Abel, acho que o Inter fez seu melhor jogo no Campeonato Brasileiro. Não obstante, quase entregou novamente no final. Dominamos inteiramente o Atlético-PR, mas deixamos com que eles fizessem o primeiro numa incrível falha de nossa defesa. Depois, OK, viramos com méritos e poderíamos ter feito mais. Mas aí vem nosso problema, Abel: a gente não mata ninguém, nossas vitórias são todas por um gol de diferença, até o fim é aquele sufoco e, assim como ocorreu contra o Sport, os paranaenses quase empataram no final. Houve intensidade e boas atuações de Alan Patrick, D´Alessandro, Aránguiz e Alex. Aliás, Patrick marcou um lindo gol – chute violentíssimo no ângulo superior direito –, fez a jogada do gol do D´Alessandro e quase marcou o terceiro. Foi o melhor em campo.
http://youtu.be/ZCcRO2w1r9k
Bem, Abel, somos líderes isolados (10 pontos em 12 possíveis), mas nunca esqueça que jogamos três jogos em casa e apenas um fora. Se eu fosse cínico, diria que é só manter a posição por mais 34 rodadas, porém não te direi isso. Agora temos um jogo da Copa do Brasil na quarta-feira — contra o Cuiabá, às 22h, o jogo de ida foi 1 x 1 — e, no domingo, pegamos o Criciúma fora.
Ora, convenhamos Abel, o Criciúma levou 6 do Botafogo, não é um bom time. Vamos lá marcá-los direitinho, dando aquelas especuladas espertas. Deve ser fácil pegar eles em contra-ataques. Claro que só de pensar que o Paulo Baier (39 anos) estará do outro lado, já significa que tomaremos um gol, mas é importante manter for o que foi conquistado a duras penas em casa. Lembre-se que o campeão é o time que ganha dos pequenos. Não faça bobagem contra esses timecos.
De entremeio, espero um jogo tranquilo contra o Cuiabá, daqueles que são resolvidos no primeiro tempo. Ah, mas esqueci que nunca conseguimos ganhar por larga diferença de gols. Ou conseguimos?
Entre os dias 10 de maio e 21 de junho de 1933, logo após a chegada ao poder de Adolf Hitler, foram organizadas queimas de liros em praça públicas com a presença de entusiastas, polícia e bombeiros e representantes do governo. Tudo o que fosse crítico ou se desviasse da orientação nazista, deveria ser destruído. Os incêndios ocorreram por iniciativa do diretório nacional de estudantes nazista.
Os estudantes e membros das SA e SS participaram destes festins. As entidades estudantis NSDStB e ASTA competiram entre si, numa tentativa de uma mostrar-se melhor que a outra. A maioria dos livros queimados pertenciam à bibliotecas públicas. Eles eram de autores “pouco alemães”. O poeta nazista Hanns Johst foi um dos que justificou a queima, logo depois da ascensão do nazismo ao poder, com a “necessidade de purificação radical da literatura alemã de elementos estranhos que possam alienar a cultura alemã”.
Entre os livros queimados pelos nazistas estavam obras de Thomas Mann, Heinrich Mann, Walter Benjamin, Bertold Brecht, Erich Kästner (que, anônimo, assistia a tudo), Robert Musil, Erich Maria Remarque, Joseph Roth, Nelly Sachs, Franz Werfel, Sigmund Freud, Albert Einstein, Karl Marx e Heinrich Heine.
Oskar Maria Graf não foi incluído na lista. Seus livros não somente não foram banidos como até foram recomendados pelos nazis. Em resposta, ele publicou um artigo intitulado “Verbrennt mich! (queimem-me) no jornal vienense “Arbeiter-Zeitung” (Jornal dos Trabalhadores). No ano seguinte, foi atendido.
A opinião pública e a intelectualidade alemãs ofereceram pouca resistência à queima. A burguesia tomou distância, passando a responsabilidade aos universitários. Também os outros países acompanharam a destruição à distância, chegando a minimizar a queima como resultado do “fanatismo estudantil”.
(Intermezzo de Bertold Brecht
Primeiro levaram os negros Mas não me importei com isso Eu não era negro
Em seguida levaram alguns operários Mas não me importei com isso Eu também não era operário
Depois prenderam os miseráveis Mas não me importei com isso Porque eu não sou miserável
Depois agarraram uns desempregados Mas como tenho meu emprego Também não me importei
Agora estão me levando Mas já é tarde. Como eu não me importei com ninguém Ninguém se importa comigo.
Fim do intermezzo de Bertold Brecht)
Entre os poucos escritores que reconheceram o perigo e tomaram uma posição estava Thomas Mann. Em 1933, ele emigrou para a Suíça e, em 1939, para os Estados Unidos. Quando a Faculdade de Filosofia da Universidade de Bonn lhe cassou o título de doutor honoris causa, ele escreveu ao reitor: “Nestes quatro anos de exílio involuntário, nunca parei de meditar sobre minha situação. Se tivesse ficado ou retornado à Alemanha, talvez já estivesse morto. Jamais sonhei que no fim da minha vida seria um emigrante, despojado da nacionalidade”.
Certa vez, um dos queimados, Heinrich Heine (1797-1856), escreveu: “Onde se queimam livros, acaba-se queimando pessoas.”
Passarinho que dorme com morcego acorda de cabeça para baixo.
Provérbio português
Quem leu Cortázar direitinho sabe quem é Gesualdo da Venosa, casualmente o sujeito aí à esquerda. Aquele pessoal da Renascença não era mole. Passei grande parte da quarta e quinta-feira com os fones ligados, ouvindo Gesualdo, um sujeito nascido em 1566 que merecia ser conhecido por sua música e não apenas por ter cometido um espetacular assassinato.
O príncipe Gesualdo — pois ele era um príncipe — casou-se aos 26 anos com sua prima, Maria d`Avalos. Foram alguns anos de um casamento feliz — provavelmente só na opinião do marido — e Maria começou um caso com Fabrizio Carafa, Duque de Andria. Com raras (e mui honrosas) exceções, o corno é o último a saber; ou seja, toda cidade sabia, menos o proprietário das frondosas peças. Talvez fosse esperado que, ao descobrir com quem sua Maria se deitava, o Príncipe da Venosa tivesse uma reação blasé, mais ou menos como um francês do século XIX… Nada disso! Gesualdo deve ter pensado que “Corno que sabe e consente, bem age quem lhe acrescente…”, e tratou de vingar-se. Vamos ver o que fez Gesualdo.
Num belo dia de outono, ele preparou algo que lhe servisse como aquecimento: uma caçada com amigos. Nada melhor que um pouco de sangue para alguém quem traz um desejo de morte na alma. Então, em meio à caçada, Gesu resolveu ver como andavam as coisas em casa, digo, no Palazzo San Severo. Severo? Severíssimo! Testemunhas disseram que Gesualdo pediu que os empregados segurassem Fabrizio, dando-lhe um lugar confortável onde pudesse ver o primeiro ato da cena. Então, dedicou-se à mulher, enfiando-lhe a espada diversas vezes em locais, digamos, não fatais. Como Maria custasse a morrer, ele berrava “Ainda não?, Ainda não?” e seguia perfurando a pobre adúltera. Na segunda parte, ministrou tratamento semelhante a Fabrizio, com resultado análogo. Contudo, antes, fez o Duque de Andria trajar um vestido de noite de Maria. As roupas de Fabrizio foram encontradas limpas e sem marcas de violência.
Completou a obra deixando os corpos bem na frente de seu castelo, de forma a mostrar como se faz à cidade de Nápoles. A atitude criminosa e sanguinária foi cantada em versos por Tasso e admirada em toda a Europa. Virou tema de ópera, poemas e peças teatrais.
Mas voltemos ao caso. Vocês estão pensando que ele foi preso, não? Nada disso, os nobres nunca eram presos; havia para eles uma pizza institucionalizada. Porém (ah, porém…), um outro nobre podia vingar-se dele numa boa. Após o crime, Gesualdo arranjou outra mulher e isolou-se, compondo sua maravilhosa (mesmo!) obra musical. Aquele aristocrático napolitano só foi reconhecido nos primeiros anos do século XX. Tinha uma linguagem avançada que incluía dissonâncias, progressões harmônicas, ritmos contrastantes, passagens diatônicas, cromatismo, etc. Stravinsky erigiu-lhe um monumento musical — o Monumentum pro Gesualdo (1960) –, Julio Cortázar dedicou-lhe com conto; Anatole France, um romance (Le puits de Sainte-Claire); e Aldous Huxley várias páginas de seu As Portas da Percepção (The Doors of Perception).
Só que eu escrevi um “ah, porém” ao estilo de Paulinho da Viola. O motivo é que, vinte anos depois da morte da mãe, o segundo filho do casal Gesualdo e Maria d`Avalos resolveu vingar-se, matando o pai que assassinara sua mãe quando era bebê. A vingança é um prato que se come frio e, com mais esta morte, pegamos um dos pingos do sangue de Gesualdo a fim de colocamos um ponto final a este post.
Eu não sou uma pessoa tão pouco informada a ponto de ignorar que os museus não ingleses costumam fechar às segundas-feiras. Só que estávamos em meio a uma viagem, estávamos muy contentos e amorosos e não pensamos que estávamos indo para o Museu Rodin numa segunda-feira. Estava pra lá de fermé e ficamos num café ali ao lado, resolvendo para onde ir.
E voltamos a nossa vida de flâneurs das avenidas, dos parques, das galerias, dos cafés. Mas há flâneurs estúpidos e inteligentes. Nesta dia, escolhemos a primeira opção. Já que Rodin nos sacaneara, nada de museus, nada de livrarias, iríamos abandonar a vida cultural neste 24 de fevereiro.
E fomos flanando até a Torre Eiffel.
Tirando fotos.
Inúmeras fotos.
Tentei imitar Hitler, mas ele é muito mais discreto do que eu.
E fomos nos aproximando da Torre.
Ficando cada vez mais perto.
Lembro de algumas de nossas piadas — todas impublicáveis e sem relação com a
construção a nossa frente.
Quando saímos de lá, depois de várias voltas, descobri uma coisa que jamais imaginaria: a Elena adora carrosséis.
Ela ficou doida por esse aí. Enquanto nos aproximávamos, vi surgir uma criança felicíssima ao meu lado. Ela não deu voltas nele, mas me obrigou a tirar várias fotos de todos os ângulos possíveis.
E dá-lhe carrossel.
Não nego que era bonito.
E ela não parava de exigir fotos mais e mais perfeitas… Até que subiu na escadaria quando ele parou.
Saímos de lá com o espírito infantil e começamos a fazer outra série de fotos, agora brincando com a Torre. Claro que tenho várias com a Elena segurando a Torre por baixo, mas essa é clássica demais. Começamos a brincar com o topo da Torre e qual não foi a nossa surpresa quando vimos
um monte de turistas nos imitando, tentando pegar a Eiffel por cima. Quando chegáramos, a brincadeira era pegar por baixo. Credo, que gente imitona.
No início, todos faziam assim, ó.
A seguir, fomos a pé até o Arco de Triunfo, uma construção enorme e sem graça — só a vista lá de cima é que é legal — e que comprova a visita de Napoleão à cidade natal de Elena. Mohilew (ou Mogilev) é a bonita cidade em que minha namorada nasceu. O baixinho levou até lá seu cavalo branco numa visita pouco apreciada pelos bielorrussos.
Antes de chegarmos a Arco, tínhamos entrado numa loja na Nespresso com a intenção de usarmos o banheiro, mas só conseguimos provar um café, pois o pessoal da loja é tão fino que aparentemente não faz suas necessidades no local. Pedimos o mais forte e garanto que estava excelente, apesar da bexiga cheia. Como não comíamos desde o café do manhã, escolhemos a dedo um local para fazê-lo da forma mais típica. Entramos numa boulangerie cheia de franceses e não nos arrependemos.
Pois é, meu caro Abel Braga, estávamos ganhando bem até os 30 minutos do segundo tempo, quando tomamos um gol besta e quase entregamos o jogo. Seria a segunda vez em dois jogos. Lembras que no Rio ganhávamos por 2 x 0 do Botafogo e cedemos inexplicavelmente o empate? Claro que lembras! Pois ontem quase ocorreu o mesmo. Navegávamos em tranquilos 2 x 0 até que o Sport fez um gol por erro de nossa defesa e virou um leão. Quase empatou o jogo.
O que irrita mais é que uma vitória por dois gols nos daria a liderança do campeonato. É claro que, matematicamente, em uma disputa em 38 rodadas, pouco importa quem é o líder na terceira rodada, mas quem conhece a psicologia do futebol sabe da importância de estar na frente. E cá pra nós, Abel, quem criou o problema foi tu, colocando o Ygor no lugar do Alex e o Valdívia no lugar do Alan Patrick, que finalmente fazia um bom segundo tempo. Modificações bobinhas, dessas para poupar jogadores. Poupar para quê, me diga? O próximo jogo é só sábado!
Desta forma, há quatro times na liderança do Brasileiro, todos com 7 pontos ganhos. Segundo Juca Kfouri, há dois jogando muito mal e nem sabem o porquê de suas posições — Corinthians e Goiás –, há o instável Internacional e o provável bicampeão brasileiro de 2014, o Cruzeiro, um líder que joga com o time reserva, dedicado que está à Libertadores. Enquanto isso, a gente comeu mosca contra o Botafogo e ontem quase, né, Abel?
Acho que está na hora de tu tirares o time do ponto morto, Abel. Esses reservas imediatos não deveriam ser substituídos pelos guris que iniciaram o Gauchão? Eles me parecem bem melhores do que o pessoal que senta em nosso banco de reservas, hein?
Festival da Record de 1967: Edu Lobo e Marília Medaglia dão-se os parabéns pela vitória. de Ponteio.
Não sou pessimista. Apesar de tantos problemas e desassossegos, não penso que o mundo esteja andando para trás. Mas houve coisas que certamente pioraram muito — refiro-me especificamente às artes populares, principalmente o cinema e a música do dia-a-dia. Por exemplo, durante o Festival da Record, cujos resultados mostro abaixo, eu tinha dez anos. Lembro que nós, lá em casa, fazíamos apostas. Minha irmã, em seus adolescentes 15 anos, era uma adoradora — é até hoje — de Edu Lobo, enquanto suas colegas só tinham olhos para Chico Buarque. (Aliás, ela devia ser do contra, tanto que amava George Harrison, não Paul McCartney ou John Lennon). Mas não tergiversemos: o Festival ocorria numa sexta ou sábado à noite e nós víamos o VT dias depois, mas antes da próxima “rodada”, a qual ocorria no fim-de-semana seguinte. Então, lembro de um sábado ou domingo pela manhã que entrei correndo no quarto da Iracema para berrar-lhe que ouvira a novidade no rádio. Na noite anterior, Edu Lobo vencera novamente o Festival da Record. Foi uma das raras vezes que a vi acordar bem-humorada.
O Festival da Record e o FIC mobilizavam o país e o que me deprime é que se tratavam de músicas populares de primeiríssima linha — coisa que não acontece mais hoje, pois popular é a Valesca “Beijinho no Ombro” Popozuda, não Yamandú Costa ou Hamilton de Hollanda ou Mônica Salmaso ou Guinga, por exemplo.
E aí está a apresentação de Edu Lobo defendendo sua composição. Mesmo com o som ruim, mesmo com a gritaria geral, fica clara a irrepetível mistura de ritmos nordestinos com Stravinsky, ídolo maior de Edu. É para se ouvir de joelhos.
Tremenda injustiça sofreu nosso ex-ministro. Gilberto Gil era um rapaz todo redondo e veio com a esplêndida e igualmente original Domingo no Parque, devidamente polida por Rogério Duprat e com a presença irreverente de um trio desconhecido de maluquetes — Os Mutantes. Não fosse Edu, era para ganhar. Era a minha preferida.
Mesmo bonito e com o apoio do público, Chico não poderia fazer nada contra as duas campeãs. As canções adversárias eram obras de exceção. Sobrou um mui digno terceiro lugar para Roda Viva, a absolutamente preferida de meu pai.
http://youtu.be/HRFw5u5wR4c
Caetano Veloso ocupou o quarto lugar com Alegria, Alegria, uma canção que marcou época e deu nome a um time de futebol amador onde eu brinquei algumas vezes: a AAAA (Associação Atlética Alegria Alegria…).
Sérgio Ricardo quebra e lança o violão à platéia, sob vaias.
Naquele mesmo festival aconteceu um escândalo. Sérgio Ricardo veio com uma música bem ruinzinha e, quando foi reapresentá-la, o público vaiou tanto que ele simplesmente não conseguiu cantá-la novamente. Então, ele gritou, sapateou de raiva e acabou quebrando seu violão no palco. Depois, completou a obra lançando-o à plateia. Concordo que o público foi intolerante para com o artista, mas confesso a vocês que foi lindo de ver!
Por que caímos tanto? Acompanhando de longe a cena do rock e do pop, não vejo uma decadência tão grande fora do país. A música dos franceses sempre foi fraca, mas, quando estava em Londres, ouvia as canções que tocavam nos pubs. Não havia nenhum Led Zeppelin ou Beatles, mas o que ouvíamos eram coisas bem feitas, originais e vivas. Lá há criatividade e potência, por assim dizer. O que aconteceu conosco? Faltam universidades de música popular? O pessoal bom não chega a ser conhecido porque a indústria só se interessa pelo lucro rápido? Os caminhos estão mesmo cortados? A qualidade genética do país simplesmente caiu? Ou trata-se de mais um reflexo da falência de nosso sistema educacional? Sei lá.
Texto de 2010 que cortei, cortei, cortei e corrigi.
Que mancada, hein Abel? Tudo bem que tu quisesses minimizar o ocorrido, dizendo que o Botafogo jogava em casa e pressionou no segundo tempo. Só que esse papinho só mostra como tu proteges bem os jogadores. Porque, na verdade, foram dois pontos jogados fora, bem dentro daquele estilo que faz com que estejamos na fila há LONGOS 35 ANOS de Brasileirão.
O jogo de ontem estava à feição, estava ali para ser aproveitado. Poucos times vencerão o Botafogo no Rio, uma vitória contra eles nos daria alguns daqueles pontos diferenciais que só os líderes têm e que o Fluminense obteve ao vencer o Palmeiras em São Paulo.
Sem forçar muito a barra, fazíamos dois a zero ao final do primeiro tempo. Dois gols do recuperado Rafael Moura em jogadas de Aránguiz e Valdívia. Fomos para o segundo tempo e o Dida deu aquela saidinha hesitante do gol que resultou no 2 x 1. Um minuto depois, tu fazes a substituição mais errada de tua atual gestão. Retiras o Alan Patrick e colocas o Gladestony para fechar o meio-de-campo. Ora, Abel, por que não o Ygor??? Ygor é um cara que sempre dá boas respostas. Já Gladestony entrou muitíssimo mal: em um minuto, já tinha recebido cartão amarelo e sua postura demonstrava claramente que ele entrara desmobilizado, entrara só para finalizar um jogo fácil. Fora a campo para mostrar que era um craque. O que tu disseste para ele, Abel?
Depois foi aquele filme de terror. O Botafogo empatou e, se fosse o time organizado que será daqui a três rodadas, teria virado o jogo. O Paulão tem razão ao dizer que perdem todos, mas nós sabemos que Dida, Gladestony e tu foram os responsáveis por esses dois pontos a menos.
Agora é importante vencer o Sport no Beira-Rio para não desgrudar da ponta de cima. Nada de mais erros infantis, Abel. Faz voltar o Gilberto e o Alex e vamos pra cima deles. Afinal, acho que nosso objetivo não é só a Libertadores, certo?
Neste dia, sobre o qual comecei a falar aqui, Elena e eu nós caminhamos muito. Refazendo nosso trajeto a pé no Google Maps, e considerando que este propõe sempre o caminho mais curto — exatamente o que não tomamos –, chegamos a um total de 11,5 Km, ou 2h28 de caminhada. Mas garanto a meus sete leitores, foi muito mais. Depois dos Jardins de Luxemburgo, atravessamos a cidade até o Palais Garnier na Rue Scribe para encontrar nossos amigos Liana Bozzetto e Alexandre Constantino. Causa certa euforia encontrar queridos amigos fora de nosso habitat. Pensamos em parar num café, mas começamos a caminhar, a conversar, a caminhar, a conversar e a caminhar juntos. Atravessamos Champs-Élysées, vimos cartões postais, …
… e mais cartões postais, …
… paramos para fotos no meio do caminho, …
… pedimos para um japinha tirar uma registro nosso na frente do Louvre, …
… pedimos uma segunda foto para garantir, …
… atravessamos o Sena e acabamos comendo um salmão genial num bistrô à beira do rio. Então, saímos novamente a pé até o hotel de nossos amigos em Montparnasse. Durante a caminhada, eu e Alexandre íamos léguas à frente das meninas. Conversávamos de forma copiosa fazendo um mix de algumas de nossas experiências. Quem conhece o Alexandre, sabe: ele não é um sujeito de jogar palavras fora; é um cara que pensa antes de falar, que se aprofunda nas coisas, que diz não ler muito, mas que cita autores de diversas áreas e tamanhos. É sempre um prazer conversar com ele.
Há cem metros, as meninas vinham nos seguindo. Liana e Elena contavam experiências uma para outra. Elena disse que sua conversa com ela valeu por várias sessões de terapia. Quando eu e Alexandre parávamos para que elas nos alcançassem, elas pareciam diminuir ainda mais a velocidade. Aquele avanço até Montparnasse era efetivamente meio louco — havia prazer em conversar com o Alexandre e culpa pela nossa velocidade alucinada, havia prazer na conversa entre Liana e Elena e algum desejo de privacidade, o que as tornavam lentas. Mas bastava que eu e Alexandre apontássemos nossos narizes para Montparnasse que a correria voltava. Era como se nossa prosa nos obrigasse àquilo.
Mas finalmente chegamos ao hotel deles. O objetivo era o de simplesmente tomar um chá. Foi tudo tão bom que marcamos um jantar para o dia seguinte. O retorno a nosso Tim Hotel foi feito a pé, passando novamente pelos Jardins de Luxemburgo e pelo Panthéon, sempre ignorado.
Sim, é preconceito! Mas, por favor, não quero ouvir Snoop Dogg. Soube hoje que ele é um rapper de 32.148.597 curtidas no Facebook e que demonstrou bom gosto ao postar uma obra de arte do cartunista Carlos Latuff.
Vou contar um segredo para vocês, meus sete leitores. O Latuff gosta de discutir as charges que faz para o Sul21em nossa Redação. Ele chega aqui, a gente ri, briga um pouco e a coisa sai. Ele até já me propôs que eu assinasse uma ou duas junto com ele, mas, na boa, fiquei com vergonha. Eu não desenho uma linha, só complico. Essa aí teve a participação de toda a Redação e a genialidade do Latuff, que traduz nossas ideias confusas em imagens. Vejam essa charge que agora corre o mundo junto com o Sul21. Maior orgulho. Ah, tenho vários esboços dele na minha gaveta. Mas não vendo nem dou. São meus. A charge:
Latuff: Pepe Mujica, Osmar Terra e as diferentes abordagens sobre a maconha
Viste ontem o jogo do Grêmio? Pois é lembrei da Teoria do Caos. Conheces? É o seguinte: dizem os matemáticos e físicos que, se colocarmos em uma caixa de fundo plano um grupo de bolinhas em movimento chocando-se elasticamente entre si e as paredes, sem atrito contra a superfície, o resultado será o caos. Ou seja, será impossível calcular as posições futuras que as bolas tomarão. E elas nunca pararão de bater-se umas contra as outras e as paredes. É isso que eu achei do jogo do Grêmio ontem. Uma correria absolutamente sem sentido, objetivo ou beleza. São dois times muito ruins. O gol do San Lorenzo me pareceu meio casual, foi como se uma bolinha do caos tivesse resolvido entrar ali. Fico feliz de nosso time ser diferente. Temos conseguido manter certa compostura e lógica.
Mas o jogo contra o Vitória foi triste. D`Alessandro foi bem marcado, Alex estava a meio pau e o Alan Patrick jogou muito, mas muito mal. Então, não houve criação. Além disso, Cláudio Winck sentiu o Beira-Rio. Gostei das tuas reclamações sobre o desempenho do time nas entrevistas de final de jogo. Acho perfeitamente viável vencer o Botafogo do Bolívar no final-de-semana, mas só que com um jogo melhor. Não chegaremos a lugar nenhum com aquela pobreza. Salvou-se e salvou-nos o Aránguiz. Vamos contratá-lo né, Abel?
Outra coisa: devo ser um chato, pois sou o único colorado do mundo que achou comum o Beira-Rio. Claro, está mais bonito, mas eu esperava muito mais. As pessoas piraram de tal forma que pensei que entraria no Nirvana. Nada disso. Mas é nossa casa, precisamos dela para somar pontos. Não adianta, meu negócio é futebol, não arquitetura. Não ignoro que o Inter tornou-se multi-campeão depois da inauguração dos Eucaliptos, tendo o mesmo acontecido com o Grêmio pós-Olímpico e o Inter pós-Beira-Rio, só que não consigo torcer por estádios.
Com poesia, ele realizou brilhantemente o sonho de todo escritor: colocou nos palcos o poder, o amor, a vingança, a traição, a injustiça, a ambição, o ódio, a beleza. A humanidade seria diferente sem ele, certamente ainda pior. Ele tudo compreendia e há tudo em suas peças e poemas. Não apenas uma enorme diversidade de tipos humanos de qualquer classe social, como os mais variados desafios e sentimentos. O papel central de William Shakespeare no cânone ocidental consolidou-se a partir do século XVIII e de lá não mais saiu.
Você pretende beber em honra ao velho Bill?
(MACBETH, William Shakespeare, ATO II, Cena III)
MACDUFF — Quais são as três coisas que a bebida provoca especialmente?
PORTEIRO — Ora, senhor, nariz vermelho, sono e urinas. A lascívia, senhor, ela provoca e deixa sem efeito; provoca o desejo, mas impede a execução; por isso pode-se dizer que a bebida usa de subterfúgios com a lascívia: ela a cria e a destrói; anima-a e desencoraja-a; fá-la ficar de pé e depois a obriga a descansar. Em resumo: leva-a a dormir com muita lábia e, lançando-lhe o desmentido, abandona-a a si mesma.
Quando descrevi rapidamente o dia 22, esqueci de dizer que Liana Bozzetto e Alexandre Constantino entraram em contato conosco através do Facebook para nos dizer que estavam na cidade. Combinamos de nos encontrar ao final desta tarde (23), quando eles estivessem saindo da Ópera Nacional de Paris (o Palais Garnier da Rua Scribe). Iniciamos nosso dia fazendo uma caminhada até Notre Dame em pleno domingo pela manhã, dia de missa.
O fotógrafo Milton Ribeiro insiste em não fotografar a torre por inteiro. Abaixo, os cadeados com juras de amor eterno. Acho uma baixaria este símbolo. Não quero ninguém preso a meu lado, quero alguém que queira estar comigo por sua e por minha vontade.
A fachada principal, …
detalhes da mesma, …
e, pronto, entramos!
Algo de mágico ocorreu lá dentro da Catedral de Notre Dame. Estávamos caminhando dentro dela (ia começar a missa e o silêncio era completo, a não ser pelos passos e as máquinas fotográficas dos turistas que caminhavam pelas laterais da nave enquanto uma fila de padres com seus turíbulos preparava-se para ir até o altar), quando subitamente o órgão atacou acordes dissonantes e apocalípticos, nada harmônicos.
Era uma peça de Messiaen que dava início à missa e que mais parecia uma acusação aos homens. Foi lindo e assustador. Estávamos ouvindo música moderna num edifício que fora construído entre os anos de 1163 e 1345. A cultura francesa nos proporcionava aquele momento arrepiante, aquela poderosa e inesperada união entre passado e presente.
Eu e Elena Romanov ficamos dando voltas até o final da peça. Aliás, ficamos ainda depois por ali. Afinal, a coisa podia voltar. Não voltou, mas que maravilha ouvir uma obra daquelas — com aquele poder — em seu habitat. Ah, querem saber o que ouvimos? Soava mais ou menos assim.
Bem, já que o dia lá fora era belíssimo, resolvemos sair de Notre Dame…
em direção aos Jardins de Luxemburgo. No meio da caminhada pela cidade, além de vermos alguns cartões postais naturais, …
nos deu uma fome do cão. E foi então que cometemos o maior erro de nossa viagem. Na cidade de melhor culinária do mundo e após passarmos batido ao longo da Rue Mouffetard, veio-nos uma fome urgente, desesperadora. Passamos a procurar alguma porta de restaurante que nos abrigasse, mas os mesmos, na segunda magia do dia, simplesmente insistiam em não aparecer. Passamos ao lado do Pantheon se nem olhar para ele e acabamos entrando num restaurante vietnamita. Sim, vagando no pleno mar da culinária francesa, atracamos numa porra duma ilha vietnamita. E, ali dentro, completamos a tragédia. Pedimos a terrível, implacável, horrorosa e intragável Sopa Pho.
O gosto que a porcaria acima tem é complicado. Sentimo-nos deglutindo comida de astronauta em pleno paraíso. Todas as pessoas são felizes em Paris, à exceção de quem comeu sopa Pho no almoço. Uma água quente é jogada sobre finas fatias de carne. A fantasia é a de que, deste modo, a carne cozinhará. Na verdade, a água fervendo lava a carne, deixando-a clarinha. Em seguida, acrescenta-se manjericão, coentro, broto de feijão e pedaços de limão. Uma iguaria que só pode ser fruída adequadamente se estivermos entre napalms e bombardeios aéreos norte-americanos. Eu olhava para a Elena e ela olhava para mim. Difícil saber a quem culpar. Gosto dela, ela gosta de mim, se não somos jovens, somos um casal jovem, que não vai discutir idiotices. A Elena jogava temperos para todos os lados, tentando melhorar a coisa. Vendo que eu estava derrotado, ela falou que era nutritivo. Rimos sem graça.
Afinal, era uma atitude dantesca aquele negócio de atravessar o mar para comer uma merda daquelas. Saímos de lá loucos por comida de verdade, mas impossibilitados de qualquer coisa, pois estávamos enjoados, com receio de rever a sopa Pho a qualquer momento. Vou parar de escrever porque acho que ainda sobrou um pouco de Pho no meu estômago. Volto a sentir o gosto daquela nojeira.
A palavra russa acima tem o seguinte som: “parassionak”. Eu lhes digo que é um belo som. Vamos conferir lendo-a novamente e dizendo bem alto: “Parassionak”. Imagine o parassionak de seu país. Parece um grande personagem que ocupa uma presidência qualquer ou um cargo especial no STF. Ou talvez seja um aiatolá, sei lá. Imagine o parassionak de sua cidade… Será certamente alguém a ser saudado com fanfarras e que mora num palácio.
E se fosse a representação fonética de uma coisa não viva? Neste caso, certamente seria um transatlântico ou um gênero de limusine. Quem sabe o último modelo da Ferrari? “Hoje vi uma Parassionak B3, parece uma nave”.
Pois então você joga migalhas de pão por toda a cozinha e é chamado de parassionak. Bá, quanto orgulho senti! Eu, logo eu, um parassionak! E perguntei o que significava.
Sim, parassionak é apenas “porquinho”. A fonética é muito enganadora.
Mas gremistas, saibam: “azul”, em russo é “голубой”. A pronúncia é “galubói”, uma palavra de som horrível! Aqui, a fonética volta a revelar-se genial.
Já vermelho é “красный”, “krássny”. Digam bem alto: “Krássny”. E voltei a me apaixonar pela fonética. Tudo bem, sou um porquinho.
Uma medida bem pessoal que posso ter da grandeza de Gabriel García Márquez é a seguinte.
Minha q u e r i d a e a m a d a Elena Romanov nasceu em Mogilev, na Bielorrússia. Ela morou lá, acho, até por volta de seus 20 anos. Durante a adolescência, ela se apaixonou pela tradução russa de Cem Anos de Solidão de tal forma que não apenas a leu 4 vezes como fez com que seus amigos a lessem. E, hoje “pela manhã”, durante o café tomado após às 14h, ela contava sobre José Arcadio Buendía, o que pensava que o tempo havia parado e que morreu louco, amarrado ao castanheiro da família.
De manhã, ainda em Londres, pegamos o Eurostar até Paris. Saímos de táxi de nosso querido EasyHotel até a enorme St Pancras Station. No caminho, só para nos atrapalhar, passamos bem na frente da Wallace Collection… Na St Pancras, era nossa última chance de comprar a History Today que a Nikelen nos pedira. Perguntamos por todo lado e nada. A revista simplesmente não existia. Já fizéramos o mesmo no dia anterior, com o mesmo resultado.
A viagem de trem é tranquila e confortável. Pontualíssima, dura aproximadamente 3 horas e tem o preço de pouco menos que 90 libras. Passamos pelo chamado eurotúnel. Ele foi construído no subsolo, 50 metros abaixo do leito do mar do Norte. Inaugurado em maio de 1994, o túnel do Canal da Mancha liga a França e a Inglaterra e tem 51 quilômetros de extensão. Custou seis bilhões de dólares, e é a obra mais cara do mundo paga inteiramente com dinheiro privado. Em Paris, a estação onde o trem chega é a Gare du Nord. De lá, pegamos o terceiro táxi da viagem até o hotel, que ficava bem perto. Tudo calculadinho.
Ficamos no TimHotel da Rue Linné, 5, bem na frente do Jardin des Plantes, onde está localizado o Museu Nacional de História Natural. Num raio de uns 4 Km, andando a pé, tínhamos a Notre Dame, a Shakespeare & Company, o Pantheon, a Rue Mouffetard, os Jardins de Luxemburgo, o Louvre, o Musée d`Orsay, etc. Enfim, se fôssemos alérgicos a metrô, poderíamos ficar sem ele, tal era a perfeita a localização (ver no centro do mapa) do hotel reservado pela Casamundi. Quando chegamos, abri a janela de nosso quarto, peguei o tablet e tirei uma foto digna do filme Amélie Poulain. A luz sobrenatural que saía da fruteira da esquina era de cinema.
Não consegui repetir o fenômeno quando peguei a máquina fotográfica.
Virando o corpo para o lado direito, dava para ver o portão do Jardin des Plantes. Sim, estava anoitecendo.
Fomos explorar a Rue Linné. A primeira coisa que vimos foi que o grande Georges Perec tinha morado por 8 anos na vizinhança.
Depois de um longo passeio, entramos num Carrefour a fim de comprarmos nosso jantar. Este, o jantar, foi maravilhoso, mesmo com a cruel alergia à proteína de leite da Elena em pleno país dos queijos.
Em nosso quarto — desta vez de bom tamanho — abrimos um daqueles vinhos premiados que o Farinatti nos indicou.
Lavard Skou Larsen mandando bala. No canto esquerdo, ela (suspiro). Clique para ampliar. | Foto: Augusto Maurer
O concerto de ontem no Auditório Dante Barone tinha contornos um pouco diversos do habitual. Afinal, no pódio estava um grande regente conhecido por suas versões nada rotineiras, um autêntico especialista não apenas em Mozart como em música de câmara. E no programa, tínhamos o que mesmo? A boa Abertura da pequena ópera O Empresário, de Mozart; a Sinfonia Nº 38 “Praga”, do mesmo compositor e as Metamorphosen, de Richard Strauss. Ou seja, tínhamos Mozart e música de câmara, pois as Metamorphosen são uma belíssima peça para 23 integrantes das cordas.
Os ensaios de Lavard Skou Larsen, desde a última quinta-feira com a Ospa, demonstraram duas coisas: (1) o homem conhece como poucos uma orquestra e (2) as cordas responderam a sua boa influência, dando-nos uma versão cheia de musicalidade da obra de Strauss. Conhecia Lavard de gravações e de um notável concerto ocorrido em 2005. O homem é um monstro como solista e regente.
Houve novidades. Quando acabou a Sinfonia “Praga”, ouvi uma pessoa atrás de mim colocar em palavras o que eu estava pensando. O entusiasmo e o som eram outros, melhores. Apesar do que sofre nas mãos do estado, a Ospa não é um grupo desmotivado, mas ontem parecia não somente entusiasmada, mas focada em fazer um Mozart que fosse Mozart. Assim como nas Metamorphosen, houve falhas aqui e ali, mas ouvia-se um conceito trabalhando a favor da música. Não era um Mozart diferente pelo fato de Lavard ser auto-centrado ou de funcionar em faixa própria, era o Mozart de 1786, aquele que se dirigia para as obras mais dramáticas do final de sua vida.
Estranhamente, nesta sinfonia, Mozart não utiliza o clarinete. Outra estranheza é que a Praga possui três movimentos em vez dos tracionais quatro. O primeiro movimento parece uma abertura de ópera, com um tema introdutório lento seguido de um tema rápido. Para mim — além do que falou o cidadão sentado atrás de mim –, a primeira surpresa na “Praga” foi a dantes nunca ouvida batida seca do tímpano. Aquilo anunciava a sonoridade bem diferente do concerto de ontem e o resultado foi um Mozart alguns centímetros mais alto que o habitual. Estávamos longe da caixinha de música na qual alguns maestros escondem as nuances de um compositor que não é apenas leveza, mas ousadia, drama e, sim, sensualidade.
“Ô meu, nada de moleza com esse tímpano!” | Foto: Augusto Maurer
Mas o prato principal estava por vir: as Metamorphosen, de Richard Strauss. São 23 instrumentos de cordas: 10 violinos sem a divisão de primeiros e segundos, 5 violas, 5 violoncelos e 3 contrabaixos. É uma música grandiosa, triste e sublime. A instrumentação inicial é rarefeita, camarística, e ganha corpo durante a execução. A obra dá a impressão de um mar de cordas cujas ondas vão se repetindo nunca iguais uma à outra. Como no mar, a onda-tema que vai embora é engolfada novamente pela massa sonora e retorna, formando outra, metamorfoseada. Lavard Skou Larsen tocou o primeiro violino com notável brilhantismo, no que foi seguido pela orquestra. Foi uma interpretação arrepiante que deixou o público hipnotizado e tão tocado que até os aplausos pareciam ter sido ensaiados. Eles começaram apenas uns três segundos após o final, dando tempo para que os músicos saíssem do transe.
A obra, de título provavelmente roubado à Ovídio, tem história um pouquinho menos poética. Alguns historiadores gostam de esconder a verdade, mas é fato indiscutível que a peça chamava-se Réquiem para Munique, consistindo no pranto de um artista que via sua Munique destruída no mês de abril de 1945, data em que pôs a nota final na música. Como Strauss tivera ligações com o nazismo, tal título poderia ser interpretado como uma espécie de Ai que saudades do meu nazismo… Mas um amigo mais esperto disse que uma composição com aquele nome jamais ia ser interpretada por aí e aconselhou-o a rebatizar a peça de forma mais neutra. Assim, esta obra-prima acabou homônima ao melhor Ovídio.
Para se ter uma ideia da música, coloco o vídeo abaixo para vocês. E, putz, que belo concerto! As pessoas saíram felizes, tendo extraído uma enorme euforia daquele final melancólico. Aliás, este fenômeno é matéria para ser pensada.
(Ah, Lavard, volte sempre. Porto Alegre é uma de tuas cidades e a Ospa é a orquestra de tua estreia como solista, certo? Chegaste na semana passada — fazer o quê? –, já és imprescindível).