Telemann – Chacone do Quarteto Parisiense N° 12 com Il Giardino Armonico

Fiquei felicíssimo ao encontrar esta Chacone no YouTube. Eu a conhecia em versões mais rápidas, porém o grupo de Giovanni Antonini talvez tenha encontrado uma das formas mais bonitas de interpretá-la. Outro motivo de contentamento íntimo é o fato de este movimento — simples, obscuro, escondido lá no meio dos quartetos de Telemann — ser uma antiga preferência deste blogueiro. Tinha a fantasia de que era uma pequena jóia da qual pouquíssimos tinham conhecimento. Ontem, a fantasia foi desfeita pelo Giardino Armonico, que a usou num de seus vídeos promocionais. Bobagem, né? Mas fico todo orgulhoso nesta época de pequenas tragédias pessoais.

Ou aqui.

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Porque hoje é sábado, Charlotte Gainsbourg e Mélanie Laurent

Talvez o senso comum sugira que Charlotte Gainsbourg seja feia…

… e que Mélanie Laurent seja linda. Ok, eu até vejo isso.

Só que o tesão de algumas pessoas funciona de forma…

… talvez errática, talvez inesperada, quem sabe surpreendente…

… e elas passem a considerar tanto Charlotte como Mélanie …

… mulheres igualmente irresistíveis e altamente desejáveis.

Ontem, estávamos eu e o melhor blogueiro brasileiro em nossa habitual tertúlia literária no MSN.

Falávamos de mulheres, um assunto que atrapalha sistematicamente nossa erudita pauta.

E ele disse algo como: sou apaixonado ou sou fascinado ou fico mesmerizado ou …

… quero comer a Charlotte Gainsbourg. Não, minto, ele disse: …

com a Charlotte eu não penso em sacanagem. Penso primeiro em chamar pra tomar um vinho.

Depois é que vem a sacanagem. Claro, achar a Mélanie Laurent linda é fácil.

O problema é ver Anticristo e seguir achando Charlotte maravilhosa.

E nem é pela filiação. Garanto-lhes que nem eu nem o Ao Mirante pensamos …

… no pedigree quando olhamos para uma mulher. Para nós é tudo SRD, mesmo quando …

… a dona do queixão é filha de Jane Birkin. É que há o amor à perfeição …

… e o amor à imperfeição.

Vejam a foto acima e a foto abaixo.

Um vinho com a primeira e o despertar com a outra?

Ou as duas fazendo chuchotage uma em cada ouvido?

Ah, sei lá. Só sei que bebi algumas várias cervejas e são 1h25. Fico com ambas.

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Milton Ribeiro's OPSBlogs Gallery of World's Finest Arts I

Êxtase de Santa Teresa de Ávila, de Gian Lorenzo Bernini (1598-1680).

Detalhe

Comentário de uma amiga: “Pedi pra vc postar o Êxtase pq pra mim é um exemplo puro de sacanagem sacra: se isso não for um orgasmo, eu não sei mais o que pode ser então. Cheguei à essa conclusão numa aula de teologia… tesão é uma dádiva dos céus. Aleluia, irmãos!”

E de outro amigo: “Rapaz, no Museu de Arte Erótica de Paris (ali no Monmartre, perto do Moulin Rouge, terceiro japonês à esquerda de quem sobe a rua) — ELE FALA COMO SE EU CONHECESSE PARIS… — tem uma escultura dessa mesma moça gozando, mas com os dedinhos dos pés articulados, uma coisa de louco. Muito bom. A Bíblia sempre nos proporcionou momentos apicais de pura safadeza.”.

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Maitê Proença em Portugal

Costumo ler alguns blogues portugueses. Há vários bons e eles têm uma sede de literatura que é incomum por aqui. Porém, nos últimos dias, muitos falam muito de Maitê Proença. Com boa dose de razão. Engraçado, lá ela é considerada atriz, apresentadora e escritora. Não lembro de ter visto um livro ou uma linha sua, mas, enfim, parece que escreve algo. E o programa Saia Justa é um sucesso por lá.

Bom, só que o Saia Justa andou mostrando uma viagem que Maitê fez à Portugal onde ela tira um sarro do país. Talvez a “escritora” e atriz não soubesse que eles se comportam como aquele aluno que será alvo de todas as piadas e apelidos da turma: ou seja, eles se irritam e discutem com o ofensor e entre si. Então todos estão indignados e pediram uma retratação à “autora”, um pedido claro de desculpas ao povo português, seja por escrito, oral ou em vídeo. Maitê gravou um vídeo de desagravo, porém antes, no programa, Maitê reclamara do técnico de informática que olhava para o mouse como se este fosse uma capivara, mostrara uma placa ao contrário — não está ao contrário, é daquele jeito mesmo — e cuspiu numa fonte, fato indiscutivelmente desrespeitoso e que fala mais mal de Maitê e do programa do que de Portugal. Para piorar, as outras três apresentadoras deram gargalhadas. Tudo irresponsabilidadezinhas, nada de muito grave, nada que não fosse esperado da capa da Playboy de um mês de 1987 e de outro de 1996, mas a reação foi imensa.

Eles levaram a sério. Acusaram-na de lusofobia, o que deve ser verdade, mas que… pô, quem dá importância aos pensamentos de Maitê Proença? Eu me preocuparia mais com o que ela disse sobre Salazar. Vejam abaixo.

Um dos mais tranquilos foi o excelente escritor Franciso José Viegas, que escreveu o que segue em seu blog:

Jantei com Maitê Proença em Lisboa, possivelmente na mesma altura em que a atriz gravou o vídeo que agora está na internet. Nele, Maitê (sempre bem tratada pelos portugueses, que inclusivamente lhe compram os livros) dá por adquirido que os portugueses são inábeis, atrasadinhos, enfim – o costume. Durante esse jantar, Maitê mostrou-se encantada com Portugal, e creio que era mais do que simpatia. Mas no Brasil é outra coisa. Faz parte do gene brasileiro esse apetite saudável por Portugal, a velha metrópole de padeiros, açougueiros e gente desajustada. As jovens nações, entusiastas e adolescentes, acham gracinha a tudo. Comportam-se como crianças quando descobrem a careca dos avós. É natural e compreensível. Depois crescem. Ou pedem que lhes apreciemos as pantomineirices.

Como resultado, a atriz teve de improvisar um patético pedido de desculpas:

O fato em si é desimportante. O que acho importante e digno de nota é a penetração da Globo nos países de língua portuguesa. Como nossa emissora não costuma primar pelas boas escolhas nem pelo bom conteúdo, ainda vai arranjar muitos probleminhas internacionais por aí. E uma péssima imagem para o país. Se os mexicanos são os fazedores de novelas lacrimosas, provavelmente nos tornaremos os reis da má educação e da grosseria. O que fazer?

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Maradona mandou a imprensa argentina mamar seu c…

… e o Olé respondeu-lhe na capa:

No texto, o diário enganou-se e chamou o técnico da Argentina de Diego Mamando Maradona.

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Montevidéu e Buenos Aires

Muitos gaúchos conhecem ambas. Para nós é simples ir a Montevidéu: há passagens de avião por R$ 200,00 para Montevidéu ou podemos ir de carro ou ônibus. A estrada é reta, um convite ao sono, mas vale a pena. Ir a Buenos Aires é pouca coisa mais complicado. O avião é mais caro, o ônibus é inviável — faz o contorno por Uruguaiana em vez de descer direto — e é uma maravilha ir de carro visitando ambas as cidades, apesar da travessia entre os portos ser bastante cara se você não puder deixar seu amado veículo numa garagem de Colonia (há muitas, são seguras). Não sei quanto custa o Buquebus hoje, mas lembro ter consultado e ter desistido do carro. Bem, chega de bancar o guia turístico!

Buenos Aires é orgulhosa e, gostemos ou não, tem razões para sê-lo. Afinal, a cidade é muito bonita e tem o perfume do tango em cada esquina. O tango não é o folclore cultivado dentro de uma cidade cheia de roqueiros e rappers, o tango é vive, desenvolve-se e é ouvido em todos os cantos, turísticos ou não. É aquilo que Piazzolla queria chamar de “Musica Popular Contemporánea de la ciudad de Buenos Aires” na época em que lutava contra os tangueiros tradicionais. Adoro caminhar tanto no centro como nos bairros de Buenos Aires, não obstante o fato de a cidade não ser exatamente segura. Já fiz caminhadas inacreditáveis pela cidade, uma das últimas de uns 10 Km, com a Claudia, entre as 2 e 4 da manhã. O que fazer se as grandes cidades são lindas vazias, à noite, úmidas de madrugada? A Claudia concorda, mesmo que no final estivéssemos caminhando dormindo, em silêncio, rindo muito de vez em quando, sem motivo. Realmente, não existe companheira de viagem como minha mulher. Topa e se interessa por tudo. O único problema é que não empresto.

Porém, prefiro Montevidéu. É mais próxima de Porto Alegre em tamanho e em espírito, é mais próxima do que seria Porto Alegre se os gaúchos fossem cultos e interessantes, e é mais próxima fisicamente. Pois Montevidéu tem livrarias aos montes na avenida principal. E teatros. E possui um centro ativo, que não vende só baratilhos. É uma cidade que saudavelmente reage contra a padronização dos shoppings. Há “Dias do Centro” nos quais as lojas dão descontos e a gente vai ficando por ali, esquecido da vida sem charme dos shoppings. É tranquila e, OK, menos arrebatadora do que sua vizinha, só que os uruguaios são mais gentis, merecedores de boa pontuação num campeonato de slow life. Come-se barato e maravilhosamente em Montevidéu, principalmente fora do roteiro turístico e ela só perde para Buenos Aires nos táxis, lá incompreensivelmente acessíveis. Outra coisa legal em Montevidéu são os preços dos antiquários. Imagine que dá para comprar um rádio Spica em perfeito estado por menos de R$ 50,00!!!

Vou ouvir o jogo nele, pois hoje estas duas cidades — rivais desde que o samba é samba — se enfrentarão. Nem imagino como ficará a praça que circunda o Estádio Centenário. Haverá um Uruguai x Argentina que poderá ser fatal para um dos dois se o Chile não fizer sua parte. Na melhor das hipóteses, o resultado fará com que um dos países jogue uma humilhante repescagem para poder ir à Copa do Mundo de 2010. Claro, sou uruguaio desde o berço. Mas não gostaria de ver Argentina fora de uma Copa do Mundo. Há sempre algo de escandaloso e dramático nos portenhos… Eles não podem ficar fora da Copa. Ainda mais com aquele técnico de opereta. Eles que joguem a repescagem!

O comentário de Luís Augusto Farinatti sobre Montevidéu merece vir aqui para o post:

Fui só uma vez a cada cidade. E não me perdoo por não ter ido mais. Pretendo corrigir isso em um futuro próximo.

Milton, Montevidéu é, mesmo, a própria slow life. Terei lido em algum lugar que Hemingway dissera que a Espanha era o último lugar civilizado do mundo? Pois agora é Montevidéu.

Fomos até lá de carro, em dezembro de 2007. Passamos por léguas e léguas de campo vazias, e pela estupidez dos mares de eucalipto e pinus da Botnia.

Comemos um filé com chimichurri inacreditável no trevo de Tacuarembó, a cidade das lambretas.

Depois de 2 horas sem cruzar com um único carro, chegamos a um posto de pedágio. A funcionária parou de ler e nos atendeu. Provavelmente foi ilusão de ótica, mas ela parece ter se surpreendido.

Emprego perfeito para uma escritora, comentei com minha mulher.

Fiquei encantado passando ao largo de Durasno. Olhei para as ruas com árvores altas, casas antiquíssimas dando direto na rua e as pessoas colocando cadeiras para sentar na calçada ao entardecer. Parecia minha pequena cidade de infância. É por isso que o Uruguai não vai para a frente. Ele é feito para a memória.

Em Montevidéu, todos andam com garrafas térmicas e as pequenas cuias de mate debaixo do braço. Eu disse TODOS: os velhos, os homens de terno e gravata, as colegiais adolescentes.

Saí do prédio da Universidade, onde estava em um congresso. Entrei na primeira livraria que vi aberta. Encontrei um livro clássico de um grande historiador uruguaio dos anos 80. O rapaz da livraria aproximou-se e me disse: “Gosta do Livro? Quer conhecer o autor?”. E me levou até um canto iluminado, onde um velhinho estava sentado, lendo.

Apontou para o velho: este é o grande historiador. Foi corrigido imediatamente: “já fui… agora apenas assombro livrarias”. Conversamos por mais de uma hora.

Fui ao museu do Torres Garcia e não comprei uma gravura. Sou uma besta. É fato.

Fiquei olhano o Rio da Prata, com minha mulher, que também não negocio. Por horas.

De Buenos Aires não vou falar hoje. Gosto demais da cidade e, inclusive, dos habitantes. Mas hoje se trata de futebol. Aí não tem jeito…

Ah…

E o bisavô da minha mulher era uruguaio. Migrou para o interior de uma cidade da Campanha Gaúcha.

Lá era tido por louco, pois tinha modos estranhíssimos: lia e escovava os dentes. Todos os dias.

Quando começou a dizer que os americanos e russos estavam construindo aeronaves para ir à lua, o povo deu o caso por perdido. Era só esperar o velho arrancar as roupas e começar a jogar pedras nas pessoas.

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Anticristo, de Lars von Trier

Uma das palavras mais erroneamente utilizadas no Brasil é “anacronismo”. Usa-se muitas vezes para significar ruim. Porém, se crônico significa de acordo com Cronos, ou de acordo com nosso tempo, anacrônico é “em desacordo com nosso tempo”. Pois Lars von Trier é anacrônico no sentido que ainda faz um cinema com as preocupações que havia no cinema de algumas décadas atrás. Anticristo é um filme que permite tantas e tão ricas interpretações que, ao conversar com duas pessoas bastante inteligentes, tive que confrontar o que vi com outros dois filmes. O anacronismo de von Trier é mérito.

Mergulhei de tal modo no mundo de luto de Anticristo que não pude perceber a óbvia relação com o cinema de Andrei Tarkovsky. Ao acordar do transe, a primeira coisa que vi foi a dedicatória de von Trier: “This film is dedicated to Andrei Tarkovsky (1932-1986)”. E, consequentemente, é dedicado também a Bergman e Strindberg, se trilharmos em sentido anticronológico a linha que une os artistas que melhor mostraram sonhos em filmes e peças de teatro. Pois eu vi o filme de uma forma muito estética, relacionando tudo com sonhos e sua relação com a realidade. O apuro visual que me levou a isso descende claramente de Stalker e de Andrei Rublev (final). Porém, se em Tarkovski havia desengano, na história contada por von Trier traz-nos horror e desespero.

Anticristo talvez não seja filme de se rever. Às vezes, tive vontade de fugir dele, tal a crueza de algumas cenas. Houve uma em especial que “vi de olhos fechados” ou, para ser mais claro, espreitei o horror entre meus cílios. Na verdade, acho que não desejamos que ele vá tão longe, mas von Trier está resolvido a mostrar um luto e obtém cenas semelhantes a meu horror ao despedir-me de meu pai num quente 11 de dezembro e sentir que ele estava frio como nunca. O luto da mãe que não vê seu filho despencar pela janela enquanto mantinha relações sexuais com o marido deve ser enlouquecedor e é. A cena inicial e final são belíssimas e a ária de Handel “Lascia la Spina” é perfeita tanto para o luto que chega quanto para aquele que se vai:

Lascia la spina
cogli la rosa;
tu vai cercando
il tuo dolor.

Ou, em ridícula tradução de Milton Ribeiro:

Deixa o espinho
Colhe a rosa;
tu vais buscando
tua dor.

Von Trier não desvia da dor. Se o filme descende de Tarkovski, o cineasta que filmava como sonhava, Anticristo tem igualmente o gosto dos pesadelos com seus terríveis exageros verossímeis — aliás, a mãe brinca sobre Freud e os sonhos. Deste modo, não dei tanta importância à literalidade da história contada, mas a sua capacidade de produzir dor. E nisto von Trier caprichou… Apoiado em dois atores não menos que geniais — Willem Dafoe, com seu rosto naturalmente cortado a machado, e Charlotte Gainsbourg, cortado a estilete — , a narração entremeia cenas de indiscutível verossilhança com outras que mais parecem ter saído de um conto de fadas, para o bem e para o mal. Tudo muito bem pensado, tudo muito inteligente, muito dolorido e demasiado anacrônico para nosso tempo bestinha.

O que me passou batido: uma de minhas interlocutoras (minha amiga Lia Zanini) viu um filme diferente. Ela tem toda a razão ao dizer que já havia loucura antes da morte do menino. Há “provas” disso. Sim, a questão dos sapatos e a opinião do psiquiatra que falava num “luto atípico”. Ela baseou o que viu na loucura. Dou o braço a torcer em muitas coisas, mas não aceito a literalidade de cenas como aquela em que a mãe vê o menino cair. Em minha opinião, aquilo é sonho ou delírio.

O curioso é que nossa discussão foi em parte assistida por outra amiga, Vera Medeiros. Ao ouvir o que dizíamos, ela relacionou a história à questões mitológicas e religiosas, o que também é verdadeiro. Afinal, von Trier apresenta um filme cheio de referências bíblicas, como se Adão e Eva voltassem novamente solitários a uma floresta não por acaso chamada Éden. A mitologia? Ora, Édipo significa “pés inchados”. E se recontarmos parte da história de Édipo acabaremos por revê-la em Anticristo:

Apesar de um oráculo ter anunciado que, se nascesse deste casamento, o filho o mataria, Laio tornou-se pai de um menino. Para fugir à predição, Laio — após perfurar os pés do filho (daí Édipo = pés inchados) e amarrá-lo — ordena a Jocasta dar a criança a um pastor, que deveria abandoná-la no monte Citéron, para morrer. O pastor, entretanto, não cumpre a tarefa. Apiedado, entregou o menino a um outro pastor, condutor dos rebanhos de Pôlibo, rei de Corinto, ás pastagens de Citéron.

O Dafoe pastor do final do filme, a perfuração, o fato de ele ter sido abandonado para morrer. Tudo são variações: Tarkovsky, sonhos, loucura, Freud, religião, mitologia… E a maioria das pessoas vendo um filme que é apenas incomum e nojento em sua visceralidade. Que época burra.

Veja a galeria de fotos de Anticristo do J`adore le Cinéma

A citação da história de Édipo, foi retirada daqui.

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O comentário de Victor Hugo Lisboa é muito superior a meu post. Por isso, trago-o para cá:

Ô Milton! Sabe que eu não esperava nada desse filme? Só baixei uma cópia da internet pois fiquei curioso com a repercussão em Cannes. Como o trabalho de Lars tem seus altos (Festa de Família) e baixos (Dançando do Escuro), assisti Anticristo no meu notebook, sem grandes expectativas, temendo que nem valesse o ingresso do cinema.

E o que eu achei?

Cara, é uma Obra de Arte Fodástica, com “O”, “A” e “F” maiúsculos.

Quando, finalmente, estreou nos cinemas de Porto Alegre, decidi assistir Anticristo pela segunda vez. Toda aquela perfeição estética exigia o integral mergulho propiciado por uma sala escura e a telona. Ah, e eu também queria ver a cara do público no final.

Como toda Obra de Arte Fodástica, claro que Anticristo é suscetível à vários níveis de interpretação. Porém, minha opinião subjetivíssima é de que o filme consiste em uma alegoria tarkovskiana com fortes tons psicanalíticos (eu, pobre diabo, rejeitei e ridicularizei a psicanálise durante anos, mas hoje reconheço que era puro preconceito e ignorância da minha parte – coisa de guri, em suma; só depois de “velho” abandonei minha arrogância juvenil e reconheci o quanto há de verdade nas lições de Lacan e Freud).

Seguem, abaixo, anotações que fiz no dia seguinte à primeira vez que assisti ao Anticristo. São registros fragmentados e despretensiosos. Não recomendo que sejam lidos por quem ainda não viu o filme, e previno que não estou afirmando ser essa a única interpretação da obra de Lars. Mas, se não é a interpretação definitiva, ao menos é “beno trovato”.

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O filme foi acusado de ser misógino e contrário ao mundo natural, pois Lars teria afirmado, através de sua obra, que a mulher e a natureza são a fonte de todo o mal. É uma interpretação apressada. Na verdade, o filme é a alegoria de um homem que foi forçado a abandonar uma visão infantil, ingênua, da vida. Sua perspectiva idílica e idealizada do mundo e da mulher não mais se sustentou, mas ele ainda era incapaz de atingir a perfeita maturidade de aceitar as coisas tal como são, de modo que, em reação instintiva, fez um movimento pendular e agarrou-se a uma outra visão, também infantil e ingênua, da natureza e da feminilidade: a visão que as pinta com tintas negras, demoníacas – como a fonte de todo mal, em suma. Não é algo incomum. Basta lembrar que até hoje algumas tradições fundamentalistas ainda tratam a mulher e o mundo natural como espúrios. E mesmo nós, ocidentais, durante toda a Idade Média, associamos a natureza e a mulher ao demônio.

Um detalhe que quase ninguém reparou é que, quando o casal está trepando no banheiro, logo no início do filme, acabam por derrubar um livro infantil, onde há a figura de três animaisinhos em uma floresta retratada de modo ingênuo. Esses três animais, posteriormente, retornarão como verdadeiras criaturas diabólicas, terríveis, que sentenciam o caráter caótico da vida e denunciam o homem à mulher enfurecida. Por outro lado um desses animais “diabólicos” acaba por libertar esse mesmo homem mais tarde, revelando-lhe a chave inglesa escondida pela mulher, em retribuição pelo fato de o homem ter quebrado o piso da cabana, deixando que ele entre. Na última parte de Anticristo, o homem e os três animais olham-se como iguais, sem ressentimento, medo ou ódio.

É justo disso que fala o filme de Lars: do processo no qual o homem acabou de sair da visão idealizada da natureza do mundo, reagiu ao trauma considerando a vida natural como algo diabólico, e superou essa mesma reação imatura, por meio de um processo no qual teve de eliminar aquela imagem “adoecida”, incinerando-a.

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O filme também não é misógino, pela simples razão de que ele não aborda, em nenhum momento, a situação da verdadeira mulher: a mulher ali representada é a mulher interna do homem, a mulher psicológica, imaginária. A esposa assume integralmente seu papel de arquétipo quando afirma que as mulheres foram perseguidas e oprimidas pelos homens durante séculos porque realmente eram malignas: nesse momento é o complexo psicológico do próprio homem que lhe fala.

Sob esse ponto de vista, a obra de Lars é justo o contrário daquilo de que é acusada. Anticristo descreve a confusão masculina entre essa figura arquetípica e a mulher real que causa o “ginocídio” histórico, evidenciando o aspecto psicológico que há por trás das castrações de meninas no Egito e das milhares de bruxas queimadas pela Santa Inquisição. Enquanto um homem não souber distinguir entre as mulheres reais e as personagens que fantasmagorizam sua mente, jamais terá um relacionamento saudável até mesmo consigo próprio. No filme processo de superação dessa imagem psíquica já começa quando o próprio complexo maternal castra a si mesmo.

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O filho e o marido são a mesma pessoa: um complexo criança-homem. O filho observa a cópula do casal: descobre que a mãe não lhe pertence, que sua mãe o “trai” com o pai. Isso é um tema recorrente na psicanálise e, com certeza, Lars não estava alheio a esse tema, principalmente tendo em vista a profissão escolhida para seu personagem. Por isso, o menino morre: a ilusão da infância acabou, a sexualidade “promíscua” daquela mãe que considerava só sua introduz em seu mundo uma realidade complexa e dúbia, que mata a infância. Há um verdadeiro suicídio após testemunhar a relação sexual dos pais. A partir daí, há um homem que se refugia na estrita racionalidade, tentando lidar com o “problema” que é a mulher (ainda é um problema para ele, pois a figura materna ambivalente, opressora e sedutora, ainda não foi trabalhada) de forma fria e distanciada, com diagramas e palavras de ordem. Porém, logo afoga-se no seu ódio e medo da figura feminina, sentimentos decorrentes da ambivalência do desejo.

Observe-se que, após a morte do filho, é sempre a mulher que procura o sexo, de uma forma brusca, agressiva e, porque não dizer, “ativa”: novamente se percebe que se trata de uma mulher “masculinizada” em sua agressividade sexual – o complexo mal resolvido da mãe promíscua. A cópula é associada à morte.

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A mulher revela sua dificuldade de aceitar que os homens de sua vida se afastem, como quando coloca os sapatos nos pés trocados do filho e prende um peso à perna do marido. Quando o marido se arrasta para longe da cabana com o pênis ferido e a perna perfurada, a fim de proteger-se de mais torturas e morte, o discurso da mulher é o de vítima, de alguém que foi abandonada injustamente pelo seu homem. Por instinto, até hoje muitas mulheres sabem que esse discurso do “Bastard, where are you?” toca em alguns nervos psíquicos de todo homem, e utilizam-no. Como resposta, muitos homens secretamente desejariam colocar na fogueira quem assim atua.

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Quando o homem tem, em meio à dor e à loucura circundante, um lampejo de objetividade e racionalidade, e observa que a constelação dos Três Mendigos não existe realmente, ele estabelece o limite claro entre o real e o imaginário: é o marco entre o estado de criança e o estado de adulto. Não é por outro motivo que, logo após essa percepção, seguida do grito da mulher, surge o pássaro de baixo da casa, revelando-lhe o exato lugar onde está a “chave” para libertar-se do peso em sua perna.

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O homem entra no buraco, a mulher o enterra. Para que o homem escape do pesadelo em que lida com o complexo maternal, deve ir a fundo no horror: deve deixar-se matar, sufocar-se no útero da Terra, para que assim morram os resíduos da psicologia infantil que há nele. A fuga nunca é a solução. Em qualquer doutrina franca sobre a condição humana, de Lacan a Pema Chodron, a solução é sempre aceitar o medo e abraçar o horror sem julgamento.

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Os três mendigos não existem, de fato, como constelação, mas existem na Poesia: “the three beggars” é um poema de William Butler Yeats. Os três mendigos, aliás, já estão presente no início do filme, na forma de três estatuetas sobre a mesa que a criança usa para “suicidar-se” após ver a trepada dos pais.

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Na cena em que a mulher descobre que está ouvindo o choro de toda a Criação, e não da criança, ela tem a súbita percepção de que há algo de profundamente errado naquele universo. O horror passa a ser reconhecido. Enquanto escuta o choro universal, a mulher contempla seu filho segurando um pedaço de madeira junto aos instrumentos de carpintaria de seu pai (fato digno de nota: alusão ao menino Jesus?). Mais tarde, seria também com o mesmo pedaço de madeira que a mulher infligiria ao homem sua ferida genital.

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O horror representado pelos três mendigos (dor, depressão e desespero), o choro universal da natureza e as feridas na perna e nos testículos não podem ser evitadas: a “ferida narcísica” (alô Freud) deve ser vivenciada e aceita como tal. A cura está em compreende-los e aceitá-los sem reações de rejeição ou cegueira idílica. Tecnicamente, o discurso psicanalítico do homem no início do filme está absolutamente certo: o equívoco do espectador é achar que ele fala com a mulher, quando aquilo tudo diz respeito a ele próprio e a um processo que irá vivenciar em breve. Trata-se de um processo de superação da criança, com a difícil passagem para o mundo adulto.

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O homem mata a mulher e a queima. Subitamente, a natureza não é mais tão ameaçadora, pois sobrevive consumindo frustas silvestres. Na última parte, ele volta-se e encara os três animais, representantes das misérias humanas, e essas figuras míticas devolvem-lhe o olhar sem ameça e sem medo – um momento de reconhecimento, que antecede a última cena do filme, e que lhe é o pressuposto: nesse instante, não há recriminação, não há julgamento, não há rejeição. Aceitar a condição humana sem debater-se numa reação infantil de recusa cega ou de demonização do mundo é o primeiro passo para a maturidade.

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Na última cena do filme, mulheres sobem a montanha e passam pelo homem sem percebê-lo, desprovidas de rosto. Esse é o momento de redenção, em que o homem já não projeta no elemento feminino todos os seus traumas. As mulheres já não possuem rosto, ou seja, estão livres da projeção. As mulheres não interagem com ele, não representam ameaça nem provocam uma atração perturbadora, anormal. Está aberta a porta para que o homem lide com as mulheres reais tal como são: seres humanos.

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Bebê e Christina Kirchner

Enquanto o jornalista Sergio Leo segue fazendo a alegria deste blog, ao desovar aos poucos o tesouro da homenagem que Hamilton de Holanda fez ao velho bruxo em Brasília — Hamilton, cuja lembrança de uma apresentação num bar em Parati não me sai da memória –, o Senado argentino aprova definitivamente a reforma do audiovisual, destinada a lutar contra os monopólios das comunicações. A reforma, que certamente interessa muito a Sergio — cuja opinião a respeito desconheço — , é apoiada pelos sindicatos de jornalistas, mas é apresentada pela oposição e pelos grandes grupos de mídia como uma tentativa do Executivo de controlar a imprensa. Algo perigosamente meio chavista, sacumé.

Para acabar com os monopólios, o projeto impediu uma mesma empresa de possuir um canal aberto e um canal a cabo na mesma região. Os grupos afetados terão um ano para se desfazer de um ou de outro canal.

Esta reforma também foi criticada pela Sociedade interamericana de imprensa (SIP), que reune os maiores grupos de mídia latino-americanos, mas ela recebeu, em contrapartida, o apoio do enviado especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a proteção e a promoção da liberdade de opinião e de expressão, o guatemalteco Frank La Rue.

A oposição considerou também que o novo organismo de regulação dos meios de comunicação, compostos por sete membros (dois nomeados pelo poder executivo, três pelo Congresso e dois pelas organizações profissionais), não será autônomo o suficiente em relação ao governo. Eu gostei. A ideia seria a democratização da imprensa, com o desmantelamento do PIG de lá (leia-se Clarín). A oposição e as empresas jornalísticas rebatem dizendo que a nova norma vai dar mais poder ao governo.

Como este blogueiro está em ritmo e preguiça de feriado, tanto assim que grande parte do que “escrevi” acima foi copiado daqui com alterações, faço meu foco sobre o convite que Sergio Leo me fez ontem:

E ó, fim do mês passo por POA a caminho de Passo Fundo. Planejei um vinho com um tal Milton Ribeiro, espero não me frustrar… (-;

Vinho com Sergio Leo? ¿Como no? Com vocês, Bebê:

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Sergio Leo filma Hermeto, Hamilton de Holanda, etc. & Cláudio Costa — crasso psiquiatra — expõe terrível fratura

Se você não considera Hermeto o maior músico e compositor do país, eu espero ao menos que você goze de boa saúde em outras áreas. Este é um show em Brasília que registra Chorinho pra ele, gravado pelo jornalista Sergio Leo, sem acento nem assento mas com parcos recursos. Uma maravilha. Maiores detalhes neste post que contém esta pérola de Pernambuco do Pandeiro:

Você tem de bater com a ponta dos dedos, não dar tapa como esse pessoal faz.

E Sergio Leo completa: Grande lição de vida.

Enquanto isso, desde BH, Cláudio Costa nos apresenta um grave problema que ocorre também aqui em casa: eu sou colorado, ela é gremista. Mas como lá é Belo Horizonte… Observem a cara de Vander Lee ao terminar a canção… Letra completa abaixo. Tudo roubado, ¿como no?

Galo e Cruzeiro
Vander Lee
Composição: Vander Lee

Minha Preta não fala comigo
desde primeiro de janeiro
Ela me deu a mala eu fui dormir na sala,
fiquei sem dinheiro
Não tem mais feijoada, nem vaca atolada,
rabada ou tropeiro
Já fez greve de cama diz que não me ama,
quebrou meu pandeiro

Na hora do cruzamento, ela deu impedimento
ou falta no goleiro
Pra aumentar meu tormento, meu irmão,
eu sou Galo e ela é Cruzeiro
Com o gol anulado, saí do gramado,
voltei pro chuveiro
Isso tudo porque, meu irmão,
eu sou Galo e ela é Cruzeiro

Caí de centro-avante, pra médio-volante,
agora sou zagueiro
No último domingo ela foi jogar bingo
e eu fiquei de copeiro
Ela fala, eu me calo, ela canta de galo
lá no meu terreiro
Ela apita esse jogo, ela é quem bota fogo
no nosso palheiro

Ela finge que não, mas no seu coração
ainda sou artilheiro
Só faz isso porque, meu irmão,
eu sou Galo e ela é Cruzeiro
Ela finge que não, mas no seu coração
ainda sou artilheiro
Só faz isso porque, meu irmão,
eu sou Galo e ela é Cruzeiro

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Porque hoje é sábado, Anna Karina

Hanne Karin Blarke Bayer nasceu na Dinamarca. Aos 17 anos, após uma última briga com sua mãe…

… fugiu para Paris. Ela descreve sua infância como uma desesperada, constante e mal sucedida …

… tentativa de ser amada. Fugiu de casa muitas vezes, até fazê-lo definitivamente.

Em Paris, não tinha dinheiro nem falava francês. Vivia nas ruas.

Então, começa o conto de fadas. Uma publicitária cruza com ela na rua e lhe pede algumas fotos. Ela conhece …

… Coco Chanel e Pierre Cardin que a tomam como modelo. Cardin lhe batiza Anna (de Hanne, seu nome)…

Karina (de carina, bonita em italiano). Então, Jean-Luc Godard a vê numa série de propagandas…

… para o sabonete Palmolive e a convida para atuar num de seus primeiros filmes: Acossado.

Ela recusa o papel, mas ele a convida novamente para o seu filme seguinte: O pequeno soldado.

Em seu segundo filme com Godard, Uma Mulher É uma Mulher, já ganha o prêmio de melhor atriz do Festival de Berlim.

Chega ao ponto de casar com Godard, faz mais uma dúzia de filmes com ele, mesmo após o fim de seu casamento.

Hoje, Anna Karina é cultuada como a mais importante atriz da nouvelle vague

… e também símbolo de mulher elegante e talentosa. Escreveu roteiros de filmes…

… atuando dentro e fora da França, com diretores como Visconti, Rivette, Fassbinder e Cukor.

Particularmente, acho que o belíssimo rosto de Anna Karina encerra em si o próprio cinema.

O bom cinema. O realizado numa época em que nem tudo era resultado de exigências mercadológicas.

Ou, como diz minha filha, que digita este texto ditado por mim, EU A AMO!!!

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Desânimo

É ruim quando a gente vê que aquilo que nos serve de motor — a nossa incontrolável alegria, às vezes perversa alegria — é jogada contra nós como se fosse um grave defeito. Mesmo que ontem tenha sido um dia coberto de elogios do ponto de vista profissional, a sanção ao lado B (ou A) passou o dia enchendo o saco.

(…)

Para completar, minha irmã também está em fuga para a Itália. Volta dia 26. Já que o Supremo Tribunal Federal ainda não deportou o Cesare Battisti, vão elas? Será que obedecem a uma ordem do Mino Carta?

Ao menos minha filha fica. Ela diz que irá cuidar de mim. Para quê? Logo eu, uma natureza fiel! Como é que é? Obama ganhou o Nobel da Paz? Que perigo dar um prêmio desses a um presidente americano! Enquanto isso, Berlusconi diz que a imprensa não tem noção da realidade. Enfim, concordamos!

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Anúncio do Prêmio Nobel de Literatura ao vivo

Aqui às 8h em ponto.

And the Nobel goes to… Hertha Müller, poeta (ainda se usa “poetisa”?) alemã.

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Declaração:

Conforme determinação judicial na Audiência de Advertência realizada na presente data, onde foi determinado que me retratasse no meu blog sob o título “Uma questão pessoal ou Meus pecados com Euclides da Cunha” das declarações contra o Instituto Santa Luzia, na pessoa da Irmã Gerceli. Sendo assim, declaro que cometi um equívoco ao fazer as referidas afirmações e me comprometo a não mais mencionar essa Instituição e as pessoas a ela ligadas, bem como impedir que qualquer comentário a esse respeito seja postado em meu blog.

Porto Alegre, 07 de outubro de 2009.

Milton Luiz Cunha Ribeiro

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Delírio dialógico polifônico matinal (após longo e literário telefonema que me impediu de escrever o post)

É? Então vai ver que persigo os polifônicos…

Eu defenderia Thomas Bernhard e Cunningham numa discussão, mas seria capaz de gritar por Virginia Woolf, de me escabelar por Guimarães Rosa, de ir às vias de fato por Melville, de roubar álcool, tabaco e papel para Faulkner, de rolar no chão pelo Mann de Doutor Fausto, de ter uma convulsão por Joyce, outra por Dostoiévski, de matar e roubar por Juliette Binoche, Emmanuelle Béart, Irène Jacob ou Cécile de France e faria minuciosamente TUDO O QUE ACABO DE CITAR por Tchékov, cujas peças te mostrariam, te mostraram ou te mostrarão grandes diálogos.

Diálogos? Ih, esqueci Shakespeare e… Deixa assim.

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Sinuca embaixo d`água, de Carol Bensimon

O segundo livro de Carol só perde para o primeiro na capa. Deve haver um critério muito misterioso de marketing que justifique o fato da Companhia das Letras ter escolhido aquela coisa sem graça num livro tão visual como Sinuca. Antes de qualquer consideração, porém, peço licença para observar meu próprio umbigo. Se a atmosfera do romance é a da morte de uma jovem (Antônia), do fim de um bar (causado pela estupidez dos moradores em torno), da poluição do lago e do abandono de uma criança, nada disso me afeta muito comparado com a alegria que me causa a realização de um romance tão belo. Você pode dizer que troco e-mails com Carol, que já a vi duas ou três vezes e que meu exemplar veio com dedicatória, mas tal admiração passa longe do compadrio que detesto. A alegria é um defeito de fabricação: quando, por exemplo, ouço a desesperada súplica de arrependimento diante de Deus de Erbarme dich, mein Gott da Paixão Segundo São Mateus, de J. S. Bach, fico feliz pela realização de Bach, mesmo sem ignorar o sentimento que o levou àquilo. Na verdade, sinto-me eufórico.

E o mesmo ocorreu comigo ao finalizar Sinuca, fiquei eufórico com um romance que trata, entre outras coisas, da morte. Ou seja, Sinuca embaixo d`água não é um bombom nem um passeio de pedalinho pelo lago. É o romance do luto de três personagens principais — o namorado Bernardo, irmão Camilo e o dono do bar next door Polaco –, de quatro pequenas histórias paralelas e do bar, do próprio bar, outro morto.

A linguagem de Carol Bensimon alterou-se em relação a Pó de Parede. Lá, havia uma poesia menos dura do que a de Sinuca. As frases encurtaram, muitas são intencionalmente vagas e o seu significado exato é dado pela experiência do leitor. Não obstante, não é uma leitura trabalhosa; é, isto sim, poética. Deu trabalho, certamente, pois Carol ainda precisava adaptar a linguagem a cada um dos personagens.

E cada personagem encara a morte de sua maneira. Bernardo é o namorado culto que percorre a via crucis da forma mais inteligente e “normal”. Houve uma grande perda e a hora é de sofrer, seja ouvindo jazz, seja ouvindo coisas desnecessárias da parte de amigos, seja jogando um jogo à morte. Temos a impressão de que a construção da linguagem foi dedicada a ele, mas ela adapta-se igualmente a Camilo, o irmão preterido pela morte. Drogadito light, faz-nada e mecânico amador, amava a irmã ao ponto de sentir um controlado ciúme de Bernardo. E Polaco é o dono do bar que coleciona perdas. Porém os maiores personagens do romance são Antônia, desenhada lenta e minuciosamente a seis mãos, e o bar, ponto de encontro e centro do ódio de certa cidade.

O bar não tem seu nome declinado pela autora mas…, meus amigos, é o Timbuka. Se eu soubesse disso, teria falado três vezes com Carol Bensimon. Conheci-a na quarta ou quinta-feira da noite de autógrafos (1). Voltei a vê-la no Parangolé, durante a ImpedFest (2) e, no dia seguinte, lá estava ela, talvez com uma garrafa térmica, quem sabe com uma cuia, tomando chimarrão com o namorado do lado esquerdo e as ruínas do Timbuka do lado direito. Não quis interromper, mas interromperia, se soubesse que o bar era um dos temas do livro — teria excesso de assunto!.

Então, para terminar esta resenha que já vai longe, digo que este é um dos melhores romances porto-alegrenses que li, até por trazer com delicadeza um dos fatos dos quais a cidade deveria se envergonhar: a derrubada do Timbuka. Algo de perto semelhante vi no final de 2005: participei de uma reunião do movimento da Rua Gonçalo de Carvalho, justo em essência, mas que conseguiu enxotar uma Orquestra Sinfônica em nome do ecossistema da rua… A exposição de burrices e a emissão de preconceitos devem ter sido análogas quando da discussão sobre a ação de uma retroescavadeira sobre um local era apenas um culto à felicidade, como o Franciel descreve neste post.

Para não finalizar fora do tópico e como o pessoal que visita meu blog não é brincadeira e lê mesmo, uso o tempinho que sobra para sugerir os capítulos “Polaco” (p. 19), “Lucas” (p. 96) e “Bernardo” (p. 83, 101 e 115). São demonstrações claras do virtuosismo nada gratuito de Carol neste Timbuka, ops, Sinuca embaixo d`água.

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Una novelita lumpen, de Roberto Bolaño (crítica publicada no El Pais do último sábado)

No hay un Bolaño menor

Por JORDI GRACIA

 

Esta novela breve nació como un encargo y el resultado fue valioso, como sucede con tantos otros encargos que felizmente la industria editorial hace a los autores de los que se fía (o en los que confía). Quizá por eso Herralde ha decidido rescatar este relato de Roberto Bolaño, escrito por encargo de Claudio López de Lamadrid para una colección de Mondadori en 2002 (lo ha contado por escrito el propio Herralde). Transcurre en Roma pero podría transcurrir en las quimbambas mientras hubiera casas grandes y pisos pequeños, comercios de alquiler de vídeos y personajes con biografías complicadas o infinitamente sosas. La de la protagonista es anodina y amputada, peluquera de poco futuro, amante mecánica y urgente de un par de tipos que viven azarosamente en su propia casa, huérfana de edad indefinida pero ya crecida, y a cargo de un hermano desorientado y más joven que ella.

El cuadro es simple y muy poco prometedor: lo que sucede es todo mate. No hay melodrama ni hay autocompasión ni fantasías redentoras más allá de la mera ilusión de mejorar de vida. Pero hay una gran habilidad en dotar de una irresistible inocencia a la protagonista que narra una breve etapa de su vida y donde vibra sin notarse la inteligencia sentimental del mejor Bolaño. Algunos somos más decididamente partidarios del Bolaño comedido y sutil -el de esta novela breve o el de Estrella distante– que del Bolaño arrebatado por la ambición y la desmesura de Los detectives salvajes o de 2666. En las más extensas demasiadas veces acude la pregunta de para qué, y en ésta cada línea tiene un para qué inequívoco, fatal. Quizá precisamente porque el propio Bolaño no debió tomársela demasiado en serio.

Está el mejor Bolaño sin desatarse: el de la piedad difusa y sin huellas visibles, el de la amargura de las vidas malsanas sin culpa, el de las frustraciones veladas pero invencibles, y el de la vitalidad psicológica suficiente como para trazar personajes de escasa complejidad cuyo papel sin embargo desemboca en relatos complejos. Todo es fácil y directo en Una novelita lumpen y sin embargo la novela trata de la infelicidad y de las recompensas falsas dentro de la infelicidad, de la valentía para cambiar de rumbo y de la lucidez súbita sobre el rumbo real de la vida de cada cual: un pedazo de realismo inteligente sin sermón.

(Una novelita lumpen, Anagrama, Barcelona, 2009, 151 páginas. 15 euros.)

Mais um artigo encontrado e enviado por Helen Osório. Obrigado!

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Richard Wagner e o Nazismo

Uma mente madura deve ser capaz de admitir a coexistência de dois fatos contraditórios: que Wagner foi um grande artista e, segundo, que Wagner foi um ser humano abominável.

Edward Said

Você talvez pense que, se a música é algo impalpável e transitório — se, como disse Busoni, “é apenas ar sonoro” –, não haveria grande espaço para a ideologia ou o nacionalismo nela. Mesmo no terreno da ópera, com a necessidade de se contar uma história, fazer “poesia”, ser teatro e música ao mesmo tempo, seria complicado estabelecer teses. Pois é, você só pensará assim se ignorar compositores como Shostakovich, que consegue comunicar “intenções” e protestos sem palavras. No caso de Wagner, há Wagner e Wagner, o autor e o homem. Inteligentemente, ele deixou quaisquer referências diretas aos judeus fora de sua música. Aliás, é um curioso mecanismo de ocultamento (ou culpa) este que faz alguns autores escreverem pequenos ensaios como Das Judentum in der Musik (O Judaísmo na Música, de 1850), mas deixarem sua obra maior livre destas delicadas referências seculares… Também Céline, Hamsun e Pound não entremearam sua obra com referências anti-semitas ou nazistas, deixando essas coisas para os panfletos e jornais. O fato é que Wagner foi trazido pelo próprio Hitler ao centro da discussão, tornando-o o maior dos anti-semitas, postura que está longe de ser um privilégio exclusivo. Em Das Judentum in der Musik ele vai longe e como! Primeiro, ataca a influência dos judeus na música e cultura alemãs, descreve os judeus como ex-canibais de fato e agora canibais das finanças. Logo após afirma que são de natureza muito pouco profunda, acusa-os de corruptores da língua alemã e ataca Meyerbeer e Mendelssohn, compositores judeus que considerava inimigos… Em uma carta para Lizst, Wagner confessa que “Sinto um ódio, por muito tempo reprimido, contra os judeus e esta luta é tão necessária à minha natureza como meu sangue… Quero que deixem de ser nossos amos. Afinal, não são nossos príncipes, mas nossos banqueiros e filisteus…”.

Embora não haja referências anti-semitas em suas óperas, é bastante claro o significado da existência de Beckmesser em Os Mestres Cantores de Nurenberg e de Mime no Anel. São associações muito claras e ao final ambos são derrotados. Uma mesma canção interpretada por Beckmesser nos Mestres Cantores causa riso e rejeição, enquanto que a interpretação de Stolzing dá vida à música… E o discurso de Hans Sachs ao final da mesma ópera traz uma apologia da santa arte alemã, alertando para os perigos que vêm de fora. Mime estranhamente se declara hipócrita, pois esconde “pensamentos íntimos”, mas o pior é a parentesco de sua conduta — Mime, seu nome, mímesis em grego, significa imitação) — com a descrição dos judeus em O Judaísmo na Música, acrescida pelo fato de Wagner obrigar o personagem a registros altíssimos e a cantar em intervalos semelhantes aos de um pássaro – um corvo, uma gralha –, reservando-lhe ao final uma morte brutal sob a espada de Siegfried.

Grande admirador de Wagner, Gustav Mahler escreveu:

No doubt with Mime, Wagner intended to ridicule the Jews with all their characteristic traits — petty intelligence and greed — the jargon is texually and musically so cleverly suggested; but for God’s sake it must not be exaggerated and overdone as Julius Spielmann does it… I know of only one Mime and that is myself… you wouldn’t believe what there is in that part, nor what I could make of it.

Ora, tais coisas, quando em contato com quem necessita de justificativas para seus ódios… só pode criar uma idolatria. Não por acaso, caíram na mão de um certo Adolf Hitler. Ele ia com freqüência assistir às óperas de Wagner e orgulhava-se de ter lido tudo o que dele havia. Era amigo dos netos do compositor — fez-se fotografar inúmeras vezes com eles — e visitava Bayreuth mesmo durante os anos de guerra. Em 1923, foi conhecer a viúva de Wagner, Cosima. Ou seja, fazia absoluta questão de ligar-se ao compositor. Claro que o nazismo não é uma conseqüência direta disto, mas é indiscutível que Wagner influenciou a sociedade alemã com suas sagas nórdicas — tão ao gosto do nazismo –, sua pompa e anti-semitismo. Imaginem que Hitler era tão influenciado que tornou-se vegetariano… por causa e tal como o compositor!

Agora, há grandes méritos em Wagner. Foi compositor, regente, libretista, ensaísta, político (principalmente no sentido de que era suscetível a alterar suas posições subitamente, era um casuísta), polemista, amigo e referência de toda a intelectualidade alemã da época, entendido em acústica, publicitário dos bons, e era quase tudo o que você imaginar. Sem dúvidas, era um gênio. Construiu em Bayreuth um teatro revolucionário que até hoje é o melhor para suas óperas serem apresentadas, devido ao grande palco e ao fato da posição da orquestra ficar sob o mesmo, no chamado Abismo Místico (mystischer Abgrund), o qual produz um som absolutamente espetacular, escondendo inteiramente a orquestra dos espectadores — pois Wagner queria atenção absoluta ao palco — e permitindo que a orquestra abuse dos fortíssimo porque, por misteriosa ciência acústica, a posição da orquestra garante que tudo será ouvido clara e perfeitamente pelos espectadores da ópera (os fortíssimos serão suportáveis e não irão impedir que se ouçam ao mesmo tempo os instrumentos capazes de menos decibéis), apesar dos músicos sofrerem com o calor do aposento. A acústica do teatro está mais para o milagre do que para qualquer outra coisa.

Sua imaginação melódica e suas texturas harmônicas são de um refinamento ao qual é impossível associar imagens como, por exemplo, as dos assassinatos em massa. Há um enorme descompasso quando Goebbels utiliza sua música na propaganda nazista. Na verdade, é uma música revolucionária destinada a entendidos. Mas Goebbels se interessa pelo autor de O Judaísmo na Música, a música de um nacionalista que odiava os judeus, porém apenas algumas aberturas e a tal Cavalgada das Valquírias serviam aos propósitos propagandistas do regime e não suas vastas e complexas óperas que, em seu contexto, fizeram a efetiva ligação entre a música dó século XIX e a moderna. Sua música sempre aparece descontextualizada sob o nazismo e eu imagino o que não sofriam os nazistas que faziam a peregrinação anual à Bayreuth para assistir por horas e horas óperas destinadas a uma elite intelectual… Só que eles tinham que gostar, não? Na opinião do chefe, era a expressão de uma superioridade.

Eu leio Céline — um dos maiores romancistas que conheço — e abomino seu lado B; também leio Pound e gosto de Dali, um admirador de Franco. Por que não ouviria Wagner? É ilógico, mas confesso que o evito. Sinto como se houvesse muito de demasiado na personalidade de Wagner e isto invade a esfera artística de tal modo que é dificílimo ouvi-lo (não há erro na expressão “muito de demasiado”). Ele queria tudo: a obra de arte total, a criação de uma nova música, o teatro ideal para ela, procurava a maior controvérsia, escrevia panfletos, fazia tudo para aparecer e era tudo para si. É demais para mim saber de tudo isso, mesmo não ignorando seus indiscutíveis e tão audíveis méritos. Para vocês terem uma idéia, a cena em estética nazista do filme Apocalipse Now – a dos helipcópteros bombardeando os surfistas tendo a Cavalgada como fundo – provoca-me náusea… E nem sou judeu! É irracional, mas é assim. Defendo-me com o auxílio de Thomas Mann que denunciou o substrato racista das obras de Wagner sob aquelas confusas sagas nórdicas, das quais também não gosto nem um pouco, mas sei que é isso é apenas colocar uma grife numa rejeição para a qual não encontro explicação. Por que posso preterir o grande Richard Wagner e não o não menos enorme Louis-Ferdinand Céline? Sei lá.

Então, meu caro Said, eu não devo ter uma mente madura.

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A aula do professor Kretzschmar, por András Schiff

Verbalmente menos brilhante do que o professor do imortal oitavo capítulo de Doutor Fausto de Thomas Mann, o pianista András Schiff tenta explicar as variações do segundo movimento da Sonata Op. 111. Sim, Schiff, a terceira variação é quase um jazz. Boogie-woogie não, de cheito nenhum. A masterclass está incompleta, claro, mas ele demonstra em seis minutos as variações. É muito bonito.

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Prova de que deus não existe…

Ou aqui.

Obrigado, Caminhante.

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A Desejada das Gentes

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