Ospa: Brahms e Tchai na noite chuvosa de ontem

Brahms: entrando no meio da conversa.

A Sinfonia Nº 4 de Brahms é estranha. Quando começa, temos a impressão de termos sido jogados direto na recapitulação de um tema. A coisa vem sem maiores apresentações, parece que entramos numa conversa ou numa reunião que já vai pela metade e em que as pessoas apresentam uma segunda pauta e desenvolvem-na em forma-sonata. É como se ele entrasse subitamente em meio a uma DR (Discussão de Relacionamento) entre Clara e Robert declarando tranquilamente: “OK, confesso, eu como a Clara e isto deve gerar tensões que deixam qualquer um louco”. Então descobrimos que a recapitulação era na verdade uma exposição. Coisa mais linda este movimento, fico louco de felicidade com ele. O nada otimista segundo movimento é seguido pela galinhagem do terceiro — o que é mais uma coisa estranha: um raro momento humorístico de alguém que se caracterizava pela densidade e seriedade. O último movimento abre uma janela para o barroco — outro fato inusual para uma sinfonia tão romântica — , baseando-se numa passacaglia.

Longe vão os dias em que temíamos a gataria dos sopros da Ospa. Com a graça do bom deus (que não existe), os últimos concursos da orquestra serviram para botar os gatos num saco a fim de matá-los, como manda o bom senso reinante nas colônias alemãs de nosso estado. Pois bem, a quarta de Brahms, assim como a abertura-fantasia Romeu e Julieta, de Tchaikovsky, executada na primeira parte do concerto, exigiam muito das madeiras e metais. A resposta deles foi estupenda, tarefa facilitada pelo excelente maestro lituano Robertas Servenikas. Como diz PQP Bach, há algo na água do Báltico que torna as pessoas daquele mar bons músicos.

Eu costumo não gostar de Tchai, mas há exceções como o Concerto para Violino, Romeu e Julieta e outras poucas peças. Romeu e Julieta me remete imediatamente a meu amado Shostakovich. As sombras que ameaçavam o pobre casal veronês são um prenúncio do que depois faria Dmitri. Certamente, ele estudou a fundo esta peça, pois ontem, no auditório da Assembleia Legislativa, havia certa fragrância de Shosta no ar. Bem… deixa eu tentar explicar melhor. Sendo mais lógico, há tal presença de Tchai em Shosta que, como explorei mais Shostas, sinto como se este tivesse influenciado aquele, se me entendem. Romeu e Julieta é das obras mais suadas de Tchai. Ele a escreveu em  1870, aos 30 anos, mas houve duas revisões bastante profundas, a última em 1880.

Olha, foi um tremendo concerto. Curto, coerente e todo bom. Só não gostei daqueles insistentes (e poucos) aplausos em meio aos movimentos de Brahms. O pessoal não se flagra mesmo.

Agora, não sei se reunirei forças para ir ao concerto da próxima terça-feira. A programação indica uma dose letal do pianismo meloso de Rachmaninov. Estou muito velho para nadar em algodão.

Anotações para a noite: Mrs. Dalloway, de Virginia Woolf X A Volta do Parafuso, de Henry James

Hoje à noite, às 19h, haverá dois dos mais esperados embates do ano. No StudioClio, se enfrentarão os dois livros acima. Antes teremos Suicídios exemplares (Suicidios ejemplares, 1991), de Enrique Vila-Matas X Vésperas (2002), de Adriana Lunardi. Estarei no jogo entre Woolf e James junto com Nikelen Witter e as cervejas Corujas, sempre presentes ao evento. Abaixo, minhas anotações de fim-de-semana sobre os livros. Devido a problemas com a Fox Sports, a Net não transmitirá o evento ao vivo. Só indo lá assistir.

.oOo.

Logo que soube da escolha deste jogo por parte do StudioClio, a ideia de uma partida que reunisse Mrs. Dalloway e A volta do parafuso pareceu-me algo muito aleatório, mas tal impressão não subsistiu a alguns minutos de reflexão. O livro de James foi escrito em 1898 e o de Woolf apenas 27 anos depois, em 1925. Porém, sabemos que o mundo foi virado de cabeça para baixo naquele período, quando o romance do século XIX foi, em parte, substituído pelo romance moderno.

Não foram anos quaisquer. Alguém pode me dizer que o critério evolutivo não serve para a história do romance. Afinal, Grande Sertão: Veredas foi escrito há 56 anos, mas quando comparado com os romances atuais, dá a impressão (ou a certeza) de ser mais moderno do que aquilo que os romancistas de hoje escrevem. Talvez fosse interessante refletir se os escritores de hoje escrevem para o passado ou, pior, para um leitor que não existe mais. Bem, acho que isto é em parte verdade, mas não tergiversemos.

O fato é que Guimarães Rosa foi um fenômeno isolado enquanto Virginia Woolf fez parte de um oceano que estava destinado a mudar a arte do romance. Para comprovar que era um tsunami completo, com direito a levar de roldão o que houvesse pela frente, nem invocarei a literatura. Invoco, por exemplo, a música. O Allegro Barbaro de Bartók é de 1911, A Sagração da Primavera é de 1913, as Sinfonias de Mahler de 4 a 10 estão também entre a obra de James e de Woolf, Brahms morrera em 1897 e seu cadáver nem estava muito frio quando Debussy já rascunhava seus Noturnos orquestrais. Mas não era só na música, na pintura havia uma revolução análoga e até mais charmosa e célebre. Na literatura, Tolstói morria em 1910 para dar lugar a James Joyce, T.S. Eliot, Rilke, Proust, Kafka, Pirandello, Svevo… Todos autores que produziram toda ou grande parte de sua obra entre 1898 e 1925. Ou seja, não quero dar uma de Juscelino Kubitschek que empolgou o país com seu bordão “cinquenta anos em cinco”, porém o fato é que o mundo adquiria outra feição e velocidade naqueles anos.

Pois bem, acabo de separar os dois livros como se houvesse 200 anos entre eles, agora é o momento de aproximá-los. Por mais que hoje nos pareça estranho, Henry James era um escritor de vanguarda em sua época. Seu desenvolvimento calmo e sua classe encontram boa analogia no Bruxo de Cosme Velho. Tal como Machado, a literatura de James apresentava-se bastante estranha em 1898. Era como se o escritor, cansado do meramente romanesco, passasse a abrir mão da trama complicada e da construção de conflitos para que o leitor pudesse fruir a linguagem. James, em seus romances e novelas da época, revela um virtuosismo arrebatador sobre um quase nada, assim como Machado fez em Memorial de Aires. A trama de A Volta do Parafuso é tão rarefeita que uma sinopse do livro pode destruir a boa intenção de qualquer leitor e é isso que vou fazer agora. Calma, não vou estragar o prazer de ninguém ao ler o livro, tudo o que descreverei está bem no início da novela.

Uma mulher jovem, solteira e precisando de emprego, vai a Londres em atendimento a um anúncio. Necessitava-se de uma preceptora para cuidar de dois órfãos. O tutor é um tio bonito e bon vivant e o casal de crianças sob sua tutela é um grande incômodo. O que ele oferece? Um bom salário para morar afastado numa residência burguesa no campo, Bly, com muitos serviçais. O que ele pede? Que a contratada permaneça lá, cuidando e ensinando as crianças como uma condição: ela não deve aborrecê-lo com quaisquer problemas. Ele paga para não se incomodar. Mandará o dinheiro e ela deve resolver tudo, sem encher o saco com picuinhas e não-picuinhas. O tio é encantador, percebe que ela é suscetível a esse encanto e eles fecham o acordo. Ela vai para a propriedade, faz amizade com uma servidora simples e confiável, Mrs. Grove; logo descobrirá que as crianças são uns amores, excepcionalmente inteligentes e belas, e então não se tem mais certeza de nada. A única estranheza é o fato de o encantador Miles, o irmão mais velho, ter sido expulso da escola. A narradora não questiona o fato junto ao menino para não melindrá-lo; afinal é tão fofo! A partir de então, tudo fica BEM ESTRANHO: a ex-preceptora aparece em forma de fantasma… Ou é a narradora que enlouqueceu? O serviçal Peter Quint é outro fantasma do qual temos dúvidas se está ali mesmo ou apenas na imaginação da narradora. Well…

(Intermezzo: Pesquisei e contei 24 adaptações de The turn of the screw. Seis filmes – um com Marlon Brando, outro com Deborah Kerr, outro com Harvey Keitel e outro com Shelley Duvall – , mais uma ópera de Benjamin Britten, balés, adaptações radiofônicas, teatrais, o diabo. Nestas, muita criatividade, talvez abuso. Muito sexo, principalmente. As cenas de sexo do filme de Brando são um show à parte. Ele recém saíra de O Último Tango em Paris e o diretor Michel Winner resolveu utilizá-lo sem Maria Schneider nem manteiga, mas usando a liberdade de interpretação que James permite).

Respondendo a meus parênteses: Winner errou? Não, certamente não. Mas a preceptora aproxima-se “fisicamente” do fantasma de Quint no livro? Olha, James não descreveu nada parecido, mas ela pensava muito nele. Os pensamentos eram libidinosos? Não, eram de horror, mas falemos sério e de nossa posição pós-Freud: o fantasma de Quint cria uma atração irresistível na preceptora. Ela afirma que se trata de um monstro, mas ela o acha bonito e Mrs. Grove – que o conheceu vivo – garante: Quint era muito bonito e permissivo. O narrador James – o livro é narrado em primeira pessoa pela preceptora – não diz nada, mas nos leva a desconfiar de muita bobagem. Quint não é, decididamente, um cavalheiro; antes é sempre comparado a um animal. Quem sabe um fauno permissivo, instintivo e execrável à moral da moça? Talvez apenas a sua moral, claro.

Tudo no romance é perfeito. E insuficiente. As aparições dos fantasmas são raras e espaçadas, as informações sobre o possível conchavo deles com as crianças podem ser fruto da imaginação tola da narradora. Sabe-se pouco e fica claro que um dos fatos principais do livro é a linguagem de James, sempre pronta a nos enganar e a levar nosso pensamento para qualquer direção, nenhuma delas inocente. A Volta do Parafuso é escrito com o óbvio propósito de iludir o leitor a cada página. A interpretação é livre, tão livre que, no Brasil, uma editora espírita do interior de São Paulo publicou Os Inocentes de Henry James, como uma novela espírita da possessão de duas almas infantis por dois espíritos malvados, obsessores. Acho que de modo nenhum podemos explicar o livro por aí. De meu ponto de vista, eu, que jamais acreditei em fantasmas nem em espiritismo, confesso que James me assustou. Sim, confesso ter ficado arrepiado, inteiramente envolvido pela linguagem de James. Aliás, se houver alguma explicação para o livro, ela não será nada, nada óbvia. O mínimo que sobrará a um leitor de inteligência mediana, como eu, será a certeza de que se trata de um livro absolutamente assustador e instigante.

Mrs. Dalloway é muito diferente. O que me salta imediatamente aos olhos é o trabalho de linguagem de Virginia Woolf, sua enorme leveza e feminilidade ao escrever. Mrs. Dalloway é o primeiro livro de VW que subverte a linguagem tradicional. O livro inicia com a seguinte frase: “A Sra. Dalloway disse que ela própria compraria as flores”. Depois o que se vê inicialmente é uma explosão de alegria de uma mulher casada que dará uma festa à noite em sua casa. Sim, o ambiente inicial é de festa, mas logo abrem-se frestas. O surgimento de Peter Walsh, o seu primeiro amor, que retorna da Índia, muda alguma coisa, trazendo consigo os desejos da juventude que acabaram num casamento morno. Há também Septimus Warren Smith, enlouquecido pelo trauma da Primeira Guerra Mundial e cujos medos parecem se refletir em Clarissa (Dalloway). Enquanto Septimus é uma chaga aberta, Clarissa cobre sua dor com festas, amigos e tarefinhas. O futuro parece assustador, a velhice – Clarissa tem 52 anos – também. Melhor que os convidados saiam de sua casa dizendo a frase que Francisco Marshall escreveu em seu Facebook logo após a última festa que demos em minha casa e na qual Nikelen  Witter também estava presente: “Tudo perfeito! Assim a vida fica bem mais leve e melhor!”. É outro contexto, mas serve a frase, que agradeço.

Assim como o Ulisses de Joyce, a ação de Mrs. Dalloway transcorre num único dia. Entre a manhã e a madrugada seguinte, com as horas (aliás, o primeiro título do romance era As Horas) bem marcadas pelas badaladas do Big Ben. Lendo-se de um ponto de vista estritamente idiota, é a narrativa de um dia na vida da esposa de um membro da Câmara dos Comuns, sobrecarregada de coisas para fazer e preocupada com o que não fez por falta de coragem. Indo um pouco mais longe, é um livro sobre o efeito de nossas opções, o que não é pouca coisa.

A trama (trama?) de Virginia Woolf é ainda mais rarefeita do que a de James. Como veremos a seguir, VW é muitíssimo mais informativa, porém são fatos desconexos, jogados pela autora em aparente livre-associação formando um mosaico completo, repleto dos detalhes que são nossas vidas. Vejamos: enquanto Clarissa Dalloway dirige-se à florista Miss Pym, o leitor vai conhecendo a sua vida: o marido chatinho Richard, a filha Elizabeth; a religiosa Miss Kilman, espécie de preceptora que influencia a filha Elisabeth e de quem Clarissa não gostava e recebia retribuição. Pensa em seu amigo Peter Walsh, a quem preterira em casamento. Retornando à casa, Clarissa encontra o marido Richard, que lhe diz que foi convidado para ir almoçar na casa de Lady Bruton. Clarissa fica com ciúmes, mas há mais em que pensar, pois não disse que ela receberá a visita de seu primeiro amor, o citado Peter Walsh? O passado emerge, as cenas entre os dois e as lembranças de ambos são belíssimas e tristes. Durante o jantar, Richard diz a Walsh  que se sente inseguro, que oferece com alguma frequência flores a Clarissa para poder dizer “eu te amo”, mas que a frase não sai, apenas as flores são entregues. Durante a festa, Peter conhece Sally Seton, uma velha amiga que depois de casada passou a ser conhecida como Lady Rosseter e deu luz a cinco filhos. Ela foi íntima de Clarissa, trocaram carícias, mas aconteceu com ela o mesmo que ocorreu com Walsh. Clarissa trocou-a por uma posição social. Simultaneamente, travamos conhecimento com Septimus Warren Smith, um herói da Primeira Guerra Mundial que tem alucinações, e com o sofrimento da sua esposa Lucrezia (Rezia).

Woolf utiliza uma técnica de fluxo de consciência conectando os pensamentos de seus personagens. O romance é uma narrativa contínua, sem grandes divisões ou seções. O Big Ben conta o tempo. Os pensamentos de personagens como Mrs. Dalloway e Septimus Warren Smith são conectados por eventos externos do mundo, como o som de um automóvel, ou a visão de um avião no céu.
O que há em comum entre as duas “heroinas”? Não gosto de ambas. Dalloway escolhe a  segurança e o convencionalismo. A narradora de James é muito chata e doida varrida…Clarissa ama o sucesso, odeia o desconforto, e tem necessidade de ser amada. Ela é atraída para homens e mulheres. Teme que sua filha seja cooptada por Miss Kilman. Clarissa teve uma doença recente, e descansa por uma hora depois do almoço. Pensa na morte. Bem, agora temos anotações mesmo!
Agora, a contagem dos gols. Tudo pode mudar até a noite.
1. Linguagem, foco narrativo

Empate. Fico mais feliz com Woolf, mas acho que há que respeitar o sabor clássico de James. Cada um faz um gol.

2. Construção de conflitos e estrutura do romance

James constrói uma miríade de conflitos dentro de um guarda-chuva maior. Todos eles são cuidadosa ou nervosamente analisados e revisados em seus muitos detalhes. Na verdade, A volta do parafuso é uma longa construção de um conflito que não é solucionado até o final muito bem definido até o final e até mesmo depois dele. Gol de James.

3. Construção de personagens

Tenho que pensar.

4. Relevância sociológica.

O romance de Woolf é, não obstante sua aparente leveza, lotado de observações à terceira década de século XX: as sobras da Primeira Guerra Mundial que traumatiza, culpa e enlouquece Septimus Warren Smith. Rezia, sua mulher expatriada e semi rejeitada por ser uma estrangeira, sentindo-se duplamente impotente frente ao marido que sucumbe e ao qual ama. O caso de Clarissa e Peter Walsh e de Clarissa e Sally que não vão adiante pelo puro preconceito de classe de Clarissa. Gol de Woolf, fácil.

5. Relevância ontológica.

Aqui também Woolf faz gol. O fluxo de consciência é um ganho enorme e ele garante enorme vantagem sobre o discurso livre indireto de James. Além do mais, os personagens de James estão obcecados pelos fantasmas e os problemas dos garotos. Mesmo que James vire e revire as ideias da narradora, ela não é páreo para a montanha de elementos que é exposta por Woolf.

Mrs. Dalloway, de Virginia Woolf X A volta do parafuso, de Henry James

Fortes e confirmados indícios dão conta de que este que vos escreve e Nikelen Witter estarão na próxima segunda-feira, 2 de abril, discutindo os dois títulos acima no StudioClio. A volta do parafuso é de 1898; Mrs. Dalloway, de 1925. Neste ínterim, a arte mudou muito. Não gosto da palavra ruptura, até porque Virginia Woolf, com seu respeito aos escritores que a antecederam, a rejeitaria, mas há que considerar que a distância temporal entre as obras, de 27 anos, parece ser maior se entremearmos James Joyce e seu Ulisses, Diaghilev, Mahler, T.S. Eliot, Rilke, Ravel, Proust, Kafka, Pirandello, Svevo, Stravinsky… ou seja, o modernismo. A distância entre as duas pequenas obras-primas assemelha-se a comparar a perfeição clássica de Brahms a Mahler ou Bartók.

Henry James era o grande estilista, um escritor cheio de artifícios e que foi ficando cada vez mais intrincado em sua prosa. Ele talvez seja um dos maiores representantes do fim de uma época que já forçava os limites do romance do século XIX, apontando para o que viria. Já Woolf gozava de uma liberdade que ainda escandalizava e criava seu primeiro grande romance, o saltitante Mrs. Dalloway.

Dá muito papo, ainda mais com a Nikelen, que é escritora e historiadora. Estaremos devidamente calibrados com cerveja Coruja. Acho que será bom.

Londres: a música ou a Música imbatível da cidade

Um dia, quando já estávamos em Paris, passamos na frente de um bar onde havia música ao vivo. Era horrível. Nos olhamos: “Dificilmente ouviríamos algo tão ruim em Londres”. A gente se acostuma rapidamente com o que é bom. Em Londres, há boa música até nas lojas. Em sua maioria, trata-se apenas e simplesmente de música popular inglesa — nova e antiga. Camden Town e Portobello Road, sobre os quais falarei depois, são festas sonoras e, comprovando que as músicas legais ou de qualidade acima do normal circulam mesmo, dobrando uma esquina, havia uma loja de camisetas punk tocando Essa moça tá diferente, de Chico Buarque…

Mas minha área é a da música erudita. Eu já sabia, claro, que o movimento de música erudita em Londres era muito grande, mas não imaginava aquilo que (ou)vi. Muitos concertos de alto nível, todos lotados ou quase, todos com várias opções de preços. No luxuoso Queen Elizabeth Hall (capacidade para 900 pessoas), por exemplo, os ingressos custam 35, 28, 21, 14 e 7 libras, sendo que comprando os de 7 libras a gente senta lá atrás, quase na última fila, porém a acústica é tão boa que o som que nos chegava do Hagen String Quartet não nos fazia invejosos de quem estava lá na frente. Como podemos ver pela foto abaixo, o QEH é imenso, mas o som dos dois violinos, da viola e do violoncelo eram ouvidos com muita clareza, de uma forma como nunca se ouve em Porto Alegre, em sala nenhuma, pois nossos construtores se esquivam de considerações acústicas mesmo nos empreendimentos novos e novíssimos.

O concerto do Hagen Quartet no Queen Elizabeth Hall teve programa com Haydn, Shostakovich e Brahms. O bis foi o divertido Allegretto pizzicato do Quarteto Nº 4 de Béla Bartók. Uma noite perfeita. Abaixo, o Amadeus toca a peça de Bartók com menor de brilhantismo:

A 8ª Sinfonia de Mahler, que vimos no Royal Albert Hall, não é nada rotineira fora dos circuitos onde a múisca erudita trafega com naturalidade. Bem, na estreia, sob a regência do próprio Mahler, havia 1023 pessoas no palco, entre oito solistas, coro duplo e coro infantil, orquestra duplicada e órgão. Veni Creator Spiritus (Vem, Espírito Criador!), canta o coral no início, dando música ao poema medieval do monge Hrabanus Maurus. Mahler fazia retornar de forma muito particular e original a voz a suas sinfonias, o que depois ele faria ainda melhor em A Canção da Terra.

Abaixo, um jovem Bernard Haitink rege a obra, provavelmente no Concertgebouw de Amsterdam com os incríveis coro e orquestra de lá.

http://youtu.be/ickPLWzJOwQ

Assistimos embasbacados. Quando do início da música — trecho acima — , meus olhos se encheram de lágrimas. Não, não sou disso. Tudo tremia e eu também. Fiz a contagem de quantos estavam no palco. Contava cada fila de músicos e cantores e, a cada dez, memorizava o cabelo do último contabilizado. Multiplicou as filas, somou tudo e chegou a 870. O palco estava lotado, o teatro idem.

Na noite anterior nós tínhamos assistido a ópera La sonnambula, de Bellini, no Royal Opera House (capacidade para 2300 pessoas), que fica no Covent Garden. Montagem, cantores e orquestra luxuosas; preços camaradas. No intervalo, vimos um monte de gente fazendo piquenique nos corredores. Como os ingleses jantam cedo e a ópera era às 19h30 — como quase todos os concertos noturnos da cidade — , às 21h eles estão starving. Então, muitos levam um farnelzinho improvisado, sentam nos corredores e matam a fome. O curioso é que trazem tudo em caixinhas organizadas, sem esquecer do cálice de vinho e de um guardanapo para por no pescoço. Ficamos nos sorvetes…

E o que dizer da igreja St. Martin-in-the-Fields, uma igreja esquecida de suas inglórias funções e que se tornou um enorme café em sua cripta, oferecendo concertos praticamente diários no andar de cima? O que há de especial é sua extraordinária — verdadeiramente estupenda — acústica. E quem se apresenta lá, é claro. As coincidências ajudam. Eram 19h20 quando eu e minha cara-metade passamos na frente de uma igreja que tinha um estranho “olho torto”.

Quando demos a volta pensando em ir para a Trafalgar Square, vimos um cartaz cujo texto era mais ou menos assim:

London Musical Arts at St. Martin-in-the-Fields
John Landor, reg.
Beethoven — Symphony #3
Vocês têm só 10 minutos para comprar os ingressos
e chegarem a seus lugares

Esta orquestra é verdadeiramente fantástica e mereceram cada aplauso quando finalizaram a sinfonia. Ali, durante a Marcha Fúnebre, eu ouvi o melhor som de contrabaixo que registro em minha memória. Dois dias depois, voltamos lá a fim de assistir o Réquiem de Fauré com The Locrian Ensemble, London Chorale e mais Kevin Kenner ao piano, pois havia a um concerto para piano de Mozart no início do programa. Regência de Stephen Ellery. Neste concerto, houve um momento mágico: Ellery desculpou-se pelo fato da orquestra ter chegado cansada do Japão e de não ter podido ensaiar a Pavana de Fauré que fazia parte do programa. A peça substituta seria apresentada pelo pianista Kenner. E, logo após o concerto de Mozart, o próprio anunciou Peace Piece, de Bill Evans. A execução, iniciada num improviso de poucos dedos que não poderia lembrar mais o autor, seguida do tema e de nova improvisação, foi de notável sensibilidade. Quando o cara terminou, a plateia ficou por alguns segundos meio hipnotizada, demorando a aplaudir ou desejando que aquele momento se mantivesse um pouco mais. Coisa de louco. Só isso já valeu as 10 libras investidas.

http://youtu.be/RjM8G4VwAqY

Em resumo, para os melômanos, Londres vale a pena MESMO. Alguns de nossos ingressos foram comprados na internet com cartão de crédito. Os da Saint Martin foram adquiridos na hora. A oferta de música se renova a cada semana, dando-nos a vontade de nunca mais sair de lá. Só posso amar a cidade. Mas virão mais motivos.

As fotos são minhas. Apenas as fotos diurnas do QE Hall e o RA Hall foram roubadas por aí.

Cornos contribuem para a herança cultural da sociedade moderna

O maravilhoso Concerto Duplo para Violino, Violoncelo e Orquestra de Brahms, só existe porque uma mulher corneou seu marido. Em 1884, o grande violinista Joseph Joachim e sua mulher se separaram depois que ele se convenceu que ela mantinha uma relação com o editor de Brahms, Fritz Simrock. Brahms, certo de que as suposições do violinista eram reles paranoia, escreveu uma carta de apoio a Amalie, que mais adiante ela usará como prova no processo de divórcio que Joseph movia contra ela. Este fato motivou um esfriamento das relações de amizade entre Joachim e Brahms, que depois foram restabelecidas quando Brahms escreveu o Concerto Duplo e o enviou a Joachim para fazer as pazes. Em suma, o Concerto só existe em função do belo par de cornos que Amalie pôs em Joseph Joachim.

Joseph Joachim e Amalie Weiss: obrigado por cornear, Amalie

P.S.- O título foi sugerido por minha fiel amiga Gabriela Franco.

Três vezes Brahms: o Concerto da OSPA ontem à noite foi memorável e teve a presença de Romy Schneider

Aos colegas da OSPA.

Quero convidá-los para se divertirem nessa noite de BRAHMS. Apesar dos pesares somos músicos, é isso que amamos fazer, uns mais, outros menos, mas é o que amamos fazer, Música. E quando essa música está aliada a um bom maestro e uma excelente jovem solista, só nos resta uma coisa, nos divertir em tempos de luta por melhores condições de trabalho.

Israel Oliveira, trompista da OSPA, antes do concerto, no Facebook

Querem ouvir músicos felizes ? É só deixá-los tocar Brahms. Três vezes em um único dia é prenúncio de grande concerto.

Augusto Maurer, clarinetista da OSPA, antes do concerto, no Facebook

O programa de ontem, 6 de setembro, era este:

Johannes Brahms – Abertura Trágica, Op. 81
Johannes Brahms – Concerto para Violino e Orquestra, Op. 77
Johannes Brahms – Sinfonia Nº 3, Op. 90

A solista de violino foi a espantosa (e bela) Anna Matz — sósia mais magra e alta de Romy Schneider — e o regente foi o uruguaio Nicolás Pasquet.

Terminadas as apresentações, tenho que dizer que o concerto foi memorável, inesquecível. As interpretações da solista e da orquestra no Concerto e, depois da orquestra na Sinfonia, foram de cair o queixo. Grande regente, o Sr. Nicolás Pasquet.  Foi uma noite para a gente sair de lá feliz, mesmo que tenha sido no péssimo Auditório Dante Barone, mesmo que saibamos do local inadequado para ensaiar, mesmo com os barulhos estranhos que vinham do vestíbulo, mesmo com uma acústica de merda, a orquestra resiste aos maus tratos estaduais e federais. Afinal, a ministra Ana de Hollanda veio à Porto Alegre fazer o quê? Passear e prometer? Chega, né? Quanto mais batem, mais esta orquestra cresce, mas tudo tem limite.

Agora notem como a extraordinária solista de apenas 20 anos lembra Romy Schneider. Vão dizer que não?

Uma era austríaca, a outra é alemã
Anna e Romy nos dão uma olhada sobre o ombro
Uma lê na piscina, a outra, na sala de concerto
Ah, vai dizer que não são parecidas?
Romy Schneider, durante uma aula de violino para Anna Matz, dá uma pitadinha

Brahms, Quarteto para Piano, Op. 60, 3º Mvto: Andante ou Caminhante, te orienta

No YouTube, não consegui nenhuma interpretação “daquelas”, a não ser com imagem parada. Então, vai essa. É excelente, se considerarmos que são estudantes.

A lembrança veio através desta mensagem da Caminhante:

Eis que hoje estava fazendo uma limpa nos meus CDs e encontrei um sem identificação. Acho que é alguma coisa que eu gravei do PQP, ou talvez não? São 8 faixas. Tem piano, cello, violino… Se eu te mandar um pedaço, será que você consegue me dizer quem é, que música é, etc? Não faço a menor ideia.

OK, foi fácil.

Grande Sabine

Um Quinteto para Clarinete de Mozart, outro de Brahms. No clarinete, a grande Sabine Meyer. Por que grande? Ora, grande e revolucionária: na Orquestra Filarmônica de Berlim, onde causou tumulto por ser a primeira integrante feminina, tendo ganho duas vezes concursos em “audições cegas” (onde é colocada uma tela de modo que o avaliador ouve, mas não vê o executante).

Via

Brahms: Trio para Trompa, Violino e Piano, Op. 40

Esta é uma peça mais desconhecida do repertório de Brahms. Gosto muito dela. A sonoridade da trompa, que a princípio parece incompatível para fazer música de câmara com violino e piano, forma um contexto inusual e muito bonito sob o talento do autor de Hamburgo que passou a infância numa cervejaria (mas esta história da cervejaria conto outra hora). Curiosa e tristemente, o trio, escrito em 1865, é dedicado à mãe do compositor, morta no mesmo ano. A presença da trompa era para dar um timbre sombrio e melacólico, mas eu jamais chamaria o Scherzo e o Allegro final de melancólicos… O trio dos vídeos abaixo é formado por três feras absolutas: Itzhak Perlman, violino; Daniel Barenboim, piano e Dale Clevenger, trompa. Vejam porque vale a pena! A obra tem 4 movimentos, um em cada vídeo:

I. Andante
II. Scherzo (Allegro)
III. Adagio mesto
IV. Allegro con brio

OSPA em noite medonha, mas só lá fora

O clima medonho de ontem — chuvoso e frio — liquidou com a possibilidade de a Reitoria da UFRGS receber um bom público para o concerto de ontem à noite. Uma pena, pois estava excelente.

O programa iniciava com O Moldávia, do checo Smetana, trecho mais conhecido do poema sinfônico Minha Pátria (Má Vlast). Depois, nós sofremos duras consequências de duas obras bem chatas, a Dança do Comediantes da ópera A noiva vendida, também de Smetana, e das 4 Danças eslavas, de Dvorák, até chegarmos à esplêndida Sinfonia Nº 2 de Brahms.

Ao contrário do tempo que fazia lá fora, a segunda de Brahms é tranquila e mesmo seu Adágio não é nada triste, mais parecendo uma Sinfonia Pastoral. Brahms, que sempre sofreu comparações absurdas com Beethoven — na verdade são tão parecidos quando Scarlett Johansson e Monica Bellucci, duas perfeições inteiramente distintas — , teve sua segunda sinfonia posta em comparação à sexta de Ludwig van, a Pastoral, por seus contemporâneos. Mas isso são considerações históricas e absurdas. O que nos interessa é que a interpretação da OSPA sob a regência de Cláudio Cruz esteve com sobras à altura da composição.

Antes da estreia, Brahms brincava com seus amigos dizendo-lhes que nunca tinha composto algo tão triste e ameaçava: “É tão triste que acho que não vou conseguir ouvir até ao fim”. Na verdade, toda a sinfonia está repleta de felicidade brahmsiana, que é algo contido, sereno e, tá bom, pastoral.

Grande noite. Perdeu quem ficou com medo da chuva.

Johannes Brahms

Sinfonia Nº 1 de Brahms

Estava procurando alguma coisa com o Simon Rattle na Filarmônica de Berlim e logo o encontrei regendo a 1ª Sinfonia de Brahms, minha sinfonia preferida. É só um trecho — mas que trecho! — e ao final o YouTube me ofereceu para ver o segundo vídeo, coisa de pai maluco e aparente sucesso na galeria de vídeos… O que me impressiona é o som, o timbre da Filarmônica de Berlim, tão grandioso e distinto do comum das orquestras. É único, assim como o da Orquestra do Concertgebouw de Amsterdam. Confiram.

Marin Alsop na OSESP

No ano passado, assisti tardiamente a OSESP na sala São Paulo. No programa havia Sibelius, Janacek, Debussy e Pärt. Foi um dos grandes momentos de 2010, talvez até o maior deles num ano de poucas emoções artísticas.

Fiquei feliz quando soube que Marin Alsop assumirá a regência titular da OSESP. E fiquei surpreso ao saber que se tratava de uma mulher. Achava que seu nome derivava do nome masculino francês Marin (diz-se Marrã), como Marin Marais, e que vestisse cuecas como eu. Mas não. Aquele regente admirável de tantas gravações da Naxos é uma mulher, o que, se não a melhora, ao menos surpreende num mundo ainda dominado pelos homens.

Alsop, nascida em 1956, assinou por cinco anos a partir de 2012 e deverá ficar dez semanas por ano em São Paulo, além de turnês e gravações. Está bem, se considerarmos que a regra atual é a troca contínua do ocupante do pódio.

O primeiro ocupante do posto no período da Sala São Paulo, John Neschling, ficou bastante nervoso e foi deselegante aqui (final) e aqui. Seu livro é muito bom, mas em seu blog ele se permite um pouco de truculência: colocar o nome de Fernando Henrique Cardoso ao lado do de Marin Alsop é o mesmo que ofendê-la. E ela veio cheia de bom senso:

“Eu sempre ouço conselhos, mas raramente os sigo. Disseram-me para evitar a Naxos, que é uma gravadora de discos baratos, mas olhe o resultado: eles viraram o principal selo clássico do mundo! Bem, mas talvez meus CDs estejam fazendo sucesso porque eu sou mulher. Não é engraçado?”.

Em Baltimore, além das atividades artísticas, ela realizou programas de educação musical envolvendo a população carente. “Você tem de tentar ser relevante e isso é difícil quando lida com gente morta, que criou cem anos atrás”.

“A tendência inicial e imediata seria o repertório brasileiro, latino-americano, mas isso parece muito óbvio. Talvez fosse divertido fazer mais compositores contemporâneos que mesclam popular e erudito. Todo mundo sente que essa é uma cidade contemporânea e isso tem que se refletir no repertório. Além de Mahler, Brahms e Beethoven, temos que trazer a música de hoje. Sou muito interessada na música nova brasileira, e tenho que me educar nisso.”

A Sra. Alsop sabe o que faz. Será que vamos ter mesmo de comprar passagens baratas com antecedência, ficar hospedado naquele hotelzinho ali perto da Sala São Paulo para ouvir música de primeira qualidade? Não me incomodo, mas e Porto Alegre?

Dmitri Shostakovich (VIII – Final)

Na primeira parte do último texto, escreverei uma pequena introdução sobre meu diletantismo radical de escolher um compositor para passar centenas de horas a lê-lo e ouvi-lo. Há muita coisa boa e muita porcaria publicada. Já as gravações são quase todas boas. Ele não é compositor para músicos diletantes…

Os piores textos vêm daquelas alas que atribuem ou buscam descobrir alguma posição política no homem e na obra. Tais posturas, encontráveis tanto à direita quanto à esquerda, com predominância daquela, servem apenas para mostrar a ideologia de quem escreve, o que, convenhamos, pouco interessa neste caso. Depois de muito ler, fica clara a grande e falsa exposição que Shostakovich obteve durante da Guerra Fria, no Oriente e no Ocidente. Ambos os lados o utilizaram como exemplo de suas teses. Ele e outros intelectuais soviéticos foram espécies de caixas pretas nas quais se podia adesivar as mais diversas opiniões e posições. Não, Shostakovich nem representava o governo soviético, nem esteve ao lado dos dissidentes Soljenítsin e Sakharov. Se teve inúmeras oportunidades de permanecer no Ocidente e não o fez (argumento da esquerda), também sofreu horrores com Jdanov, Stálin e mesmo depois (argumento da direita); se escreveu ironias ao estado soviético (Cantata Rayok, argumento da direita), também cantou o heroísmo da revolução em obras não encomendadas. Shostakovich parece-me ter sido alguém cujo pensamento político possuía pouca relevância e que agia sempre como artista e ponto. Só isso? Não, em minha opinião, ele era um comunista muito crítico e reto, com uma complexa relação de amor e ódio ao poder da URSS. Apenas Stálin era cem por cento abominado. Era um artista, não um político; não seguia as linhas tortuosas, às vezes indefensáveis, que os partidos frequentemente defendem. Utilizou-se de temas de sua época, porém a perspectiva sob a qual via o mundo era, curiosamente, sempre foi a dos mortos. Dos mortos pelos nazistas, pelos anti-semitas, pelos soviéticos, por Stálin ou pelo passar do tempo, como em toda sua obra final. Como escreveu Fernando Monteiro, toda grande obra gira em torno de três temas: Amor, Deus e Morte. Acho que Shostakovich, teve muito a dizer sobre todos, principalmente sobre os dois últimos temas; o primeiro pela inexistência, o segundo pela onipresença.

Aliás, com o passar do tempo — o qual tem o bom costume de fazer aparecer a verdade e o pouco recomendável hábito de fazer desaparecer nossos pobres corpos –, a discussão sobre o pensamento político de Shostakovich tornar-se-á ociosa e ficará o que interessa: o homem e o compositor; e este era um sujeito brilhante e produtivo, deprimido e eufórico, que torcia interminavelmente os dedos, como mostram os filmes soviéticos, sentado num trem olhando a chuva bater na janela; que homenageava a pureza de alguns revolucionários e criticava ou expelia seu amargor e sarcasmo aos governantes; que permanecia parado por horas em silêncio com os amigos de que gostava — e só com eles.

Por falar em gostar, o que gosto em Shostakovich é sua música. Ela é produto de um artista apaixonado e inacreditavelmente produtivo. A forma com que ele se relacionou com seu tempo serviu à sua música e não o contrário. Escrevia para ser compreendido e para expressar-se, mas não tinha ilusões de mudar seu país e o mundo, que é como parece pensar quem só vê política na arte de Shostakovich. Sua música, antiquada para os modernos e moderna para os anacrônicos (sem ofensas, sem ofensas…), consegue ser visceral e cerebral, e concordo com este artigo quando seu autor fala no quanto a audição de Shostakovich demandou-lhe subjetivamente. Não é música para ser assimilada nas primeiras abordagens e nem esquecida facilmente. São experiências oferecidas por alguém disposto a buscar tudo o que estivesse à mão para expressar o que desejava e que produziu uma obra séria, sarcástica, deprimente, divertida, inteligente, lúdica e extraordinária: às vezes, tudo ao mesmo tempo.

A seguir, comento as três últimas grandes obras de Shostakovich.

Quarteto de Cordas Nº 14, Op. 142 (1972-73)

Este é quase um quarteto para violoncelo solo e trio de cordas, tal é a proeminência dada àquele instrumento. É um quarteto inspiradíssimo, escrito em três movimentos (Allegretto – Adagio – Allegretto), e que tem seu centro dramático em um dilacerante adagio de 9 minutos. Não consigo imaginar uma audição deste quarteto sem a audição em seqüência do Nº 15. Eles, que costumam aparecer juntos, seja em vinil ou em CD, formam, em minha imaginação, uma só música.

Quarteto de Cordas Nº 15, Op. 144 (1974)

Este trabalho, assim como a sonata a seguir, são tidas como obras-primas e seriam os dois principais “réquiens privados” de Shostakovich. Concordo.

O que dizer de um obra escrita em seis movimentos, em que quatro deles são adagio e os outros dois são adagio molto, sendo que, destes dois últimos, um é uma marcha funeral e outro um epílogo…? Ora, no mínimo que é lenta. Porém, como estamos falando do Shostakovich final, estamos falando de uma obra que tem como fundo a morte. Há três movimentos realmente notáveis nesta música: a Serenata: Adagio, a Marcha Fúnebre – Adagio Molto e o musicalmente espetacular Epílogo – Adagio Molto. O Epílogo recebeu vários arranjos sinfônicos e costuma aparecer — separadamente ou não do resto do quarteto — em gravações orquestrais.

Sonata para Viola e piano, Op. 147 (1975) – A Última Composição

Esta é a última composição de Shostakovich e uma de minhas preferidas. Ele começou a escrevê-la em 25 de junho de 1975 e, apesar de ter sido hospitalizado por problemas no coração e nos pulmões neste ínterim, terminou a primeira versão rapidamente, em 6 de julho. Para piorar, os problemas ortopédicos voltaram: “Eu tinha dificuldades para escrever com minha mão direita, foi muito complicado, mas consegui terminar a Sonata para Viola e Piano”. Depois, passou um mês revisando o trabalho em meio aos novos episódios de ordem médica que o levaram a falecer em 9 de agosto.

Sentindo a proximidade da morte, Shostakovich escreveu que procurava repetir a postura estóica de Mussorgsky, que teria enfrentado o inevitável sem auto-comiseração. E, ao ouvirmos esta Sonata, parece que temos mesmo de volta alguma luz dentro da tristeza das últimas obras. A intenção era a de que o primeiro movimento fosse uma espécie de conto, o segundo um scherzo e o terceiro um adágio em homenagem a Beethoven. O resultado é arrasadoramente belo com o som encorpado da viola dominando a sonata.

Os primeiros compassos da Sonata ao Luar, de Beethoven, uma obra que Shostakovich frequentemente executava quando jovem pianista, é citada repetidamente no terceiro movimento, sempre de forma levemente transformada e arrepiante, ao menos no meu caso… O scherzo possui uma marcha e vários motivos dançantes, retirados de uma outra ópera baseada em Gógol — seria sua segunda ópera composta sobre histórias do ucraniano, pois, na sua juventude ele já escrevera O Nariz (1929) — que tinha sido abandonada há mais de trinta anos. Outras alusões são feitas nesta sonata. Há pequenas citações da 9ª Sinfonia (de Shostakovich), da 4ª de Tchaikovski, da 5ª de Beethoven, da Sonata Op.110 de Beethoven, de Stravinsky, Mahler e Brahms. E a abertura da Sonata utiliza trecho do Concerto para Violino de Alban Berg, também conhecido pelo nome de “À memória de um anjo”, o qual é dedicado à filha de Alma Mahler, Manon, morta aos 18 anos, com poliomielite.

Creio não ser apenas invenção deste ouvinte- – há uma constante interferência do inexorável nesta música, talvez sugerida pela intromissão de temas de outros compositores na partitura, talvez sugerida pela atmosfera melancólica da sonata, talvez por meu conhecimento de que ouço um réquiem. O fato é que Shostakovich estava aguardando.

Shostakovich morreu sem ouvir a sonata, que foi estreada num concerto privado no dia 25 de setembro de 1975, data em que faria 69 anos.

Que orquestra! Fico taquicárdico.

São fragmentos, mas que fragmentos! Abaixo, a Orquestra Filarmônica de Berlim, regida por Pierre Boulez, dá um show no Finale da Música para Cordas, Percussão e Celesta de Béla Bartók.

E aqui, com Hélène Grimaud ao piano e sob a regência de Tugan Sokhiev, no Concerto para Piano e Orquestra em Sol Maior de Maurice Ravel:

Aqui, com o regente titular Simon Rattle, parte do Finale da Sinfonia Nº 1 de Brahms (notem sua felicidade ao reger uma das melodias mas belas jamais compostas e que foi utilizada no Fausto de Mann):

Novamente com Rattle na Sinfonia Nº 10 de Shostakovich:

E com Gustavo Dudamel na Sinfonia Nº 5 de Prokofiev:

Outro dos muitos motivos pelo qual adoro Brahms

Dando continuidade a este post, mais um movimento lento de Brahms, o Andante do Quarteto para Piano, Nº 3, Op. 60, absurdamente lindo com Martha Argerich (piano), Dora Schwarzberg (violino), Lyda Chen (viola) e Mischa Maisky (violoncelo) em concerto realizado em 15 de junho de 2009 na cidade de Lugano, Suíça. Tratado como deve ser, como uma canção, é de ser ouvir de joelhos.

Ou aqui.

Concerto Nº 1 para Piano e Orquestra de Brahms (1º Mvto: Maestoso – em 3 partes)

Abaixo, um registro antológico do imenso primeiro movimento do Concerto Nº 1 para Piano e Orquestra de Brahms, com um Arthur Rubinstein velhíssimo e o Concertgebow de Amsterdam, sob a regência de um jovem e já calvo Bernard Haitink. É, na minha opinião, o melhor dos concertos para piano. Melhor ver e ouvir de joelhos o fantasmagórico primeiro tema e seu lírico desenvolvimento. Ainda mais em tão boas mãos.

Ou clique AQUI para ver a primeira parte.

Ou clique AQUI para ver a segunda parte.

Ou clique AQUI para ver a terceira e última parte.

A um Escritor que Amo

Quando o li pela primeira vez, foi por exigência do colégio. Tinha 14 anos e foi uma revelação. Nunca antes me deparara com nenhuma atividade que me interessasse de verdade. Não queria ser médico ou engenheiro – tinha eu 14 anos de idade… – mas poderia ser aquilo. Escreveria livros! A partir daquele, comecei a procurar outros do mesmo autor e notei como ele frequentemente citava músicas. Ora, meu pai era um homem de muitos discos, então era fácil conhecer as coisas de Beethoven, Mozart, Brahms e Bach de que ele falava. Depois, conheci Herbert Caro, que — amigo de Erico — fez-me uma relação verbal das músicas que ele ouvia repetidamente em casa, enquanto escrevia ou nos intervalos. Sabe-se hoje que Erico Verissimo deixou por escrito a recomendação de que, se quisessem lembrá-lo no futuro, não precisariam fazer grandes homenagens e discursos, bastaria reunir seus amigos e leitores “numa noite, qualquer noite” e tocar um “dos últimos quartetos de Beethoven, algumas sonatas de Mozart e qualquer coisa do velho Bach. E o resto – que diabo! – o resto é silêncio.”

Ontem à noite, fui a um concerto em homenagem aos 100 anos de nascimento de Erico Verissimo – ele nasceu em 17 de dezembro de 1905. Executou-se um quarteto de Mozart, outro de Beethoven e o esplêndido Op. 25 de Brahms. Foram apresentados por membros do Salzburg Chamber Soloists Ensemble. O fundador e regente desta orquestra é um portoalegrense chamado Lavard Skou-Larsen. Lavard é um violinista filho de mãe brasileira e pai dinamarquês e, mesmo morando desde os 4 anos em Viena, conhece a obra de Erico por influência de sua mãe. O concerto foi espetacular, com destaque para a violoncelista – e mulher de Lavard – Adriane Savytzky, para a pianista israelense Revital Hachamoff e para o entusiasmo, tesão e alegria de todos. Não houve discursos. Com fotos de Erico por todo o lado, ouvimos música. A empresa patrocinadora fez das suas apresentando um vídeo institucional, mas sabemos que sem patrocínio não tem concerto. Se todas as homenagens a Erico forem deste porte, teremos um grande final de ano em Porto Alegre.

Erico viajava muito ao exterior e costumava dizer aos que não conheciam Porto Alegre: “Moro numa cidade que tem Orquestra Sinfônica”. Para ele, isto demonstraria inequivocamente nosso tamanho, civilidade e humanismo. Tinha razão. Espero que a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre não esqueça dele.

P.S.- Esta pequena crônica foi escrita em abril de 2005. Sim, a Ospa homenageou Erico no concerto do dia 13 de setembro de 2005. O programa não foi um horror, mas também não incluiu nada que o escritor especialmente admirasse: começou com a Abertura da ópera “Fosca” de Carlos Gomes, depois veio o Concerto para Piano e Orquestra em lá menor de Schumann e finalizou com a Sinfonia nº 4 em ré menor, também de Schumann. Poderiam ter lido trechos de seus livros, apresentando as músicas depois, mas como são uns béocios, perderam a oportunidade. Uma pena.

Louco por Beethoven

Pois pensei ter ouvido as 32 Sonatas para Piano de Beethoven em dois dias. Foram mais de dez horas de música. Não indico tal empreitada a quem não conheça as sonatas, pois acho que a falta de convivência com elas pode causar uma massa de milhares de notas sem maior sentido. Por que fiz isso? Ora, Beethoven escreveu sonatas durante toda sua vida e pensei que seria interessante ouvir a evolução de sua linguagem através delas.

Foi uma boa idéia, não me arrependo. Para fazer a maratona, escolhi a versão do estupendo pianista ucraniano Emil Gilels (1916-1985), que gravou a quase integral para a Deutsche Grammophon. Fiz excelente escolha de pianista, mas… a versão de Gilels tem apenas 29 sonatas e as 15 Variações e Fuga sobre o tema de Prometeus da Eroica. Ele estava completando a série quando faleceu. Dei-me conta da incompletude da série quando notei a falta da transcedental Sonata Nº 32, Op. 111, sobre a qual tinha escrito aqui, referindo ao famoso capítulo 8 de Fausto de Mann. Para minha sorte, as outras duas sonatas faltantes acrescentariam pouco ao mosaico. Estão lá a nº 29, a imensa Hammerklavier — premiada pela revista Gramophone como a melhor gravação do ano de 1984 –, a Moonlight, a Patética, a Appassionata, a Waldstein, a 13ª e as últimas, com exceção da 32ª.

Gilels teve uma morte bem ao estilo da guerra fria. Já fora vítima de um ataque cardíaco em Amsterdam em 1981, mas o ocidente, auxiliado por Sviatoslav Richter, atribuiu sua morte a um médico incompetente do Hospital do Kremlin, que teria errado o conteúdo de uma injeção… Acredite quem quiser.

Para descrever a evolução do compositor através das sonatas seria preciso escrever um livro. Apesar de Beethoven ter morrido em 1827, sua evolução parece ultrapassar seu ano de morte: vem desde a virada do século XVIII para o XIX, impregnado que estava de seus contemporâneos de juventude: Haydn e Mozart; entra decidido no romantismo com obras fortes e grandiosas — expressão às vezes paroxística de um romantismo muito bem compreendido por sua época — e, paradoxalmente, avança em direção ao século XX, tornando-se modelo e norte para os compositores que o sucederam, ao menos até o início do século XX. “Entenderão depois”, dizia Beethoven a quem criticava esta fase “inacessível”. Torna-se um espantoso criador de arquiteturas que, se foram melhor apresentadas nos últimos quartetos, também o foram nas sonatas. Estamos diante de uma culminância da arte ocidental. Sim, o homem foi um monstro só comparável a Bach, deixando Brahms, Mozart e Bartók empatados no segundo lugar de meu panteão particular.

Gilels talvez tenha a melhor versão das sonatas. As clássicas versões de Arthur Schnabel e Wilhelm Kempf estão no mesmo patamar esta turma póstuma só é derrotada quando o italiano Maurizio Pollini — que não tem a integral delas — ataca as chamadas últimas sonatas e algumas românticas, como a Waldstein. Todos tem suas manias e eu não fujo à regra. Quando quero analisar um pianista tocando Beethoven, vou direto à Waldstein. Visceralmente romântica, radicalmente contrastante, obriga o pianista a passar da obsessão furiosa do primeiro movimento para a lenta solenidade do movimento central que dará lugar a um delicado final. Ninguém, mas ninguém supera Maurizio Pollini nestas variações assombrosas, talvez inconcebíveis, de humor. E a segunda melhor gravação que ouvi desta sonata vem de um irlandês que gravou uma importante integral das sonatas pela Telarc e do qual se fala muito pouco no Brasil: John O’Conor.

A Hammerklavier (Pianoforte) e a Op.111 de Pollini também são imbatíveis. Imaginem que Beethoven indicou que sua sonata Op. 106 tinha de ser tocada no piano, pois muitos ainda utilizavam o cravo!

Não conheço todas as integrais. Ouvi as citadas e mais a de Arrau, que não acrescenta muito. Vou parar por aqui porque me deu vontade de ouvir a Waldstein com o Pollini, ao vivo. Fui.

As 100 obras essenciais da música erudita segundo a Bravo! ou Vendendo ignorância

Sou um sujeito que está sempre rindo. Morro um pouco a cada dia, mas abstraio-me autenticamente do fato. Então, às vezes quero escrever uma coisa bem alegre ou criativa, esquecendo a Mônica Leal e a Pâmela, mas não dá. Me chamam de volta para que eu meta o pau.

A lista de cem obras essenciais da música erudita da revista Bravo! parece ter sido feita… Sei lá, quem sabe por ocorrências no Google? Proponho um acerto com você, caro leitor. Acho que você concorda que é fácil fazer listas e, quanto mais longas forem, mais fácil fica, certo? Se a lista contiver alguns absurdos, você diz que é questão de gosto e fim. Pois a Bravo! conseguiu fazer a lista errada, aquela que demonstra claramente que seus autores não têm a menor vivência na audição de obras do gênero erudito. Essa lista não é questão de gosto, é questão de polícia.

Moacy Cirne, neste post, já havia destruído a relação da e com a Bravo! utilizando como arma apenas uma obra ausente, as Vésperas da Virgem, de Claudio Monteverdi. Bastou. Trata-se de uma omissão que realmente desqualifica toda a lista. Tem razão a maior autoridade brasileira das histórias em quadrinhos, uma lista de uma centena sem as Vésperas é como deixar de fora Grande Sertão: Veredas ou Cidadão Kane em listas análogas de romances brasileiros ou cinematográfica. Mas não apenas o Moacy merece divertir-se, eu também! Analisarei uma poucas coisinhas… HÁ absurdos inacreditáveis na lista.

82º) Concerto para Oboé, de Mozart: é óbvio que o autor da lista não fez teste de bafômetro. Por favor, meu caro ouvinte, ouça este concerto e depois a Sinfonia Concertante para Violino e Viola, ou quaisquer dos Concertos para Piano de 23 a 27 do mesmo Mozart. Um bêbado, sem dúvida.

71º) Tocata e fuga em ré menor: aqui, tenho a primeira convulsão séria. Obra menor de Bach, o alcoolizado autor da lista deixou de FORA TODOS OS SEIS CONCERTOS DE BRANDENBURGO!!!

57º e 83º) A Morte e a Donzela e Trio Op. 100, de Schubert: são obras excelentes, mas esquecer o Quinteto de Schubert é embriaguez de cair deitado.

49º) Missa em Si Menor, de Bach: aqui, a piada foi a de colocá-la atrás da Sinfonia Fantástica de Berlioz. Não, a piada foi muito maior. Há certo consenso que a Missa seria uma espécie de Cidadão Kane da história da música, ou seja, que seria estaria no topo de todas as listas, mas o chumbeado autor coloca-a lá no meio…

11º) Dichterliebe, de Schumann: HAHAHAHAHA, os lieder de Schubert ficaram de fora — exceção feita aos Winterreise — e o Quarteto e Quinteto de Schumann também, mas essas cançõeszinhas de Schumann, simplesinhas e humildes, quase chegaram ao Top 10 do borracho.

4º) O cachaceiro botou a Sagração da Primavera, de Stravinski, em quarto lugar. Será necessário um alongamento muito severo para que alguém razoável admita que a obra esteja colocada no Top 10. Muuuuuito alongamento.

13º) Mais risadas, um único quarteto de cordas de Beethoven está na lista e não é o 130, nem o 132, nem a Grosse Fugue, Op. 133. Estranhamente o pinguço acertou bem onde não devia: no meio. O Op. 131 é belo com seus sete movimentos e um Andante avassalador, mas convenhamos.

84º) Questão de gosto: a Pastoral não poderia estar nesta lista. Mas o bebum a trouxe.

58º) O que faz Dvorak aqui? Hein, beberrão?

38º) Sinfonia “Inacabada”, de Schubert: essa entrou no carteiraço. E a Nona, conhecida como “A Grande”, biriteiro? Em que ela é menor? É por ter sido “Acabada”?

22º) Quadros de uma Exposição, de Mussorgski, é a vigésima-segunda obra essencial de todos os tempos do ébrio…

48º) Réquiem, de Verdi: é uma surpresa encontrá-lo aqui, mas já que o gambá o conhecia, por que deixou-o apenas em 48º? Merecia o Top 20!

95º) 4`33, de Cage: bem, se A Sagração estava em quarto pela importância histórica, esta obra de Cage deveria estar nas imediações, junto de algo de Stockhausen, um dos grandes ausentes da lista, pau d`água.

93º) Intermezzo, Op. 118, de Brahms: a imensa música de câmara — sonatas para violoncelo e clarinete, trios, septetos — de Brahms está inteiramente ausente da lista… Por quê, meu Deus, o esponja escolheu isto?

76º) Carmina Burana, de Orff: sem comentários. Viu, chupa-rolha?

É absolutamente necessário rir de uma publicação dessas, senão vêm as dores de cabeça, úlceras, etc. E citei apenas os primeiros absurdos que me ocorreram, nem explorei os despautérios cometidos ao barroco. Não me perguntem onde vai parar um jornalismo cultural que orienta assim os jovens e inexperientes. O cara que fez esta lista estava desnorteado, aturdido. Menos mal que o blog P.Q.P. Bach recebe 60.000 visitas por mês. E está à distância de um clique. E não custa nada.