A Sinfonia Nº 4 de Brahms é estranha. Quando começa, temos a impressão de termos sido jogados direto na recapitulação de um tema. A coisa vem sem maiores apresentações, parece que entramos numa conversa ou numa reunião que já vai pela metade e em que as pessoas apresentam uma segunda pauta e desenvolvem-na em forma-sonata. É como se ele entrasse subitamente em meio a uma DR (Discussão de Relacionamento) entre Clara e Robert declarando tranquilamente: “OK, confesso, eu como a Clara e isto deve gerar tensões que deixam qualquer um louco”. Então descobrimos que a recapitulação era na verdade uma exposição. Coisa mais linda este movimento, fico louco de felicidade com ele. O nada otimista segundo movimento é seguido pela galinhagem do terceiro — o que é mais uma coisa estranha: um raro momento humorístico de alguém que se caracterizava pela densidade e seriedade. O último movimento abre uma janela para o barroco — outro fato inusual para uma sinfonia tão romântica — , baseando-se numa passacaglia.
Longe vão os dias em que temíamos a gataria dos sopros da Ospa. Com a graça do bom deus (que não existe), os últimos concursos da orquestra serviram para botar os gatos num saco a fim de matá-los, como manda o bom senso reinante nas colônias alemãs de nosso estado. Pois bem, a quarta de Brahms, assim como a abertura-fantasia Romeu e Julieta, de Tchaikovsky, executada na primeira parte do concerto, exigiam muito das madeiras e metais. A resposta deles foi estupenda, tarefa facilitada pelo excelente maestro lituano Robertas Servenikas. Como diz PQP Bach, há algo na água do Báltico que torna as pessoas daquele mar bons músicos.
Eu costumo não gostar de Tchai, mas há exceções como o Concerto para Violino, Romeu e Julieta e outras poucas peças. Romeu e Julieta me remete imediatamente a meu amado Shostakovich. As sombras que ameaçavam o pobre casal veronês são um prenúncio do que depois faria Dmitri. Certamente, ele estudou a fundo esta peça, pois ontem, no auditório da Assembleia Legislativa, havia certa fragrância de Shosta no ar. Bem… deixa eu tentar explicar melhor. Sendo mais lógico, há tal presença de Tchai em Shosta que, como explorei mais Shostas, sinto como se este tivesse influenciado aquele, se me entendem. Romeu e Julieta é das obras mais suadas de Tchai. Ele a escreveu em 1870, aos 30 anos, mas houve duas revisões bastante profundas, a última em 1880.
Olha, foi um tremendo concerto. Curto, coerente e todo bom. Só não gostei daqueles insistentes (e poucos) aplausos em meio aos movimentos de Brahms. O pessoal não se flagra mesmo.
Agora, não sei se reunirei forças para ir ao concerto da próxima terça-feira. A programação indica uma dose letal do pianismo meloso de Rachmaninov. Estou muito velho para nadar em algodão.
Foi um excelente concerto, pena a falta de um café no local, o Auditório Dante Barone, da Assembleia Legislativa. A noite começou com o bom gosto de não haver discursos. Foi uma surpreendente renúncia num dia em que a Ospa tinha assinado o contrato para o repasse das verbas necessárias para a construção de sua Sala Sinfônica. Já houvera discursos pela manhã no Palácio Piratini, claro, mas a gente sabe como alguns políticos gostam de falar e refalar. Acho que o Assis Brasil não aderiu 100% à classe, o que não deixa de ser um raro caso de belo conservadorismo. Outra surpresa foi o grande público. O que não faz um estacionamento próximo, não? Ali na UFRGS a coisa é duríssima para estacionar. Talvez o simples fato de estarmos na frente de uma praça, com todo seu entorno “estacionável”, tenha trazido um grande público. E havia um programa popular, equilibrado e de bom nível, mesmo que eu esteja de saco cheio de ouvir Quadros de uma Exposição.
O solista era o extraordinário Alejandro Drago que… bem… Já tocara o solo introdutório da Tzigane sábado em minha casa. Fazer o quê? E o regente era novamente o uruguaio Federico “Asterix” García Vigil. Ou seja, a margem de erro era mínima.
Alejandro Drago e Alexandre Constantino em Oblivion, de Astor Piazzolla, na minha casa. Te mete!
Não sou nada apaixonado pela Introdução e Rondó Caprichoso, Op. 28 de Camille Saint-Saëns, mas é claro que uma execução convincente mata muitas restrições. Já a Tzigane de Ravel é uma peça espetacular, cheia de virtuosismo, originalidade, liberdade e sensualidade. Se você estava nas redondezas e perdeu este concerto… Olha, só tenho a lamentar. É uma peça de aproximadamente dez minutos, talvez simples para a orquestra, mas o solista Drago e leitura compreensiva de Asterix fizeram toda a diferença. Foi um momento para se guardar bem na memória e confesso que meus olhos ficam marejados com a lembrança das retomadas rítmicas da peça que Ravel escreveu orginalmente para piano e violino, mas que cuja melhor versão é a ouvida ontem. Quem perdeu o concerto… E a entrada era franca, tchê!
Após o intervalo (e ainda sem café), veio Quadros de uma Exposição, de Mussorgsky, na versão orquestral de Ravel. É uma grande e exigente orquestração. A Ospa saiu-se maravilhosamente, com destaque para os metais — não sei o nome do trompetista que arrasou ontem. A obra ficou muito popular a partir dos anos 70, com dois discos best sellers: a versão algo abusiva do grupo de rock progressivo Emerson, Lake & Palmer e o disco da DG com Karajan e a Filarmônica de Berlim desta mesma versão dos Quadros e com um complemento igualmente matador — o Bolero de Ravel. Foi um dos discos mais vendidos da história da Deutsche Grammophon.
Agora, olhem esta foto e me digam que não é o Asterix:
Federico García Vigil: a alegria do gaulês platino
Eu estava cansadíssimo. Trabalhei demais hoje. Porém, a noite começou a ficar animada no intervalo do concerto… Opa, já chegamos ao intervalo? Pois é, é que as duas peças iniciais de Ravel não me interessaram muito, aliás não me interessaram nem naquela caixa de 3 CDs onde o Abbado rege toda a música orquestral do francês. Acho um saco as tais Alborada del Gracioso e a Ma Mére L´oye. E cansado a coisa fica ainda pior. Imaginem que dormi na Mamãe Gansa… Sim, amo Ravel, mas não aquelas peças. Ah, esses repertórios…
No intervalo, começamos a rir. Era impossível não achar graça nas duas senhoras que analisavam o cabelo de todas as moças da Ospa. Elas reclamaram do cabelão de uma violinista loira que antes usava cachos, elogiaram a (bielo)russa que antes usava o cabelo armado e que agora adotara o soltinho descabelado — uuuuh, fica muito melhor! Falaram também da elegância de suas mãos. Criticaram de forma violenta, acerba mesmo, a monotonia de quem nunca muda o cabelo. Qual é a graça? Mulher tem que arriscar!
Na segunda parte do concerto, o Arthur Elias — que não teve o penteado comentado e estava no papel de fauno — deu um show no Prélude à l’après-midi d’un faune, obra difícil, gostosa de ouvir e onde a orquestra saiu-se muito bem. Eu já estava acordado. Chamei o Arthur de fauno porque no poema de Mallarmé, o fauno toca uma flauta e eventualmente excita-se e persegue algumas ninfas. Ele não pegou nenhuma.
O melômano que vos escreve faria vários reparos à interpretação de La Mer — houve um momento especialmente descontrolado na região dos violoncelos — , mas que diabo, é música ao vivo e estas coisas acontecem. Ouvi falar que houve poucos ensaios em relação à dificuldade do programa.
(Sempre penso que o movimento Sirènes está no La Mer (O mar tem sereias, correto?), mas ele finaliza Nocturnes. Não esquece mais disso, Milton!).
Copland, um novaiorquino fazendo música mexicana; Gandarias, um guatemalteco falando de sua infância; Krieger, um catarinense polifônico; Guerra-Peixe, um fluminense falando de Minas e Richard Strauss em seu entardecer alemão. Tudo isto regido por um maestro vestido com uma túnica muito pouco discreta — coloridíssima, de cor predominantemente amarela escura, disse minha mulher (sou daltônico, lembram?) — e cuja provável intenção étnica me fugiu totalmente. Parecia algo africano, mas acho que sua origem deve ser alguma artesanía latino-americana, suponho a partir da música.
Apesar da divertida cara de surpresa de alguns músicos ao observarem a espetacular entrada do maestro Cláudio Ribeiro, o concerto foi seríssimo e do mais alto nível artístico. El Salón Mexico, de Copland, é muito boa e não é culpa da obra o fato de sermos remetidos a velhos seriados de faroeste. As Quatro Últimas Canções, de Strauss, foi o grande momento do concerto. Arrepiou MESMO, mesmo que a acústica ou a projeção da soprano Janette Dornellas fizessem com eu não a ouvisse nas partes mais delicadas da música. Mas é grande música, verdadeiramente sublime! Destaque para o solo de Israel Oliveira (trompa) na segunda canção, Setembro.
Edino Krieger: melhor prestar atenção nele
Após o intervalo, veio Desde la infancia, de Igor de Gandarias, obra curta e cheia de citações. A surpresa da noite foi a envolvente Passacaglia para o novo milênio, de Edino Krieger. A passacaglia (ou passacalha) é uma forma musical de tema e variações onde aquele é repetido pelos baixos enquanto o resto da orquestra se diverte. Depois de um começo que lembra a Música para Cordas Percussão e Celesta, de Bartók, a obra ganha ritmo e ares populares para retornar a seu início. Acho que Krieger merece mais atenção. O concerto finalizou com a conhecida Museu da Inconfidência, de César Guerra-Peixe, com um show da percussão e do fagotista Adolfo Almeida Júnior.
A orquestra esteve muito bem. Aliás, nos concertos deste ano o nível artístico das apresentações da Ospa não merece senão elogios. Minha crítica é ao programa. Certo, foi um bom repertório, cheio de ineditismos — ao menos para mim — mas a mistura de Richard Strauss e suas canções sobre a morte próxima com o restante do programa… Bem, alguém há de me explicar.
A Missa Solene (Missa Solemnis, Op. 123) de Beethoven teve um parto complicado. Sua composição começou em 1819 e era para estar pronta no ano seguinte, quando seu mecenas Arquiduque Rudolf von Österreich (1788-1831) seria investido no cargo de arcebispo. Não ficou pronta, acabou sendo apresentada parcialmente (só o Kyrie, o Credo e o Agnus Dei) na ocasião da investidura. A estreia e única apresentação integral da Missa durante a vida do compositor foi em São Petersburgo, em 1824. De fôlego — mais de uma hora de música –, não é uma obra simples nem popular, mas é belíssima.
A Ospa, seu Coro Sinfônico e quatro cantores solistas executaram ontem à noite a Missa Solene sob a regência de Manfredo Schmiedt. É uma Missa que faz a alegria de qualquer coral e o Coral da Ospa se houve maravilhosamente bem, aliás, só ele parecia estar no palco, pois….
Bem feito. Quem mandou ir à igreja? Eu estava sentado na segunda fila, ao lado dos violinos e não os ouvia quando o coral cantava ou os tímpanos trovejavam. Todos os músicos que estavam nas filas de trás, em locais mais altos, eram ouvidos. Já os músicos que sentavam na altura do público — cordas e madeiras — não eram ouvidos. Ou melhor, emitiam algo como zumbidos. A acústica da Igreja da Ressurreição enterra sem remissão quaisquer tentativas de quem está colocado em posição desfavorável. Por exemplo, o Carrara… ele tocou mesmo? O que ouvi dele foi sua voz me cumprimentando. E só. A propósito, quem merece cumprimentos são os solistas. Foram excelentes os desempenhos de Elisa Machado (soprano), Angela Diel (mezzo) — a voz de Angela é de minha absoluta preferência — e Saulo Javan (baixo). Já o tenor Gerardo Marandino destoava do resto do grupo. Justo a voz que mais aparece e que teoricamente é mais fácil de projetar saiu bisonha e sem brilho.
Como já disse, também merece elogios o entusiasmado e feliz coral. Dava gosto de ver o tesão daquele povo. Houve momentos realmente sublimes, houve momentos ensurdecedores. Culpa do bullying realizado pela acústica incontrolável da igreja. Não obstante, fiquei feliz junto com eles.
Espero que a Ospa desista da Igreja da Ressurreição. Foi uma hora e dez de bundas quadradas e muito frio. É necessário muito amor à música. Se nós, melômanos, sofremos, imaginem quem tem de trabalhar e ainda aguentar a acústica. Parece maldade. Os músicos ensaiam num local inadequado e se apresentam noutro também inadequado (e totalmente diferente). Na boa, são uns heróis.
Detalhe da Abadia de Conques (França): "A Punição do Músico". No detalhe, a harpa do músico foi confiscada por um diabo, que puxa sua língua para fora com um gancho. Outro demônio estrangula o homem e devora-o por trás. A imagem não condena a música ou músicos em geral. Era apenas um castigo impingido a um mau músico;afinal, castigar músicos era comum na época (1107-25). Hoje, o castigo assume outras formas.
(É claro que o maestro uruguaio García Vigil merece todo meu respeito, mas que ele é a cara do Asterix, isso é. Baixinho, magro, narigudo e com longos cabelos, falta-lhe pouco para ser o esperto gaulês. Algumas mulheres na plateia disseram que ele remetia ao gaulês, mas também ao Gepeto do Pinóquio. Não chegamos a uma conclusão final).
O repertório do concerto de ontem à noite foi fraco e tal fato é tudo menos novidade, como sabem meus sete leitores. A função começou animada com a Abertura da ópera A Flauta Mágica de Mozart, o qual parece ter morrido de uremia, nunca por envenenamento. O pequeno guerreiro gaulês imprimiu grande entusiasmo à execução e a Ospa — a plena e furiosa DR atual parece não atingi-la artisticamente — respondeu de forma magnífica.
Porém, a aldeia gaulesa sempre tem seu momento Chatotorix: Antonio Salieri apontava perigosamente na curva. Defendido galharda e inutilmente por Max Uriarte, o Concerto para Piano e Orquestra em si bemol maior revelou-se por inteiro em sua mediania. Um bonito Larghetto antecedido de um primeiro movimento desinteressante e sucedido de um Andantino em forma de variações. Um concerto de estrutura original, não fosse o problema da música. Não sou daqueles que combatem o Salieri em razão das calúnias póstumas proferidas por Pushkin, repercutidas por Rimsky-Korsakov, e amplficadas por Peter Shaffer em Amadeus — é que o concerto era dureza mesmo. Salieri, que morreu de velho, surfava bem melhor em águas operísticas.
Depois veio a 5ª Sinfonia de Schubert, que morreu de mal francês (vá ao dicionário). Pura grife. Schubert foi um tremendo compositor e o número cinco é muito bem cotado nas rodas eruditas. A Quinta de Beethoven, a Quinta de Mahler, a Quinta de Shostakovich, a Quinta de Prokofiev — que recebeu bela gravação da OSESP, lançada em CD no mês passado, Marin Alsop, já compraram?, eu comprei, é muito bom — , fora os concertos que carregam o número dos melhores volantes do mercado. Pois bem, pura grife, dizia eu: a 5ª de Schubert é das obras mais fracas de um sinfonista que parece apenas ter se encontrado nos números 8, “Inacabada”, e 9, “A Grande”. Perda de tempo ouvir novamente a 5ª. Despilfarro, diria o gaulês platino.
Ideiafix. Sim, ontem meu Facebook foi invadido por argumentos de que era impossível melhorar o repertório da Ospa. Eram músicos da Comissão Artística que davam uma colher a este pobre escriba de sete leitores. Referiam-se a isto, certamente. A comoção artística deles fê-los afirmar que a programação “foi pensada e realizada tendo em vista a estrutura física disponível para a Ospa”.
Seria muito fácil, apesar de longo, responder ao argumento. Nem vou fazê-lo. A Ospa sofre demais, como coloquei no link que repito aqui, mas não deve alegar que seu sofrimento seja a causa das péssimas escolhas que faz. Isso é como o jogador de futebol que rola aos berros no gramado ao menor toque em sua figura. A Ospa insiste em não envolver seu público nas decisões. Os metros e metros que separam a Reitoria do novo teatro poderiam ser pavimentados com, por exemplo, partituras de Haydn superiores a tal 5ª de Schubert. Schubert é superior a sua Quinta Sinfonia. Aliás, recentemente tivemos a 8ª e 9ª do mesmo compositor. O que a Ospa não imagina é a criatividade dos programas que fazemos por pura brincadeira no grupo de discussões daquele blog fantasmal de música erudita, resultados das saudades que temos da coluna Who`s Next da revista Gramophone. O público sabe mais do que alguns imaginam. No intervalo, em vez da 5ª, fantasiava com a Sinfonia “O Filósofo” de Haydn, uma livre associação muito mais adequada.
Fico pensando em onde colocar o Obelix no meu texto…
O concerto de ontem à noite da OSPA estava dentre aqueles que eu não indicara. Não, não sou nenhum oráculo mas tenho 40 anos de salas de concertos. Dou bons chutes. Infelizmente, tinha razão. O programa era o seguinte:
Bruno Kiefer: Poema Telúrico
Claudio Santoro: Concerto para Violoncelo (Solista: Antonio Del Claro)
Claudio Santoro: Sinfonia nº 11
Regente: Roberto Duarte
Quando se fala em promover a música brasileira, isto não significa o desligamento de qualquer senso crítico. O Poema Telúrico de Kiefer é apenas médio, a Sinfonia de Santoro é consistente e ótima, mas seu Concerto para Violoncelo é medonho e foi um alívio quando terminou. Acho que o violoncelista nem voltou uma segunda vez para ser aplaudido. Ele não era culpado de nada, só que todos desejavam que ele fosse logo embora. Não é uma opinião única ou algo ditado por minha mente melômana. Na verdade, era tão incrivelmente ruim que consultei alguns não-melômanos durante o intervalo. Eles me confirmaram a extrema ruindade da coisa. Outro alívio foi quando Roberto Duarte, antes de atacar a sinfonia, falou à plateia dizendo que a obra fora composta muito tempo depois e que era muito diferente. Obviamente, ele não fez referência à música anterior, talvez nem quisesse dizer “agora, a coisa vai”, porém a mensagem foi compreendida assim.
A angustiante sinfonia Nº 11 é muito boa mesmo e uma amiga psicóloga disse ao final: “Posso não entender nada de música, mas de angústia eu entendo!”.
O fato lastimável do concerto foi o programa. Papel de boa qualidade, muito bonito e inútil. Imaginem: a gente vai assistir uma série de músicas brasileiras desconhecidas e, naturalmente, recorre ao programa. Este não informa o nome nem o número de movimentos da obras. Lá no meio do texto éramos informados que o Poema Telúrico tinha dois, mas e o resto? E os textos sobre as obras? OK, o maestro Duarte dispôs-se a explicar a sinfonia verbalmente e aquilo foi bem adequado, porém… e o resto, repito? O programa trazia vastos espaços em branco — pagos por alguém — e quase nenhuma informação. Algumas perguntas a qualquer um dos músicos da orquestra resolveria a questão facilmente.
Para piorar, ainda havia erros. Éramos informados que Santoro escrevera oito sinfonias, mas que ouviríamos a 11ª. Desta forma, ficamos sabendo que boa parte do pessoal da OSPA ignora e não quer saber de informações sobre o que será executado. Para piorar, fazem isto justamente num dia de música brasileira de concerto. Justamente a menos divulgada — o PQP divulga mil vezes melhor (vejam o que eles fazem com a Música Colonial e Imperial Brasileira, por exemplo).
Péssimo, né? Música mais ou menos e informação ruim não podem dar em bom concerto.
Muito bom iniciar o domingo com um concerto desses:
Ney Rosauro: Concerto para vibrafone e orquestra Edward Elgar: Concerto para Cello, Op. 85 Nicolai Rimsky-Korsakov: A Grande Páscoa Russa
Fernando Bueno Menino saiu-se maravilhosamente no concerto para vibrafone, a mais contida e melodiosa das obras de Rosauro que conheço. Menino é um jovem percussionista da Orquestra Sinfônica de Santa Maria.
O concerto de Elgar ficou famoso nos anos 60 e início dos 70 por ser a pièce de résistance da violoncelista Jacqueline du Pré, a queridinha dos britânicos na época. O concerto grudou nela de tal forma que quase todos lembram de sua beleza, virtuosismo e da esclerose múltipla que a forçou deixar os palcos aos vinte e oito anos. Anderson Fiorelli não é tão bonito, mas levou muito bem o concerto do qual gosto do primeiro movimento e menos do resto.
A Grande Páscoa Russa foi o final perfeito para um concerto sem pontos baixos. A música ao vivo tem o poder de nos mostrar o motivo pelo qual amamos uma obra. As belas melodias, mas principalmente o dinâmico e colorido arranjo orquestral de Korsakov dão à Páscoa uma sedução que me é irresistível. Excelentes participações de Klaus Volkmann, Augusto Maurer, Omar Trinajstich, José Milton Vieira, Inge Volkmann e de todo o time de metais e percussionistas sob o comando .Manfredo Schmiedt
Sugestões para a série Concertos da Juventude:
— os concertos deveriam ser discretamente didáticos — isto é, com palestras sucintas e bem preparadas para não se tornarem belardianas, Seriam encontros pré-concerto sempre ministradas por algum músico da orquestra, não necessariamente o regente;
— alguma coisinha de etiqueta para o público, explicando de forma bem humorada o ritual concertístico. Afinal, a ideia é boa música + formação, certo?
Não foram poucas as vezes que nos manifestamos neste espaço sobre a Associação. Sempre a entendemos um elo importante entre a Orquestra e seu público.
Uma pergunta nunca foi respondida: por que motivo foi extinta?
Aleluia!!! Esqueçamos isso, porque algo maior e inesperado aconteceu!
Graças ao extraordinário poder de agregação das Redes Sociais, em 24 horas, no Facebook, 2232 pessoas (isso era ontem à noite) aderiram ao Grupo ASSOCIAÇÃO DOS AMIGOS DA OSPA, cujo objetivo é “APOIAR A ORQUESTRA SINFÔNICA DE PORTO ALEGRE EM SUAS FINALIDADES.”
Ora, se isso não é uma evidência de que a criação oficial ou a reativação da antiga Associação é atitude que se impõe, então já não entendemos mais nada!
No ritmo atual das adesões, em 1 semana contará com um número tão expressivo de seguidores que, se somente 10 por cento se associassem à OSPA, teríamos, além de casa cheia nos espetáculos, arrecadação mensal importante para minorar as históricas deficiências financeiras da entidade.
Senhores da OSPA! Mirem-se no exemplo da Dª Sopher, seu Theatro São Pedro e sua ASSOCIAÇÃO DE AMIGOS!
Aury Hilario
Finalizo dizendo que somos do Movimento dos Melômanos Incondicionais e Opiniáticos e que nossas ações não se limitarão à Internet. Aguardem!
Assim como eu, creio que a grande maioria dos colegas da OSPA não têm absolutamente nada contra críticas aos nossos concertos, nossa programação e até ao nosso desempenho nos concertos. O que eu particularmente gostaria de ver e sentir por parte de nosso público fiel e amante da orquestra é um engajamento maior no sentido de apoiar nossas inúmeras demandas frente aos nossos dirigentes.
Mandem suas críticas e idéias diretamente aos nossos Diretores, Secretários, Presidentes das Fundações e imprensa. Entupam os e-mails deles com seus comentários, sugestões e críticas. Façam que eles se sintam realmente pressionados pelas pessoas que afinal sustentam nosso existir, nosso público! Quem sabe assim teremos mais apoio real para nossas demandas e dessa forma teremos sim uma OSPA muito melhor futuramente! Nos ajudem, esse engajamento de toda sociedade à nosso favor É MUITO IMPORTANTE!!! Uma grande orquestra começa pelo amor e interesse dos cidadãos que clamam e merecem uma qualidade excelente da mesma. Os governantes devem fazer a sua parte, dando todas as condições para que esse trabalho atinja o nível desejado. A maior pressão deve ser feita em cima de nossos governantes que simplesmente não priorizam a cultura nesse estado (o estado do RS tem o de menor orçamento pra cultura do Brasil). Somos sempre a última opção na lista de prioridades, infelizmente.
Apoie a reabertura da Associação dos Amigos da OSPA, aqui.
Na última sexta-feira, publiquei um post bastante curto, quase uma anotação, onde reclamava da programação da OSPA para 2012. Quem acompanha este blog sabe que meus reparos ao repertório vêm de anos e que vou aos concertos da OSPA por amor à música — mesmo que repetida ad nauseaum — e à própria orquestra, a qual assisto desde a memorável noite em que, acompanhado de meu pai, ouvi o maestro Komlós reger a Sétima Sinfonia de Beethoven. Tinha por volta de sete anos de idade e pensei que não poderia haver música mais bela do que aquele segundo movimento. Lembro de ter ficado tão excitado que não conseguia parar quieto nos dançáveis terceiro e quarto movimentos. Naquela noite, algum circuito de meu cérebro foi ligado e eu me tornei um melômano, sim, um melômano fanático capaz de ouvir mais de oito horas de música por dia, de administrar um blog que tem mais de 3000 CDs comentados de forma sucinta, de entrevistar o Secretário de Cultura em seus primeiros dias a fim de lembrá-lo de seu passado como ex-ospista numa tentativa patética de auxiliar com meus pobres argumentos a construção da sede da orquestra e de dar palpites sobre muita coisa, sobretudo a respeito de andamentos de sinfonias…
Meu pequeno texto, se pode ser assim chamado, era uma crítica ao repertório, jamais aos músicos, apesar de que vários deles o tomaram como uma crítica pessoal. Crasso engano. Conheço quase tudo a respeito da orquestra e sei que eles são heróis ensaiando nas piores condições. Visitei a sala de ensaios e torturas da orquestra. Fui apresentado aos anteparos de acrílico que separam os músicos da surdez. Mesmo assim, mesmo sob tais condições e mesmo com o local de concertos estando longe do ideal, o resultado artístico insiste em ser consistente e bom, prova de que as falhas devem ser procuradas em outros fatores.
Dizer que o repertório é monótono é espelhar a realidade. É muita música do período clássico e principalmente dos ROMÂNTICOS do século XIX. Há fixações irritantes e incompreensíveis sobre determinados compositores. Mahler é raro, Bruckner nem se fala, o século XX participa mui discretamente em seus anos iniciais. Este ano, a Ospa mais parece um museu dedicado aos russos da metade do século XX e a Rachmaninov, que viveu depois mas que parece ser de 80 anos antes. Sim, há exceções, mas estas são poucas, muito poucas. Como se não bastassem não há grande disposição em divulgar compositores vivos ou a música brasileira. O desconhecimento e desrespeito à música nacional é tanto que, no dia 17 de novembro de 2009, quando se comemorava (ou se lamentava) o cinquentenário de morte de Villa-Lobos, o programa da OSPA foi:
Novembro, 17, 2009 — 20:30 — 15º Concerto Série Oficial Festival Mendelssohn – 200 anos de nascimento Obras: Trumpet Ouverture em Dó Maior op.101 Concerto nº 2,em ré menor,op.40,para Violino e Cordas Sinfonia nº3, op. 56, em lá menor _ “Escocesa”
Solista:Marcio Cecconello Regente: Karl Martin Local:Salão de Atos da UFRGS
Detalhe: Mendelssohn nasceu em 3 de fevereiro de 1809, não em 17 de novembro, data de Villa-Lobos. Este gênero de descuido ocorreu em 2009, mas poderia repetir-se hoje, tal é o equívoco de orientação de uma orquestra cuja curadoria parece estar sob descuido da restrita Fundação Cultural Pablo Komlós. A orquestra parece não dar importância a seu publico. Vejamos, por exemplo, a OSESP: ela conta não apenas com o apoio do Governo do Estado, através da Secretaria de Estado da Cultura, e de patrocinadores privados — até aqui está tudo igual à OSPA — , mas também de um público fiel de 11.353 assinantes para sustentar um projeto que engloba orquestra (109 músicos), coro (60 cantores), coros juvenil e infantil, uma editora de partituras de autores brasileiros, projetos educativos (que atenderam 77 mil crianças e adolescentes em 2010), mediateca (aberta para consulta pública), ciclos de aulas e palestras, e website com podcasts gratuitos, sem falar em mais de 30 CDs lançados. Eles estão em São Paulo, um centro muito maior, porém que deveria nos servir como exemplo. Ah, tenho certeza de que os assinantes são ouvidos. Daqui, eles foram corridos.
A caixa-preta da Ospa merece ser aberta. A direção artística deve CONSIDERAR o público cada vez mais diminuto em vez de ficar apenas ouvindo e desconsiderando sugestões. Sei que há músicos na orquestra que desconsideram o público como leigo, pensando que apenas músicos possam opinar, mas eu, por exemplo, um mero melômano, tenho sugestões até para os concertos populares.
E muito, muito mais para os chamados “Oficiais”. Vocês, músicos, nem imaginam quanta coisa eu e o público conhecemos. Agora, vamos à conversa que tive hoje à tarde no Facebook. Vejam a vontade que algumas pessoas demonstram de discutir todas as questões de forma civilizada. Elena Romanov, violinista da Ospa, iniciou a conversa sem maiores intenções e a coisa explodiu..
Elena Romanov ao meu amigo Milton Ribeiro.
Estou tentando fantasiar que um jornalista criticou, por exemplo, um filme em seu blog e veio uma longa discussão virtual entre ele e o elenco com desculpas, explicações, ameaças e xingamentos. Ou que criticou um livro e o escritor veio para brigar e “se defender ”online”. Que falta de classe! Gente, isso é simplesmente surreal… cada um tem o direito de criticar as coisas e ter uma opinião. Relaxem!
Claudia De Ávila Antonini Cara Elena Romanov, é que no Brasil não existe crítica, este é que é o problema. Não sei se ainda é um reflexo da ditadura, mas o costume é só elogiar ou ficar quieto, discordar jamais.
Elena Romanov Pior que já percebi isso. Continuo não entendendo porque no caso da programação da orquestra sinfônica não pode haver crítica e no caso do livro/filme pode.
Claudia De Ávila Antonini Mas Elena, na minha opinião há pouquíssima crítica também a livros/filmes. A maioria das críticas que temos, na verdade, fala só do que já está demonstrado ser inevitável criticar, ou seja, algo que já está muito exposto e comentado pela opinião coletiva e que o “não criticar” seria em si uma “omissão vergonhosa” para o crítico.
Francisco Marshall Quem quiser brigar tem que apanhar pra aprender a se comportar! Ora…
Claudia De Ávila Antonini O que temos com isso é a ausência de um pensamento crítico em geral. Todos os que escrevem, atuam, tocam são elogiados. Não vês que há sempre aplausos de pé no final dos concertos? Eu adoro a orquestra, sou a maior fã mas esta unanimidade me soa muito mal. Não seria esta uma atitude reservada para os dias “especiais”?
Claudia De Ávila Antonini Mas meu caro Francisco Marshall, o Milton adora a possibilidade de discutir o assunto, não está nem um pouco triste com os ânimos quentes.
Ricardo Branco Nos falta um pouco a Kritik , no sentido alemão do termo. Emitimos a opinião pessoal e ela pode ser questionada mas não discutida. Neste caso, criticar é uma adesão e não um desabono ao autor.
Elena Romanov Eu, assim como Augusto Maurer, achei as observações do Milton bastante amigáveis, não sei se é porque tenho outra mentalidade…
Claudia De Ávila Antonini É óbvio que foram amigáveis! Ele ama a OSPA, e eu também.
Claudia De Ávila Antonini Aliás, completando, a gente se preocupa, discute, se informa. Até quando das audiências públicas para a sede no Shopping Total estavamos em todas.
Milton Ribeiro Vi só agora teu post Elena Romanov. É verdade. Eu ia responder hoje ao Tiago Flores e a outras pessoas, mas vieram outros assuntos. É claro que nada tenho contra a instituição, critico apenas o repertório repetitivo e conservador. Agora, eu falo disto aqui e recebo um contra-ataque lá longe, em outro assunto. Isto me coloca numa falsa posição de ataque à OSPA. Ridículo.
Philip Gastal Mayer Opiniões são opiniões, não há o certo e o errado, há a minha impressão e a sua impressão. A coisa começa a ficar perigosa quando a impressão de uma maioria toma ares de “certo”. Sempre defenderei a crítica, ela é a “oposição” necessária para polir e tornar o objeto ainda mais virtuoso.
Francisco Marshall Não podemos viver sem a OSPA, nem ela sem nós, o público, especialmente o público apreciador e culto. Muitos músicos e dirigentes acham, equivocadamente, que a OSPA existe para eles. Errado. Ela existe para a música, para a história da música (passado, presente e futuro) e para as comunidades de profissionais e de ouvintes que podem e querem preservar e se nutrir do patrimônio musical, viciados em arte como nós dessa lista.
Francisco Marshall Os músicos que amam a música, como Elena Romanov e Augusto Maurer, leem as opiniões com o merecido desprendimento não porque são nossos amigos, mas porque amam a música como nós, ou mais.
Francisco Marshall Acho que o Tiago Flores respondeu educadamente, e tentou esclarecer.
Milton Ribeiro Sem dúvida. Mas os músicos me mandam cópias de e-mails trocados e tem gente que me encara como um hooligan.
Francisco Marshall Mas lembro que deixei de pagar o carnê de sócio da OSPA, com pesar, cansado das numerosas repetições de Sherezade, que é uma linda música, mas conservadora pra caramba. Aliás, ainda existe carnê da OSPA?
Francisco Marshall Há que se buscar um equilíbrio entre tradição e vanguarda, o universal e o local. Se tudo for feito com altíssima qualidade, o valor será indisputável sempre.
Milton Ribeiro Como disse alguém, é uma orquestra sem amigos… E que conversa pouco com seu público.
Elena Romanov Francisco Marshall, a minha lógica é a seguinte: o Milton tem muitos seguidores. Talvez alguns deles consideram que a música clássica foi para extinção antes dos dinossauros. “Mas este cara é legal, valoriza as coisas bonitas, tem um humor brilhante… quem sabe, se ele GOSTOU de alguns programas, eu vou também?”
Eu pagaria por uma propaganda dessas =)
Francisco Marshall Eu e Marcos Abreu sempre deploramos esta perda do sentido comunitário da OSPA, que foi um erro de gestão catastróffco.
Philip Gastal Mayer Perfeito Elena Romanov!
Francisco Marshall Eu acho que os seguidores do Milton Ribeiro, eu incluso. acreditamos apenas que os dinossauros foram extintos, talvez até mesmo por não terem música clássica!
Marcos Abreu Acho que o Francisco Marshall se refere aos “amigos”. Sempre falo e volto a repetir, acho que a OSPA precisa de uma Associação de amigos reais, participantes, atuantes, contribuintes. Todas as orquestras são assim. Afinal, fidelização de clientes é o “trend” do momento. Vejamos que ela tem 1418 curtindo a página, mais 5000 no perfil, 6418 pessoas que curtiram, marcaram, sei lá qual a idéia, mas aposto que menos de 5% sabem do que se trata ou frequentam os concertos. Além do que, nada contribuem além de um click no facebook.
Augusto Maurer Fico feliz por ter ateado fogo a esta auspiciosa e bem frequentada discussão. A parte sobre a burrice de toda unanimidade logo me fez lembrar de
Augusto Maurer Milton Ribeiro: o que esperas para promover isto a post? (o face ainda acarretará a extinção dos blogs) / Francisco Marshall: onde posso ler os esclarecimentos prestados pelo Tiago.
Claudia De Ávila Antonini Apoio totalmente o Marcos Abreu, me deu até vontade de criar uma página “Eu quero ser amiga(a) da OSPA” para reunir interessados e peticionar ao governador, secretário de cultura, presidente e direitores da OSPA para que volte a haver este instrumento democrático de participação do público.
Francisco Marshall Lembro que no debate sobre o horrendo projeto arquitetônico da nova sala, no Caderno de Cultura ZH, respondendo a Maturino Luz, o presidente da FOSPA, Ivo Nesralla, afirmou, entre outras coisas, que a FOSPA é uma autarquia que não devia satisfações à opinião pública. Sintoma claro do que aqui comentamos. Quando e como foi sucateada a Associação de Amigos da OSPA?
Milton Ribeiro Penso que a OSPA mereça melhores cuidados de seus gestores. A criação de uma Associação de Amigos é fundamental por dois motivos: (1) a fidelização e (2) o feedback. Não entendo uma instituição que não dialogue e sei que a OSPA tem entre seus membros verdadeiros apologistas do não-diálogo. Conheço muita gente que teria contribuições a dar. E, sobre o mau repertório, estou cada vez mais tranquilo. Tenho recebido vários e-mails de músicos da OSPA me apoiando. Recebi inclusive um pequeno estudo de repetições de programação, inclusive lembrando o grande dia em que Villa-Lobos completava uma data redonda e foi programado um Festival Mendelssohn. O problema é que eles não querem se identificar. Vá entender!
Francisco Marshall Hehehehe, está em um texto postado em um link do Milton Ribeiro que conta com o teu “curtir”, caro Augusto Maurer:
Francisco Marshall Quantas vezes a OSPA executou a linda fantasia coral de Beethoven com Ney Fialkow?
Francisco Marshall Augusto Maurer, isso foi o que defendi naquele artigo, lembras?
Milton Ribeiro Outra coisa que todas a maioria das orquestras do mundo fazem é música de câmara, normalmente programadas para logo após o intervalo com, obviamente, um efetivo menor de músicos. No caso da OSPA, haveria um ganho secundário: aliviaria um pouco os os músicos dos ensurdecedores ensaios no cais do porto, além de abrir caminho para um repertório imenso e de qualidade. E nem vou falar na valorização dos músicos envolvidos.
Francisco Marshall Eu ofereci o StudioClio ao Dr. Nesralla para agendas de música de câmara, ele gostou da ideia, mas nunca fomos em frente. Independentemente disso, músicos da OSPA formam a elite concertante na agenda de música de câmara do StudioClio. Nós poderíamos realizar também notas de concerto, previamente, ampliando a divulgação, a compreensão e a mobilização para cada concerto. Uma AAOSPA cuidaria disso com uma mão nas costas.
Milton Ribeiro Augusto Maurer, mostra esses argumentos todos para o Tiago Flores. Até para tirar meu estigma de INIMIGO DA INSTITUIÇÃO.
Francisco Marshall Não há esse estigma, Milton Ribeiro, tenho certeza. Aliás, no teu post no Sul21 foi só uma musicista que se manifestou exasperada, estatisticamente irrelevante.
Francisco Marshall Bueno, fratres, com tudo isso, acho que a revolução se aproxima! Tomada pelas letras e ideias!
Milton Ribeiro Vou transformar em post hoje à noite, se tiver tempo. Não vou querer perder esta discussão
Augusto Maurer Ansioso por compartilhar, Milton Ribeiro, com a ressalva de que NÃO FUI EU ! Pois adoro riscar fósforos em tanques de gasolina.
Fiquei estarrecido ao ler atentamente a programação da OSPA até o mês de setembro. Nenhum Mahler, nenhum Shostakovich, nada de Bartók, só para dar alguns exemplos, poucos autores estreantes e brasileiros e raros programas com obras realmente diferentes. Ignoro quem faz a programação, mas sei que é alguém muito conservador, quem sabe um chato.
Os programas dos quais gostei são quatro. No dia 29 de abril, um domingo, às 11h, há um Concerto para Juventude que achei interessante:
Elgar: Concerto para Cello, Op. 85 Ney Rosauro: Concerto para vibrafone e orquestra Rimsky-Korsakov: A Grande Páscoa Russa
Ouço bastante as coisas do Rosauro e tenho uma estranha tara pela Grande Páscoa Russa. Depois, lá em 5 de junho, às 20h30, há a Missa Solene de Beethoven. O único problema é que será lá na Igreja da Ressurreição, onde os fiéis, em seu desespero pela salvação, aceitam sentar em cruéis bancos de madeira. Como meu Para encarar, almofada é o mínimo.
Ludwig van Beethoven: Missa Solene, Op. 123 em Ré Maior
Uma semana depois (12/6), voltamos ao Auditório da Reitoria da UFRGS para um bom programa:
Aaron Copland: El Salon Mexico Richard Strauss: Quatro Últimas Canções (Vier Letzte Lieder) <— Sergei Prokofiev: Sinfonia nº 1 (Clássica), Op. 25 Igor Gandarias (Guatemala): Desde la Infancia César Guerra-Peixe: Museu da Inconfidencia
E, no fim do mês, no dia 26/6, novamente na UFRGS, mais um dos bons:
Maurice Ravel: Alborada Del Gracioso Jaques Ibert: Concerto para Flauta Claude Debussy: Prelude a L´après Midi dun Faune Claude Debussy: La Mer
Em 3 de julho, há outro quase só francês e bem legal
Maurice Ravel: Tzigane – Rapsódia para Violino e Orquestra Camile Saint-Saëns: Introduction et Rondeau Capriccioso, Op. 28 Mussorgski (Ravel): Quadros de uma Exposição
Depois, até setembro, nada me seduziu. Há uma verdadeira epidemia de Tchaikovskis e Rachmaninoffs, compositor que parece estar recebendo uma bisonha homenagem este ano. Mas não é seu centenário nem nada. Já imaginaram se fosse?
P.S.– Vitor Necchi entra em campo para dizer que há um Mahler (a Sinfonia Nº 7) em novembro. Erro nosso.
Não, não adianta. Nunca vou conseguir suportar a pianística de Rachmaninoff. Ontem, com a OSPA, assisti a Rapsódia Sobre um Tema de Paganini, Op. 43, para Piano Hero e Orquestra. Céus, que música chata! Mas logo haveria algo semelhante: Berlioz.
Rachmaninoff: nem ele se aguenta...
Comecemos pelo Rachmaninoff. O problema não é o de ele ter sido um romântico tardio, mas sim o de fazer música virtuosística vazia para concertos onde era o solista. Rach foi um hábil pianista. Também era grande: tinha 2 metros de altura e uma mão que, aberta, abarcava 30 centímetros. Dizem que era sindrômico, Síndrome de Marfan. Para piorar, ainda compunha temas sobre Paganini, espécie de primeiro rock star que apavorava por sua aparência, virtuosismo e vazio. Ou seja, Rach fazia música difícil para si mesmo. Meu estômago acaba se revoltando, quer ficar vazio também, fico nauseadíssimo e meu humor vai embora. Prefiro suas peças orquestrais como A Ilha dos Mortos e Os Sinos, muito mais interessantes e, aliás, as preferidas pelo compositor em momentos mais razoáveis. O pianista de ontem, Sergio Monteiro, era pequeno, mas se houve muito bem nas peripécias.
Berlioz não precisava de guarda-chuva
Depois tivemos Berlioz e sua Sinfonia Fantástica, Episódio da Vida de um Artista. Uma hora de duração! Uma sinfonia programática, romântica até o último fio, de autoria de alguém que conhece as potencialidades de uma orquestra. Sinfonia difícil, mas breguinha como só ela.
Claro, o problema é meu. A plateia estava contente, apesar de ter ouvido uma crítica pesada a Berlioz de um casal que desceu as escadas da Reitoria na minha frente: “Que música de merda!”. A orquestra esteve muito bem, parecia feliz e animada. O regente Shinik Hahm é ótimo e sabe se portar: recebe os aplausos junto com os músicos, abandonando o estrado, ou seja, colocando-se ao nível deles sem nenhum Complexo de deus. Mas espero ter largado de vez tanto o pianismo de Rachmaninov quanto o romantismo de Berlioz por completo. Detesto-os desde a infância com meu pai. Não tenho mais idade para perder tempo com bobagens.
No dia 9 de janeiro de 1905, um dos mais importantes da história do século XX, Olga Knipper e mais dois atores, Masha e Aleko, estão num teatro de São Petersburgo. Olga, viúva de Anton Tchékhov, morto seis meses antes, é uma pessoa de rigorosa frivolidade, ao contrário do ex-marido. Verdade, ela era mesmo assim. Era domingo, dia em que as tropas czaristas massacraram um grupo de trabalhadores que viera fazer um protesto pacífico e desarmado em frente ao Palácio de Inverno do Czar. O protesto, realizado após a missa e com a presença de muitas crianças, tinha a intenção de entregar uma petição — sim um papel — ao czar, solicitando coisas como redução do horário de trabalho para oito horas diárias, assistência médica, melhor tratamento, liberdade de religião, etc. Os trabalhadores não sabiam, mas o czar nem estava no Palácio. A resposta à petição foi dada pela artilharia, que matou mais de cem trabalhadores e feriu outros trezentos. Os Romanov acharam natural.
Porém, dentro do teatro, bem em frente ao rio Neva, Aleko e Masha ajudam Olga, a diva, a ensaiar O Jardim das Cerejeiras enquanto aguardam o diretor de peça, ou a Revolução, ou alguma outra coisa desconhecida. Olga quer apenas o reconhecimento de seu talento, Aleko é conservador e deseja que o mundo permaneça como está e Masha faz discursos inflamados de que mundo mudará para melhor com a Revolução. Mas não é tão simples. Após ensaiar por diversas vezes a morte de Tchékhov com Olga e Masha, Aleko às vezes parece encarnar o autor, agindo de forma diferente do habitual, caindo fora de seu ideário.
A peça Neva — absolutamente notável — é uma montagem uruguaia sobre texto do chileno Guillermo Calderón. É falada, evidentemente, em espanhol. Amigos, que atores e que texto! Nesta pequena anotação, é importante lembrar que o espetáculo traz, em 1h15, um contexto completo: há uma profunda reflexão sarcática a respeito da arte teatral, há a vida privada com foco nas vaidades dos atores e há o drama popular da revolução nascente.
Lembra alguns dos primeiros filmes de Nikita Mikhálkov, principalmente Olhos Negros e Peça Inacabada para Piano Mecânico, mas com muito mais peso. Aqui temos menos humor e muito mais sarcasmo. A peça também se utiliza de grandes fatias da realidade social e da vida pessoal de Olga e Anton. Conhecendo um pouco da história da Rússia e sendo Tchékhov um de meus autores preferidos, dá para notar claramente que o dramaturgo foi fundo na investigação das biografias e da época. As várias versões apresentadas para a morte de Anton são os momentos onde Olga é mais atacada. Indiretamente. O artifício de se fazer teatro dentro do teatro resultou muito eficaz.
A montagem de Neva é despojadíssima. São três personagens, um banco, uma janela por onde passam revoluções e ironias e iluminação mínima que sai de um spot manipulado pelos próprios atores. Os atores são Bettina Mondino, Paola Venditto e Moré.
Olha, recomendo fortemente. A peça ainda estará em cartaz hoje e amanhã, às 22h, no Teatro de Câmara Túlio Piva. Ontem estava quase lotado, o que significa que há ingressos disponíveis.
~o~
Antes das 22h, assistimos à primeira parte do Concerto da OSPA. A Sinfonia Nº 82 de Haydn e a Abertura Coriolano de Beethoven estiveram maravilhosas. Deu dó de sair no intervalo. Mas valeu a pena.
Bem, no último sábado, escrevi isso aqui numa matéria para o Sul21 (publiquei só o que está em itálico, claro):
Ao menos neste período, não há como reclamar da vida cultural de Porto Alegre. Na última terça-feira (06), iniciou o Porto Alegre em Cena, que vai de 6 a 27 de setembro. Entre os dias 7 e 20 deste mês, temos a famigerada — sim, estou sendo altamente pejorativo — Semana Farroupilha, que dura bem mais que uma semana e, neste sábado (10), começou a 8ª Bienal do Mercosul, que se estende até o dia 15 de novembro, ultrapassando o final da Feira do Livro que irá de 28 de outubro a 12 de novembro. Considerando-se todos os eventos, ficam contemplados o teatro, a música popular, as tradições, as artes plásticas e a literatura.
E é tudo muito barato ou gratuito. Hoje, sigo nos concertos e peças. Das 20h30 até o intervalo, verei o concerto da OSPA, e depois, às 22h, vou assistir a peça uruguaia Neva. O tema é a figura de Olga Knipper, mulher de Tchékhov, que nunca foi lá muito veraz em suas histórias e que tinha um comportamento polêmico como ex-esposa do grande dramaturgo. No drama, ela vive uma crise: longe dos palcos, cuida de seu marido, que definha num sanatório alemão. Isso, a doença, macularia uma imagem de atriz perfeita construída em anos de trabalho. Muito fantasiosa, Olga representa a respeito de tudo. Por exemplo, sabe-se das muitas versões acerca da morte de Tchékhov, reinventadas pela mulher como se fosse uma cena de teatro a ser lapidada. O resultado é até hoje não se sabe como foi. Aguardemos pela noite.
Voltando (ou recém chegando) a nosso assunto: sábado, fui ver Ná Ozzetti e, ontem à noite, Adriana Calcanhotto. Foram dois shows acústicos de duas cantautoras, ambas acompanhadas por excelentes bandas; Ozzetti com um quarteto, Calcanhotto com um trio; as duas no Theatro São Pedro. Ozzetti é muito tímida e trancada no palco, Calcanhotto esconde muito melhor o fato de também ser assim. Não, não há necessidade nenhuma de compará-las e, se o faço, é apenas pela proximidade e pela diferença entre os espetáculos.
O show de Ná, Meu Quintal, morre na baixa qualidade de suas composições. A cantora — muito melhor tecnicamente e com mais extensão vocal do que Calcanhotto — mostra músicas fraquinhas com letras de bicho-grilo tardio. Salva-se algumas canções de Luiz Tatit e a excelente interpretação de Na Batucada da Viva, de Ary Barroso e Luiz Peixoto (1934). Enquanto Ná mostrava suas músicas e parcerias, eu tratava de deixar o tempo passar, revisando mentalmente a agenda, etc. Meu Quintal é apenas simpático.
Adriana Calcanhotto tem outra presença. Impõe-se, não é nada leve ou bicho-grilo como Ná. Suas músicas têm boas letras e Adriana compensa a falta de extensão de sua voz com músicas facilitadoras — simples, diretas, boas. O resultado é que Micróbio do Samba funciona maravilhosamente. É um espetáculo dedicado de cabo a rabo ao samba. Toda de preto, Adriana não faz um show “pra cima”; canta com inteligência e poesia a vida cotidiana. Sua dança quase imóvel, as poucas palavras e a fingida indiferença para com os aplausos não são apenas heranças benditas do rock, são a construção de uma personagem agradavelmente blasé durante as quase duas horas de espetáculo. Sua única fala, além da apresentação dos músicos e de um rápido boa noite, foi muito emocionante. Ela acendeu um copo de Steinhäger (isso mesmo) para homenagear Caio Fernando Abreu, que ontem faria 63 anos. Recomendo!
Tem sido um bom concerto após o outro. Não ter maestro titular foi um grande acerto. A relação músicos x maestro x governo não desgasta e há alternância de repertório. Só lastimei o público. Com a qualidade da orquestra, os ótimos programas e os preços módicos, era para ter sala cheia. Sinceramente, será que merecemos uma sala de concertos?
Foi concerto com coreografia. O maestro carioca comandava com a ginga e não com a baqueta. Um dos trompistas (Israel Oliveira)– o belo mulato sentado mais a frente do qual desconheço o nome — chacoalhava alegremente sua trompa, e até o Vladimir Romanov, com toda sua fleuma bielorussa, por vezes não resistia e balançava a perna. Me diverti muitissimo!
~o~
Intervenção do “editor” do blog:
O programa de ontem foi o seguinte:
H. Villa-Lobos – Bachianas Brasileira nº 8
F. Mignone – Concertino para Fagote
H. Villa-Lobos – Choros nº 6
F. Mignone – Dança da Chico Rei e da Rainha Ginga
Acho que todos estão se dando conta de que a ausência de um regente titular está fazendo a orquestra render muito mais. Como disse a Jussara Musse, a relação é “rápida e sem desgastes, de puro amor”. O cara vem, trabalha, dá uns beijos, mostra o que tem de melhor, sem precisar ouvir reclamações sobre não ter levado o lixo para a rua. Muito melhor, né? Não gosto muito da Bachiana nº 8, há melhores, mas a partir do Concertino de Mignone a coisa tomou um rumo tal que levou realmente a pequena (por quê?) plateia ao entusiasmo. O Choros nº 6 foi o ponto alto do concerto e a Dança final era bem o que se esperava de um finale de concerto, daqueles que faz o público feliz e agradecido.
Grande presença de Alexandre Silverio e, principalmente, do excelente Roberto Duarte no comando.
Lamento muito não ter podido escrever anteontem à noite, ainda sob o calor (sim, calor) do concerto, mas faço-o agora. Terça-feira, a OSPA apresentou a primeira sinfonia de Mahler sob a regência de Ira Levin no Salão de Atos da UFRGS. Olha, a tese de que é melhor para a orquestra não ter um regente titular torna-se cada vez mais vencedora. O concerto foi esplêndido e tudo o que aconteceu estava refletido nas caras de felicidade dos músicos logo após o titânico desempenho. A única coisa a lamentar foi o pequeno público. O gaúcho — e a tendência parece acentuar-se nas novas gerações — se borra ao menor friozinho, desistindo das poucas boas oportunidades culturais que a cidade oferece. Será que trocam Mahler pela TV? Céus…
Falar sobre Mahler falo outra hora. O momento é de saudar a orquestra que, animada, levou a sinfonia forma muito satisfatória e entusiasmada. Mahler é um problema: ele propõe grandes e súbitas alterações de humor. Passa do sublime à bandinha, da expansão ao intimismo, do desespero e da tragédia à mais pura alegria. Tudo em segundos. Não sei como Alma aguentava… Como se não bastasse, aprecia orquestrações rarefeitas, premiando muitos instrumentistas com solos que se alternam em ritmo que, se para nossos olhos já parece variado e rápido, imagina para quem tem de interpretar. Por mais paradoxal que pareça, ele dá um tratamento camarístico a suas enormes orquestras, fazendo-as tocar em pequenos grupos. Ou seja, nunca uma sinfonia sua é de execução trivial.
Por mais estranho que pareça, a puramente instrumental Sinfonia Nº 1 de Mahler é programática. Sim, o nada modesto compositor baseou seu programa no romance Titã, de Jean Paul. A história é a da tomada de consciência, por parte de uma criança, da fragilidade da condição humana e de sua morbidez atávica. Não é nada casual que o terceiro movimento — interpretado magnificamente pelo primeiro contrabaixista da orquestra (Walter Schinke?) — seja composto sobre a canção infantil francesa Frère Jacques.
Ira Levin
Então, quando a OSPA tira tudo isso de letra, apenas reafirma o que sabemos: a orquestra tem um bom grupo de músicos merecedores de uma sede, de novos concursos, de nosso respeito, gratidão e o resto da ladainha espero que meus sete leitores já tenham decorado.
P.S. — Ah, o regente Ira Levin? Podia vir mais vezes, não? Além de ser muito competente e de ter demonstrado domínio do repertório, é uma pessoa respeitosa e solidária. Como sei? Vou contar um segredo de concertos para vocês. Notem o momento dos aplausos. Se o cara primeiro destaca os músicos e, na hora de ser saudado pelo público, desce de sua bancadinha para receber o aplauso no mesmo nível do restante da orquestra, demonstra (1) não ter complexo de deus e (2) considerar que é um do time. Ira Levin, mesmo sendo um nanico, recebeu a saudação entusiasmada dos poucos e bons que lá estiveram bem ao lado do spalla.
P.P.S. – Peço-lhes desculpas pela nota rápida escrita sobre a perna. Deve conter erros. Corrijam!
Minha mãe está internada na CTI (UTI) do Hospital Moinhos de Vento. Está com insuficiência respiratória aos quase 84 anos. Entubada, com respirador artificial, o prognóstico do médico e a cara de minha irmã — que também é médica — não são das coisas mais animadoras. Para completar, o horário noturno de visitação é o pior possível: das 20 às 21 horas. Então, o resultado é que ontem saí do hospital às 20h40.
O concerto da OSPA que ocorria quase no mesmo horário não era nada trivial. Era um programa de só uma obra, mas esta é das coisas que mais amo neste mundo e das quais tenho umas dez gravações: o notável Um Réquiem Alemão, de Johannes Brahms, aquele mesmo que é chamado pelos tolos de O Réquiem Ateu, como se falar pouco de deus o tornasse ateu. (Ateu sou eu, Brahms não era). Só que, como disse, eram 20h40, o concerto começava às 20h30 e eu estava longe do local onde ele já iniciara.
Comecei a dirigir para casa pensando que talvez eu não quisesse ir por superstição ou quisesse ir para quebrá-la. Afinal, este Réquiem existe por um só motivo: a morte da mãe do compositor em fevereiro de 1865. O Réquiem de Brahms, escrito entre 1865 e 1868, tem várias curiosidades: é composto de sete movimentos, que juntos resultam em algo entre 65 a 75 minutos, tornando-o a mais longa composição de Brahms. Há mais: Um Réquiem Alemão é música sacra, mas não é litúrgica e, ao contrário de uma tradição musical de séculos, não é cantado em latim e sim em língua alemã, de onde vem seu título Ein deutsches Requiem ou Um Réquiem Alemão. Pois aquela bosta que me caracteriza de projetar um problema onde ele não está, naquele dilema desesperado entre ir ou não ir a um concerto em andamento acabou por furar um bloqueio longamente preparado e meu pragmatismo começou a desabar lentamente.
Enquanto os carros e as pessoas na rua perdiam seus contornos e algo quente descia pelo meu rosto, resolvi comer alguma coisa. Com a mulher viajando, a vizinha namorando e a Babi na mãe dela, estava condenado a comer mal se fosse para casa. E da forma mais imbecil possível comecei a procurar um lugar e a juntar na cabeça as informações que sabia para escrever um texto sobre o concerto não assistido. Sabem vocês que a primeira referência ao Réquiem está em uma carta de 1865 que Brahms escreveu para Clara Schumann, viúva de Robert? Escreveu que pretendia desenvolver uma peça a ser “uma espécie de Réquiem alemão”. Depois, Brahms teria dito ao diretor de música na Catedral de Bremen, que teria de bom grado chamado o trabalho de Um Réquiem Humano. Mais adiante, vocês verão que este sujeito de Bremen era um cagão pior do que eu.
Embora as Missas de Réquiem na liturgia católica comecem com orações pelos mortos, o de Brahms centra-se na vida, começando com o texto “Bem-aventurados são aqueles que suportam a dor, porque serão consolados”. O tema do conforto aos que ficam repete-se em todos os movimentos seguintes, exceto o final, e era exatamente isso o que furara meu bloqueio. Simplesmente não deveria ter pensado. Acho que consigo passar longos dias só agindo. Ao menos tenho esta impressão.
Em seu Réquiem, Brahms omitiu propositalmente qualquer dogma cristão. Até pelo fato da ideia de deus ser visto sempre como fonte de consolo, a simpatia pelo humano persiste por todo o tempo, o que não significa dizer que o Réquiem seja ateu, apesar de sua contenção religiosa, longe daquele hábito de rasgar-se musicalmente pelo criador. De qualquer forma, a enigmática escolha dos textos fica para os musicólogos decifrarem. Quando o diretor da Catedral de Bremen expressou sua preocupação com isso, Brahms recusou-se a adicionar o movimento que lhe fora sugerido: “A morte redentora do Senhor, etc.” (João 3 : 16). E, por incrível que pareça, em Bremen, o citado diretor obrou finalizar o Réquiem por uma ária do Messias de Handel, — ??? — “I know that my redeemer liveth”. Tudo para satisfazer o clero. Um total abuso.
Sem encontrar um local para comer e pensando pouco, acabei voltando para o hospital, indo a um restaurante que há ali. Caro. Já tinha acabado o horário de entrar na CTI. Comi muito lentamente, refazendo várias vezes o texto sobre Brahms, imaginando que a OSPA já estaria finalizando o concerto. Sei que quando a música exige, a OSPA cresce. Certamente deveria ter atravessado a cidade furando todos sinais para que visse ao menos um pedaço.
Meus pensamentos giravam sobre como o Réquiem fora inicialmente detestado. Wagner mandou bala contra ele, mas temos que lhe dar o mérito da coerência e Wagner: ele erra quase sempre e sempre com farta documentação. Na verdade, estava apenas puto com o título “Alemão”. Nada mais “Alemão” do que ele, o que Brahms estava pensando? A reavaliação do Réquiem veio através de Schoenberg e seu brilhante ensaio Brahms the progressive. Então, a história da percepção a Brahms descreveu um círculo completo: a partir da década de 1860, seu trabalho passou a ser visto como “moderno” e “difícil”. As depreciações do inimigo Wagner o tornaram “clássico” e “‘acadêmico” em 1880. E, em meados do século XX, o homem voltou a ser moderno e denso. Agora, é eterno.
Fui embora do restaurante e do hospital de novo pensando na Dra. Maria Luiza. E em mim — pois assim como o homem de Bremen cometera um abuso, era um total abuso uma pessoa tentar agir como se não fosse um mamífero, fingindo preocupar-se apenas com o operacional. E fui finalmente para casa, onde fiquei sozinho.
O clima medonho de ontem — chuvoso e frio — liquidou com a possibilidade de a Reitoria da UFRGS receber um bom público para o concerto de ontem à noite. Uma pena, pois estava excelente.
O programa iniciava com O Moldávia, do checo Smetana, trecho mais conhecido do poema sinfônico Minha Pátria (Má Vlast). Depois, nós sofremos duras consequências de duas obras bem chatas, a Dança do Comediantes da ópera A noiva vendida, também de Smetana, e das 4 Danças eslavas, de Dvorák, até chegarmos à esplêndida Sinfonia Nº 2 de Brahms.
Ao contrário do tempo que fazia lá fora, a segunda de Brahms é tranquila e mesmo seu Adágio não é nada triste, mais parecendo uma Sinfonia Pastoral. Brahms, que sempre sofreu comparações absurdas com Beethoven — na verdade são tão parecidos quando Scarlett Johansson e Monica Bellucci, duas perfeições inteiramente distintas — , teve sua segunda sinfonia posta em comparação à sexta de Ludwig van, a Pastoral, por seus contemporâneos. Mas isso são considerações históricas e absurdas. O que nos interessa é que a interpretação da OSPA sob a regência de Cláudio Cruz esteve com sobras à altura da composição.
Antes da estreia, Brahms brincava com seus amigos dizendo-lhes que nunca tinha composto algo tão triste e ameaçava: “É tão triste que acho que não vou conseguir ouvir até ao fim”. Na verdade, toda a sinfonia está repleta de felicidade brahmsiana, que é algo contido, sereno e, tá bom, pastoral.
Grande noite. Perdeu quem ficou com medo da chuva.
Porto Alegre é estranha, às vezes nos oferece muitas coisas, até demasiadas; outras vezes nos deixa na mão. Ontem à noite, ao mesmo tempo, João Donato estava se apreesentando no Teatro São Pedro e a OSPA levava Bach e Mozart à Igreja das Dores. Acho que fiz uma boa escolha, mas balancei seriamente quando a violinista Elena Romanov colocou em seu Facebook belas fotos (incrivelmente feitas num celular) dos músicos ensaiando. Além disso, coisa rara nos templos porto-alegrenses, elogiou a acústica da Igreja.
Porém, fui ver o Donato. Tudo muito simples como deve ser na sala de sua casa ou como seria na nossa. Um palco de resto vazio com um piano no centro. Uma luz, vinda de cima, iluminava o instrumento e a cadeira a sua frente. Só. Então, o músico de 76 anos e excelente forma entrou no palco meio desajeitado sob seu habitual boné — bem daquele jeito que têm os tímidos quando são as estrelas — , fez uma saudação rápida, explicou a primeira música e realizou as primeiras mágicas. Iniciou com extrema simplicidade tocando valsas compostas em sua infância (uma delas para a namorada Lili, de oito anos, composta quando o autor tinha sete) e depois partiu para seu enorme repertório, digamos, adulto.
Donato tem uma trajetória curiosa. Chegou aos EUA antes do pessoal da bossa nova e rapidamente se enturmou com o pessoal do jazz — latino e americano. Foi amigo do grande Horace Silver, de Stan Kenton e parecia que ia estabelecer-se como um grande pianista de jazz. Até os anos 70, Donato compunha apenas temas instrumentais e costumava sair por aí com trios, quartetos e quintetos. Acompanhavam cantores ou formavam uma banda de jazz latino. Se não me engano, foi sei irmão quem o convenceu a procurar parceiros para colocar palavras em suas melodias. Logo, sua imaginação melódica o transformou em parceiro de João Gilberto (sim, ele escreveu letras para Donato), Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, etc.
Desta forma, agregando ou não palavras a sua arte, Donato foi parceiro de Paulo Moura a Fernanda Takai, chegando até Marcelo D2 e Black Eyed Peas… Sim, o cara é um baita instrumentista, arranjador e compositor e há trabalho para ele em qualquer lugar do mundo. O show de ontem, Solo, por exemplo, surgiu de um projeto no Japão que fazia pianistas excursionarem pelo país em apresentações solo. Donato é o cara perfeito para isso. Mas não é o cara perfeito para dizer que é. Poderia até ser um bobo arrogante, pondo na frente da gente seu currículo; porém, com absoluta simplicidade, simpatia e atenção, só diz e apresenta o que são, naquele momento, ele e sua música. OK, fiquei apaixonado…
Apesar da relação de canções constantes do programa, João de forma alguma a obedece. Ele acaba uma, ergue a cabeça, lembra de outra, conta sua história e mostra como é. Às vezes, canta. Outra coisa que me fascinou foi seu comportamento “de músico”. Ele mesmo diz “ah, essa aqui era assim, mas agora ganhou nova introdução e mudei umas coisinhas; vocês sabem que as músicas evoluem, vão mudando, né?”. Então, seu show não têm nenhuma regra e aposto que o próximo será diferente, assim como as coisas que conta.
Gosto de shows com luz de serviço e alguma improvisação. Prefiro deixar de fora o que não é música. E essas coisas com roteiro certinho e decoradinho me irritam. Vou aos teatros para ver o músico e o ser humano que mora nele. Não tenho nada a reclamar de João Donato, não me decepcionei de modo algum.