Aqueles que queimam livros, de George Steiner

Aqueles que queimam livros, de George Steiner

Este curto e brilhante ensaio de George Steiner, recém lançado pela Âyiné, divide-se em três partes: Aqueles que queimam livros, O povo do livro e Os dissidentes do livro.

Steiner é um mestre absoluto. Erudito e metódico, ele é autor de um impressionante número de clássicos para os estudiosos de humanidades — entre os quais Nenhuma Paixão Desperdiçada, Lições dos Mestres e este livro que ora comento.

Steiner não é um otimista, mas dá alguns remédios: os livros seriam um meio seguro para nos tornamos melhores. Pode parecer algo já muitas vezes dito, mas o que vale é a argumentação certeira de Steiner. Li o livro fazendo inúmeras anotações, não dá para abrir meu exemplar sem que se vejam frases ou parágrafos sublinhados. Tudo parece fundamental, necessário, perfeito.

A primeira parte trata do encontro, da relação entre leitor e livro. Esta é imprevisível, vulnerável à mudanças de espírito ou de idade, muito semelhante às afinidades mediadas por Eros.

O encontro com o livro, assim como aquele encontro com o homem ou a mulher destinada a mudar nossas vidas, pode ser completamente casual. O texto que vai nos converter a uma fé, que vai nos fazer aderir a uma ideologia, que dá a nossa existência um fim ou um critério, pode estar a nos esperar na estante de livros de ocasião, de usados, com desconto. Talvez empoeirado e esquecido, ao lado do livro que procurávamos. (…) Um texto é sempre capaz de ressuscitar. Walter Benjamin ensinava, Borges construiu sua mitologia: um livro jamais é impaciente. Ele pode esperar séculos para despertar um eco vivificante.

A segunda parte trata dos judeus e de seu amor pelos livros. Trata do fato de um religioso judeu ter de ler e estudar a Torá, de ser um povo que tem um lápis na mão ao ler um livro. Também fala na resistência da igreja católica à invenção da imprensa. A invenção de Gutenberg serviu muito mais aos protestantes, pois os católicos desejavam seguir com a informação oral, pelos padres.

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A terceira parte fala sobre a tirania do celular, o livro digitalizado e sobre as condições políticas e culturais que favorecem ou não o livro. Fala-se da postura dos escritores e filósofos nazistas — habitantes de um país altamente culto e produtivo mesmo durante Hitler –, de Wagner, da variedade demencial de lançamentos de livros — 121 mil novos títulos são lançados no Reino Unido a cada ano — e de sua efemeridade, pois se não vendem vão para o balcão de ofertas em 20 dias. Fala-se também na relação entre censura — a grande propulsora de metáforas, segundo Borges — e criatividade.

Sem dúvida, um livro de um mestre, um clássico moderno.

George Steiner (1929) | Wikimedia Commons

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A Ospa tocará ‘Um Réquiem Alemão’ (ou Humano) no próximo sábado

A Ospa tocará ‘Um Réquiem Alemão’ (ou Humano) no próximo sábado

Um Réquiem Alemão, de Johannes Brahms, existe por um só motivo: a morte da mãe do compositor em fevereiro de 1865. Escrito entre 1865 e 1868, ele tem várias curiosidades: é composto de sete movimentos, que juntos resultam em algo entre 65 a 75 minutos, tornando-o a mais longa composição de Brahms. Há mais: Um Réquiem Alemão é música sacra, mas não é litúrgica e, ao contrário de uma tradição musical de séculos, não é cantado em latim e sim em língua alemã, de onde vem seu título Ein deutsches Requiem ou Um Réquiem Alemão.

brahms-requiem

A primeira referência ao Réquiem está em uma carta de 1865 que Brahms escreveu para Clara Schumann, pianista, compositora e viúva de Robert. Escreveu que pretendia desenvolver uma peça a ser “uma espécie de Réquiem alemão”. Depois, Brahms teria dito ao diretor de música na Catedral de Bremen que teria de bom grado chamado o trabalho de Um Réquiem Humano. Mais adiante, vocês verão que este sujeito de Bremen era um chato de primeira linha.

Embora as Missas de Réquiem na liturgia católica comecem com orações pelos mortos, o de Brahms centra-se nos vivos, começando com o texto “Bem-aventurados são aqueles que suportam a dor, porque serão consolados”. O tema do conforto aos que ficam repete-se em todos os movimentos seguintes, exceto o final, sobre a morte.

Em seu Réquiem, Brahms omitiu propositalmente qualquer dogma cristão. Até pelo fato da ideia de deus ser visto sempre como fonte de consolo. A simpatia e compaixão pelo humano persiste por todo o tempo, o que não significa dizer que o Réquiem seja ateu — ateu sou eu, mas alguns escreveram este absurdo sobre a obra –, apesar de sua contenção religiosa. De qualquer forma, a enigmática escolha dos textos fica para os musicólogos decifrarem. Quando o diretor da catedral de Bremen expressou sua preocupação com isso, Brahms recusou-se a adicionar o movimento que lhe fora sugerido: “A morte redentora do Senhor, etc.” (João 3 : 16). Mas, por incrível que pareça, o citado diretor obrou finalizar o Réquiem por uma ária do Messias de Handel, — ??? — “I know that my redeemer liveth”. Tudo para satisfazer o clero. Um total abuso.

O Réquiem foi inicialmente contestado. Wagner achou-o ridículo, mas temos que lhe dar o mérito da coerência: ele errava sempre. Na verdade, estava apenas contrariado com o título “Alemão”. “Alemão” seria a ele mesmo, Wagner. O que Brahms estava pensando? A reavaliação do Réquiem veio através de Schoenberg e seu brilhante ensaio Brahms the progressive. Então, a história da percepção a Brahms descreveu 180º: seus trabalhos passaram de “acadêmicos” a “modernos”. Agora, são eternos.

SERVIÇO

A Ospa apresentará Um Réquiem Alemão no próximo sábado (12/05) às 17h, na Casa da Música da Ospa. Estarão no palco o Coro Sinfônico da Ospa, a soprano Raquel Fortes e o barítono Alfonso Mujica. Regência de Manfredo Schmiedt.

Na ocasião, a Ospa presta homenagem à memória de Eva Sopher, falecida neste ano — uma grande incentivadora da cultura porto-alegrense e da orquestra. A Casa da Música da Ospa fica no Centro Administrativo Fernando Ferrari (Caff), na Avenida Borges de Medeiros, 1501, no Centro de Porto Alegre.

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O efeito Mozart

O efeito Mozart

bebe fofinho

Há algum tempo, li esta notícia:

KOSICE, Eslováquia – Sobre suas pequenas cabeças, os recém-nascidos na sala de maternidade usam fones de ouvido estereofônicos e suas minúsculas mãos parecem se movimentar no ritmo da música. Desde as primeiras horas de suas vidas, os bebês estão sintonizados com Mozart dentro do hospital Kisica-Saca, leste da Eslováquia.

Não se trata de uma experiência para a criação de uma geração de gênios musicais. As crianças escutam o compositor clássico para o estímulo de suas funções físicas e mentais graças aos benefícios da musicoterapia. O trauma do nascimento é “extremamente estressante para o bebê”, disse Slanka Viragova, médica responsável pela unidade de maternidade do hospital que lançou o projeto de música. “No útero, a criança ouve o coração da mãe bater, o que representa uma fonte de proteção e boas sensações. Colocamos o bebê para ouvir a música, assim ele pode se lembrar de sua mãe no período imediatamente após o seu nascimento, quando já não está mais com ela”, disse.

Numa sala onde as paredes e as janelas são cobertas de desenhos de animais de contos-de-fada, cerca de vinte crianças em duas filas de berços ouvem música e dormem calmamente. Perto de um outro quarto com incubadoras, crianças prematuras e aquelas com problemas de saúde também são expostas à música de Mozart, que tem se mostrado útil na estabilização de suas respirações, disse Viragova. “Em geral, a musicoterapia ajuda o bebê a ganhar peso, a se livrar do estresse e a lidar melhor com a dor”, afirmou.

Viragova disse ter usado a terapia da música com seus próprios filhos, que agora são adolescentes, quando eram bebês. Novamente a escolha musical foi Mozart. “Descobriram que a música de Mozart produz um efeito muito positivo no desenvolvimento do quociente de inteligência (QI)”, disse ela. No hospital, os recém-nascidos ouvem diariamente de cinco a seis vezes ao dia um trecho de 10 minutos de um dos trabalhos clássicos de Mozart, uma composição para piano executada pelo pianista francês Richard Clayderman (COMO É QUE É????), ou uma mistura de sons naturais da natureza ou qualquer outra música calma.

Flagrante de uma criança submetida ao pianista Clayderman
Flagrante de uma criança submetida ao pianista Clayderman

“A música é muito leve e relaxante. Sua intensidade está entre 30 a 50 decibéis, que podem ser comparados ao som de passos normais ou de uma porta sendo aberta”, disse. Na maior parte do tempo, a música é reproduzida no aposento inteiro e também ajuda a aliviar o estresse das enfermeiras, que cuidam de 20 a 30 bebês.

Mas os aposentos do hospital também são equipados com um conjunto sistemas estereofônicos; assim, quando as crianças estão com suas mães, podem ouvir juntos a músicas calmas escolhidas pela mãe. O projeto de musicoterapia começou cerca de dois anos atrás e foi bem recebido pelos expectantes e novas mães.

“Certamente trata-se de uma ideia muito boa e que afeta o bebê de uma forma muito positiva”, disse Lívia Oliarova, 30, que acabou de dar à luz a seu segundo filho, Adrian. “Definitivamente continuaremos a fazê-lo ouvir música em casa”, acrescentou. Atualmente, o hospital Kosice-Saca está fazendo bastante barulho. Algumas mulheres estão preparadas para viajar muitos quilômetros para darem à luz neste hospital.

Seria Viragova apenas uma mozartófila ou há ciência nisto?

Tudo certo, mas se agora você já sabe tudo sobre o Efeito Mozart — o poder transformador da música na saúde, educação, bem-estar, etc. –, aposto não ouviu falar destes outros efeitos que encontrei há anos num site.

Importante: acabo de dobrar o número de efeitos do site e de apimentar os originais:

EFEITO PAGANINI: a criança fala muito rápido e em termos extravagantes, mas nunca diz nada importante.

EFEITO BRUCKNER: a criança fala bem devagar e se repete com frequência. Adquire ureputação de profundidade.

EFEITO WAGNER: a criança se torna megalomaníaca e sonha com coleguinhas narigudos e cinzeiros. Há a chance de que se case com sua filha (ou irmã).

EFEITO MAHLER: a criança grita sem parar – a plenos pulmões e por várias horas -, dizendo que vai morrer.

EFEITO HAYDN: a criança é feliz, felicíssima. Mesmo quando vai à missa.

EFEITO SCHOENBERG: a criança nunca repete uma palavra antes de usar todas as outras palavras de seu vocabulário. Às vezes fala de trás para diante. Com o tempo, as pessoas param de lhe prestar atenção. A criança passa a reclamar da burrice dos outros, que são incapazes de entendê-la.

EFEITO RICHARD STRAUSS: a criança sempre pede para comer o último doce. Quando termina procura por mais últimos.

EFEITO BOULEZ: a criança balbucia bobagens o tempo todo. Depois de um tempo, as pessoas param de achar bonitinho. A criança não está nem aí, porque seus colegas acham que ela é o máximo.

EFEITO TCHAIKOVSKI: os meninos abandonam seus carrinhos e passam a brincar de boneca.

EFEITO IVES: a criança desenvolve uma habilidade fenomenal para manter várias conversas diferentes ao mesmo tempo.

EFEITO PHILIP GLASS: a criança costuma dizer tudo de novo de novo de novo de novo de novo de novo de novo de novo de novo de novo de novo de novo.

EFEITO STRAVINSKY: a criança tem uma pronunciada tendência a explosões de temperamento selvagem, estridente e blasfemo, que frequentemente causam pandemônio na escolinha.

EFEITO NYMAN: a criança começa bem mas depois só repete o que os coleguinhas de aula disseram. Ao final, você nunca sabe o que saiu de sua cabecinha e o que saiu da dos outros.

EFEITO BRAHMS: a criança fala com maravilhosa gramática e vocabulário desde que suas frases contenham múltiplos de 3 palavras (3, 6, 9, etc.). No entanto, suas frases de 4 ou 8 palavras são bobas e pouco inspiradas.

EFEITO STOCKHAUSEN: a criança chama Osama bin Laden de tio.

E, claro, o EFEITO JOHN CAGE: a criança não fala nada por 4 minutos e 33 segundos. É a criança preferida por 9 entre 10 professores.

John Cage
John Cage

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A Ospa com Shinik Hahm

A Ospa com Shinik Hahm
Shinik Hahm, correto | Foto: Antonieta Pinheiro / Divulgação
Shinik Hahm, correto | Foto: Antonieta Pinheiro / Divulgação

O maestro sul-coreano Shinik Hahm é colorado. E suas boas escolhas ficaram comprovadas ao convocar sua conterrânea Hyejin Kim para interpretar o Concerto para piano e orquestra, Op. 16, de Edvard Grieg. É a segunda vez este ano que assisto a este concerto. A primeira vez foi com a Osesp no Theatro São Pedro, com Dmitry Mayboroda ao piano e regência de Marin Alsop. Como pianista, Kim me pareceu ainda melhor. Como estamos entre colorados, afirmo que ela também é melhor do que Wellington Silva como lateral, por exemplo. A moça deu uma interpretação de notável perfeição técnica e musicalidade para uma obra apenas OK. Uma pena que uma pianista de tamanha qualidade tivesse vindo ao RS apenas para tocar o concerto de Grieg. Merecia algo mais interessante. Como o seu bis, por exemplo, um esplêndido e jazzístico primeiro movimento de uma Sonata do ucraniano Nikolai Kapustin. Grieg é como a defesa do Inter, não tira o sono de ninguém. Sabiam que ele era parente distante de Glenn Gould? Pois é.

Retirado do palco o piano, o programa seguiu com a Sinfonias (assim mesmo, no plural) para instrumentos de sopro, de Igor Stravinsky. A peça foi dedicada à memória de Claude Debussy e inaugura o período neoclássico do compositor. Foi muito bom ouvir música com menos de 100 anos e fora da curva habitual da orquestra. Aliás, negando a frase anterior, em 2012 a Ospa já tinha tocado esta obra com o regente Dario Sotelo dançando as tortuosas melodias do talentoso nanico russo amante da grana. Foi um bom momento com os bons sopros da Ospa mandando bala na noite quente.

Depois veio o poema sinfônico As Fontes de Roma, de Ottorino Respighi. O bolonhês Respighi gostava da cidade e escreveu também Os Pinheiros de Roma e Festas Romanas, formando sua Trilogia Romana. Na primeira metade do século passado, Toscanini deixou as peças famosas, mas sua orquestra tinha certamente cordas mais afinadas do que as da Ospa. Há uma história curiosa sobre a de As Fontes: Arturo Toscanini tinha planejado estrear a obra em 1916, mas o compositor italiano se recusou a comparecer ao concerto por motivos políticos. Acontece que, na mesma noite, Tosco iria executar algumas peças de Wagner. Consequentemente, a estreia foi adiada, acontecendo só em 1917, com Antonio Guarnieri. Embora a desavença inicial, Toscanini foi o grande divulgador da obra, regendo-a diversas vezes com enorme sucesso.

Foi um bom concerto. O crescimento da Ospa em menos de sete dias de Hahm, faz-me pensar se ele não aceitaria o lugar de Abel Braga no Inter. Também precisamos de uma melhora súbita. Vai lá, Shinik! Aliás, a célebre Holanda de 74 tinha em seu meio de campo um grande jogador chamado Hahn, lembram? Vai que o coreano não aceita?

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A Sinfonia Nº 1 de Brahms

A Sinfonia Nº 1 de Brahms

Mas voltemos a Brahms. Sei, há Beethoven, Mozart, Bruckner, Mahler e Shostakovich, mas, no meu sentir, esta sinfonia é a melhor que conheço. Brahms era visto como o sucessor de Beethoven e estava muito preocupado em ser digno da tradição sinfônica do mestre. Tão preocupado que preparou sua primeira sinfonia ao longo de mais de 20 anos. Sua composição iniciou-se em 1854 e sua finalização só ocorreu em 1876.

O maestro Hans von Bülow apelidou-a de “A Décima de Beethoven”, o que é apenas uma frase de efeito. Não pretendo desconsiderar que há uma citação da Nona de Beethoven no último movimento, porém os fatos obrigam-me a encarar isto como uma demonstração de gratidão a seu antecessor, ao qual tanto devia – ou, corrigindo, ao qual tanto devemos… Depois de anos e anos como ouvinte, afirmo tranquilamente que, até mais do Beethoven, o que há aqui é Schumann, principalmente na forma inteligente como foram desenvolvidos os elos entre os movimentos que parecem brotar logicamente um do outro. No mais, a Primeira de Brahms é uma derivação autêntica, exclusiva e original do estilo empregado por Brahms em sua música de câmara. Ademais, Brahms – que estreava sua sinfonia 49 anos após a morte de Beethoven – aborda o gênero de forma diversa, dando, por exemplo, extremo cuidado à orquestração e chegando a verdadeiros achados timbrísticos no segundo movimento e na introdução ao tema do último tema: aquele esplêndido solo de trompa, seguido da flauta e do arrepiante trio de trombones. Tais cuidados orquestrais evidentemente não revelam um compositor maior que Beethoven, apenas revelam que o tempo tinha passado, que Brahms já tivera contato com as orquestrações de Rimsky-Korsakov, Berlioz, Wagner, Liszt (os dois últimos eram seus inimigos), que Mahler tinha 16 anos de idade e que a Sinfonia Titan estaria pronta dali a 12 anos…

Em sua primeira sinfonia, Brahms resolveu apresentar todas as suas armas como compositor. A solidez da intrincada estrutura do primeiro movimento (Un poco sostenuto – Allegro) vem diretamente de alguns outros notáveis “primeiros movimentos” de sua música de câmara. Sua complicada estrutura rítmica e aparente rispidez causa certo desconforto a ouvintes mais acostumados a gentilezas. Sua estrutura não é nada beethoveniana, os temas são mostrados logo de cara, sem as lentas introduções nem os motivos curtos e afirmativos de nosso homem de Bonn. Afinal, estamos ouvindo nosso homem de Hamburgo! Se o primeiro movimento demonstra toda a maestria do compositor ao lidar com diversas vozes e linhas rítmicas, o próximo é um arrebatador andante (Andante sostenuto) que parece pretender mostrar “vejam bem: além daquilo que ouviram, eu também faço melodias sublimes”. A melodia levada pelo primeiro violino ao final do andante é belíssima e inesquecível. O terceiro movimento (Un poco Allegretto e grazioso) nos diz que “além daquilo que ouviram, eu também faço scherzi divertidíssimos, viram?”. Claro que não chegamos à alegria demonstrada nos scherzi de Bruckner, porém, para um sujeito contido como Brahms, a terceira parte da sinfonia chega a ser uma galinhagem.

O último movimento é um capítulo à parte. É a música perfeita. Há a já citada introdução de trompas e trombones, mas há principalmente um dos mais belos temas já compostos. No romance Doutor Fausto, de Thomas Mann, o personagem principal Adrian Leverkühn vende sua alma ao demônio em troca da glória e da imortalidade como compositor. Feito o negócio – num dos mais belos capítulos já escritos: o diálogo entre Adrian e o Demônio –, Adrian vai compor e… bem, sai-lhe uma peça muito parecida com o tema a que me refiro. Ele o abandona. Seria este um sinal de Mann, indicando que seu personagem partiria do ponto mais alto existente para a construção de uma obra estupefaciente? Creio que sim, creio que sim, meus queridos sete leitores. Mas, sabem?, não vou gastar meu latim descrevendo o tema que aparece aos 5 minutos do último movimento da sinfonia para ser transformado e retorcido até seu final.

Afinal, ele está aqui. A sinfonia completa está. Sim, neste maravilhoso blog. Trata-se da versão de Claudio Abbado.

Não é música para diletantes leigos como eu. Porém, como a ouço há anos, posso avaliar como deve ser difícil equilibrar a rigidez formal e a imaginação melódica de uma sinfonia que – inteiramente dentro da tradição de contrastes das sinfonias – parece pretender abarcar o mundo, mostrando-se ora imponente, ora delicada; ora jocosa, ora séria.

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Ospa: algumas anotações sobre Fidélio

Ospa: algumas anotações sobre Fidélio

Por puro pragmatismo ou esquisitice mental, toda vez que vejo o esforço necessário à montagem de uma obra de grandes proporções, penso nos motivos que levam as pessoas àquilo. No caso de Fidélio, ópera filha única de Beethoven, o caso me parecia mais grave. Uma ópera longa, de um compositor pouco afeito ao gênero, porque não investir em algo mais moderno ou nos cânones Mozart, Rossini ou Wagner? Ademais, acho que nossa época tem pleno direito — e dever — de dar sua interpretação a obras do passado, mas confesso meu preconceito para com óperas. Até Eric Hobsbawm em seu maravilhoso Tempos Fraturados escreve que “… nenhuma das óperas do repertório atual tem menos de oitenta anos, e praticamente nenhuma terá sido escrita por compositores nascidos depois de 1914. (…) A produção operística (…) consiste, na maioria esmagadora, em tentativas de refrescar túmulos eminentes depositando sobre eles diferentes conjuntos de flores”.

Só que meu amado historiador esqueceu de dizer que, não obstante a idade e os trechos do enredo fora de moda ou decididamente tolos, algumas óperas, como Fidélio, têm muito a dizer aos dias atuais. Com toda a razão, o flautista Artur Elias escreveu no Facebook da Associação de Amigos da Ospa que Fidélio trata de temas como “abuso de autoridade, violência de estado, liberdade de expressão, protagonismo da mulher”. Acrescento à lista de Artur pitadas de presos políticos, tudo isso misturado a uma música de primeira linha. Então, este chatíssimo resenhista hostil às óperas foi lá e teve que admitir que ouviu Beethoven… Ops, que gostou muito do que ouviu. Então, recuando de sua posição atacante, vamos a alguns comentários a respeito do que vimos e ouvimos no Theatro São Pedro no último sábado.

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O Resto é Ruído, de Alex Ross

o-resto-e-ruidoEu já tinha comprado este livro, mas ainda não o tinha lido. Surpreendi-me quando, em fevereiro, cheguei a Londres e descobri que o complexo de salas de concerto do Southbank Center estava apresentando uma série de espetáculos que teria a duração de um ano (é isso mesmo) e que era inteiramente baseada no livro de Ross. Ou seja, eles tinham lido O Resto é Ruído e já estavam escutando o século XX, como diz o complemento do título do autor norte-americano. Depois de comprar alguns ingressos com os quais pude assistir a um fantástico concerto com a Sagração da Primavera e outro sobre a obsessão de Ravel pela Espanha, não apenas me senti menos infeliz ao comparar Londres a Porto Alegre como decidi que leria imediatamente o livro. Quando voltei para casa, não precisei avançar muitas páginas para saber porque o ensaio, — que é recente, de 2007 — é objeto de tantos elogios, quase objeto de culto. Read More

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Ospa em Noite Transfigurada e jovem, demasiadamente jovem

Ospa em Noite Transfigurada e jovem, demasiadamente jovem
Cláudio Cruz no concerto de ontem | Foto: Antonieta Pinheiro
Cláudio Cruz no concerto de ontem | Foto: Antonieta Pinheiro (clique para ampliar)

O curioso e novidadeiro (sim, isto é muito positivo) programa de ontem da Ospa iniciou com a Sinfonia Simples, Op. 4, para orquestra de cordas, de Benjamin Britten (1913-1976). Britten escreveu-a aos 20 anos de idade, utilizando temas que compusera para o piano entre os dez e treze anos. A primeira apresentação foi em 1934, com o compositor regendo uma orquestra amadora. A Simples, em quatro movimentos, não faz jus à Britten, um sofisticado compositor do ponto de vista musical e literário. Digo literário porque a parte principal de sua produção é de música vocal baseada em estupendas obras, muitas das quais foram adaptadas por Britten e colaboradores para seu companheiro Peter Pears cantar. Britten era alguém tão cool e respeitado que nunca escondeu sua sexualidade, mantendo abertamente sua relação com Pears por mais da metade da vida. Read More

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Versão de ópera de Wagner com nazistas é cancelada na Alemanha

Germany-Opera-ScandalDo Público.pt

Uma produção da ópera Tannhäuser, de Richard Wagner (1813-1883), foi cancelada na Alemanha depois de críticas ao realismo das cenas de judeus a serem executados e a morrerem nas câmaras de gás, noticiou na quinta-feira a AFP. A produção, que inaugurou no fim-de-semana na Ópera do Reno, em Dusseldorf, constrói para a ópera de Wagner o cenário de um campo concentração. Provocou “protestos violentos” na noite de estreia, de acordo com a imprensa local. Read More

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A Ospa e o Grêmio

Para mim foi surpreendente; afinal, o Teatro do Sesi estava quase cheio. Havia um jogo pela Libertadores — o divertido Caracas 2 x 1 Grêmio — e, como se não bastasse, tinha o show Thick as a Brick, do Jethro Tull, no Araújo Vianna. Mas o pessoal deslocou-se até o “interior” para chegar ao Sesi e ver o concerto inaugural de 2013. Era uma cortina lírica com aberturas, árias e cenas de Giuseppe Verdi e Richard Wagner. Em 2013, ambos completam 200 anos de nascimento e devem ser figurinhas fáceis antes do ano da Copa.

Não tenho muito a dizer sobre o concerto, não sou afeiçoado ao gênero, porém é absolutamente obrigatório citar o espetacular tenor Martin Muehle. Trata-se de um cantor que não apenas é excelente, mas que também está no auge. Mesmo na ‘Cena 3 do primeiro ato da ópera “Die Walküre”’ — uma longa cena que consiste em aproximadamente 15 minutos de clímax, algo que no início é parecido com o sexo tântrico mas que logo dá sono — , o cara deu um banho. Perto do final da cena, olhei para o lado esquerdo, uma pessoa dormia; olhei para o outro lado, duas. O Martin não merecia Wagner. Será que em Bayreuth é também assim?

Eu estava sentado na poltrona A13 / 9.

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Em Caracas, falava-se em outra poltrona…

Quando saí do Concerto e liguei o celular, o Dario Bestetti já estava em chamas, mandando torpedos de “Chávez Vive!”. Logo vi que algo muito legal estava rolando em Caracas. Liguei pra ele e soube que Cris era o Bolívar careca. Caraca, vi os gols agora! A definição é mais do que exata. Claro, não assisti o jogo e tenho convicção de que o Grêmio irá se classificar em primeiro lugar em seu grupo — o Flu está muito mal e o Grêmio poderia vender saldo gols e ainda assim permanecer em vantagem — , mas perder pontos é sempre legal. O porteiro do prédio do Sul21 não me recebeu com o olho tapado em referência ao pirata Barcos, prova de que o golpe deixou-o abalado. Não lhe disse nada. Nem precisava. Todo mundo sabe da derrota e da faixa.

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Melancolia, de Lars von Trier

Vi duas vezes Melancolia, de Lars von Trier. A primeira foi logo na pré-estreia, na primeira sessão do filme em Porto Alegre. Eu não podia deixar de fazer isso. Lars von Trier, Emir Kusturica, Peter Greenaway, Abbas Kiarostami, Roman Polanski e talvez Alexander Sokurov ainda mantêm viva aquela curiosidade que no passado tinha cada lançamento de Bergman, Truffaut, Tarkovski ou Antonioni. Destes, dos modernos, apenas von Trier, Kiarostami e Polanski têm vida comercial em cinema. Os outros estão em DVD e olhe lá.

Ontem, ao sair do cinema, depois de ver o filme pela segunda vez, minha mulher pôs em palavras minha opinião. Ela disse que achara Melancolia mais simples e inferior a Anticristo. Estou de acordo. Mas a produção cinematográfica de nosso tempo é tão lastimável que não me surpreendo com as loas que tecem à Melancolia como obra-prima e candidato a “filme do ano”.

A ação do filme centra-se menos no fim do mundo — o planeta chamado Melancolia aproxima-se da Terra e os cientistas são cétidos sobre se Melancolia vai passar ou bater…  — , mas na relação entre as irmãs Justine (Kirsten Dunst) e Claire (Charlotte Gainsbourg). O início é muito bonito plasticamente — momento em que lembramos da deslumbrante abertura de Anticristo. São dez minutos com a música de Wagner (Tristão e Isolda) que terminam com o maior dos spoilers: o choque entre Melancolia e a Terra. Ou seja, já de saída somos informados do provável final. Quem vê o filme pela segunda vez nota claramente a simbologia da abertura. Justine, vestida de noiva, tenta avançar mas está amarrada pelas pernas. Claire, charfurdando, leva o filho no colo para não se sabe onde, nem ela. Justine constrói com o sobrinho a “proteção” para o fim do mundo. Novamente Justine, de vestido de casamento, é levada pelas águas. Os planetas chocam-se.

Como ocorre com tantos bons filmes (lembrar de voltar a este assunto), Melancolia está dividido em duas partes. Estas têm os nomes das irmãs. Na primeira, Justine casa-se numa cerimônia de opereta. Poucas vezes vi uma depressão ser tão bem caracterizada. Justine não quer casar, não parece interessada, está de saco cheio de tudo, da vida, do chefe, do futuro marido e parece apenas dar importância ao pai brincalhão (John Hurt) e à irmã. Neste trecho do filme há muito que observar. É notável como retorna ali, perfeitamente reconhecível, o cineasta que criou o Dogma 95. A câmera está na mão de alguém nervoso, os cortes ocorrem com frequência e em momentos pouco habituais, as crises são resumidas por von Trier em “apresentação da situação” e “consequência”. Neste modo cinematográfico de mostrar os fatos, as falas nunca são longas. E como rende!

A narrativa aproxima-se do clássico na segunda parte. É quando Claire, que ama a vida, desespera-se. Justine, pelo contrário, parece conformada e ciente de tudo o que ocorrerá. Porém, seu bom senso e inteligência é complementado por desconcertante passividade, a mesma utilizada para entrar na fria de sua festa de casamento. Ela sabe de seu destino. E sabe que nada pode fazer a respeito. Cética, fatalista e paralisada, faz uma adivinhação surpreendente e, transformada em oráculo (Respondendo a meu filho Bernardo: acho que o número de feijões adivinhado apenas quer dizer “eu sei tudo”), revela para a irmã a verdade fatal: “a humanidade é má, a Terra não merece existir, não há deus, nem vida em outro planeta, esqueça”. Quando Claire balbucia uma reclamação sobre o futuro de Leo, seu filho, Justine não responde.

À medida que von Trier envelhece, fica cada vez mais claras suas influências: Tarkovski e Strindberg. Se Anticristo é dedicado a Andrei Tarkovski e é tão próximo a O Espelho (1975), Melancolia parece vir de Solaris (1972). Lá também a ficção científica foi utilizada para cogitar e interrogar o humano e a humanidade. Como nos filmes do russo, o olhar dos personagens para o céu e o para que não entendem reflete um mergulho em suas interioridades. Muitos, como o marido de Claire (Kiefer Sutherland), não suportam conviver com ela. É Tarkovski e não é; trata-se é uma continuidade. Uma vez, com entrevistadores mais inteligentes que os de Cannes, Trier disse algo mais ou menos assim: “Tarkovski é um deus real para mim. Quando eu vi O Espelho, Stalker e Andrei Rublev, mesmo num televisor pequeno, fiquei em êxtase. Se você quiser falar sobre religião, eu te respondo que minha relação religiosa é com Tarkovski. Ele viu o meu primeiro filme e o odiou… Mas eu me sinto muito próximo a ele”. O deus de Trier é punitivo…

Não estou com pressa de terminar hoje. Ontem, publicamos no Sul21 uma entrevista que fiz com o escritor Charles Kiefer e vejam só. Na entrevista também havia uma questão de troca identidade e revelação da verdade do leito de morte da mãe. Quando a mãe de Trier morreu, ela lhe contou que seu pai não era o judeu Trier, mas Fritz Michael Hartmann, de família católica alemã. Vários de seus novos parentes eram renomados músicos, etc. Após quatro encontros nada felizes, o alemão recusou-se seguir mantendo contato com o filho. Isso não explicaria a entrevista de Cannes, quando ele se disse “nazista” e não judeu? E como fazer para não olhar para a melancolia e Melancolia, quando ela aparece como uma enorma esfera pronta a nos aniquilar?

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Ver na TV é ver pouco

Talvez eu vá ao estádio pela beleza plástica do jogo ou de sua tática (na TV não é tão bonito, nem tão interessante), mas talvez vá pela beleza do gramado, iluminado pelo sol ou pelos holofotes em jogos noturnos, ou quem sabe apenas por amor à disputa e ao Inter, mas acredito que a verdadeira razão é a de que o futebol é um gênero de espetáculo produz maior variação de humores e participação do que qualquer outro que conheça. Por exemplo, se você for a um concerto, provavelmente não poderá ofender o artista ou, num museu, será no mínimo estranho se começar a vaiar o quadro. Vou a muitos concertos; sei que escolho bem e, quase sempre, saio feliz. Às vezes, ele é apenas aceitável. Há possibilidades bem tristes, é claro, porém elas raramente incluem a vaia, chamar o artista de filha-da-puta ou a disposição de odiar o time e odiar a si mesmo a ponto de desejar a própria derrota — em outras palavras, de desejar o próprio fracasso.

Estou enrolando para dizer isso: um concerto ou qualquer outro espetáculo que aconteça dentro de um teatro são representações mais incompletas da vida do que um jogo de futebol. Pronto, disse! Talvez não consiga dormir hoje. Os fantasmas de Shakespeare, Pirandello, Tchekhov, Bergman, Wagner (ai que medo!), Sófocles e de tantos outros me perturbarão a noite. Sei que os aspectos culturais envolvidos fariam o futebol perder de goleada nos primeiros minutos de uma discussão, mas experimente olhar de frente para uma torcida de futebol com o jogo se desenvolvendo às nossas costas. O sofrimento, a alegria, a expectativa, a frustração e quase todos os sentimentos são coisas presentes, visíveis quase a ponto de serem fenômenos físicos. Talvez até o amor romântico tenha representação no futebol… No teatro elisabetano — época de Shakespeare –, os assistentes manifestavam-se, podiam gritar e fazer piadas sobre Otelo, Iago e Desdêmona, mas, hoje, fazer isto seria uma tremenda falta de educação e eu até concordo. Pô, já imaginaram um cara berrando ao nosso lado, fazendo-nos perder as falas?

A possibilidade de amar, de ser indiferente ou de detestar o próprio time, de ridicularizar e sentir medo do adversário, de aplaudir ou desejar a própria derrota é exercida plenamente apenas quando estamos no estádio. Não sinto e, mais, acharia ridículo sentir tanta coisa na frente da TV. A maravilha está no campo de batalha e no leque de opções por ele oferecidas. Na proximidade do fato e no oscilar entre o píncaro da glória e o possível funeral está o fascínio da coisa.

Pensei nisso quando li alguém afirmando que a narração da TV deveria ser substituída pelo simples som ambiente do estádio. Apenas ele, o som, os gritos e cantos da torcida, quiçá o som da casamata com as ordens, palavrões e lamentações dos técnicos. Quem sabe umas mensagens escritas, indicando o tempo de jogo e as substituições. E, quando lembro de Galvão Bueno e alguns “famosos alguéns” de nosso Rio Grande, concordo.

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