradas emociones que Dudamel transmitió con delicadeza, paciencia y energía más propia de un rockero que de un director de música clásica. “La emoción y energía de los muchachos es especial. Aman la música. Es imposible no conectar con ellos”, reconocía Dudamel después de la actuación.
La Sinfónica Simón Bolívar lleva unos 10 años tocando con su actual composición. Es el fruto más jugoso de un extraordinario programa social (el Sistema Nacional de Orquestas Juveniles e Infantiles de Venezuela) fundado por el visionario José Antonio Abreu y auspiciado por los distintos gobiernos venezolanos desde mediados de los setenta. Conocido por su abreviación, el Sistema recluta a sus miembros entre los niños de la calle y adolescentes sin recursos económicos. De una Orquesta Juvenil de 11 músicos, que debutó en febrero de 1975, ha crecido hasta reunir bajo su órbita a 250.000 menores, con unas 200 orquestas en todo el territorio venezolano.
“Utilizamos la música como herramienta de rescate de la niñez y la juventud, para apartarlos de la droga y el crimen. Dedican sus horas libres a hacer música y aprenden valores que no encuentran en casa, en la calle, en la televisión”, explica en Londres Valdemar Rodríguez, subdirector ejecutivo del Sistema. Entre los valores menciona el trabajo en equipo, la solidaridad, la meritocracia y el esfuerzo personal.
“Entré en el Sistema con cuatro años. Aprendí a tocar el violín y, con 13, me decidí por el clarinete”, cuenta Rebeca Ascanio tras su debú con la Simón Bolívar en los Proms. Tiene ya 24 años y da conciertos en el extranjero desde los 17. “Estos chavales se divierten tocando y el placer que sienten al interpretar una pieza les ayuda a superar los inevitables nervios y la tensión de una actuación frente a una nueva audiencia”, reconoce Rodríguez.
No sólo los aficionados valoran la iniciativa del maestro Abreu. Simon Rattle, director de la Filarmónica de Berlín, la considera “un milagro” y el horizonte hacia el que debe aspirar “la música de todo el mundo”. “No sólo se trata de una cuestión de arte, sino de una profunda iniciativa social. El Sistema ha salvado muchas vidas y continuará salvándolas”, ha comentado el maestro de la batuta y abanderado de Dudamel.
Plácido Domingo lloró al escuchar a la Simón Bolívar. Pavarotti y Montserrat Caballé también apoyan el programa. Y, entre otros, Claudio Abbado es un asiduo director invitado a las sesiones del Sistema.
El programa exporta su metodología fuera de Venezuela, ayudando a montar experiencias similares en una veintena de países. Las redes del Sistema se sienten en prácticamente toda América Latina y algunas regiones europeas. Una localidad de Escocia acaba de solicitar ayuda a los veteranos venezolanos. No les faltan recursos humanos puesto que el Sistema se nutre de una red de profesores, maestros y ejecutivos que años atrás formaron parte de las orquestas infantiles y juveniles.
“Yo fui un niño del Sistema”, recuerda su actual vicedirector ejecutivo. Rodríguez tocó con la que el llama la “vieja” Simón Bolívar. “La nueva”, dice en referencia a la que dirige Dudamel, “tiene más nivel, trabaja más y suena mejor”. “Cada chaval ensaya unas tres o cuatro horas diarias con su orquesta y muchas más por su propia cuenta. Por otro lado, cada niño recibe al menos una hora de clase individual con un profesor”, explica.
Rodríguez asegura que todos los gobiernos invierten “cada vez más” en el Sistema. La subvención estatal ronda hoy en torno a los 75 millones de dólares pero, según admite su vicedirector, “siempre necesitamos más”. La ayuda debe cubrir el mantenimiento de los núcleos de las distintas barriadas, los instrumentos, las 200 orquestas y las becas que se reparten entre los más necesitados. Los frutos son obvios. Entre los más visibles, están el propio Dudamel y el contrabajista Edicson Ruiz, quien, con 20 años, fue el más joven intérprete fichado por la Filarmónica de Berlín.
En Londres, Dudamel no dejó pasar la ocasión de honrar la herencia musical americana. Tras la amenazante, melancólica y dura sinfonía de Shostakóvich, aligeró el ambiente con West Side Story, de Bernstein, y tres sensacionales piezas latinas: Huapango, del mexicano Moncayo, inspirada en un baile tradicional que algunos enlazan con el fandango; Danzón número 2, del joven compositor mexicano Arturo Márquez, y Estancia, del argentino Ginastera. “Es importante traer a Europa nuestra música”, advierte el apasionado director.
Con la danza final del himno pampero, Malambo, la Simón Bolívar se despidió del Albert Hall brindando un genuino espectáculo de ritmo y movimiento. Se libraron de sus chaquetas negras y, enfundados en cazadoras con los colores de la bandera venezolana, músicos y director demostraron cómo se mueve una orquesta vibrante. Cerraron con éxito el capítulo londinense y con la mirada puesta en la serie de conciertos que darán este mes en diversas ciudades de Alemania. Porque como señala su director, quien se estrena en septiembre como responsable principal de la Sinfónica de Gotemburgo, y, en 2009, dirigirá la Filarmónica de Los Ángeles, “cada concierto es un reto”.
Gustavo Dudamel es la nueva estrella internacional, un director de orquesta destinado a comerse el mundo entero. Lleva una carrera prodigiosa, además de vertiginosa, desde que se unió de niño al Sistema en Barquisimeto, donde nació hace 26 años. La afición por la música le viene de su padre, un trombonista enamorado de la salsa, y de su abuela, que le encaminó hacia la música clásica. Debutó con el violín antes de dirigir su primer concierto cuando tenía tan sólo 14 años.
Dudamel es actualmente el director artístico de la Orquesta Sinfónica de la Juventud Venezolana Simón Bolívar y, el mes próximo, se estrena en su nuevo cargo como responsable de la Sinfónica de Gotemburgo, orquesta con la que debutó en los Proms londinenses el año pasado. Su fuerte conexión con los músicos, su brío y pasión con la batuta, le han asegurado otro papel de relieve: en 2009 se hará cargo de la Filarmónica de Los Ángeles, considerada entre las mejores orquestas de Estados Unidos. El nombramiento se anunció a principios de año, cuando Esa-Pekka Salonen, su predecesor, hizo pública su decisión de dejar la orquesta californiana.
Simon Rattle considera a Dudamel “el más increíble talento” de los directores de orquesta que se han cruzado en la larga trayectoria del maestro británico. Razón de ello, en el último año el joven director ha trabajado con la élite mundial, entre ellas la Sinfónica de Boston, la Sinfónica de Chicago, la Filarmónica Checa y la Philarmonia de Londres. También ha dirigido Don Giovanni en la Scala de Milán. “Cada concierto es un reto”, aseguraba en el Royal Albert Hall.
Dudamel hace lo imposible por introducir el repertorio tradicional y contemporáneo de Latinoamérica en sus conciertos internacionales. El domingo contrapuso a Shostakovich con tres compositores hispanos. “Son casi de la misma época, de la misma generación y aunque vienen de mundos distintos, música sólo hay una”, sentenció.
Faço 50 anos no próximo domingo. Pânico nenhum.
Publicado em 13 de agosto de 2007
Faço 50 anos no próximo domingo. Não sinto nada… na coluna… Hoje.
A Rádio da Universidade também completa 50 anos em 2007. Seu sinal está cada vez mais forte, o que mostra que os anos podem pesar, para uns e outros, de forma inversamente proporcional.
Leio um livro extraordinário: Espingardas e Música Clássica, de Alexandre Pinheiro Torres (1923-1999). Viveu 76 anos. Hum. Passou muitos anos doente. Que interessante.
Como todos sabem, a fundação da Igreja do Evangelho Quadrangular foi em 1957.
Ter um bicho de estimação reduziria em 40% as probabilidades de encontrar o amor, segundo estudo britânico. Se o bichano for um gato, o percentual sobe que é uma beleza. Notícia de hoje.
Você viu uma Romi-Isetta andando na rua? Eu vi. E não diga que era um triciclo, seu idiota. Tinha quatro rodas que nem qualquer carro, só que o eixo traseiro era mais curto. Quando vi? Ah, não enche o saco que estou estressado!
Angelina Jolie avisa que é bissexual, mas que agora, com Brad Pitt, não há mais espaço para este tipo de relacionamento em sua vida. Trata-se de uma notícia muito importante.
Em 1957, William Faulkner visitou a Grécia. Sim, Faulkner vivia quando nasci. Não, Sócrates veio bem antes. 1957 também foi o ano de nascimento de Osama bin Laden.
Hoje, isto é, no dia de hoje, Karl Rove, chamado o “cérebro de George Bush”, anunciou que deixará o governo. Sempre desconfiei que o cérebro de Bush estava fora de seu corpo.
Em 1957, John Lennon e Paul McCartney encontraram-se pela primeira vez.
Mas se você ainda acha que a Romi-Isetta tinha três rodas, veja as figuras ao lado. Viu? Não, meu pai tinha um Skoda, um carro moderno, tcheco-eslovaco, um carro comunista. Sim, tal país não existe mais. A capital era Praga. É, nem o comunismo. E nem Níkos Kazantzákis e Christian Dior, mortos em 1957. Andar de Skoda, no verão gaúcho, era algo como uma visita ao inferno. Era um carro feito para temperaturas baixas; acho que sua carroceria era de lã, com resistências incandescentes por dentro. O carro simplesmente absorvia o sol. Vocês não podem imaginar o que suei durante minha infância. Era magérrimo.
Hoje, aliás, sexta-feira passada, meu time recontratou o treinador que deixou Alexandre Pato na reserva, escalando Adriano Gabiru e Michel. Resultado: Velez 3 x 0 Inter.
No mesmo ano de 57, Carl Gustav Jung inaugurou a a exposição do Museu de Imagens do Inconsciente. Não, Freud já estava morto há trezentos anos.
Uma loja vende Bíblias camufladas e à prova d`água. “Nossa Bíblia em camuflagem arborizada é nosso produto mais vendido, seguida de perto por nossa Bíblia camuflada à prova d´água”, disse David Lingner, presidente da loja Christian Outdoorsman, do Arkansas, que vende artigos de caça e pesca com temática cristã pela internet. A capa da Bíblia traz folhas e cascas de árvore. Com isso, os cristãos podem levar os livros quando caçam. Ainda sobre a Bíblia camuflada e à prova d’água: “Água, gelo ou condensação não prejudicarão esta palavra de Deus resistente”, proclama a publicidade. Isto são trevas de 2007, não de 1957, claro.
Em 1957, morreu Sibelius e François Duvalier (Papa Doc) foi eleito para a presidência do Haiti. Uma flor de pessoa, o primeiro.
No mesmo ano, o Afeganistão tornou-se membro do International Finance Corporation.
Voltando ali atrás: a Associação Pescadores por Cristo afirma em Missão que “está ouvindo o chamado de Cristo para arrebanhar os extraviados e ser ‘pescadora de homens”‘.
No ano em que cheguei ao mundo, a cachorra ‘Laika’ foi para o espaço. Wilhelm Reich e Rivera, aquele pintor mexicano, também.
De volta a 2007: acabo de saber que o órgão regulador dos meios de comunicação em Hong Kong recebeu na última semana 2.041 pedidos para que a Bíblia fosse considerada uma publicação “indecente” por causa de seu conteúdo violento e sexual – que inclui estupro e incesto.
No ano em que nasci, o decreto Lei nº 3.357 criou o Museu da Abolição em Recife. Prova de que a Abolição já tinha ocorrido antes de eu nascer.
Agora, inventaram que sou parecido com o Frank Zappa. Já fui o Pete Townshend depois que ele ou nós envelhecemos. Sinceramente, prefiro ser parecido com Erik Satie, como também fui acusado há duas horas (descoberta de Marconi Leal e da SGC). Minha cara deve ser uma coisa muito estranha e adaptável. Em comum, o generoso nariz. Porém Satie (caricatura ao lado onde até eu me reconheço) era muito mais interessante. Compunha Prelúdios Flácidos, Penúltimos Pensamentos, escreveu Duas Peças Frias, uma Sonatina Burocrática e cometeu Pecadilhos Inoportunos. Nada me cai melhor nesta altura da vida.
A Foto Perfeita
Publicado em 4 de março de 2006
A governadora Yeda Crusius conseguiu grande vitória sobre o botox ao receber o símbolo maior da arrogância esportiva injustificada. Feliz e imediatamente identificada com o mimo, prometeu apoio ao Grêmio na construção do novo estádio, que deverá chamar-se Via Crusius Arena. O atual recebeu seu nome em homenagem às Olimpíadas de Porto Alegre.

Um Espaço para meu Pasmo Futebolístico
Publicado em 21 de fevereiro de 2007
Hoje à noite, o Internacional entra em campo para sua estréia na Libertadores 2007. Como atual campeão, deveria estrear como um dos favoritos, mas não é o que acontece. A história recente do Inter é a de um clube vendedor de jogadores que tem confiança ilimitada em suas categorias de base. Porém, paradoxalmente, o Inter Campeão da América e do Mundo não contava com muitos jogadores formados no Beira-rio. A espinha dorsal da equipe foi comprada. Vejamos: o time da Libertadores 2006 tinha apenas Edinho e Rafael Sóbis de ex-juniores. E a maioria dos outros foram adquiridos quando consagrados macacos velhos: Fernandão, Clemer, Tinga, Jorge Wagner, Iarley, Ceará, Índio, etc. Ou seja, não há uma continuidade na política de futebol do clube, o que vemos é a descontinuidade.
Em agosto do ano passado, perdemos quatro jogadores importantíssimos: Tinga, Rafael Sóbis, Bolívar e Jorge Wagner. No final do ano, perdemos mais um, este um jogador realmente fundamental para a mecânica do time: Fabiano Eller. E não houve reposições à altura. Apenas Bolívar foi bem substituído por Índio, que já fazia parte do grupo. Para o lugar de J. Wagner veio o lamentável Martín Hidalgo; para o de Tinga veio um excelente jogador, mas de outra posição…: Vargas. Sóbis e Eller não receberam substitutos. Eller era importante porque ter sido o homem que vinha de trás num time de volantes toscos e de lateral esquerdo ruim. Ele tornava qualidades as deficiências de seus companheiros. Com ele, os volantes não precisavam aparecer na frente e o mau lateral ficava atrás cobrindo o avanço de nosso peculiar zagueiro pela esquerda. Mas Eller saiu, fruto da falta de interesse em pagar US$ 1,5 milhão de dólares para mantê-lo. Aliás, suponho que os empresários e dirigentes devam ter feito uma boa “realização de lucros” no final do ano, pois o dinheiro da premiação pelo Mundial e de todos os direitos ligados a esta competição aparentemente sumiu.
Resultado: o time que estréia hoje na Libertadores tem somente três jogadores que disputaram a final do ano passado contra o São Paulo: Clemer, Edinho e Alex… Para complicar ainda mais, tivemos um início de ano com muitas lesões. Fernandão e Ceará foram operados; Índio, Pato e Vargas têm problemas musculares e Christian foi contratado mas talvez nem possa atuar por ter trocado três vezes de clube num período inferior a um ano. Este último caso revela bem o descaso com que o clube tem sido tratado pela nova direção. Não sabiam que Christian fora do Juventude e do Corinthians? Eu e o mundo sabíamos! Estão deitados sobre os louros de uma grande vitória. Parecem não saber que futebol é momento, é algo a ser renovado a cada partida e que dois empates em casa bastarão para que a torcida se volte contra o time. Ingênuos.
Não creio numa grande Libertadores para nós.
Os Ateus, o Novo Ateísmo e os Ateus Devotos (?)
Publicado em 14 de novembro de 2006
A revista Época desta semana traz como matéria de capa um interessante artigo sobre um movimento ateu liderado por alguns cientistas do hemisfério norte. Eles buscam diminuir a “influência de Deus” no mundo e sua motivação não é somente a de acabar com as guerras religiosas, mas impedir que a religião continue atrapalhando o progresso da ciência. Porém, é importante notar que este Novo Ateísmo não tem como alvo tornar ateus os devotos, mas fazer com que os dubitavos agnósticos declarem-se finalmente ateus e passem a combater a maléfica influência.
Admito que haja agnósticos autênticos, porém a palavra tornou-se um substituto educado para que não se use a palavra feia: ateu. O agnosticismo é uma atitude que considera inúteis as discussões sobre questões metafísicas, já que estas tratam de realidades não conhecidas… Pode ser sincero, mas é também confortável. Uma das coisas mais cômicas que encontro no Orkut é o alto número de pessoas que declaram-se agnósticas. São pessoas que são indiferentes a Deus e a religião, mas que não querem complicações com os crentes. Talvez por ser viciado em tentar dizer a verdade – vício que me traz liberdade mas que nunca me trouxe vantagens, muito pelo contrário -, não consigo utilizar este contorno. O estranho é que, mesmo declarando-me ateu, tenha um crescente número de amigos cristãos, alguns inclusive me ameaçando freqüentemente de conversão e todos – mas todos mesmo, como se tivessem combinado – dizendo que meu santo de devoção seria São Francisco de Assis, sobre o qual pouco sei, mas que deveria estudar, segundo eles. Conversamos jocosa e civilizadamente sobre religião; ou seja, eu não os considero perigosos nem eles a mim, nem quando ponho na mesa meu principal argumento, que é também utilizado pelo Novo Ateísmo: o de que a religião não está apenas errada, como é moralmente perversa e faz mal ao mundo.
Já a posição dos novos ateístas não é tão tranqüila e o fato do movimento ser levado adiante por cientistas não é casual. Segundo eles, a religião – com sua incontrolável mania de se meter em tudo (em vez de só rezar, crer e fazer seus membros seguirem seus preceitos…) – tem claramente atrapalhado o progresso da ciência. Ou seja, o que para mim é secundário, quiçá uma discussão interessante em um jantar, para eles é perda de liberdade.
Há novidades engraçadas – como não haveria? – no Novo Ateísmo. Há o brasileiro que transformou o Natal em Newtal, homenagem à Isaac Newton, nascido em 25 de dezembro. Ele coloca maçãzinhas na árvore em vez de bolinhas coloridas…
A estratégia do grupo é inteligente. Convencer um agnóstico a ser franco é mais viável do que desconverter um convertido. Minha experiência diz ser impossível deslocar em um centímetro um crente de sua fé. O crente possui absoluta, autêntica e tranqüilizadora necessidade de acreditar num ser superior, por mais estranho que isto me pareça. Porém, para mim, o fato do número de ateus ter crescido – fato admitido inclusive para Igreja Católica – aponta para um longínquo futuro em que grande parte das guerras religiosas não ocorram por simples por falta de religião suficiente…
Indo bem mais longe do que a matéria da Época vai, digo que em sentido diverso vão os chamados ateus-devotos. Estes seres um pouco mais confusos que o habitual, normalmente italianos, não crêem em Deus, mas julgam que os “valores da religião” podem ajudar a sociedade ocidental a se defender do perigo islâmico e daquilo que eles consideram as novas invasões bárbaras, vindas do terceiro mundo. Para esses “intelectuais”, a Igreja Católica defendeu durante séculos os valores europeus, por isso eles temem que sua perda de influência termine por debilitar as relações do velho continente com o resto do mundo. Os Atei Devoti pregam algo como uma Bíblia sem Deus, ou crucifixos sem fé. Acho cômico, pois o diabo talvez não tenha receio destes crucifixos de fantasia…
No último dia 19/10, em Verona, o Papa Bento XVI estendeu a mão a estes intelectuais que temem que a Europa torne-se uma “colônia do islã”. Reconheceu que “numerosos e importantes homens do mundo da cultura, inclusive muitos que não compartilham a mesma fé ou não a praticam”, estão preocupados com os riscos que a Europa corre se romper com suas raízes cristãs. Recordou que os cristãos estão abertos aos valores autênticos da cultura moderna, como o conhecimento científico, o desenvolvimento tecnológico, os direitos do homem, a liberdade religiosa e a democracia.
Ou seja, a se acreditar nestas palavras, o Papa daria força aos cientistas do Novo Ateísmo. É tudo muito estranho, nada místico e não sou louco de me aprofundar no que será o novo desenho religioso de um Primeiro Mundo cheio de alienígenas e de cientistas fora dos laboratórios. Talvez Jan Mabuse (abaixo) já estivesse antecipando coisas…
Queremos de volta as PEQUENAS e acolhedoras livrarias
Publicado em 2 de outubro de 2006
Introdução:
O que é ser old-fashioned? Creio não satisfazer os requisitos mínimos para receber tal epíteto. Uso celular, tele-entrega, cartão de crédito, vou ao shopping (pouco, mas vou), compro na rede, corro na rua (quando posso vou à academia), visto-me como os outros, passo o fim de semana de tênis, mexo com mp3, logo terei um iPod, leio livros e vejo filmes contemporâneos, não sou conservador e não sinto grandes saudades dos tempos passados. Por outro lado, tenho consciência de que os filmes, a música e a literatura contemporâneas são inferiores àquela que se praticava há meio século, assim como meu filho de 15 anos – que passava indagorinha na minha frente -, ao ser questionado sobre o que mais seria atual, respondeu:
– Pai, música ruim é uma coisa bem atual.
E ele, que está sintonizado com seu tempo, que vai a festas, dança, namora, fica, estuda e passa seus dias no Orkut, enfim, que sabe o que há por aí, ouve mesmo é The Who, Led Zeppelin, Bob Dylan, Beatles, Stones, Pink Floyd e Black Sabbath em CDs, assim como eu vejo A Noite de Antonioni em DVD. Mas tergiverso, deixem-me retornar a meu assunto.
De uma forma geral, não creio absolutamente que a humanidade esteja pior do que era, apenas creio que está mais vulgar, mais superficial. Acredito nesta frase de considerável sutileza, humor e conteúdo político, que li no extinto blog português Bombyx Mori:
Não vogando já na doce ilusão de uma sociedade sem classes, concordei em viver numa sociedade sem classe.
Sim, estou adaptado para viver numa sociedade sem classe. Qual era minha outra opção? Desde que a TV não fique ligada naquelas horríveis séries americanas ou na nova e imbecil televisão inglesa, desde que não me obriguem a ler Paulo Coelho nem a ouvir funk, vivo bem. Mas há coisas que não suporto, que me afetam e uma delas está descrita com notável riqueza de argumentos e ironia no texto de Fernando Monteiro que apresento a seguir. Também não acredito que quem escreva os livros que Fernando escreve, os quais estão flagrantemente à frente daquilo que se produz no país, possa ser chamado de old-fashioned ou saudosista. Provavelmente, ele seja justamente o contrário. Fernando Monteiro é autor, dentre outros, dos excelentes Aspades, ETs, etc. (Record), O Grau Graumann (Globo) e do recente As Confissões de Lúcio (Francis).
Queremos de volta as PEQUENAS e acolhedoras livrarias – Por FERNANDO MONTEIRO
Não sei de onde terá vindo o modelo, em voga, das megalivrarias. Se já inaugurou uma na sua cidade, você sabe que estamos falando de alguma coisa daquelas que, a princípio, parecem muito boas e brilhantes, até se ter – no caso das livrarias dos “centros de compras” – a curiosa impressão de livros para ver nas estantes, como holografias sob holofotes, se é que me entendem os que já espirraram em alguma quieta livraria de Trastevere ou de Ipanema mesmo.
Não me sinto numa livraria nesses espaços novos e monumentais, com livros cativos da apresentação suntuosa de celofane e capas envernizadas, mocinhas e rapazes meio zombies e fãs de Caetano vendendo obras que nunca irão ler, os títulos como que disfarçados sob o clima de consumo de cultura ao som de música ambiente e mastigação de pão de queijo com capuccino na cafeteria das ditas cujas super-hiper-megas “lojas” de livros (assim as chamam os seus proprietários orgulhosos dos metros quadrados) etc.
Suponho que esse modelo triunfante tenha vindo dos shoppings que pouco têm a ver com livros fora de moda, acomodados nos pequenos espaços de silêncio acolhedor, sem música, café e “área educativa” para crianças brincarem com livros como objetos descartáveis na forma de elefante, leão e hipopótamo supostamente simpáticos.
Comprei quase todos os meus livros – depois de muito procurar ou escolher – no ambiente limitado de livrarias que já não estão nos seus lugares, foram fechadas, extintas e até mesmo demolidas para existir só na memória do tato, dos dedos examinando volumes numerados e assinados, não escapando o leitor compulsivo de aspirar o cheiro das páginas de livros portugueses, espanhóis e franceses de folhas à espera das espátulas aposentadas.
Havia um ritual com o livro, uma cerimônia secreta no manuseio desse “produto” venerável e mais digno de ser embrulhado do que ser entregue num saco plástico com propaganda de croissants gordurosos e outras parcerias das novas livrarias guinchando o leitor para a compra do acessório – porque o Livro talvez seja um estranho no ninho das novas livrarias suntuosas de espelho, luz e vazio como uma casa moderna num antigo filme de Antonioni sobre o eclipse do humano na noite da incomunicabilidade.
Minha vista educou-se na luz discreta sobre as lombadas, sou do tempo de estantes até envidraçadas, onde os livros do estoque semelhavam as estantes de uma casa, enquanto os lançamentos estavam nas bancadas acessíveis, sob a luz amarela de lâmpadas antecipando o tom dourado da tarde ir suavizando as coisas lá fora, quando o crepúsculo na Rua da Imperatriz vinha por sua coria na sombra das árvores curvadas sobre o rio cortando a cidade.
Num tempo em que tudo virou Mercado, eu sei que o livro – um dos “objetos” mais antigos do mundo – teria a sua vez de ser tratado como produto, em dezenas de telas de terminais de computadores que amputaram o prazer de descobrir um título apertado nas estantes das livrarias de outrora, antes do admirável mundo novo do e-book e do livro on-line, entregue pelos fantasmas sem mãos da virtualidade.
“Imperatriz”, “tom dourado”, “fantasmas” – essas são palavras propositadamente deslocadas para tratar do tema das livrarias espetaculares no lugar das livrarias ricas de modéstia e calma, expondo Suave é noite como um mistério a ser decifrado. No lugar disso, agora entramos numa livraria-monstro do gosto desta época (será mesmo?) e todas as luzes violentas do comércio se acendem sobre capas gritando nos ouvidos dos meus olhos: compre, compre, compre.
A leitura não é – nunca será – estimulada pelo impacto. A grandiosidade equivocada não tem o que fazer por livros de verdadeira qualidade, que o tempo vela e que você descobre, cedo ou tarde, secretamente acumulando a estranha sabedoria das obras indefiníveis num certo escaninho da alma.
“Alma”? Desculpem pela palavra (este é um texto de gosto antiquado).
Ia eu dizendo que não se conquista (nem sequer os pequenos leitores) pelo aliciamento para o reino demolido das palavras, tipo “aqui, temos um espaço para vândalos-mirins brincarem com livros como se fossem bonecos sempre-em-pé como uma bola quadrada; aqui, você ouve música, aprende-se karatê e a fazer sushi de ikebana. De quebra, vende-se livros com sabor de literatura de plástico para o namorado que não esteja sabendo o que dar para a namorada, etc.
Em defesa das super-livrarias, deve-se dizer que elas podem ser boas ao menos para marcar encontros: ninguém deixa de ver uma dessas grandes “lojas” de livros do tamanho de estacionamentos verticais, brilhando como catarro em parede de vidro. Brilho sob brilho, são lágrimas na chuva os lamentos chorados sob os números estonteantes das livrarias de 200 mil títulos como que resguardados da leitura – e nenhuma obra de salvação que possa evitar o suicídio de um mendigo desesperado.
Os livros – alguns livros – podem salvar o mundo (e o pedinte de Fiodor), além do novo papa e até você – que gosta das jumbo-livrarias instaladas nos espaços-âncoras dos monster-shoppings.
Mas, você realmente gosta das grandes, modernas, assépticas e abstratas livrarias do gosto de Matrix?
O Livro vem do enrugado pergaminho e do silêncio de claustro das universidades medievais empoeiradas. Debaixo do pó, elas preservaram o mundo da antiguidade clássica no meio do mistério cristão-bizantino. Há obras sobre isso, lacradas sob liso papel celofane, na seção de livros de arte das completas, maravilhosas, incríveis “MacBooks” que nem são mais livrarias, ou não mais apenas isso, essa palavra que lembra alfarrábio, manuscrito, sebo, vela, pena, papel de arroz, percalina, douradura, encardenações inglesas, gravuras e lembranças da margem esquerda do Sena transferida, afinal, para a direita do capitalismo triunfante do final do século 20.
E uma livraria da nova cultura é uma coisa do 21, do jogo iluminado para admirar e comprar (e ler?) os livros entregues em sacolas de plástico reciclável, colorido e artificialmente aromatizado.
Por que procurar um livro obscuro, para que comprar o “Judas”, numa imensa livraria cheia de estudantes comemorando o novo Dia de Matar o Índio? Numa velha livraria, pequena e cheia de pó, se você não achava o livro já-não-lido de Thomas Hardy, terminava levando um outro, algum livrinho que você não buscava e que se revelava capaz de mudar a sua vida, debaixo da luz fraca, no meio da relativa calma do antigo lugar dominado por um porta de guizos.
Mas, quem quer calma? E quem ainda quer ouvir guizos, címbalos, sistros, quando todos parecem preferir percussão metalizada, sintetizada e aumentada entre as escadas que dão acesso ao telão instalado no andar de cima, o andar eletrônico das benesses do Mercado “que recupera tudo”?
Numa antiga livraria demolida você poderia encontrar até um livro desconhecido de George Katsimbalis – aquele que gritava para os galos da Ática – e, talvez, quem sabe também o grande amor da sua vida, calçada com galochas, num sábado de chuva (“ela entrou, sob o som delicado da porta, e você a viu sob a luz coada, a fronte molhada dos pingos na franja um tanto juvenil”)…
Poesia! Para que serve a poesia – numa grande e dispersa livraria? Como no poema de Ascenso Ferreira: “para nada”, quando já não parece haver tempo para poesia & amor entre dois cafezinhos. O tempo ruge, a calculadora urge, a época é fria e ninguém mais usa galochas – mesmo nos sábados antigos dos novos romances com o gosto ressecado de pão de queijo frio. E, em vez do galos da Ática, ouve-se os címbalos falsos do mais novo “romance” de Paulo Coelho abarrotando a entrada da cultura e o caixa.
Melhor: se você achar que PC já era, está chato e repetitivo das bobagens que ele sempre repetiu, leve a nova versão de auto-ajuda elaborada por Lya Luft, com a inteligência da gaúcha agora a serviço dos descartes do livro-sanduíche-íche-íche. É o produto, por excelência, das super-hiper-megalivrarias.
Fui Roubado!
Publicado em 12 de setembro de 2007
Pois não é que fui roubado? Grande novidade, não? Quem ainda não foi? Na entrada de um jogo de futebol, no meio daquela aglomeração, alguém pôs a mão no meu bolso para levar apenas R$ 30,00, mas também quatro cartões de crédito, identidade, CPF, carteira de motorista, Unimed, enfim, toda a tralha.
Para a sorte dos gaúchos, existe um local chamado Tudo Fácil, onde a gente entra e sabe que os problemas acabaram ali, bem na porta. Sem existir na prática, sem ter como me identificar, munido apenas de uma das poucas coisas que me documentam neste mundo, minha certidão de nascimento, e de minha foto – pois, surpreendentemente as máquinas fotográficas não recusam pessoas mui discretamente existentes – cheguei ao balcão para solicitar a segunda via de minha carteira de identidade.
– Bom dia. Eu quero tirar a segunda via de minha identidade. Aqui estão duas fotos, a ocorrência policial relatando o roubo, minha certidão de nascimento e o número do CPF com meu nome emitido pela Receita Federal.
– Para que a segunda via da identidade tenha o CPF impresso, preciso do cartão do CPF.
– Ele foi roubado também, veja na ocorrência, e, como já lhe disse, eu tenho um documento da Receita que obtive na Internet. Aí está até um código que garante sua autenticidade.
– Não serve, preciso do cartão.
– Isto aqui não vale nada? Foi emitido pela Receita!
– Não serve, o Sr. pode solicitar uma segunda via, mas vai sair sem o CPF.
– Bem, então não quero fazer. E onde posso conseguir a segunda via do cartão de CPF?
– Nos correios.
– ?!?
Sem saber qual é a relação dos correios com a Receita Federal, fui à agência matriz do correio e me informaram que, para tirar o cartão do CPF, eu precisava apresentar o Título de Eleitor. Querendo saber o que tinha a ver o cu com as calças, perguntei:
– Para quê?
– É exigido, Sr., não há assim um motivo tipo causa e conseqüência, entende?
Então, resolvi ser brasileiro. Fui a uma agência do Banco do Brasil onde trabalha um conhecido e relatei-lhe o problema e que achava ridículo pegar o Título de Eleitor para algo que não tinha relação alguma com eleições. Ele me ofereceu um café e demos gargalhadas com as piadas que inventamos sobre a burocracia. Como ele trabalha no Banco do Brasil, tinha histórias muito mais kafkianas. Fiquei quase feliz. Por R$ 5,50, o banco poderia solicitar outro cartão de CPF para mim, mas na hora do pedido, no computador, veio a pergunta: qual é o número do Título de Eleitor do Milton?
Sei lá, ora. Entramos na Internet e fomos ao site do TRE. Lá, havia uma forma de pesquisar eleitores pelo nome. Pesquisamos e encontramos Milton Luiz Cunha Ribeiro. Como informação principal, dizia que eu votara sempre, desde pequenininho, que era um bom cidadão e, como complemento, dizia que o número do meu título era o 861762778272816716 ou algo parecido. Fiz o pedido. Demorará trinta dias para chegar…
Agora, vou ver como tiro a segunda via da Carteira de Motorista. Já sei que preciso de fotos, da ocorrência e de um comprovante de residência. Ai. Como farão para me surpreender desta vez?
Observação nada a ver: uma pessoa chegou aqui através desta pesquisa no Google: “nao sei que movimento devo fazer com a língua na hora de dar um beijo”.
Sons, Blogs, Literatura e Poesia Descosturadas num Post Curto e Confuso
Publicado em 3 de agosto de 2007
Em 2003, publiquei um post de boa repercussão sobre a Rádio da UFRGS. Uma amiga minha, ao ler aquele post, repassou-o a sua mailing list da UFRGS e isto foi fatal. O Departamento de Artes inteiro leu, até os aposentados da Universidade leram. Sofri alguns ataques de estudantes, mas sabia que tinha razão e, mais importante, a rádio mudou, adequando-se magicamente ao que eu tinha pedido.
Achava que tudo tinha sido casual, talvez tivesse ocorrido uma mudança já planejada, sei lá. Isto até ontem, quando uma funcionária da rádio sentou-se na minha frente por razões profissionais e descobriu que era eu o autor da “bomba”. Soube que o post havia sido discutido longamente, que eu era detestado por alguns e amado por outros e que a rádio aceitara alguns de meus argumentos.
A rádio anda otimamente bem com seu jovem programador, sobre quem tenho uma história estranha. Um dia, lá no início de 2005, quis fazer uma entrevista ao vivo ou por escrito com ele; tal entrevista serviria como uma espécie de reconciliação com a rádio, porém, quando ele soube que eu era o autor daquelas críticas de 2003, tratou de fugiu de mim como o diabo da cruz ou a cruz do diabo, tanto faz. Alegou timidez e fiquei me sentindo um leproso. Entendi agora. Sem problemas, ele é excelente, conhece música e a rádio está arrasando no item qualidade.
Estas pequenas histórias servem para sublinhar o surpreendente poder dos blogs, que receberam excelente artigo na revista Época deste mês, com destaque para a incrível foto de um Inagaki em camisa-de-força.
Por falar em rádio, todos os interessados em literatura deveriam ouvir a belíssima entrevista de João Gilberto Noll para a rádio Antena 1 portuguesa. A entrevista, conduzida magistralmente pelo escritor português Francisco José Viegas, pode ser ouvida na íntegra aqui. E vejam que nem admiro tanto o Noll. Porém, encantou-me a forma hábil com que o Viegas retirou de Noll detalhes sobre seu universo, sobre a marginalidade de seus personagens e como o contextualizou no mundo e no Brasil. A civilidade e o conhecimento do entrevistador revelou a riqueza do entrevistado. Não é para qualquer um. Uma jóia imperdível para quem gosta de literatura e sinceridade.
Com a finalidade de unir de forma esfarrapada estes dois assuntos, há o declaradíssimo e derramado amor de Noll por Bach e por Porto Alegre – o sul, o sul -, amores que compartilho com ele e onde me descubro seu par. “A catedral viva” de Bach, o homem que é sempre sublime – expressões utilizadas por ele na entrevista -, torna-nos irmãos agnósticos crentes na religião da música. Ah, e Noll mostra conhecer bem o caráter dos blogs. Não adianta, de escritores a programadores de rádio, de ex-mulheres a advogados, todo mundo lê blogs.
Para ouvir a grande rádio da Universidade – ativa há 49 anos – em seu micro, clique aqui e vá seguindo o “AO VIVO”: vale a pena!
Diálogos Amorosos:
– Hum – digo.
– Eu sei que não foi muito engraçado, mas fico triste quando invento uma piada e tu não ris.
– (Risadas.)
Utilíssimo Manual (Revisitado hoje):
Eu era recém separado e a procurava com um manual na mão. Quando via uma, observava-a detidamente e fazia a comparação com o manual. Não descansava. Ele já estava manuseado, amarelado e engordurado; abria sozinho naquela página. Era só o que eu queria e tinha que ser. Não fosse daquele jeito, tudo voltaria. Até que encontrei.
Porque
Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.
Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.
Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.
Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.
Poema da imensa portuguesa Sophia de Mello Breyner Andresen.
(O manual pode ser encontrado no Brasil em Poemas Escolhidos, Companhia das Letras, 2004.)
Depois da Cirurgia
Publicado em 24 de julho de 2007
E quando, ademais, abro o pacote diante de testemunhas, como agora, ao desempacotar estas frases cruas, brutais, muitas vezes sentimentais e banais também, escritas, porém, com mais despreocupação do que quaisquer outras, não sinto nem mesmo a menor vergonha. Se sentisse a mínima vergonha, não conseguiria escrever coisa alguma, apenas o desavergonhado é capaz de escrever, apenas o desavergonhado está capacitado a apanhar as frases, desempacotá-las e simplesmente arremessá-las, só o desavergonhado supremo é autêntico. Mas também isso, como, claro, tudo o mais, é apenas uma falácia.
THOMAS BERNHARD
A citação acima é mais do que necessária. Afinal, esta será uma desavergonhada anotação de pensamentos e de atitudes durante uma situação de crise e medo. Crise e medo injustificáveis, no final. Sinto certo constrangimento por ter sentido tanto medo, tanto receio; agora que tudo deu certo, em vez de ficar feliz, tenho vontade de dizer que sou um cagalhão. Tento inutilmente me convencer de que fiz uma cirurgia que poderia ter deixado feias seqüelas, mas não acredito mais nisso, é como se tudo fosse um embuste. Mas, vá lá. Vou escrever sobre o que aconteceu procurando desligar todos os filtros que me tirem da linha reta. Obviamente, isto é impossível: os fatos ocorrem é já os tornamos história catalogada em belos ou feios volumes encadernados em nossa memória, porém não custa tentar o impossível de anotá-los friamente. Como se não bastasse, toda anotação de uma história pessoal e tensa fica ridícula quando o resultado é alcançado rapidamente e é melhor que nossa mais feliz expectativa. Os registros de histórias que dão certo são um pouco nauseantes, sei lá.
O fato é que fui ao jogo de quarta-feira com a clara finalidade de esquecer a cirurgia do dia seguinte. Deu certo. Saímos eufóricos e arrumei as coisas para ir ao hospital sem pensar no medo que tinha de minha primeira operação na vida adulta. Dormi pouco, pois tinha que chegar ao hospital às 6 horas. Saímos cedo, eu, a Claudia e minha sogra; lá, fiz a internação e – por volta das 7h15 – fui encaminhado para uma salinha onde tirei toda a roupa e pus aquelas roupas engraçadas de doente. O único momento em que fui deixado sozinho com meus pensamentos foi na tal salinha, sentado no sofá, enquanto esperava a chamada. Como uma criança, juntei lado a lado os polegares das mãos e vi como eles refletiam a luz que entrava pela janela. Vi como a superfície das unhas não forma curvas perfeitas e sim diversas faces planas e paralelas, unidas entre si. Girava lentamente os polegares e via o reflexo da luz passar de uma faceta a outra. Olhava as linhas paralelas que vinham da raiz da unha e pensava em como sempre me dei mal nos momentos de crise em que permaneci passivo. Pensava em como escolhia a passividade nos momentos de crise e deixava para outros a resolução de meus problemas. Pensava em quão prejudicial esta “estratégia” havia se mostrado em outras ocasiões, em como tinham me roubado e prejudicado, talvez irremediavelmente, e concluí que tinha que estar, desta vez, ligado. Talvez porque me fosse mais fácil sucumbir do que me revoltar, do que ser contra tudo aquilo, essa era a verdade pura e simples. Muitas vezes nós cedemos, desistimos porque é mais confortável, essa é que é a verdade. (…) Eu tinha escolhido o conforto, a pequenez do adaptar-me e desistir, em vez de me opor, de partir para a luta, independentemente do resultado. Quando acordei, vi talvez três enfermeiros a meu redor discutindo se eu seria bradicárdico ou não. Eles comentavam entre si que eu estava com cinqüenta batimentos por minuto e que talvez o médico devesse ser chamado a fim de acelerar a coisa. Não, não fiz uma revolução, mas saí dizendo com certa veemência que eu costumava correr, estava em boa forma e que aquela era minha freqüência normal. Só havia uma coisa… Eu estava falando e mexendo o rosto normalmente! Fiz testes com minha boca sem sentir dor e entrei numa enorme euforia que me fez passar o resto da quinta-feira falando e defendendo minha alta de tal forma que minha cara acabou por ficar inchadíssima e repuxada para o lado direito. No outro dia, já estava bem novamente e recebi a esperada alta.
Sábado, já livre dos efeitos dos remédios, dormi quatorze horas. Ontem, doze. Nestas condições, e ainda bem cuidado pela Claudia, qualquer cicatrização ocorre rapidamente, creio. Não sinto dor alguma, o Grande Medo simplesmente não se fez presente. Nunca sofri grandes dores físicas, a não ser em dentistas e isto é o suficiente para detestá-los.
Agradeço muitíssimo às manifestações de carinho e interesse através de telefonemas e e-mails. Muitas ligações me encontraram dormindo e eu não as respondi porque sei que falar muito faz com que meu rosto inche, como voltou a acontecer ontem, no almoço.
P.S.- A citação grifada dentro do texto também é de Thomas Bernhard. Aliás, ambas foram copiadas de seus relatos autobiográficos reunidos no volume Origem.
A Cirurgia
Publicado em 19 de julho de 2007
Muitos perguntaram, enviaram e-mails, etc. e aqui está a resposta. Amanhã de manhã, serei operado da parótida direita. Não sei quantas destas glândulas possuímos, mas sei que o apelido mais famoso delas é o de “glândulas salivares”. O exame – punção aspirativa por agulha fina de glândula parótida direita – deu negativo para células malignas. Mas a coisa segue crescendo do lado direito do meu rosto (mais ou menos à altura do vértice das mandíbulas). Hoje, após ter tirado a barba, pude ver a saliência em todo seu esplendor. Grande.
Tenho irmã endocrinologista; ela disse que é algo tranqüilo, porém, quando perguntei ao cirurgião, ele respondeu que, neste tipo de operação, havia por volta de 2% de chances de o paciente perder os movimentos daquele lado do rosto. Ela confirmou. Não estou apavorado, mas posso dizer que não gostaria de ser conhecido como babão. Ainda mais um babão assimétrico.
O tempo de recuperação é de sete dias e não sei em que condições estarei durante este período. Gostaria de, no mínimo, ouvir muita música. Minha última cirurgia ocorreu quando tinha 5 anos de idade e não imagino como vá me comportar. Deixei pronto o post de sábado – mais uma bela foto de atriz -, porém, depois, não sei quando volto a publicar. Para que vocês, meus sete fiéis leitores, possam avaliar o grau de tranqüilidade (ou negação do fato, isto é, loucura), vou hoje à noite – já dentro do período de jejum – ao Beira-rio assistir meu time tentar uma vaga nas semi-finais da Libertadores contra a LDU.
O motivo de eu estar visitando tão pouco os blogs amigos e de não ir conhecer os que aqui se apresentam comentando, está nos preparativos para este descanso forçado. A correria para deixar tudo organizado e para que minha ausência não seja sentida profissionalmente é grande. Mas é estranho, quanto mais a gente apressa as coisas, mais a demanda nos solicita. Simplesmente não há momento adequado para tirar sete dias em pleno mês de julho.
Até a volta.







