O mais puro Kafka…

Aqui.

E, segundo o jornal israelense Haaretz, tem mais…

The German Museum of Modern Literature Thursday rejected a demand from Israel’s National Library that it return the manuscript of Franz Kafka’s novel “The Trial,” saying it acquired the manuscript legally.

The National Library claims the manuscript was illegally sold to Germany by Esther Hoffe, former assistant to Kafka’s friend Max Brod, and that it is the manuscript’s legal heir.

The museum, however, said the manuscript was bought transparently, at a public auction, without objections. It added that as far as it knows, Brod gave the manuscript to Hoffe as a gift.

??? Se metem em tudo…

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O Burgomestre de Furnes, de Georges Simenon

Georges Simenon vendeu aproximadamente 500 milhões de volumes de suas novelas e romances. Trata-se de um excepcional caso de sucesso popular e de crítica. Durante toda a sua vida, os leitores e editores pediram-lhe um grande romance através do qual o autor pudesse ser apresentado. A resposta era sempre a mesma:

– Minha grande obra é o mosaico formado por meus pequenos romances.

Grosso modo, podemos dividir sua obra em duas partes: os romances policiais com ou sem o célebre detetive Maigret e os duros romances psicológicos que lhe valeram o apelido “Balzac de Liége”, recebido de ninguém menos que André Gide. A popularidade destes livros não deixa de impressionar, pois são escritos em tom menor, são nada solares, sendo antes cheios de personagens deprimentes e deprimidos. Com suas ações quase sempre em cidades pequenas, Simenon envolve-nos numa triste realidade provinciana, onde o mal comanda.

O método de produção de Simenon é curioso. Ele escrevia seis ou sete romances ou novelas por ano, mas elas não lhe saiam continuamente e sim como espasmos. A história era inventada em 30 ou 40 dias em sua imaginação. Era o período de não escrever, de caça à história, quando ele passeava, ia a bares e convivia com as pessoas. Então, ele avisava aos familiares que trabalhar e todos sabiam o que aconteceria – ele sumiria em seu escritório por algo entre 10 e 20 dias. Nestes períodos, ninguém deveria falar com ele e a ordem era apenas alimentá-lo. Se um fato externo o interrompesse, abandonava o trabalho.

De certa forma, tal concentração está presente em seus trabalhos. As narrativas, a forma de envolver o leitor são via de regra impecáveis. A modernidade não está num trabalho de linguagem ou em tramas complexas ou contrapontísticas, está no fato de que o autor se exime dos princípios morais, apresentando tramas simples onde as atitudes são descritas de forma distante, muitas vezes cruel. Não há Deus nem julgamento, há sucessão de fatos que são jogados ao leitor no momento exato e que fazem excelente literatura.

Acabo de ler O Burgomestre de Furnes, um extraordinário estudo sobre o embrutecimento, o ódio e a avareza. Joris Terlink é o burgomestre que comanda a população, a economia e os conselheiros do povoado. Todos o temem e ele é consultado para tudo. Sua vida pessoal está associada a diversas tragédias, recentes e antigas: uma filha doente mental que é mantida presa em seu quarto sob o argumento de que não haveria um lugar melhor para ela, o câncer da mulher, os vários filhos fora do casamento – o quais são ignorados por Terlink – e a própria gestão de Furnes, cuja falta de solidariedade produz um suicídio no início da história. Há algo menos sedutor? Terlink é um monstro absoluto, circundado de idiotas que têm dificuldade de viver sem ele, mas a segurança com que Simenon leva sua narrativa não é menos monstruosa e sem compaixão.

Além do Burgomestre, os maiores romances desta face de Simenon provavelmente são Sangue na Neve , O homem que via o trem passar, O gato e Em caso de desgraça. Todos foram reeditados pela L&PM em sua coleção de pockets.

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Também amor, penso

Elogio (da inteireza)

Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.
Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.
Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.
Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.

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Atenção, O Aleph agora é de Paulo Coelho!

Que coisa triste! O mais influente (…) escritor (?) brasileiro (argh!) vai lançar em julho seu próximo livro, chamado singelamente O Aleph. Com isso, penso que Paulo Coelho procure agregar à sua obra a grife de Jorge Luis Borges, autor de um importantíssimo volume de contos chamado casualmente de El Aleph ou O Aleph. Coincidência?

O que a eternidade é para o tempo, o Aleph é para o espaço, dizia Borges (1899-1986). Para Paulo Coelho, o Aleph é um ponto que contém todo o universo e que nos transporta a outra dimensão, em busca de uma resposta. Na obra, o autor descerverá uma grave crise de fé, o que faz buscar — talvez no pontinho-tudo — o caminho da renovação e do crescimento. Notável.

Apesar do Aleph ser um ponto, o autor espertamente visitou a Europa, a África e a Ásia em plena crise, sempre na desesperada busca de si mesmo. Ou do Aleph. Nesta viagem, seguiu a recomendação de J., seu mestre espiritual: “Está na hora de sair daqui, reconquistar seu reino”. E o autor foi, talvez de TAM.

— Às vezes, é necessário deslocar-se de si próprio para localizar seus próprios passos em outros lugares terrenos e espirituais.

Interessante. Não sabemos se Paul Rabbit levou o pontinho na viagem ou acabou esbarrando com ele por aí. Os argentinos vão adorar a confusão que Rabbit criará no Google, misturando-se à Borges. Vou parar por aqui a fim de revisar meu livro de contos: Ficcciones.

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Quando li O Grupo, de Mary McCarthy…

… devia ter uns 14 anos. Sim, era lá por 1971 e eu achava que devia ler livros de pessoas mais velhas. A história gira em torno da formatura e do encaminhamento na vida de um grupo de jovens formadas pela elitista universidade de Vassar. O foco é sobre o período pós-universitário. O livro é de 1963 e lembro de ter gostado demais dele. Era realista e adulto. Lembro que fiquei pasmo com uma cena logo no início: alguém mais velho, talvez um professor, masturba uma das moças com certa frieza e desinteresse. Então sexo podia ser aquilo? Que estranho. Estava na praia, lendo na rede. Fiquei sentado, pensando. Voltei a deitar e continuei a leitura.

Há também um filme de Sidney Lumet. Lembrei de O Grupo por causa deste post e da frase de Eduardo Pitta: “Enquanto houver livros como este de Mary McCarthy, os domingos nunca são chatos”. Deve ser verdade.

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Todos esperam por Pilar del Río

Sem inspiração para um Porque hoje é sábado, volto ao assunto Saramago.

Na semana passada, as vendas dos livros de Saramago dispararam 1000% na Europa. É natural , portanto, certa algaravia e ansiedade de editores e livreiros para saber se poderão contar com inéditos do Nobel da Literatura. Com muito respeito, agente literária do autor, a alemã Nicole Witt, respondeu que tudo está nas mãos da viúva Pilar del Río e da Fundação José Saramago e completou dizendo que esperará: “Afinal, o que Saramago quis publicar, ele publicou”.

Porém, as atenções estão voltadas para as dezenas de páginas do romance inacabado Alabardas! Alabardas! Espingardas! Espingardas!, titulo tirado de Gil Vicente, e também para a volumosa correspondência do autor, já mostrada — manuscritos, cartas, textos inéditos, fotografias — na exposição José Saramago, denominada A Consistência dos Sonhos, onde pode ser conferida farta troca de cartas, cheias de discussões literárias, com o romancista José Rodrigues Miguéis. Ah, e há um romance inédito, Claraboia, rejeitado por uma editora no final dos anos 40, e que o autor nunca quis, depois, publicar.

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Uma verdade: a literatura portuguesa é ruim de cama…

Vasculho e vasculho e vasculho a memória e não encontro quase nada. Não é uma literatura assexuada, apenas desinteressada… Esta charge foi premiada em Portugal, recebeu o Prêmio Stuart de Imprensa 2010 e o autor é Nuno Saraiva. Imagem retirada daqui.

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Ernesto Sábato completa 99 anos / Saramago entrevista María Kodama

Ernesto Sábato não escreveu muitos livros de ficção, talvez tenha escrito três ou quatro, mas os que li foram muito marcantes: O Túnel e Sobre Heróis e Tumbas.

O Túnel é de 1948 e insere-se decidamente no existencialismo. Albert Camus era um entusiasta da obra e recomendou sua tradução para a Gallimard, o que tornou Sábato uma celebridade da noite para o dia. Lembro que gostei demais daquele vertiginoso monólogo escrito na primeira pessoa por um narrador que resolve contar o ato que cometeu. Traz tremendos debates de consciência, demonstrando as  dualidades e desvios que empurram os seres humanos a pensamentos e atos.

Mas, em minha opinião, seu grande romance é Sobre Heróis e Tumbas de 1961. São três narrativas que se completam: a do amor algo doentio de Martín por Alejandra — esta uma das maiores personagens que já conheci — ; a da morte no exílio do general Juan Lavalle, heroi da independência argentina; e o melhor de todos: O Informe sobre Cegos, que chegou a ser publicado separadamente há alguns anos. As duas primeiras, apesar de totalmente diversas, são clássicas histórias de decadência de uma certa aristocracia,  contadas sob a perspectiva da morte. Já O Informe está no limite do fantástico e é a respeito de uma seita maléfica dotada de poderes esotéricos e que une todos os milhões de cegos do mundo.

(Escrevo de memória. Li ambos nos anos 70…).

Tenho a melhor das lembranças de Ernesto Sábato, mais um grande escritor argentino.

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Kodama entre o génio de Borges e as perguntas geniais de Saramago

Obs.: Ontem, no Ciberescritas, li a estranha entrevista que José Saramago fez com (ou submeteu a) María Kodama, viúva de Jorge Luis Borges. Transcrevo-a abaixo.

Por Isabel Coutinho

José Saramago revelou-se um óptimo entrevistador. María Kodama, a última companheira de Jorge Luis Borges, riu-se às gargalhadas e lá foi respondendo às perguntas sérias, íntimas e prosaicas do Nobel português. “Como é que Borges dizia que te queria? Explica-nos, explica-nos!”.

Já José Saramago tinha lido pela primeira vez o poema Elegia (1963), de Jorge Luis Borges, e estava a dizer para a assistência que quase encheu o auditório da Biblioteca Nacional, sexta-feira à tarde em Lisboa, que se tratava de “um belo poema, quase uma autobiografia”, quando a sua mulher, Pilar del Río, irrompeu pelo palco vinda da plateia.

“É um poema belíssimo mas ninguém ouviu nada”, disse-lhe, enquanto ajustava os microfones em cima da mesa.

O prémio Nobel da Literatura ainda balbuciou que alguém tinha ido mexer no seu microfone, mas Pilar del Rio virou-se para os oradores e avisou: “Para todos e para sempre, o microfone tem que estar em frente à boca!” A plateia desatou às gargalhadas.

“Pois”, afirmou Saramago. “É a sua experiência de rádio”, justificou-se perante os seus companheiros de mesa, que eram María Kodama escritora, tradutora, companheira de Jorge Luis Borges por mais de vinte anos e Carlos da Veiga Ferreira, o editor da Teorema, onde estão publicadas em português as Obras Completas do escritor argentino que morreu em 1986.

“E então passemos a ler outra vez o poema porque não perdemos nada com isso”, rematou o autor de Ensaio sobre a Cegueira. “Oh, destino, o de Borges,/ ter navegado pelos diversos mares do mundo/ ou pelo único e solitário mar de nomes diversos (…)/ e não ter visto nada ou quase nada/ senão o rosto de uma rapariga de Buenos Aires (…)”, deu-se assim o mote para a palestra-colóquio E se falássemos de Borges?, uma conversa entre a viúva e o Nobel, organizada pela Fundação José Saramago, a que se seguirão outras dedicadas a escritores. No dia 10 de Julho, no Teatro Nacional de São Carlos, falar-se-á de Jorge de Sena.

“Não achas que os leitores ficam prisioneiros dos contos de Borges?” Saramago tem a intuição de que o acesso à obra do escritor argentino se faz pela leitura dos contos e que às vezes os leitores ficam só por aí. Esquecem que Borges foi um grande poeta.

Kodama concordou. O que deu fama internacional a Borges foi a tradução dos seus contos e da sua prosa. Mas, revelou, “ele sempre se sentiu poeta”. Mesmo a sua prosa é “uma prosa poética, tem um ritmo especial”. Ele preferia ser recordado como poeta e não como contista. Mas como era muito exigente consigo próprio e perfeccionista, sentia uma nostalgia, pensava que nunca ia conseguir chegar a escrever “o poema”. “Eu como leitora acho que muitas vezes o conseguiu, mas ele não o sentia da mesma maneira”, concluiu María.

Vida de todos os dias

Borges começou por ser poeta. Mas a determinada altura teve um acidente. Magoou-se na cabeça numa janela aberta que estava a ser pintada, quando ia para casa de uma amiga, e sofreu uma septicemia. Na época não havia antibióticos, ficou às portas da morte, com febre e pesadelos. Quando melhorou, “milagrosamente”, teve medo de ter perdido a capacidade intelectual, a capacidade para escrever poemas. “Então decide que vai escrever um conto porque se fracassasse não sentiria que estava louco ou que tinha perdido essa capacidade.” Escreve então o seu conto Pierre Menard, autor de ‘Quixote’ (onde está a frase “Não queria compor outro Quixote o que é fácil mas ‘o’ Quixote”).

A partir daí entra num longo período em que se dedica à prosa, aos contos, e escreve ensaios e crítica literária para jornais. “Quando perde a visão e percebe que lhe é difícil continuar a escrever, vai retomar a poesia. Porque era mais fácil decorar o texto por causa da rima, já que não podia passar ao papel imediatamente o que estava a pensar.” Começou pela poesia, por causa do acidente escreve prosa e mais tarde, por causa da cegueira, regressa à poesia. Na última fase, “já seguro de si”, mistura as duas coisas, poesia e prosa.

Como era Borges na vida de todos os dias?, quis saber Saramago.
“É que Borges era um génio e continua a ser apesar de já não estar entre nós como é que se comporta um génio na vida de todos os dias?” A esta “questão prosaica” o escritor quis que Kodama respondesse francamente. Aprendia-se muito, disse ela, era notória a profundidade e diversidade do seu conhecimento. Tinha um enorme sentido de humor e contava muitas histórias da sua avó inglesa, que ele adorava. “Era um ser encantador, divino”.

Por vezes eu tentava que os meus colegas de turma fossem assistir às aulas de línguas anglófonas que ele me dava. Eles diziam-me: ‘Não! Como queres que vamos contigo, ele é velho, os labirintos, os espelhos, por que é que não vens mas é sair connosco?’ Eu respondia-lhes: ‘Sim, ele é os labirintos, os espelhos, o que vocês quiserem, mas paralelamente a isso é uma pessoa divertidíssima com quem podemos passar momentos muito agradáveis e descobrir uma quantidade de coisas, intelectuais e não só, através do que nos conta.” Apesar da sua sabedoria, disse Kodama, as pessoas não se sentiam intelectualmente inferiores a Borges. Sabia guiar as conversas.

“Tinha muita consideração pelos outros. E tinha um sentido ético e de delicadeza no trato. Na sua obra também se reflecte isso: tudo está dito, mas tudo é dito de uma maneira especial.”

Aulas de línguas

Não há palavras para descrever o ar matreiro do escritor português quando anunciou a María Kodama que lhe ia colocar duas questões “muito íntimas”. Durante toda conversa, que durou mais de uma hora, Saramago fez sempre perguntas interessantes, foi dizendo também aquilo que pensava sobre a obra do autor argentino, não fugiu a perguntas difíceis como a sua ligação com a ditadura.

Estava visivelmente bem-disposto a longa doença do ano passado parece estar finalmente a ficar para trás, com 14 quilos a mais e a recuperar pouco a pouco a massa muscular. “Estavas realmente interessada em aprender inglês antigo ou foste aprender inglês antigo para conhecer Borges?”, foi a primeira. Seguiu-se a segunda: “Como é que Borges dizia que te queria?… Explica-nos, explica-nos!” Foi então quando Kodama tinha cinco anos que teve aulas com uma professora de inglês que utilizava um método de lhe ler os textos no original e depois traduzir em espanhol. Leu-lhe um poema em inglês de Borges, do qual Kodama não entendeu nada mas sentiu que havia algo ali que a fazia sentir próximo dele (a solidão).

Aos 12 anos, um amigo do pai, que era fanático de Borges, levou-a a ouvir uma conferência do escritor e ela impressionou-se com a sua timidez. Anos depois, já no colégio, viu Borges do outro lado da rua. Vai ter com ele: “Conheci-o quando era uma miúda.” Ele riu-se: “Claro, agora você é grande. Em que trabalha?” Ela respondeu-lhe: “Estou a terminar o secundário.” Quer estudar o inglês arcaico?, pergunta-lhe ele. “Shakespeare?”, arrisca ela. “Não, muito anterior, século X.” “Então se calhar é complicado”, diz-lhe ela mas ele convence-a, dizendo que vão estudar juntos. Passam a encontrar-se em cafés de Buenos Aires, ele aparecia com os dicionários debaixo do braço. “Divertíamo-nos muitíssimo”. E a vida foi-lhes dando outra história que terminou, realmente, “em amor”.

“E a segunda pergunta?”, insistia José Saramago. Kodama ria-se ao início e depois já estava às gargalhadas. “Que palavras utilizava para dizer que te queria…”, continuava o autor português. “Isso é importantíssimo. Posso não ser um bom escritor, mas a fazer perguntas sou um génio!”, brincou o Nobel, que assim pôs a sala inteira a rir à gargalhada.

María e Jorge usavam vários nomes, a maior parte ligados à literatura. “Um desses nomes era tirado de um conto que ele me tinha dedicado em segredo e que se chama Ulrica (in O Livro da Areia). Quis gravá-lo no túmulo em Genebra e em lugar de María Kodama e de Borges coloquei o epitáfio ‘De Ulrica a Javier Otárola’, porque eram nomes muito especiais para nós. Ulrica vinha também um pouco da Elegia de Marienbad, de Goethe, que ele me recitava em alemão. Ulrike von Levetzow era o nome da jovem amante de Goethe e quando ele fazia amor com ela contava as sílabas nas suas costas, acariciando-as com a mão. Bem, já está dito.” E María Kodama e José Saramago prosseguiram com outro assunto antes que a conversa ficasse mais complicada.

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Saramago e o ranço

Em nosso país e em Portugal parece ser pecado grave destacar-se. Bom mesmo é a vida de gado. Não pensem que sou um admirador das grandes estrelas, apenas acredito que algumas delas aparecem naturalmente, por seus méritos. Saramago foi um escritor que começou a produzir mais intensivamente em idade madura e por obra do desemprego. Nada em sua postura trai um desejo de ficar famoso, todas as suas opiniões e dureza demonstravam vontade de ser lido, ouvido e de influenciar. Não é um pecado um autor desejar ser lido. E ele era instigante, sem conceder.

Certa vez, creio que em 1989, José Saramago deu uma palestra ao lado de Arnaldo Jabor. Não sei de quem foi a ideia de juntar uma dupla tão pouco miscível. Era um ciclo de palestras sobre o “Fim da História” e Saramago veio ao debate com sua inteligência e lógica afiadíssimas. Ele ironizou amplamente toda a noção de que a história tinha acabado, a ponto de dizer que duvidara, pela manhã, se valia a pena fazer a barba. Depois, refez todas as suas ações do dia, a leitura dos jornais, o almoço, o trabalho e a vinda para a palestra de táxi e sua relação com a história. Foi uma explanação muito engraçada, clara e irrefutável — talvez enlouquecida pelo tema — , mas tornou-se muito séria quando o assunto derivou para a Guerra dos Bálcãs. O “Fim da História” simplesmente não cabia na realidade da Jugoslávia (em portugal é assim: Jugoslávia). Lembro que ele fez várias perguntas retóricas a nós, público, comprovando a tolice daquela teoria. Então Jabor entrou com sua pobreza de ideias oficialistas — pois concordava minuciosa e, perdoem-me, tolamente, com o mote do ciclo — e houve um debate.

Poucas vezes eu tive oportunidade de ver outro massacre semelhante àquele. Em vez de adotar uma estratégia conciliatória, Jabor atacou os posicionamentos esquerdistas de Saramago. O contra-ataque do português — cujas convicções foram pensadas e repensadas durante toda uma vida por um cérebro evidentemente privilegiado, superior mesmo — foi tão arrasador que Jabor foi vaiado ao voltar a falar. E não esqueçam que a plateia era formada por pessoas de posições neoliberais, em evento patrocinado pela RBS.

Saramago, afora sua grande literatura, era um polemista de primeira linha. Provocava com vara curta à direita e à esquerda — não esqueçam seu importante artigo anti-Fidel Castro “Até aqui cheguei” — e tornou-se popular pela qualidade de suas obras e pela notável coerência de ideias. Não houve nada de oportunista na vida e na atuação de Saramago. Porém uma série de intelectuais brasileiros criticavam sua onipresença e má literatura. Ora, todos são livres para gostar ou não de Saramago, eu mesmo me irritei profundamente com a ruindade de Todos os Nomes, em minha opinião uma fracassada imitação de Kafka, mas o que alguns diziam a seu respeito era apenas ranço e má vontade. Li que havia um esgotamento das ideias em seus livros (sem dizer quais, mas parecendo ser essas coisas de esquerdismos e solidariedade), li que por trás de seu barroquismo (*) — acusação que poderia prosperar por ser verdadeira — não haveria mais nada, e li gente muito boa simplesmente e por vício perguntando “Who`s next?”.

Lembro que a revista Veja, que já foi uma publicação respeitável, ter dado páginas e páginas a Tom Jobim, no início dos 80. O motivo, confessado pelo editor da época, era que o ranço de alguns estava tornando Tom um compositor de inspiração americana: “Águas de Março” era um plágio, tudo o que ele fazia era jazz menor (!), etc. Havia tanto ressentimento ao sucesso de Tom que a revista publicou a reportagem de capa “O Tom do Brasil” como uma espécie de desagravo a quem fez mais pelo Brasil do que todos os seus críticos juntos.

Creio que o mesmo estivesse ocorrendo com Saramago. Sua morte, ocorrida na última sexta-feira o torna novamente fabuloso. Uma pena que seja assim.

(*) Sabiam que “Barroco” significa “Pérola imperfeita”?

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Morre José Saramago (1922-2010)

“No fundo, não invento nada, sou apenas alguém que se limita a levantar uma pedra e a pôr à vista o que está por baixo. Não é minha culpa se de vez em quando me saem monstros”.

Morreu nesta sexta-feira o escritor português e prêmio Nobel de literatura José Saramago, aos 87 anos, em Tías, Lanzarote, Espanha. Dia triste, tristíssimo para todos os amantes dos livros, da literatura e das ideias. Faleceu em casa.


Reproduzo aqui o texto de Luiz Schwarcz para o blog da Companhia das Letras.

Saudade não tem remédio

Acabo de ver o escritor José Saramago morto. Quando a notícia apareceu na internet, liguei pelo skype para Pilar, que sem que eu pedisse me mostrou José deitado na cama, morto. Tenho falado com Pilar quase todos os dias. Sabia que não havia chance de recuperação, o destino de José já estava traçado, os médicos não acreditavam mais na possibilidade de um novo milagre, como o do ano passado, quando venceu, contra todas as expectativas, os problemas pulmonares que o acometiam.

Posso dizer que José Saramago era um grande amigo meu e da minha família. Quando vinha ao Brasil hospedava-se em minha casa, no quarto que foi da Júlia, minha filha. Ele detestava hotéis. Viu meus filhos crescerem. Fui conhecer sua casa em Lanzarote logo que se mudou com Pilar, abandonando Portugal. Assisti emocionado a cerimônia do Nobel em Estocolmo — pouco antes, no hotel, aprovamos, Lili e eu, o vestido de Pilar para o evento. Estava em Frankfurt quando ele recebeu a notícia do prêmio; celebramos juntos.

A obra de Saramago veio para a Companhia das Letras por acaso. No fim da feira de Frankfurt de 1987 (no segundo ano de vida da editora), ao me despedir de Ray-Gude Mertin, uma amiga pessoal e agente literária de muitos autores brasileiros, comentei que José era dos meus autores favoritos. Conversa à toa, de fim de feira. Não fazia ideia de que ela representava o escritor português, junto com a editora Caminho, e que estava para mudar Saramago de editora no Brasil. Atrasei minha partida e voltei, com a bagagem no porta-malas do táxi, para falar com Zeferino Coelho sobre a Companhia das Letras.

Foi tudo muito rápido, Jangada de pedra foi o primeiro livro, lançado em abril de 1988 com a presença do autor no Brasil, junto com Pilar, jornalista que conhecera em 1986 e que mudou tanto a sua vida. A empatia foi imediata, apesar da minha gafe inicial —perguntei-lhe em plena praia de Copacabana se era verdade que, em Portugal, Psicose, de Hitchcock, fora intitulado O filho que era mãe, e Vertigo, A mulher que morreu duas vezes.

Em seguida fui a Lisboa. Já éramos bem amigos, ele queria me mostrar o novo livro que escrevia. Em sua casa, na rua dos Ferreiros à Estrela, José leu trechos de A história do cerco de Lisboa, e me levou para jantar no seu restaurante favorito, o Farta Brutos. Pilar foi minha guia de Lisboa na ocasião, reservou o hotel num velho convento na rua das Janelas Verdes, e mostrou os locais que aparecem no meu livro favorito de Saramago, O ano da morte de Ricardo Reis. Comprei com Pilar o primeiro computador de José. Antes disso, ele datilografava três vezes cada livro para entregá-lo completamente limpo a seus editores.

No Brasil, o lançamento de Jangada de pedra foi uma festa interminável. Filas enormes na livraria Timbre e a efusão de beijos e abraços no escritor fizeram-no exclamar, “Luiz, esta gente quer me matar de amor”. Daí para frente, esse amor dos brasileiros por José Saramago só cresceu, suas visitas se tornaram mais frequentes, e vários dos últimos livros lhe ocorreram em viagens pelo país, nas quais estávamos juntos. Lembro-me ao menos de três ocasiões em que isso aconteceu. A mais recente delas foi em sua última estada no Brasil, quando da publicação de A viagem do elefante, livro que José resolveu lançar mundialmente aqui, em novembro de 2008, como presente ao carinho e aos amigos brasileiros. Ele já estava muito fraco, e a viagem era mesmo uma ousadia. Ao chegar em minha casa, numa das nossas primeiras conversas, me disse que não escreveria mais, estava se sentindo velho e cansado.

Depois do evento de lançamento no SESC Pinheiros, vencida uma fila enorme de autógrafos — Saramago nunca recusava autografar, nem mesmo doente —, fomos ao Rio, para a continuidade dos eventos. Ao pousarmos na cidade, enquanto eu recolhia as bagagens, José anunciou, para Lili, Pilar e eu, que decidira voltar a um velho projeto e que no voo achara a solução que faltava para Caim, que acabou sendo seu último livro.

Eu poderia contar outras tantas histórias aqui. Poderia até falar das nossas discordâncias, de uma discussão amigável que tivemos, sentados no alto do Bauzinho, em São Bento do Sapucaí, olhando para o horizonte da Serra da Mantiqueira, que nós dois adorávamos. Mas o espaço é curto: um blog, mídia que Saramago curtiu muito antes que eu. Em outro momento, quem sabe. Agora só quero me despedir mais uma vez de José. Com as melhores lembranças, o amor, e minha saudade. Maldita palavra, tão portuguesa, que agora ficará associada ao meu amigo. Mas saudade não tem remédio, não é, José?

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Sobre Ulisses, de James Joyce (comentários que são colaborações)

Por Charlles Campos

Uma breve intromissão do dono do blog: afora a demonstração de conhecimento e vivência literária, o que me interessou no comentário do Charlles foram as afirmações que costumam ser evitadas por quem “canta” as qualidades do romance de Joyce: sua falta de sutileza, de coqueteria, sua essência antiburguesa e até antiliterária. Acho que ele resumiu bem uma característica que  tentei expressar sem o menor sucesso — “romance duro, engraçado, divertido, complicado, pornográfico, sexual e erudito”.

Também gostei muito das observações de outro leitor, Raphael Gomes, que escreveu assim:

Realmente o que mais afasta o leitor dos livros do Joyce é a idéia preconcebida de que Joyce é difícil. Mesmo mal de que sofre Beckett. Pobres irlandeses… Se você pega um livro com a convicção de que não irá entendê-lo,  já entra em campo perdendo. Ulisses é a epopéia do homem comum, e mesmo que não tenha sido escrito para esse homem comum, também não é privilégio apenas de quem, para falar da dor nas costas da avó, se expressa no mais erudito/vernacular jargão filosófico/teórico/literário, coisa que aliás, Joyce nunca fez.

E saio de cena deixando a palavra ao Charlles:

Esse é um dos livros em que o enredo é o de menos. Importa a incrível vivacidade e energia verbal de Joyce. É o anti-limite de sua superioridade como escritor acima de todos os outros_ de Mann, de Faulkner, Proust, Kafka_ que iria subir à estratosfera e se perder com o livro seguinte, o ilegível Finnegans Wake. Trata-se de uma brincadeira bem urdida, uma ciranda calculada na espontaneidade de um severo trabalho de anos, não uma tentativa, mas uma culminação do resumo do ser humano e de sua história, e um enorme deboche à febril ciência da psicanálise (se tudo que passa pela cabeça de um homem comum é divinamente banal, é ridículo sistematizar seu comportamento contraditório numa cabala do subconsciente). Ama-se Bloom e sua esposa, ama-se Dedalus e o excessivamente extrovertido Buck Mulligan, com todos os seus pecados, suas desimportâncias, suas carências.

É o romance da falta de sutilezas, da falta de coqueteria, o romance essencialmente não-burguês (não ANTI-burguês, pois revela o enorme descaso do autor para contrapor uma reação à uma sociedade medíocre), não-científico, e, por mais que possa ser surpreendente, não-literário. Dedica-se todo à celebração da literatura, mas é anti-empolação e anti-oitocentismo. Tanto que depois de Ulisses, aboliu-se a possibilidade de escrever como Victor Hugo, Sully Prudhomme, Romain Rolland, e outros. Ulisses aboliu a literatura em diversos países, obrigando os novos escritores à adaptação. É a suprema manifestação do humor, do humanismo, da redenção velada. Uma mistura de Nona Sinfonia com a fuga da última parte da Sinfonia Júpiter, com cabrioladas de um jazz que abriu as portas para as correntes de ritmos de Coltrane e dos minimalistas. O maior mérito de Joyce foi ter controlado sua extraterrestridade para dar à obra um caráter perfeitamente legível, pois seria natural que depois de ter rompido todos os limites, seu último passo seria Finnegans Wake, assim como o passo seguinte_ o estilo tardio_ de Beethoven fosse os ùltimos quartetos húngaros e a Missa Solemnis.

Aldous Huxley lamentou que Joyce tivesse optado pela abdução. Poderia ter escrito importantes livros da estatura dos de Stendhal. Mas é compreensível. Deportou-se do mundo dos viventes. Não lhe dizia nada a estranheza e prazer de incompreensão libidinosa que o mundo adotaria ao analisar as cartas singelas que escrevia para Nora Barnacle, seu amor de toda a vida. Onde revelava a leveza de seu espírito, a ralé via apenas a sujeira sexual de um intelectual reprimido. Por isso é desconcertante que achemos de uma beleza sem igual as passagens de Bloom se masturbando, de Molly cedendo-se mais uma vez com seus repetitivos sim, sim,sim, da última página, de Mulligan se atirando seminu ao mar, ao lado dos pescadores. Uma impossível beleza nesses gestos prosaicos, e uma lucidez que desmascara toda a hipocrisia, toda pompa. Uma declaração de amor à humanidade, antes de mais nada, mas uma humanidade ainda de um distante porvir, livre das tralhas da ciência e das hierarquias, e centrada no cultivo das idiossincrasias soltas e intimistas de si mesmo.

Por isso que é tão espantoso a Buck Mulligan quando Stephen Dedalus revela que, no leito de morte de sua mãe, se recusou a se ajoelhar; mas não pelo constrangimento à mãe, mas pelo constrangimento contra si mesmo. A liberdade do homem que tomou as rédeas de si mesmo e manda as convenções e a opinião alheia às favas…

Um dia o Charlles há de me explicar o fato de ter chamado os últimos quartetos de Beethoven de “húngaros”. Não entendi. Uma referência à Bartók?

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Bloomsday

Além das datas religiosas, não creio haver outro feriado nacional dedicado a um personagem de ficção. O Bloomsday é um feriado comemorado no dia de hoje, na Irlanda, em homenagem ao livro Ulisses, de James Joyce. Atualmente, a amplitude do Bloomsday ultrapassa em muito à esfera de Ulisses. É, em verdade uma data em que se homenageia toda a literatura. Só os joyceanos absolutos — dentre os quais humildemente me incluo — relembram os acontecimentos vividos pelos personagens de Ulisses por dezenove ruas da cidade de Dublin e dezesseis horas no dia 16 de junho de 1904. Para os leitores restantes de todo o mundo, é a data em que se comemora toda a literatura.

Há controvérsias sobre quando o Bloomsday começou. Alguns especialistas indicam 1925, três anos após o lançamento do livro; outros dizem que foi na década de 1940, depois da morte de James Joyce. A hipótese mais aceita indica é que foi em 1954, na data do quinquagésimo aniversário do dia retratado em Ulisses.

Joyce escolheu o dia 16 de junho para ser imortalizado em sua obra porque foi nesse dia que ele teria mantido relações sexuais com sua futura companheira Nora Barnacle, na época uma jovem virgem de vinte anos. Estudiosos afirmam que, na verdade, o casal apenas “caminhou junto” pela primeira vez neste dia. O que sabemos é que, quando da primeira relação sexual, Nora teve medo de completar o coito e o masturbou “com os olhos de uma santa”, como Joyce relatou em carta.

Ao lado dos devotos de Joyce, criou-se uma curiosa seita de tementes (ou hostis) a Joyce. É como se sentissem obrigados àquilo — a tentar entendê-lo totalmente ou repeti-lo. É uma tolice bastante difundida. Ulisses é tão irrepetível quanto a Arte da Fuga de Bach e sua leitura, para o leitor comum,  é tão necessária quanto a audição de A Arte para o ouvinte de iPods. Apenas fico desconfiado quando um autor nega-se a conhecer a obra. Porém, como há historiadores que preferem desconhecer largos períodos…

Mas tergiverso. Assim como falta-nos tudo para que nossa cultura recrie um Bach, assim como algumas obras deste são tão impenetráveis e intricadas que alguns dizem terem sido escritas mais para a leitura de eruditos do que para a audição, o livro de Joyce é um complicadíssimo monumento cultural do qual temos a impressão de nos afastar a cada dia. Mas não me digam que não pode ser lido. Tanto quanto ouço A Arte Da Fuga, li o livro de Joyce desde minha pobre perspectiva e diverti-me muito.

Pois o romance é perfeitamente compreensível. Há pontos de inserção para mortais. As minúcias e a complexa teia de referências são importantes, mas podem permanecer semi-entendidas sem esfacelamento de sua essência. Prova de que o ludus nem sempre está associado à compreensão cabal. (Como disse Karen Blixen, não há nenhum problema em não entender inteiramente um escrito poético).

A história do livro é simples. Trata-se da vida de pessoas comuns da amada/odiada Dublin de Joyce: o professor secundarista  Stephen Dedalus; seu amigo Buck Mulligan; o vendedor Leopoldo Bloom — angustiado com a possível traição de Molly, sua mulher — ; conversas sobre Shakespeare numa biblioteca; a surra que Bloom toma de um antissemita; sua mastubação observando duas mulheres; a mijada no jardim com Stephen; e a chegada em casa, onde deita-se com Molly, a qual finaliza maravilhosamente o romance num monólogo interior prenhe de pornografia. E é isso.

Cada um dos capítulos cobrem aproximadamente uma hora do dia e guarda debochada relação com a Odisséia, de Homero. E aqui tenho de referir os milhares de torcadilhos, paródias — que parece ser a maior arma da arte moderna — , neologismos e arcaísmos.

Eu coloquei nele tantos enigmas e quebra-cabeças que ele manterá os professores ocupados durante séculos, disse Joyce.

Então, hoje é o dia de comemorar a existência do duro, engraçado, divertido, complicado, pornográfico, sexual e erudito livro de Joyce. Lembremos de Leopold Bloom, de sua mulher Molly, de Stephen Dedalus e de Buck Mulligan!

Obs.: As fotos de Marilyn Monroe lendo Ulysses e outro livro são da autoria de Eve Arnold e são de 1955.

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Time dos Sonhos, de Luís Fernando Verissimo

O problema de Time dos Sonhos (Objetiva, 2010) não é o autor, mas sim a forma como o livro foi montado. Trata-se de crônicas futebolísticas — quase todas referindo-se a Copas do Mundo — publicadas em jornais entre o anos de 1997 e 2009. Ou seja, há unidade temática, porém esta é desfeita pelo fato dos textos não obedecerem à ordem cronológica. Para quem acompanha futebol, é desagradável ter de adivinhar o contexto de cada crônica ou olhar o final do livro em busca da data de publicação original. A todo momento, saltamos da Copa de 2006 para a de 1998, para depois cair em lembranças de 1990 e voar para a vitória de 2002. As quatro subdivisões do livro — Para que serve o futebol, O time dos sonhos, Ser Brasil e Jogo de cintura — , não me disseram muito. Não obstante este chateação, o texto de Verissimo permanece enxuto, engraçado e compreensivo para com a loucura dos tarados pelo esporte.

Há crônicas extraordinárias, principalmente aquelas sobre com referências a João Saldanha, às domingadas, à comida mexicana, à vida dos jornalistas durante uma Copa do Mundo e aos principais jogadores que encantaram o autor. Este, excelente observador e escritor, é exato, jocoso e nunca inferior aos fatos descritos, mesmo que os conheçamos em detalhes. Uma pena a desorganização do volume. O que poderia ser um livro de referência é confusão.

Indico o livro aos loucos por futebol e aconselho que sua leitura seja feita na base de uma crônica por dia. A leitura de todas em sequência prega sustos e nos faz cometer repetidos equívocos.

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É difícil encontrar um homem bom, de Flannery O`Connor

O escritor Fernando Monteiro presenteou-me com este livro para que eu lesse o conto de abertura. Ele sabia que eu leria o resto, é claro. Flannery O`Connor (1925-1964) foi uma extraordinária escritora. A leitura dos contos de É difícil encontrar um homem bom é, no mínimo, uma experiência diferente. Escritos com economia, são histórias povoadas por vítimas odiosas, mesquinhas ou ridículas, acompanhadas – o termo é exatamente “acompanhadas” – de algozes involuntários ou indiferentes. Em comum, poderia dizer que todos são estúpidos, têm vozes desafinadas, são crentes e estão irremediavelmente perdidos. Parecendo detestar os próprios personagens, a autora deixa-os ir em direção do grotesco e do gratuito e é duríssima para com o sul dos Estados Unidos, terra de Bush e de proto-Bushes. Não obstante, a contradição entre estupidez e tensão torna algumas histórias extremamente engraçadas. Afinal, um dos modos de se descaracterizar desgraças é recorrer à hipérbole, ou seja, levá-las a inconcebíveis exacerbações. É isto que Flannery faz com maestria e é compreensível que a autora desse gargalhadas enquanto lia seus contos para os amigos. Fortemente recomendado por este blogueiro, o livro está à venda numa edição da Arx.

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Campeonato Gaúcho de Literatura

Hoje, está sendo lançado o Campeonato Gaúcho de Literatura. O primeiro jogo já foi jogado. Trabalharei como árbitro numa das partidas: Cris, A Fera x O Girassol na Ventania. Como hoje estou misterioso (vide post abaixo), não vou divulgar o placar de minha peleja. Cada árbitro trabalhará em apenas um jogo. O legal neste Gauchão é que os livros jogam entre si em triangulares, o que significa dizer que nenhum será eliminado por apenas um juiz, quem sabe especialmente hostil ou desatento. Além disso, os árbitros declararam quais os livros que não podiam julgar devido à problemas de consciência, amizade, inimizade, etc. Segundo Lu Thomé, uma das organizadoras do torneio, as regras serão as seguintes:

Dos 27 iniciais, tira-se 15 livros seguindo a fórmula: os nove campeões de cada grupo e os seis melhores segundos colocados. Como cada jurado foi instado a elaborar um “placar” para cada jogo, se necessário haverá desempate no confronto direto e no “saldo de gols”.

A fase seguinte funciona parecido: dos 15 classificados, formam-se outros cinco grupos com três livros cada. Desses cinco grupos, classificam-se seis competidores: os cinco campeões e o melhor segundo colocado.

A fase semifinal também será triangular: os seis grupos serão divididos em dois triangulares. Os campeões de cada grupo fazem a final. A ideia é equilibrar o poder de um único jurado oferecendo a cada fase duas chances de avaliação para cada livro.

Os grupos:

GRUPO 1:
Atalhos
, de Luís Dill (WS Editor)
Mar Quente, de Enio Roberto (Dublinense)
No Limite dos Sentidos, de Jacira Fagundes (Movimento)

GRUPO 2:
Cris, a Fera, de David Coimbra (L&PM)
Minicontando, de Ana Mello (Casa Verde)
O Girassol na Ventania, de Marco de Curtis (Dublinense)

GRUPO 3:
A Raiz dos Louros, de Faustino Machado (7Letras)
Play, de Ricardo Silvestrin (Record)
Pó de Parede, de Carol Bensimon (Não Editora)

GRUPO 4:
Aroma Hortelã, de Joselma Noal (Movimento)
As Grades do Céu, de Susana Vernieri (Libretos)
O Silêncio dos Amantes, de Lya Luft (Record)

GRUPO 5:
O Batedor de Faltas, de Cláudio Lovato Filho (Record)
O Ideograma Impronunciável, de João Kowacs Castro (Dublinense)
Flores da Cor da Terra, de Lívia Petry (Nova Prova)

GRUPO 6:
Entre Facas, de Liziane Guazina (Nova Prova)
Fora do Lugar, de Rodrigo Rosp (Não Editora)
Os Limites do Impossível, de Aldyr García Schlee (Edições Ardotempo)

GRUPO 7:
Guerrilha e Solidão, de Valdomiro Martins (Literalis)
Raiva nos Raios de Sol, de Fernando Mantell (Não Editora)
Trocando em Miúdos, de Luís Paulo Faccioli (Record)

GRUPO 8
Das Travessias I, de Sérgio Napp (WS Editor)
Sinfonia às Avessas, de Waldomiro Manfroi (Letra & Vida)
Veja se Você Responde Essa Pergunta, de Alexandre Rodrigues (Não Editora)

GRUPO 9:
Escuro, Claro, de Luís Augusto Fischer (L&PM)
O Homem Perplexo, de Edgar Aristimunho (Dom Quixote)
Um Guarda-Sol na Noite, de Luís Filipe Varella (Dublinense)

Nunca esqueçam que futebol é bola na rede. O vencedor receberá 1 milhão de dólares em precatórios da Secretaria da Fazenda do Estado do Rio Grande do Sul e um delicioso saco de pipocas doces da Redenção.

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Para quem escrevemos

Acho que alguns de nós, de uma forma indireta, escrevemos posts direcionando-os a determinadas pessoas que, provavelmente, o lerão. O besteirol é para ser lido por meu filho e por aqueles leitores que eu sei que os apreciam, o post de ficção vai para principalmente aquele determinado blogueiro que o lerá com extrema atenção e que comentará elogiando ou enviará um e-mail criticando (Ramiro, normalmente elogiando, ainda bem), o post sobre música vai para o pessoal do PQP Bach mais a Caminhante e a Anna, o post sobre o meu umbigo é para os amigos lerem e comentarem comigo, as resenhas vão para o Charlles, o Marcos Nunes e a Caminhante, os sobre futebol são para o Dario e o Fernando, etc. A verdade é que não apenas esqueço de muitos em minha listinha, mas que todos acabam indo para todos. É claro que o leitor-objetivo está presente em todas as áreas. Saul Bellow dizia escrever para suas mulheres, Thomas Bernhard escrevia para que seu país lesse e o odiasse mais, Clint Eastwood confessou ter feito filmes por vingança de uma só pessoa (e acabou sendo premiadíssimo), Paulo José Miranda escreveu um livro contra uma ex-mulher (e ainda solicitou que ela o revisasse…), Franz Liszt e o último Beethoven diziam escrever para o futuro. Já Fernando Monteiro diz que grande parte dos escritores atuais escrevem seus livros para um passado que, infelizmente, não pode lê-los nem comprá-los…

Já eu, aqui do meu cantinho, estava começando uma crítica simples e curta sobre um ótimo livro de Simenon e sei que a leitora-objetivo deste tipo de post era uma amiga que faleceu há dois meses. Então, ontem, eu começava, recomeçava e não encontrava o tom. Nunca tive bloqueios; sento e escrevo, analogamente ao que faço na privada e com resultados semelhantes. Eu escrevia, tentava ser inteligente, informado, sensível e bom observador porque ela era assim, porque, se eu fosse diferente, ela não daria importância. Aí, depois de algum tempo olhando para a tela, descobri: é muito mais fácil escrever dirigirindo-se a alguém. Só que este alguém me falta. “Saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu”. Pois nem isso consigo, não consigo ainda encarar a saudade. Por enquanto, o quarto ficará fechado, de pernas para o ar, até eu arranjar coragem.

Cena de The Pillow Book (O Livro de Cabeceira), de Peter Greenaway

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Escritor Wilson Bueno é morto com facada no pescoço

Credo, se a moda pega!

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O Arco-Íris da Gravidade, de Thomas Pynchon

Por Charlles Campos

Flaubert morreu sem realizar seu desejo de escrever um livro que não dissesse absolutamente nada. Olhando de nossa situação no tempo_ do meio do ano 2010_, um escritor que produzia seus romances e contos como quem deita delicadas gotas de estricnina em milimétricos quadrados de vidro, não fica difícil perceber que o célebre francês sonhava com uma composição estética à frente de seu tempo, desvinculada de enredo e de personagens, algo próprio para o século que se desanuviaria e que estaria cheio de descobertas cujo modelo para armar seria a falta de coerência que determinaria tudo: a teoria do caos. Homens como nós, pós-modernos_ ou seja qual novo conceito resume esse não-sei-que cosmopolita_, estamos acostumados à falta de sentido, à independência à linha reta, à conturbação e às reticências que só dão a aparência de que a resposta está de molho pronta para ser lançada sobre nós assim que completa sua maturação. Palavras da cartola da ciência foram postas ao olho vivo da platéia, e o pasmo da descoberta de que todos os presentes fazem parte da ilusão de luz e sombras cujo truque final fará que tudo desapareça, como a bela moça de biquíni escondida no caixote, entraram para o linguajar cotidiano. Entropia, Indeterminação, Relatividade, Dimensões Paralelas, Teoria das Cordas. Se Flaubert viajasse na máquina do tempo de Wells e parasse sem estágios aqui nesse olho do furacão onde moramos em sossego, sentiria a vertigem aterrorizante do herói de casaca amarrado no carrinho da montanha russa em franca aceleração em direção ao abismo à frente, onde os trilhos estão partidos: o som inapreensível da queda com o qual nossos ouvidos acostumados transvertem em músic a de comercial das Casas Bahia que já não nos incomoda.

Coube ao americano Thomas Pynchon, um século depois, chegar o mais próximo do sonho de Flaubert, esbanjando vivacidade e fôlego em um romance de 800 páginas que dá ao leitor o sério problema de não saber definir do trata. “O Arco-Íris da Gravidade”, lançado nos Estados Unidos em 1973, em plena ressaca dos anos 60 e no estilhaço das guerras geográficas que transformou a possibilidade de uma nova guerra mundial em um premonitório fantasma convergido em um hipotético botão nuclear, parece não dizer nada, ser uma caixa caleidoscópica que simula um delírio de LSD, ou, mais apropriadamente, a concha marinha onde está registrado o último nó caótico de sons de uma humanidade que desapareceu para sempre. Uma mensagem final dirigida a ninguém, de seres sem rastro que foram incapazes de emitir qua lquer significado conjunto para configurarem o mínimo propósito à sua existência. Na verdade, “O Arco-Íris da Gravidade” é um grande epitáfio a esse projeto mal fadado que é o homem, fazendo-o numa língua impossível cujo tom é dado pelas suas primeiras frases apoteóticas: “Um grito atravessa o céu. Já aconteceu antes, mas nada que se compara com esta vez.” E como todo epitáfio_ ou todo réquiem_ traz uma profunda ternura por trás de sua acusação da brutalidade da finitude; no paradoxo de desnudar o caos, quando tudo é sugado por sua força implacável, emite uma frágil bolha que flutua tranquila na borda do buraco negro para, no momento que cessa sua efemeridade, libertar uma última reação de importância_ como se houvesse algo de sagrado e duradouro na saudade.

Sobre isso que trata o romance, entenderam?

Não?

Bem, há um personagem principal, um misto de espião americano, experimento vivo ambulante e prodígio sexual, cujo nome é William Tyrone Slotrop. Ele ocupa uma parte avantajada dessas 800 páginas, em que erra peripateticamente por uma Europa pós-segunda guerra devastada, sendo alvo das mais absurdas aventuras, algumas das mais memoráveis delas a luta corporal com um polvo, a fuga cinematográfica de uma plataforma subterrânea de lançamento de foguetes nazista (em cima de uma ogiva e com uma série de alemães enfurecidos atrás), um mergulho para dentro de uma fétida privada de um banheiro masculino, enquanto um negão de exageradas proporções corporais tenta lhe mostrar da pior maneira possível por que erram os que julgam que sua superdotação é puramente cerebral. Es ses e outros infortúnios são narrados numa velocidade estonteante, que desarma o leitor de seu assombro crescente assim que tem a revelação de que o verdadeiro personagem do romance_ como diz o autor das orelhas do livro, e do qual me impossibilita dizer algo diferente_ é a linguagem de Pynchon: seu inglês caudaloso, debochado, anárquico, irreverente, paranóico. Um anarquismo lingüístico que não perdoa nada, que muitas vezes arranca o leitor de sua impressão de atingir compreensão para atirá-lo em uma abrupta análise de um pormenor destoante. Um romance que ultrapassa a média em envolvimento e absorção, principalmente por ser composto por materiais nem um pouco convencionais.

Se a micro-história ou a História das Mentalidades retirou o foco dos estudos dos reis e dos heróis nacionais para se concentrar no homem comum, a prosa de Pynchon continuou uma revolução semelhante na seara do romance, utilizando o lixo, os caçoetes e toda a tralha multicolorida da sub-cultura norte-americana, compondo uma obra soberba que, como haveria de ser, gerou repúdio e muita polêmica. A comissão do prêmio Pulitzer lhe conferira o prêmio de melhor romance do ano de seu lançamento, mas na última hora a direção da comenda o rejeitou sob a acusação de ser um romance pornográfico. Talvez pela irreverência das descrições sexuais de um Slotrop que, sempre que transava com uma mulher, determinava por uma ligação misteriosa com o foguete (e o material com q ue ele era feito, o estranho Imipolex) que o local onde estava fosse destruído, logo depois, por uma explosão. E Pynchon se molda, intencionalmente ou não, ao escritor-mito, por sua completa negação a aparecer na mídia, a dar entrevista ou ser fotografado. Chegaram a sugerir que ele e Salinger fossem a mesma pessoa, ambos afeitos a uma reclusão monástica. Seu tradutor brasileiro_ o excepcional Paulo Henriques Britto_ que nos deu uma das melhores conversões já feita desse romance, retém sob severo juramento cartas do próprio Pynchon, escritas em espanhol, com longos esclarecimentos sobre as partes mais complexas da obra. Cartas que com certeza seriam disputadíssimas entre os milhares de fãs ardorosos que formaram um culto organizado em torno de Pynchon.

E “O Arco-Íris da Gravidade” é inusitadamente engraçado, e não pensem que se trata do risinho renhido do sarcasmo saramaguiano, ou os risos sincronizados do único romance com claque da história da literatura, o Ardil-22_ o livro se mantém numa constante e irresistível eletricidade histriônica, um humor abrangente e sem reservas que é um dos seus poderes inigualáveis: o riso se torna um sério posicionamento filosófico, um costume contaminante que muda nosso confrontamento com o mundo, uma herança erudita transformada de Rabelais, Groucho Marx, Monty Python, Os Três Patetas e Buster Keaton.

E, quando chegamos ao final dessa extensa saga, Pynchon nos soluciona o enigma derradeiro: só assim, usando os despojos de nossa cultura, a falta de vergonha de nosso orgulho desarroado, os nossos preconceitos e nossos ódios infinitos, a nossa miséria e capacidade de nos enganarmos e nos iludirmos eternamente, nossa tecla defeituosa que nunca proporcionou aprendizado com o passado, nosso frenesi e arrogância científica que finge esclarecer, poderemos ter a presciência terrível de que toda piada traz o lamento enrustido de só conseguirmos rir até as lágrimas do outro que cai e arrebenta a cara no muro, e nunca compreendermos que afinal rimos de nós mesmos atirados no chão, todos atolados no caos e vítimas das gritantes trivialidades criadas, na única comunhão possí vel de esperar alegremente o aniq uilamento, como nas palavras que finalizam o livro:

“E é bem neste ponto, este quadro escuro e mudo, que a ponta do Foguete, caindo a um quilômetro e meio por segundo, absoluta e eternamente sem som, alcança seu último imensurável intervalo acima do telhado deste velho cinema, o último delta-t.

Há tempo, se este conforto lhe parece necessário, de tocar a pessoa a seu lado, ou de pôr a mão entre suas próprias pernas frias…ou, se é preciso cantar, eis uma canção que Eles jamais ensinaram a ninguém, um hino de William Slothrop, há séculos esquecido e jamais reeditado, para ser cantado com a melodia simples e agradável de uma ária da época. Acompanhe a bolinha:

É a Mão que faz o tempo andar,

Ainda que em tua Ampulheta se esvaia a areia,

‘Té que a luz que abateu as Torres altas

Chegue à Alma Preterida derradeira…

‘Té que os Viandantes durmam à beira

De toda via desta Zona estropiada

Com um rosto em cada encosta de monte,

E uma Alma em cada pedra da estrada…

Agora todo mundo__”

Este seria Thomas Pynchon há muitos anos

Este, retirado de um site francês, vem até com credencial…

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Universidade de Coimbra escolhe os 10 romances mais representativos da língua portuguesa (e dá vexame)

Reunido ontem em Coimbra, o júri do concurso “10 Paixões em Forma de Romance”, selecionou

1. “Os Maias” de Eça de Queirós,
2. “Memorial do Convento”, de José Saramago,
3. “Dom Casmurro”, de Machado Assis, e
4. “Terra Sonâmbula”, de Mia Couto.

Entre os “10 Mais” escolhidos pelo júri, que integrou os escritores José Luís Peixoto e João Tordo e vários docentes da Faculdade de Letras (FLUC), figuram ainda

5. “Amor de Perdição”, de Camilo Castelo-Branco,
6. “Aparição”, de Vergílio Ferreira,
7. “O Delfim”, de José Cardoso Pires,
8. “Esteiros”, de Soeiro Pereira Gomes,
9. “A Sibila”, de Agustina Bessa-Luís, e
10. “Sinais de Fogo”, de Jorge de Sena.

Segundo o director da Imprensa da Universidade de Coimbra (IUC), João Gouveia Monteiro, para chegar a esta lista final “o júri teve em conta a diversidade e representatividade de diferentes épocas, correntes, geografia e géneros, bem como a expressão da vontade dos votantes”.

Acho que principalmente a vontade… Sim, sou brasileiro com cidadania portuguesa e não me ufano exageradamente nem de um, nem de outro; porém, devo dizer que a lista é ridícula. Achei belas surpresas as presenças do grande Cardoso Pires — desconhecido no Brasil — e de Bessa-Luís, mais conhecida por aqui. Também não pretendo apontar quem deveria entrar ou sair de lista, apenas gostaria de saber em que posição estariam Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, Quarup, de Antônio Callado, Crônica da Casa Assassinada, de Lúcio Cardoso e Os Ratos, de Dyonélio Machado, os primeiros que lembrei e que são muito superiores a Esteiros e Sinais de Fogo, por exemplo.

Charlles Campos lembra Lobo Antunes e Miguel Torga, só para ficar em campo ibérico. Ele chama a lista de furada. Tem razão, claro.

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Detalhes de um pôr-do-sol, de Vladimir Nabokov

Dia desses — e nem comentei aqui –, li o elogiado livro de contos de Vladimir Nabokov (1899-1977) Detalhes de um Pôr-do-sol. Foi um trabalho penoso e lento para este dedicado leitor, pois poucas vezes algo me foi tão chato, comum e sem surpresas. Levei dez dias para chegar à página final, aquela que tem o número 173 no rodapé. Os contos de Detalhes são de década de 20 e 30. Sempre admirei a literatura de Nabokov e acho notável que ele tenha escrito a obra-prima A Verdadeira Vida de Sebastian Knight nos mesmos anos 30. Mas quem me fez chegar a este livro? Ora, as maravilhosas páginas culturais brasileiras, os maravilhosos articulistas de nossos principais jornais e revistas.

Concordo com quem diz que, hoje, a crítica literária no Brasil quase inexiste e quando um livro recebe críticas favoráveis na revista Bravo, no Caderno 2 do Estadão, na Folha de SP, na Veja e na Isto É, é porque tem uma boa editora na retaguarda… Hoje, procurei na Internet todos estes artigos e eles são favorabilíssimos. O que houve então? Não sei.

São contos de um convencionalismo muito antiquado. Normalmente iniciam-se por longas descrições de ruas ou de apartamentos de emigrados russos em Berlim. Elas precedem à ação e ali não há lugar para sugestões do que está por vir nem para os personagens. É apenas enfadonho e, quando chegamos à história, já perdemos o entusiasmo. Num dos contos, Nabokov chega a ironizar aquelas pessoas que não lêem atentamente as descrições e introduções. Está bem, vá lá, vamos concordar com o autor, digamos que elas sejam necessárias como eram para Balzac. Só que as descrições de Balzac eram coloridas e tinham o objetivo de situar-nos socialmente e de preparar-nos para o grau de galhofa ou seriedade que viria logo a seguir. As de Nabokov são geográficas…. e o que vem depois nunca é muito original, ficando sempre numa linha de melancolia nostálgica.

Na Veja, Marilia Pacheco Fiorillo escreveu que “nessa coletânea não há o menor truque, artifício, uso de “vozes”, ou o que quer que atormente escritores modernos e pós-modernos. Pela simples razão de que Nabokov não precisa de nada disso. Seu estilo dá ao leitor a estranha sensação de não estar diante de um livro, mas da própria vida. Só que mais bem contada.” Acho que, para Marília, Nabokov não precisa de nada para ser sempre bom. Seu texto parece ter sido escrito sob encomenda. No Estadão, o vacilante Daniel Piza escreve que “mesmo em construções sintáticas simples já vemos todos os elementos que marcam sua literatura: o humor entre cômico e melancólico, a preocupação com as ilusões amorosas, a melodia verbal com toques de ironia, a noção do patético mesclado ao dramático. É do grande escritor ser assim tão sutilmente pessoal”. Haja criatividade! Ambos também elogiam a simplicidade transcendente dos contos. A simplicidade, sim… Tenho certeza de que se ambos não conhecessem o Nabokov pós-Lolita, nunca teriam escrito tais coisas. Não sou um débil mental nem um mau leitor, também não sou insensível às possíveis transcendências, símbolos e significados subliminares; portanto digo que, em minha opinião, os contos de Detalhes são obras singelas de um escritor em formação. Seu mérito principal é o de não serem pretensiosos. Se vocês quiserem o bom Nabokov, procurem Lolita, Fala, Memória, Fogo Pálido, Transparências, etc., sem esquecer do melhor de todos Sebastian Knight.

Ou quem sabe os europeus não dão mesmo importância ao gênero “Conto” e ali deitam apenas sobras? Boa pergunta…

P.S.: O nome de um dos livros é Fala, Memória. Não são dois livros.

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