Gustavo Melo Czekster sobre Abra e Leia

Gustavo Melo Czekster sobre Abra e Leia

Não faz muito tempo li um comentário que alguém escreveu sobre o livro Abra e leia, do Milton Ribeiro, dizendo que, por conhecer e apreciar o autor, tinha receio de se decepcionar com o livro. De certa forma, era o mesmo que eu sentia e, agora que li a obra, posso garantir a vocês, potenciais leitores, que não, não há nenhum risco disso acontecer. Pelo contrário, aliás: a admiração de vocês pelo Milton só tende a crescer. Quer dizer que o cara, além de entender de música, ter uma livraria, fazer ótimas resenhas e ser colorado, ainda é escritor? Mas quantas vezes ele entrou na fila de distribuição de benesses e qualidades? Precisa de uma CPI isso aí, hein.

Abra e leia foi uma leitura que comecei um pouco receoso, mas que logo foi se tornando prazerosa e, com o passar do tempo, até esqueci que era o Milton quem tinha escrito o livro. Só lembrava disso às vezes, quando o Milton aparecia dentro das histórias quase como um fantasma assombrando suas criações. É um livro que faz algo inédito nos tempos atuais: ele conta histórias. Sejam insólitas, trágicas ou cômicas, os contos de Abra e leia resgatam aquele prazer quase indescritível que é ler uma história bem escrita e bem contada, do tipo que parece estar se desenrolando diante dos nossos olhos e que estamos testemunhando acontecer. Em suma, uma maravilha de leitura. E, se alguns contos parecem acabar de uma maneira abrupta ou sem nenhum tipo de epifania, é por que a vida também acontece assim: cheia de cortes, de questões não respondidas, de finais que a gente não sabe se existem mesmo ou se só inventamos para não pensar mais naquilo.

Um detalhe de ritmo que o Milton tirou da música e trouxe para o livro: ele vai em um crescendo. Começa com boas histórias que, aos poucos, vão cativando a atenção, e a consistência narrativa vai se aprofundando cada vez mais até chegar em uma sequência final de contos realmente extraordinários. Melhor ir lendo aos poucos para ter essa impressão de arrebatamento, que eu nem consegui ver quando começa de verdade (sinal de que foi bem feita a escolha da ordem dos contos), mas, em geral, uma seleção de contos vai alternando maus, bons e ótimos momentos, algo que não acontece em Abra e leia, em que aquilo que era bom no início fica excepcional no final.

Entre os contos, gostei muito da praticidade filosófica e engraçada presente em Luciana e o hedonismo, do insólito em Os velhinhos, da situação quase kafkiana em Enquanto os psicanalistas se divertem, da maravilhosa construção de personagem em O Violista (muito leria um romance inteiro com esse personagem, um Sancho Pança sem Quixote), da estranheza que chamamos de vida em As afinidades ininteligíveis – quem nunca se perguntou “como foi que já gostei dessa pessoa no passado?” -, da insuspeitada força de Abra e leia, que tem um final extremamente vigoroso, e da tragédia que vira comédia em Anita e Belle, que me fez dar uma gargalhada tão alta que possivelmente acordei meus vizinhos nessa última madrugada.

Eu sei que muitas pessoas hoje consideram a literatura como um exercício sociológico, outros tentam mudar o mundo através dos seus livros, tem aqueles que desejam expressar sua visão pessoal ou filosofias particulares usando uma moldura ficcional, e está tudo bem querer isso, cada um com a sua literatura. Eu, contudo, como sou um leitor antiquado, do tipo que gosta de ler boas histórias, daquelas que me enganem muito bem e me façam acreditar piamente no que foi narrado, posso garantir que gostei muito de Abra e leia, tanto que agora farei ao Milton a pergunta temida por qualquer escritor: tá, e daí, quando vem o próximo?

Os livros mais vendidos de setembro na Bamboletras

Os livros mais vendidos de setembro na Bamboletras

E outubro já começou… Como sempre fazemos, segue a lista dos livros mais vendidos do mês anterior. Sem querermos parecer esnobes (não somos) ou arrogantes (nem pensar), podemos dizer que, em setembro, o mais vendido foi o de um de nossos livreiros. Te mete! E é uma bem lista diferente. Notem como há apenas dois livros estrangeiros e, mesmo assim, um deles é escrito em português.

1. Abra e leia, de Milton Ribeiro (Zouk)
2. Escaler, de Paulo César Teixeira (Ballejo)
3. Torto Arado, de Itamar Vieira Júnior (Todavia)
4. Os Supridores, de José Falero (Todavia)
5. O Avesso da Pele, de Jeferson Tenório (Companhia das Letras)
6. O Mapeador de Ausências, de Mia Couto (Companhia das Letras)
7. Os filmes pensam o mundo, de Enéas de Souza (EdiPUCRS)
8. Como o racismo criou o Brasil, de Jessé Souza (Estação Brasil)
9. Correntes, de Olga Tokarczuk (Todavia)
10. Duas Formações, Uma História: Das ideias fora do lugar ao perspectivismo ameríndio, de Luís Augusto Fischer (Arquipélago)

Vem conferir estas obras aqui na Bambô!

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A Karina Pacheco leu Abra e Leia e escreveu o seguinte:

A Karina Pacheco leu Abra e Leia e escreveu o seguinte:

Milton,

Hoje acordei cedo, tomei o necessário café, coloquei comida no fogo (às vezes gosto de fazer pratos demorados nos domingos) e, no momento em que a casa toda estava cheirando a cominho, meu tempero preferido, sentei para ler o teu livro. E só levantei para o estritamente necessário, porque fiquei completamente absorta com a coleção.

Admito que não tinha começado a ler antes por receio: será que estou entrando com a expectativa muito alta? será que estou sendo (in)justa com o Milton? será que vou gostar mesmo? Bem, venho aqui solenemente declarar que fui besta e ridícula e que, como sói acontecer, meus receios se provaram todos absurdos e infundados.

O teu livro é ótimo! E não digo nem penso isso porque gosto de ti, sabes que sou uma leitora exigente e jamais faria elogios por obrigação. Os contos começam bem e, de alguma forma que ainda estou tentando entender, vão melhorando.

(Sim, é um fenômeno meio estranho até, porque não giram em torno de uma única temática nem são repetitivos, mais do mesmo. Se propõem a coisas diferentes e, ainda assim, a sensação é de que vão melhorando sempre. Que incrível!)

‘Marquinhos e Enzo, o grande’ tocou o fundo do fundo da minha sensibilidade da forma mais inesperada possível. ‘Atravessando a rua’ é uma aula de narrativa e, cabe dizer, tem um final hilariante. ‘Luciana e o hedonismo’ de uma inteligência e humor que raras vezes são executados assim, sem “forçar a barra”. Nem que falar de ‘O Violista’, que talvez seja o melhor da coleção e que poderia perfeitamente estar em qualquer coletânea que tivesse as palavras “melhores” e “contos” no título. O meu preferido, entretanto, acho que foi ‘Anita e Belle’, com essa combinação ideal de sensibilidade, realidade crua e humor.

Terminei o livro meio que já querendo reler, imaginando como os diferentes contos provavelmente vão produzir efeitos diferentes em mim nas próximas leituras.

Bem, resumo essa mensagem que já está abusivamente longa: obrigada por esse livro e, por favor, continua escrevendo.

Beijo da melhor-pior cliente da Bamboletras!

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Obs. do Milton: como vocês leram, a Karina autodenomina-se a melhor-pior cliente da Livraria Bamboletras… A expressão nasceu quando sua mãe, durante uma das muitas viagens da filha — viagens aqui não é metáfora — disse-me que eu poderia escolher os livros que ela lhe daria de aniversário. Neguei-me a fazê-lo porque a Karina lê o que quer e tem opiniões fortes. Uma vez ou outra eu imponho um livro, mas é raro. Então, sua mãe rebateu: “Bem, já que tu preferes ficar 8h com a minha filha enquanto ela escolhe os livros, vou deixar um crédito pra ela…”. Gente, ela não demora 8h, mas também não é rápida e há um ganho: ela lê muito e bem, e em vários idiomas, e sempre se aprende com ela. Às vezes ela aparece com uns pedidos bem complicados, mas é da vida, né?

De Fernanda Melo, sobre meu livro Abra e Leia

De Fernanda Melo, sobre meu livro Abra e Leia

Ontem, recebi isto aqui da Fernanda Melo.

Tive que parar pra respirar depois dessa declaração de amor à tua filha. Quem te conhece pelo menos um pouco consegue identificar claramente as histórias autobiográficas.

Não desgrudei do livro desde que comecei. Pega a gente imediatamente e é variado, vai pra qualquer direção, escapa do que pode ser cansativo às vezes nos livros de contos, que é ficar tudo meio igual

Dá pra entender porque a editora o quis imediatamente. Meus parabéns, você realmente chegou lá ❤️ .

De Luís Augusto Farinatti, sobre Abra e Leia

De Luís Augusto Farinatti, sobre Abra e Leia

Quando o Milton me convidou para escrever a orelha, respondi: finalmente esse livro vai sair. Caramba, Milton! Já merecia há anos!

Começa assim o texto que escrevi para a orelha do livro de contos do Milton Ribeiro. Chegou aqui em casa hoje. Todo mundo conhece o Milton. Livreiro dono da Bamboletras, jornalista, blogueiro e desde sempre escritor. Só agora publicado. Tá mais que na hora da gente poder aproveitar esses contos.

Um livro desses. Finalmente vindo a público. E o convite pra escrever a orelha. Tô feliz demais.

Foto: Luís Augusto Farinatti

De Cândida Roriz, sobre Abra e Leia

De Cândida Roriz, sobre Abra e Leia

Milton Ribeiro, seu livro esta sendo um oásis pra mim. Minha gatinha de estimação sumiu e ler seu livro está me desligando um pouco do problema.

As histórias desse livro são boas demais. Você não tentou arrumar um final feliz. Apenas a vida como ela é. No seu caminhar, sem ter a obrigação de terminar arrumadinha. Nas histórias do livro, os personagens não tem controle sobre nada que irá acontecer em suas vidas, assim como na vida real. E traz esse choque de realidade bem diante dos olhos. Só quero agradecer, obrigada!

Foto: Cândida Cunha Roriz

Encaixotando minha biblioteca, de Alberto Manguel

Encaixotando minha biblioteca, de Alberto Manguel

A triste operação de encaixotar sua biblioteca na França inspirou uma das obras mais pessoais de Alberto Manguel. Este é daqueles livros deliciosos, para os quais a gente sempre terá um belo lugar em nossa memória. O que ele diz é óbvio para nós, devotos da leitura, e dá até pena de abandoná-lo após a leitura, tantos são os bons motivos e razões que ele apresenta para sermos como somos. O livro nos explica, eleva e é maravilhosamente informativo, além de demonstrar que, bem, não somos loucos.

Alberto Manguel é um daqueles argentinos geniais que não dá para desconhecer, ainda mais que foi amigo de Borges e — como Borges — também diretor da Biblioteca Nacional da Argentina. Encaixotando minha biblioteca (Cia. das Letras, 175 páginas, R$ 44,90) fala sobre a importância dos livros em nossa vida e conta como o autor se preparou para a mudança: ele sairia de sua casa medieval no Loire para morar em um apartamento em Nova York. Sua biblioteca pessoal, com cerca de 35 mil volumes, teria que ser guardada. Nesse momento, em apaixonada elegia, o escritor começa a relembrar sua relação com os livros e com as bibliotecas (públicas e privadas) que já passaram por sua vida. Suas reflexões variam amplamente, indo desde as adoráveis idiossincrasias dos bibliófilos a análises mais profundas de eventos históricos, como o incêndio da antiga Biblioteca de Alexandria.

O livro me causou alguma angústia. Desde que me separei em 2013, não vi mais meus livros. Os 3 mil livros que reuni até aquele ano estão em um guarda-móveis. É certo que nestes 8 anos, outra bela biblioteca começou a se formar e, quando li o livro de Manguel, percebi que havia pelo menos outra pessoa no mundo (snif) que entendia minha dor e angústia de separação. A obra tem o subtítulo “Uma elegia e dez digressões”. Ou seja, há muita coisa além da mudança e alguns trechos ecoaram demais em minha experiência pessoal. Depois de falar sobre a “geografia” de sua biblioteca (como ele organizou seu acervo), ele afirma que seus livros faziam parte de quem ele era e que a biblioteca o explicava. Sua coleção seria uma “espécie de autobiografia em várias camadas” e sua própria memória estaria “menos interessada em mim do que em meus livros”.

Voltando a Milton Ribeiro, digo que, ao entregar minha biblioteca para o guarda-móveis, estive em próximo contato com minha mortalidade. Manguel capta isso à perfeição: “Se toda biblioteca é autobiográfica, sua colocação em caixas numeradas parece uma espécie de obituário”. O livro traz palavras de sabedoria de sua avó: “Com o tempo, você aprende a desfrutar não o que você tem, mas o que você lembra” e, de forma semelhante, Manguel também dá a Dom Quixote — o herói que perdeu sua biblioteca — o crédito por ajudá-lo a compreender melhor a perda: “A perda ajuda você a se lembrar e a perda de uma biblioteca ajuda a lembrar quem você realmente é. A biblioteca segue existindo na mente do leitor na forma de associações e memórias”.

Espero arrumar minha biblioteca em poucos anos. Um livro que certamente estará lá é este Encaixotando minha biblioteca. Será parte de minha coleção e espero que permaneça valioso quando eu não estiver mais por perto.

Encaixotando minha biblioteca, como já disse, talvez seja a mais pessoal de Alberto Manguel. Ela se conclui com sua posse no cargo de seu admirado Jorge Luis Borges, o de diretor da Biblioteca Nacional da Argentina.

Existem leitores — grandes leitores — que não desejam formar bibliotecas e que possuem relativamente poucos livros. Borges, como lembra Manguel, seria o exemplo definitivo. Alguém poderia imaginá-lo rodeado de livros em casa, mas não era o caso. Ele doava quase tudo. Eu  admiro tal despojamento, mas o quero para mim. Talvez o leitor mais sábio seja aquele que lê muitos livros (ou, melhor ainda, poucos, mas profundamente) e que não se importa em possuir nenhum, porque sabe que os verdadeiramente importantes foram incorporados ao seu ser. Talvez seja um sinal de fraqueza e até mania de colecionar livros que não necessariamente nos tornarão melhores ou mais inteligentes. Aceito totalmente essa possibilidade. Mas, foda-se, vou seguir armazenando livros.

Alberto Manguel

Sala da Música do Multipalco Eva Sopher

Sala da Música do Multipalco Eva Sopher

Não mentiria muito se dissesse que estive o dia todo com a Elena. Durante os três ensaios do dia, almoçando, jantando, caminhando, tomando café, tudo.

A foto da camiseta foi ela quem tirou e a arte a la Warhol foi uma gentileza do Artur Barcelos, que poderia ser o que quisesse na vida, mas que escolheu ser um grande professor de História. Boa escolha. um grande professor de História. Boa escolha.

Milton Ribeiro apresenta livro com histórias do fundo da gaveta (Jornal do Comércio de hoje)

Milton Ribeiro apresenta livro com histórias do fundo da gaveta (Jornal do Comércio de hoje)

Leitor inveterado e proprietário da Bamboletras, Milton Ribeiro lança Abra e leia, seu primeiro livro de contos

Por Igor Natusch,
no Jornal do Comércio de hoje

Leitor inveterado e proprietário da Bamboletras, Milton Ribeiro lança Abra e leia, seu primeiro livro de contos | Foto: ANDRESSA PUFAL / JC

Uma gaveta é, muitas vezes, um lugar mágico. Nela, o escritor deposita seu inventário de ideias: textos longos e curtos, promissores ou sem futuro, incontáveis fragmentos de uma imaginação que busca a próxima história. Talvez se possa dizer que a gaveta é a mais fiel leitora de uma pessoa que escreve – e muitas vezes acaba sendo quase que a única, como os incontáveis autores não publicados pelo mundo poderão, com maior ou menor entusiasmo, confirmar.

Depois de décadas alimentando a gaveta, Milton Ribeiro sentiu que era hora de procurar o livro de estreia em meio aos papéis. O resultado está nos contos de Abra e leia (Zouk, 150 págs., R$ 43,90). Adquirir a obra, para moradores da Capital, não será difícil: além do site da editora, há a opção de ir até a Bamboletras (Lima e Silva, 776), livraria da qual o próprio autor é proprietário. “As pessoas parecem ter ficado muito felizes quando souberam que ia sair um livro do livreiro”, comenta Milton.

As histórias presentes em Abra e leia foram escritas durante um período extenso de tempo, que vem das cercanias de 2006 até os dias atuais. “Eu escrevia para a gaveta, sempre tinha sido assim. Na adolescência, era literalmente para a gaveta, porque era tudo papel. Depois comecei a escrever em programas de computador, e a minha gaveta virou o HD. Jamais tentei publicar, não tinha o menor interesse”, relembra, de bom humor.

Foi a pressão da esposa, a violinista Elena Romanov, e de amigos ligados à literatura que impulsionou o leitor inveterado e escritor irresoluto. “Um desses amigos começou a me dar livros: ‘lê isso aqui, quero saber tua opinião’. Me fez ler alguns livros, e depois dizia: ‘pois então, o que tu escreves é melhor do que isso, por que não publica?’ Aí mandei para a Zouk e, em poucos dias, responderam dizendo que queriam publicar. Foi um negócio meio mágico, não passei por aquela coisa de bater na porta, ser rejeitado: mandei para uma só editora, de um pessoal que acho simpático, e deu certo.”

Apesar de titubeante para publicar, não se pense que Milton é um escritor bissexto. Seu blog auto-intitulado é, talvez, um dos mais antigos em atividade no Brasil, com publicações frequentes desde 2003. Parte das histórias do livro, como Passando camisas e Marquinhos e Enzo, o grande, foram parte dos arquivos do blog durante muitos anos. “Costumo dizer que me colecionava no blog. Mas, nos últimos tempos, mudou um pouco a perspectiva. Hoje, eu uso bastante para resenhas dos livros que leio, como parte do trabalho da livraria, além de algumas ironias e provocações. A literatura saiu do blog e voltou para o HD, agora com uma perspectiva mais concreta de virar publicação no futuro”, explica.

Na obra, surgem histórias do cotidiano, com elementos de ironia e observação, não raro inclinadas a uma certa dose de subversão. O discurso que estraga o solene Natal em família, o trabalhador dedicado que deixa clara sua falta de fé, o jogador de futebol que enfrenta uma chance de gol que mudará sua vida: figuras humanas que usam seu temporário e precário controle sobre as situações para gerar rompimentos que rearranjam todo o cenário. “Minha vida nunca foi uma história lisa, tipo um conto de Tchekov em que as coisas avançam com calma, vão caindo na mesmice e acabam com um suspiro. Eu tive tantas viradas espetaculares na minha vida… Basta dizer que tive uma loja de informática, depois fui jornalista e agora sou livreiro. Talvez para alguns isso seja uma vida rica, mas eu não sinto assim. Acho que, de certo modo, é algo até natural, que acontece na vida das pessoas.”

Haverá quem diga que o escritor junta palavras como uma forma de honrar os seus heróis – ou que, por outro lado, esconde as palavras que escreve por não sentir que será aprovado por eles. Para Milton Ribeiro, os heróis podem ser centenários, como Tchekov e Machado de Assis, ou mais próximos no tempo, como Sérgio Sant’Anna, Lucia Berlin e Raymond Carver – o que não quer dizer que não se possa avançar para outros reinos. “Há heróis também fora da literatura. Às vezes, eu quero escrever com o equilíbrio de Bach, com a maturidade do velho Vermeer ou com a raiva de Goya. É claro que todos são heróis distantes, apenas imodestos ideais artísticos que cultivo”, acentua.

Seja como for, agora que Milton abriu a gaveta, não há previsão de fechá-la tão cedo. Além de novas histórias curtas, há um romance já pela metade, em torno dos áudios que uma mãe de terceira idade grava para uma filha com a qual mal chega a conviver. “A comprovação de que eu não pretendia publicar é que é um livro muito difícil de escrever”, admite, dando uma risada. “Mas a minha mulher diz que o ano que vem vai ser o ano do romance. É óbvio que eu não tenho perspectiva de ganhar muito dinheiro escrevendo livros, mas é gostoso dizer que, no momento pelo qual o Brasil passa, com um ministro da Educação com o mesmo nome que eu e fazendo os absurdos que tem feito, consigo viver da cultura. Isso sim é um ato subversivo, uma vida subversiva.”

Bamboletras recomenda o livro sobre o Bar Escaler, a Laerte e uns contos aí

Bamboletras recomenda o livro sobre o Bar Escaler, a Laerte e uns contos aí

A newsletter desta quarta-feira da Bamboletras.

Olá!

Porto Alegre domina as sugestões desta semana de clima estranho, que anuncia o Forno Alegre dos próximos meses. Vários dos contos de Milton Ribeiro se passam na cidade e o que dizer do livro sobre o Bar Escaler? De quebra, sugerimos a obra-prima da Laerte.

Abaixo, mais detalhes.

Boa semana com boas leituras!

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Abra e Leia, de Milton Ribeiro (Zouk, 150 páginas, R$ 43,90)

Final de semana em Porto Alegre, uma mulher ouve um estranho chegar ao corredor do prédio quase vazio e pedir ajuda, um pedaço de pão que seja. Ainda com a porta fechada, os dois iniciam uma conversa cujas consequências não se pode prever. Trinta anos depois do final de um relacionamento, um homem encontra um bilhete que o coloca diante de uma perspectiva totalmente diferente. Um músico solista sente-se pressionado em meio à falsas gentilezas do maestro e chefe. Marquinhos joga por um time da segunda divisão gaúcha. Em meio a uma partida decisiva, ele precisa escolher se arrisca tudo o que tem de seu. Estas histórias estão entre os 22 contos deste Abra e Leia. Há ironia e intensidade. As referências à música erudita, ao cinema e à literatura cumprem funções que vão além do meramente figurativo. A solidão emerge por toda parte. Sobretudo, os personagens e as situações em que se envolvem são complexos. As surpresas, porém, não se dão por meio de reviravoltas bruscas ou finais surpreendentes. Diferente disso, em vários dos contos deste livro, sem que nos demos conta a princípio, a narrativa nos coloca frente a uma perspectiva inesperada. São histórias que nos tiram do conforto das certezas e abrem um campo de possibilidades. Entrever essas possibilidades, imaginar. Eis o que fica em nós por um tempo que se estende para além da leitura.

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Manual do Minotauro, de Laerte (Quadrinhos na Cia, 416 páginas, R$ 99,90)

Livraço! Nestas mais de 1500 tiras publicadas entre 2004 e 2015 e reunidas pela primeira vez em livro, temos o privilégio de seguir a evolução artística que confirma a alta qualidade da artista Laerte como das mais interessantes nos quadrinhos do mundo. Laerte já tinha mais de três décadas de cartunismo e era uma das profissionais mais festejadas do Brasil quando decidiu reinventar tudo. Por volta de 2004, sua série Piratas do Tietê abandonou os personagens recorrentes e os arremates cômicos para explorar uma mistura de filosofia, metafísica, poesia, poucas certezas e muitas dúvidas. Piratas virou o Manual do Minotauro e entramos, junto a Laerte, no labirinto do ser mitológico. O desenho é o mesmo, exato na economia. O jogo entre nanquim, cor, forma e quadros ainda é referência de design. O texto continua enxuto, preciso. As narrativas é claríssima, muitas vezes muito cômica. E, ao mesmo tempo, a humanidade vibra por baixo da aparente simplicidade. Deixem toda lógica e ordem cotidiana do lado de fora e preparem-se para uma das grandes aventuras do quadrinho contemporâneo.

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Escaler — Quando o Bom Fim era Nosso Senhor, de Paulo César Teixeira (Ballejo, 196 páginas, R$ 71,00)

Poucos lugares simbolizaram tão bem a efervescência dos anos 1980 em Porto Alegre quanto o bairro Bom Fim, principal reduto boêmio e cultural da capital gaúcha nas últimas décadas do século XX. E, no Bom Fim, havia um ponto de convergência – o Escaler, bar fundado em 1982 por um marujo às margens do Parque da Redenção, em meio a jacarandás e sob o brilho da lua. Inscrito na memória afetiva de duas ou três gerações como espaço privilegiado de diversão e arte, o Escaler acumulou milhares de histórias na lembrança e na imaginação dos que por lá aportaram. Já estava na hora de contá-las e revivê-las. É o que faz neste livro o dono do bar, Antônio Carlos Ramos Calheiros, o Toninho do Escaler – antes de tudo, um agitador cultural, que soube direcionar energias plurais sem retirar-lhes a fluidez e a espontaneidade –, em depoimento ao jornalista Paulo César Teixeira, autor de Esquina maldita, Nega Lu – Uma dama de barba malfeita e Rua da Margem – Histórias de Porto Alegre.

De entrevistador a entrevistado

Hoje, dei uma entrevista sobre meu livro. É muito estranho. Eu sempre fiz perguntas e acredito que Kafka tenha razão ao escrever que “Lemos para fazer perguntas”. E eu sempre li muito.

Nossa, responder é bem esquisito. Então, quando o Igor Natusch me perguntou sobre quem são meus heróis literários, eu respondi com simplicidade que, relativamente aos contos, eram os centenários Tchékhov e Machado de Assis, além dos mais recentes Sérgio Sant’Anna, Lucia Berlin e Raymond Carver. E logo quis me desculpar dizendo não me comparava com eles. Aliás, a pergunta fora clara: heróis. E heróis são inalcançáveis.

Mas, se eu pudesse completar esta resposta agora, eu diria que há heróis também fora da literatura. E talvez mais importantes ainda. O equilíbrio de Bach, a beleza do cotidiano do Vermeer maduro, a raiva de Goya, a profundidade de Bergman. É claro que todos, repito, são imodestos ideais. Mas fico considerando se alguém vai ler e pensar que o livro seja uma mistura de tudo isso… Hum.

Então, meu conselho para o lançamento do dia 8 é:

Abra e Leia (pré-venda)

Abra e Leia (pré-venda)

Pois bem, meus amigos, está nascendo!

A Editora Zouk largou na frente e começou a pré-venda do livro deste que vos escreve. Então, quem quiser garantir seu exemplar autografadinho — já aviso que minha letra é péssima –, basta ir lá no site de Zouk e fazer a compra, mas, sabem, acharia muito mais legal vocês comprarem na Bamboletras ou em alguma das nossas corajosas pequenas livrarias. Porém, agora, antes do lançamento, só tem na editora e na Livraria Bamboletras, OK?

O LINK para adquirir o livro.

(Faço questão de deixar claro que não sou o REPULSIVO Ministro da Educação. Sou um homônimo muito melhor).

And I`m 64, birthday greetings, bottle of wine

And I`m 64, birthday greetings, bottle of wine

Então, neste dia 19 faço 64 anos. Estou perdendo cabelos como diz a canção dos Beatles, mas posso dizer que sou bem ativo e que até está saindo um livro meu. Estou lendo peças de Tchékhov onde todo mundo se considera velho aos 40, mas eu não. Estou vendo os meus amigos se aposentarem, mas eu nem penso nisso e nem fui à Previdência para ver se já posso fazer o mesmo. Gosto de trabalhar. Vou aguardar os 65.

Acho que fiz e faço bastante coisa. Fui por anos técnico de TI — larguei quando me neguei a pagar propina e a estatal administrada por um partido de direita processou a empresa onde trabalhava, aniquilando-a –, fui jornalista quando a profissão estava em decadência e agora sou livreiro. Como veem, atraio crises, contudo isto apenas ocorre no âmbito profissional.

Dinheiro tenho pouco, não tenho imóvel nem carro, só a livraria e um monte de coisas que enfiei dentro da cabeça, principalmente histórias, livros, músicas e filmes. Nunca tive por objetivo de acumular patrimônio, o que provavelmente tenha sido um erro.

Desgraça nenhuma. Sou feliz de forma quase indecente. Tenho amigos por todo o lado e alguns deles dizem que nunca lhes apresentei pessoas que não fossem absolutamente legais. E, fundamentalmente, tenho dois filhos maravilhosos e uma mulher que nem lhes conto. A Elena diz que sou alegre por culpa da infância feliz e cercada de carinho que tive. Bah, acho que tive muita sorte até aqui.

Também não reclamo do corpo. Tudo ainda funciona mais ou menos bem — consigo correr 6 Km em menos de 40 minutos, tá bom?

Espero seguir com a Bamboletras — a Amazon do foguete de piroca que não nos mate — e quero continuar me divertindo e não prejudicando ninguém. Minha vida não é silenciosa, aliás, é bem barulhenta e agitada, mas é boa. É isso, tenho 64 e hoje vou ouvir a faixa 2 do labo B do Sgt. Pepper`s pensando que comprei o disco (LP) nos anos 70 e muito conjeturei sobre o motivo pelo qual Paul McCartney escrevera uma letra sobre uma idade tão longínqua.

Bom dia, Aguirre ou Futebol, futebol e (pouco) futebol

Bom dia, Aguirre ou Futebol, futebol e (pouco) futebol

O Inter venceu ontem à noite o Fluminense por 4 x 2, placar que não espelha a dificuldade do jogo, que estava 2 x 2 aos 90 minutos e que ficou 4 x 2 aos 93 e 95. Meio envergonhado com os olhares, o Inter está amamentando um recém-nascido espírito vencedor — o qual ontem não se abateu com o gol de empate do Flu aos 38 do segundo tempo.

Só os bons: Edenílson Cuesta e Bruno Méndez | Foto: Ricardo Duarte / SC Internacional

Aguirre também está conseguindo que o time não pare de criar chances de gol. Antes criávamos e desperdiçávamos, agora criamos e fazemos. Durante a época de desenfreado despilfarro, a sombra do Z-4 aproximou-se e eu tinha receio de que o time desanimasse de vez. (Sabemos que os times grandes que caem passam por esta fase de nervosismo, perdendo gols incríveis a cada jogo). Mas o fato é que fizemos 8 gols  contra 2 times nada ruins.

Deste modo, Aguirre e o departamento de futebol tiveram o mérito de umedecer o chão, fazendo a poeira baixar, de acalmar os ânimos de quem estava deslumbrado com a janela de transferências e de deixar o grupo respirar. Tenho certeza de que em nosso sorriso de hoje há boa dose de alívio.

Cuesta voltou a fazer seu jogo de grandes acertos e algumas falhas. Dourado e Lindoso estão cobrindo direitinho os avanços do argentino — que ontem deu os passes para os dois gols de Edenílson. (Aliás, Ed jogou demais ontem e já é um dos goleadores do Covidão 2021). Yuri se encontrou. Taison começa e voar. Bruno Méndez é um verdadeiro achado. Daniel é outro acerto. Só Moisés e Patrick não conseguem acompanhar os outros. Por que tu não escalas Paulo Victor no lugar do Moisés, Aguirre?

E afastaram o Galhardo. Bom jogador, só que um baita de um chato, basta olhar pra cara dele para saber que adora azucrinar.

Estamos com 21 pontos em 16 jogos. É uma campanha fraca (44% de aproveitamento), mas é ascendente.

E la nave va. Ainda não sabemos claramente para onde vai, só que não é para o Z-4.

.oOo.

Há exatos 15 anos, eu, meu filho Bernardo e o amigo Milton Saad fomos juntos ao Beira-rio. Tinha chovido durante o dia, mas parou de chover ali pelas 17h, enquanto nos deslocávamos para o estádio a fim de ver o Inter ganhar nosso primeira Libertadores. Ficamos horas na fila, mas como valeu a pena!

Dois causos daquele dia:

~ 1 ~

Meu sobrinho Filipe — na época um adulto de 22 anos e que assistia o jogo em outro local do estádio — não suporta a tensão e resolve “ver” o final da partida fechado no banheiro. Entra no malcheiroso recinto com o rádio a todo volume. Como consequência, vê saírem das privadas e de todos os cantos pessoas gritando para ele desligar aquela porcaria. O banheiro estava lotado.

— Aqui ninguém ouve rádio, caralho! Se quiser ficar com a gente, desliga!

Filipe desligou. Todos ouviam o som do estádio, esperando os gritos da comemoração do título. Sim, é uma espécie de seita da qual ignoramos a existência. Eles ficaram ali parados, os nervos à flor da pele, aspirando à vitória e a inolvidável fragrância de um banheiro masculino de estádio de futebol. (Nada como saber usar crases).

~ 2 ~

Eu pergunto para o Bernardo, no finalzinho do jogo.

— Dado, quantos minutos?

Ele consulta o relógio.

— 42.

Depois de meia hora e de uns duzentos ataques do São Paulo, pergunto novamente:

— Dado, quantos minutos?

Ele consulta o relógio.

— 43.

— Não pode, merda! Tu não sabe nem controlar o tempo, bosta!

(Como se mede o “tempo emocional”?).

15 anos. Saudades daquele dia.

Sim, Tinga fez este gol bem na minha frente

.oOo.

O Grêmio está louco para cair. Dei gargalhadas com a entrevista de Felipão após a partida. Segundo o mestre, o Grêmio tinha perdido porque não se esforçava nem cometia faltas nos momentos fundamentais. Interessante. Ele vive nos anos 90.

Fico feliz de ter previsto as dificuldades tricolores. Quem lê minhas bobagens, sabe que eu escrevi que Geromel, Rafinha, Diego Souza e Maicon completariam 36 anos neste segundo semestre e não aguentariam as exigências físicas do Brasileiro. O Grêmio conseguiu substituir bem Rafinha, mas Diego e Maicon sumiram e Geromel está Geromal.

É claro que nós desejamos a terceira queda, só que esse Campaz que eles contrataram é muito bom e pode acertar o time e enterrar de vez Jean Pyerre — o bom jogador que parece não querer jogar. Acho que, para livrarem-se do Z-4, eles precisarão ganhar mais ou menos a metade dos pontos que disputarão a partir de agora. É simples, mas sabemos como é. Quando estamos mal, até peido descadeira.

O Inter estava caindo e reagiu. Eles deram uma broxada violenta, daquelas que o cara até para de se mexer. Que permaneçam assim.

Quem tem medo de Felipão? | Foto: Sergio Barzaghi / Gazeta Press

Hoje é Bloomsday, gente!

Hoje é Bloomsday, gente!

(Espero que Caetano W. Galindo não se assuste com incrível número de anotações justo na sua tradução. É o que acontece quando GOSTO MUITO. Imagine se ele abre o meu exemplar… Há quase outro Ulysses dentro… E escrito com caneta…)

Trecho final do poema “James Joyce”, de Jorge Luis Borges:

“Entre a aurora e a noite está a história
universal. E vejo desde o breu,
junto a meus pés, os caminhos do hebreu,
Cartago aniquilada, Inferno e Glória.
Dai-me, Senhor, coragem e alegria
para escalar o cume deste dia”.

Escalei o cume do 16 de junho por 3 vezes e escalaria a quarta.