Ospa em noite de trocadilhos fáceis e de um flute hero

Ospa em noite de trocadilhos fáceis e de um flute hero
Após o concerto de ontem, a Ospa mereceria este sorriso e charuto do mestre.
Após o concerto de ontem, a Ospa mereceria este sorriso e charuto do mestre.

Não terei tempo para escrever com maiores cuidados a resenha do concerto de ontem à noite no Salão de Atos da UFRGS. Então, vou iniciar pelo final: foi muito bom. O maestro Carlos Prazeres entregou-se à música e o resultado foi bom para mim e para todos. Mas poderia ter sido ainda mais satisfatório… O público cometeu um grande erro. O excelente pianista georgiano Guigla Katsarava daria seu bis se voltasse pela terceira vez ao palco, puxado pelos aplausos. É a praxe, gente! E falamos com ele! Como o pessoal cessou de aplaudir logo após a segunda entrada, ficamos chupando o dedo. Ele tocou maravilhosamente o Concerto para piano nº 1, Op. 23, de Pyotr Ilyich Tchaikovsky.

Este concerto abriu a função. Foi composto entre novembro 1874 e fevereiro de 1875 e revisto no verão de 1879 e novamente em dezembro de 1888. É uma das mais populares composições de Tchaikovsky e está entre os mais conhecidos concertos para piano. Embora a estreia tivesse sido um sucesso de público, os críticos não ficaram nada felizes. Um deles escreveu que “não estava destinado a se tornar famoso”. Errou feio.

A execução da obra foi magnífica. Katsarava  trouxe um sotaque autenticamente russo a Tchaikovsky. A orquestra esteve muito bem e, logo após o segundo movimento, anotei apressadamente no programa: “Klaus Volkmann, que bonito, que delicadeza! Javier tb mto bem!”.

O feito de Klaus é digno de nota, ainda mais que eu soube depois, através de fontes ligadas à orquestra, que ele tinha deixado cair no chão o estojo de sua flauta, avariando o instrumento. Imaginem que ele tocou num INSTRUMENTO EMPRESTADO do segundo flautista! Com todos os solos que fez — era uma noite em que Klaus seria especialmente exigido — e com a extraordinária qualidade deles, dá para se ter uma ideia da magnitude do feito. Poucos conseguiriam. É como se ele tivesse saído do banco de reservas, após longa lesão, para virar o jogo. Porra, Klaus, foi demais!

Depois veio Batuque, de Alberto Nepomuceno (1864-1920), espécie de micro-Bolero de Ravel. O cearense Nepomuceno tem o mérito de ter sido um dos precursores do nacionalismo musical, que explodiu mesmo com o talento de Heitor Villa-Lobos

Por falar nele… E veio a melhor peça da noite, o Choros N° 6, de Villa-Lobos. Escrita para orquestra em 1926, a peça só foi estreada no Rio em 1942. É irresistível. Meus sete leitores sabem, tenho o coração duro e o derramamento de mel promovido por Tchaikovsky apenas me agradou parcialmente. Gostei mesmo foi do Choros, espécie de passeio musical — de trem, como Villa gostava de trens! — por bairros e cidades da periferia do Rio de Janeiro. É uma obra de primeira linha, com episódios muito belos, seresteiros, carnavalescos, chorados e contrastantes. O que anotei apressadamente no meu programa? “Klaus de novo, abrindo maravilhosamente os trabalhos. Não esquecer do Calloni (corne-inglês), do Tiago (trompete), o belo sax soprano do Carlos Gontijo e o clarinete do Samuel de Oliveira.”. Porra, Klaus!

Grande concerto.

Ao centro da foto, Elena Romanov, com Klaus logo atrás.
Ao centro da foto, Elena Romanov, com Klaus logo atrás, à direita | Foto: Olga Markelova Medeiros

Programa:
Pyotr Ilyich Tchaikovsky: Concerto para piano nº 1, Op. 23
Alberto Nepomuceno: Batuque
Heitor Villa-Lobos: Choros n° 6

Regente: Carlos Prazeres
Solista: Guigla Katsarava (piano)

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Anna Magdalena Bach, uma das tantas mulheres com um passado sem biografia

Anna Magdalena Bach, uma das tantas mulheres com um passado sem biografia
Dizem que esta era Anna Magdalena...
Dizem que esta era Anna Magdalena…

Publicado no Sul21 em 22 de setembro de 2013

No dia 22 de setembro de 1701, nascia Anna Magdalena Wilcke, futura segunda esposa de Johann Sebastian Bach. Sempre houve grande curiosidade por sua pessoa; afinal, ela foi uma mulher que saiu discretamente da sombra a que eram segregadas as mulheres de seu século. Não apenas deu treze dos vinte filhos do compositor, mas teve participação ativa em sua vida e trabalho num mundo em que a mulher deveria reinar no lar, sem desejos pessoais que visassem qualquer atuação fora da esfera doméstica. Uma esposa exemplar deveria apenas zelar para que seu marido pudesse, este sim, aparecer na vida pública. Cuidar dos filhos, limpar e ficar em casa era o destino que a “natureza” havia determinado à mulher.

Mas Anna Magdalena apareceu um pouco mais do que o normal, saindo sutilmente da esfera doméstica e criando grande curiosidade a seu respeito. Assim como Anne Hathaway — não a bela atriz de O casamento de Rachel, mas a esposa de William Shakespeare, nascida em 1555 — recebeu especulações e romances, Anna Magdalena foi tema de filmes e romances. O mais famoso é Pequena Crônica de Anna Magdalena Bach, romance inteiramente ficcional escrito em 1925 pela inglesa Esther Meynell.

Na verdade, pouco se sabe sobre Anna Magdalena Bach (1701-1760). O que se sabe é que era, provavelmente, muito talentosa, e que, certamente, era muito cativante e trabalhadora. Bach e sua família deram-lhe dois presentes musicais muito famosos. São os chamados Cadernos de Notas de Anna Magdalena Bach. O primeiro data de 1722 e contém somente composições de Johann Sebastian. O segundo é de 1725 e é uma compilação de obras de Bach e de seus filhos e alunos. Além da excelente qualidade musical dos cadernos — fartamente gravados –, o interessante é a possibilidade que nos dão de espreitar o ambiente doméstico da família Bach ou, no mínimo, a música que era ouvida na casa deles. Trata-se de uma coleção de pequenas peças como árias, minuetos, rondós, polonaises, prelúdios, gavotas, etc. Porém, no primeiro livro, também estão quase todas as Suítes Francesas, peças nada fáceis que hoje fazem parte importante do repertório bachiano.

Anna Magdalena nasceu na Saxônia, numa família de músicos. O pai era trompetista e a mãe também era filha de músico. Na época, era comum que os filhos herdassem a profissão dos pais. Não havia um sistema educacional eficiente e as crianças passavam longas horas em aulas de religião. Então, aprendiam a ganhar a vida em casa mesmo. Mas, desde  jovem, Anna trabalhava como cantora e conhecia Bach. Dezessete meses depois de Maria Bárbara, primeira esposa do compositor falecer inesperadamente em 1720, este casou-se com Anna Magdalena. Era o ano de 1721: ele tinha 36 anos; Anna, 20. Bach teve vinte filhos — sete com Maria Bárbara e treze com Anna Magdalena, entre os anos de 1723 e 42.

Christiane Lang-Drewanz como Anna Magdalena Bach no filme "The Chronicle of Anna Magdalena Bach" (1968).
Christiane Lang-Drewanz como Anna Magdalena Bach no filme “The Chronicle of Anna Magdalena Bach” (1968).

Dos treze, sete perderam a partida para a alta mortalidade infantil da época. Dentre os sobreviventes estavam os também compositores Johann Christian Bach e Johann Christoph Friedrich Bach. Parece ter sido um casamento feliz. Além dos trabalhos de toda mulher da época, ela cantava, tocava cravo e transcrevia suas músicas. Na época em que moraram em Leipzig, a casa dos Bach tornou-se um regular local de saraus onde o casal organizava noites em que toda a família cantava e tocava com alunos do compositor e amigos.

Deviam ser saraus muito alegres. Provavelmente havia muita cerveja. Os contratos de Bach com seus empregadores previam não somente salários e condições de trabalho, como outras vitualhas fundamentais: trigo, lenha, cerveja, cevada… Pois Bach também produzia a bebida. Pode-se de dizer que, naquela época, por questões de saúde, era mais seguro beber cerveja do que água, mas as notas examinadas por seus biógrafos indicam que a família Bach consumia toneladas dela. Um relatório de gastos do compositor em 1725 (tinha 40 anos e já estava casado com Anna Magdalena) dá conta de um consumo enorme. Mas esta é outra história.

Johann_Sebastian_Bach_aHá muitas suposições sobre o fato de Anna Magdalena ter auxiliado Bach em várias composições. Diz-se até que a maravilhosa ária que abre as Variações Goldberg seria de autoria de Anna Magdalena, mas provavelmente tudo isso é lenda, pois o caminho de Bach como maior compositor de todos os tempos já vinha sido pavimentado de forma muito consistente antes de Anna. Porém, é indiscutível que ela lhe serviu como copista – há sua caligrafia em quase todas obras do compositor depois do casamento – e de inspiração. E Bach expressou sua gratidão dedicando várias peças para teclado e de câmara a ela.

Mas é claro que tudo vai acabar mal. Infelizmente, as histórias felizes não têm muita graça e raras vezes são lembradas. Bach viveu até 1750. Morreu aos 65 anos. Anna Magdalena sobreviveu-lhe dez anos. Após a morte do marido, houve um desentendimento entre os filhos, que brigaram e se separaram. Anna Magdalena permaneceu com suas duas filhas mais jovens e uma enteada do primeiro casamento de seu marido. Mulheres sozinhas no século XVIII eram sinônimo de caridade ou ruína. Ninguém da família as auxiliou economicamente e Anna Magdalena ficou cada vez mais dependente da caridade dos auxílios do conselho da cidade.

Na época, a herança e os bem materiais eram transmitidos ao filho mais velho ou ao parente mais próximo do sexo masculino. Bach nunca foi um homem rico, mas mesmo que fosse, as mulheres nunca herdariam nada. Assim era a lei na época, criada para que as posses ficassem ligadas ao nome de uma família por várias gerações, e para que não fosse loteada.

O que se sabe do fim de Anna Magdalena, mulher de Johann Sebastian Bach, é que ela morreu em 27 de fevereiro de 1760 e foi enterrada numa cova de indigente, sem identificação, na Johanniskirche de Leipzig (Igreja de São João). E que o local foi destruído por bombardeios aliados durante a Segunda Guerra Mundial.

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Gravura estilizada de Johann Sebastian e Anna Magdalena Bach.

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A Hard Day’s Night completa 50 anos hoje

A Hard Day’s Night completa 50 anos hoje
A capa do disco de vinil. Clique se quiser ampliar.
A capa do original inglês de vinil. A edição brasileira trazia a mesma capa, só que com a cor vermelha substituindo o azul. Clique se quiser ampliar.

A Hard Day’s Night é o terceiro álbum dos Beatles. Seu aguardado lançamento aconteceu na Inglaterra em 10 de julho de 1964, acompanhando o lançamento do filme homônimo de Richard Lester.

O título da canção A Hard Day’s Night tem origem numa expressão criada por Ringo Starr em uma entrevista, daquelas bem bagunçadas. Ele disse ao disc jockey Dave Hull, no começo de 1964: “Tínhamos trabalhado um dia inteiro e mais a noite toda. Quando saímos do estúdio, eu pensava que ainda era dia e disse: “Foi um dia duro… mas olhei em torno e vi que estava escuro, então eu disse: foi a noite de um dia duro”. A Hard Day’s Night.

Correria
Correria

John Lennon escreveu a música em uma noite — desta vez sem trabalhar durante o dia –, e apresentou-a aos outros Beatles na manhã seguinte. A letra do manuscrito original pode ser vista na Biblioteca Britânica, rabiscada em caneta esferográfica nas costas de um cartão de aniversário.

Meus sete leitores devem saber que, apesar de assinarem juntos a maior parte das músicas do grupo, Lennon e McCartney raramente as escreviam juntos. Eles as faziam separadamente e depois discutiam alguma alteração. É simples identificar quem fez o quê. Basta ouvir o cantor principal. John cantava as dele e Paul as suas.

Saltos
Saltos

O filme lançado com o disco foi dirigido por Richard Lester. Dez ENORME sucesso. Mostrava, em preto e branco, a história de uma banda de rock que era perseguida por fãs histéricos. Após perseguições de fãs, entrevistas, e muitas piadas, a banda realiza um show na televisão. O filme mostra um pouco da realidade dos Beatles na época. No Brasil, o disco e o filme foram lançados pelo nome de Os reis do iê, iê, iê (a expressão “iê, iê, iê” deriva de “yeah, yeah, yeah”, presente no refrão da canção She Loves You).

Como se fazia na época, o álbum foi gravado em apenas nove dias não consecutivos, de janeiro a junho de 1964. Entre as sessões, os Beatles cumpriam seus compromissos de shows e da filmagem de A Hard Day`s Night. Durante a filmagem, John Lennon e Paul McCartney escreviam mais e mais canções. A maioria destas ficou fora de A Hard Day`s Night, indo para o seguinte, Beatles for Sale, lançado em 4 de dezembro do mesmo ano.

Descanso
Descanso

A Hard Day`s Night tornou-se seu primeiro álbum do grupo que continha material exclusivamente original, só com canções de Lennon e McCartney, ainda sem a participação de George Harrison como compositor.

Ouvi o disco novamente ontem e reforcei minha impressão. É um álbum bem diferente do que veio antes e do que virá depois. O motivo é simples. É o único disco dominado por canções de John Lennon. Isto o trona muito mais rápido, muito mais rock ‘n’ roll. A típica presença de Paul, muito mais lírico e melodioso, é notada em And I love her e Things we said today. O resto, com exceção de If I fell, são rocks rápidos.

Mais correria
Mais correria

Lennon foi o único compositor da faixa-título, juntamente com I Should Have Known Better, Tell Me Why, Any Time At All, I’ll Cry Instead, When I Get Home e You Can’t Do That. Ele também escreveu a maior parte de If I Fell e I’ll Be Back, e colaborou com McCartney em I’m Happy Just To Dance With You.

As contribuições de McCartney para o álbum foram discretas, porém excelentes: as clássicas baladas And I Love Her e Things We Said Today, bem como Can’t Buy Me Love.

A Hard Day’s Night é um dos três únicos álbuns dos Beatles para não contêm vocais por Ringo Starr. Os outros são Let It Be e Magical Mystery Tour.

O cartaz do filme de Lester
O cartaz do filme de Lester

As faixas de A Hard Day`s Night:

Lado A

A Hard Day’s Night
I Should Have Known Better
If I Fell
I’m Happy Just To Dance With You
And I Love Her
Tell Me Why
Can’t Buy Me Love

Lado B

Any Time At All
I’ll Cry Instead
Things We Said Today
When I Get Home
You Can’t Do That
I’ll Be Back

John Lennon: vocal, guitarra, violão, harmônica, tamborim
Paul McCartney: vocal, baixo, piano, sinos
George Harrison: vocal, guitarra, violão
Ringo Starr: bateria, congas, bongôs, tamborim
George Martin: piano

Produtor: George Martin, óbvio

O disco completo para meus sete leitores-ouvintes:

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Ospa nas igrejas ou Nada é o que parece ou Concerto de Gatinhos

Ospa nas igrejas ou Nada é o que parece ou Concerto de Gatinhos
Clarke: revirando-se no túmulo
Clarke: revirando-se no túmulo

Nossa, que chuvarada a de ontem à noite! E que acústica horrível e gritona a da Igreja dos Navegantes! Quando o excelente oboísta Javier Balbinder começou a ensaiar sozinho no palco já deu para concluir que o final da Abertura Egmont soaria como uma manada de elefantes na ponte do Guaíba. E soou mesmo.

Quando o concerto iniciou, os sismógrafos londrinos tremeram, indicando movimentos no solo abaixo da Catedral de St. Paul. É que Jeremiah Clarke revirava-se e dava socos para todo lado dentro de seu túmulo. O concerto começou com Trumpet Voluntary

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Miau!
Miau!

Desde 1940, é sabido que a obra conhecida por Trumpet Voluntary foi escrita por Jeremiah Clarke e não por Henry Purcell, como anunciou o programa da Ospa. Quando a peça foi escrita, Purcell já estava morto havia cinco anos. A peça foi escrita originalmente para cravo e chama-se Prince of Denmark’s March. De 1878 até 1940, a peça foi atribuída a Henry Purcell e chamada de Trumpet Voluntary. Tudo porque, naquele ano do século XIX, um certo William Sparkes publicou um volume chamado Pequenas Peças para o Órgão, Livro VII, No. 1 (Londres, editado por Ashdown & Parry), incluindo erroneamente a peça de Clarke como se fosse de Purcell. Esta versão chamou a atenção de Sir Henry J. Wood, que fez duas transcrições orquestrais do mesma. Aí é que apareceu o trompete e o novo nome. Antigas gravações do início do século XX cimentaram o erro. Mantido o título dado por Wood, a peça tornou-se popular em casamentos reais, mas sabe-se desde 1940 que seu autor é Jeremiah Clarke, não Purcell. Não acho muito legal errar o autor de uma obra.

Volo 1
Estou mortinho!

O pobre Clarke não foi sacaneado somente pela Ospa. Dizem os livros que “uma paixão violenta e sem esperança por uma bela senhora de uma classificação superior a sua levou-o a cometer suicídio”. Antes de se matar, ele ficou na dúvida: enforcamento ou afogamento? Como forma de decidir seu destino, ele jogou uma moeda para o alto, mas esta caiu em pé na lama. Gente, não brinco, falo sério. Em vez de considerar o fato como um sinal de que deveria desistir de seu intento, ele escolheu um terceiro método, matando-se com um tiro na cabeça nos jardins da Catedral de St. Paul, em Londres. Suicidas não têm muita chance com igrejas, mas foi feita uma exceção para Clarke, que foi enterrado na cripta da Catedral.

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Óin!
Óin! Olha o adágio de Albinoni aí, gente!

Por outro lado, com toda a razão, estava escrito no programa da Ospa: Albinoni (Remo Giazzoto) – Adagio.

Albinoni foi um compositor barroco veneziano relativamente obscuro. Então, em 1958, surgiu este “Adagio” que tem sido usado por companhias de balé, patinadores, filmes — lembram de Gallipoli, um filme de 1981 sobre a Primeira Guerra Mundial? — e, com letras, por uma série de vocalistas como Sarah Brightman, por exemplo. Esta peça é, no entanto, uma composição moderna, como salientou o maestro Tiago Flores após regê-la. Conto o caso a seguir.

cacda
Gato mau. Será por causa de Wagner?

Manuscritos de Albinoni, incluindo uma série de partituras que nunca tinha sido publicada, estavam há muitos anos na Alemanha. Mas a biblioteca onde se encontravam foi destruída no bombardeio de Dresden, em fevereiro de 1945. Os papéis de Albinoni foram perdidos no incêndio. Porém, algumas obras do compositor tinham sido antes catalogadas por um musicólogo italiano chamado Remo Giazotto, autor de uma biografia de Albinoni. Em 1958, Giazotto introduziu esta peça como obra de seu biografado. Ele a teria reconstruído a partir de fragmentos de uma sonata.

Mas outros musicólogos tinham realizado as mesmas pesquisas e acharam tudo muito estranho. Denunciaram. Diante disso, como bom italiano enrolão, a história de Giazotto mudou um pouco. Ele passou a dizer que tinha se baseado em alguns fragmentos de uma linha de baixo que estavam num manuscrito de Albinoni. Mais: ele alegou que tinha os fragmentos. E mais: disse que eles tinham sido enviados a ele por questões de segurança, quando a biblioteca em Dresden dispersou muitos de seus tesouros… Um cidadão imaginativo, sem dúvida. É fundamental saber que os direitos autorais da peça têm apenas o nome de Remo Giazotto. E que ele, é claro, jamais mostrou os tais manuscritos.

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Bunitinho!
Soninho.

Abertura Egmont. Aqui não há erro nem má intenção, apenas curiosidades. A música incidental para a peça Egmont, de Goethe, foi composta no final de 1809 para o Court Theater de Viena. A obra de Goethe é de 1786 e refere-se à acontecimentos não contemporâneos dos autores. No século XVI, o conde Egmont, de Flandres, lidera o povo flamengo em sua revolta contra a tirania espanhola. Depois de sua captura e prisão pelos espanhóis, sua amante Clärchen tenta resgatá-lo, mas fracassa em sua tentativa e ela se suicida, ingerindo veneno. Em sua cela, Egmont tem visões da imagem da liberdade e esta é uma mulher que se parece com sua amada. Ela coloca uma coroa de louros em sua cabeça enquanto uma música militar é ouvida. Então Egmont é executado, mas leva consigo a certeza de que a liberdade irá prevalecer.

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Meus
Bunitinho…

Este foi um Concerto de Gatinhos. Lembram aquelas seleções de clássicos dos anos 70 e 80 que tinham gatinhos na capa? Ali, o Aleluia de Handel podia vir antes de Rhapsody in Blue, a qual era seguida da Abertura 1812, por exemplo. Salada semelhante foi-nos servida  na noite de ontem. A Ospa estava cheia de gatinhos, óin… Olha, eu acho que isso não cria público, acredito que este gênero de programa seja válido apenas em séries de concertos para escolas ou como eram os velhos “Concertos para a Juventude”, mas enfim. O apelido “Disco de Gatinhos” ou “Concerto de Gatinhos” é de autoria do Júlio e da D. Cristina lá da King`s Discos, esplêndida loja que ficava na Galeria Chaves. Eles não gostavam muito daquelas seleções…

Não vou avaliar o lado artístico do concerto de ontem. Era quase impossível tocar alguma coisa sem desafinar no meio daquela reverberação. Os membros da orquestra devem ter saído meio surdos de lá.

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O programa:

Com aquela chuva, queriam que não estivesse amassado?
Com aquela chuva, queriam que não estivesse amassado?

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No dia do falso aniversário do LP, a longa polêmica com o CD

No dia do falso aniversário do LP, a longa polêmica com o CD

Publicado em 31 de agosto de 2013 no Sul21

Um bolachão em uso | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21
Um bolachão em uso | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

Por Milton Ribeiro e Nícolas Pasinato

Há poucos anos, o jornalista e escritor Luiz Biajoni escreveu sobre um fato que batizou de “Síndrome da Biblioteca de Babel”, ou seja, a desvalorização de conteúdos que — em velocidade e grande profusão — são veiculados na internet. Seu foco era a música. No século passado, comprava-se música em LPs e eles não eram nada baratos. Os jovens que gostavam de música e que recebiam apenas uma mesada de seus pais tinham que economizar para comprar um vinil por mês e olhe lá. E, se o disco fosse ruim, era uma pequena tragédia, pois tinha-se que aguardar 30 dias pela próxima chance. Errava-se raramente, mas acontecia, e a coleção de discos costumava ser bem ouvida, muito amada e motivo de orgulho.

Hoje, o melômano baixa músicas em tal quantidade e de tal forma que muitas vezes não as relaciona com o CD de origem, ou seja, com o trabalho completo do artista que montou o CD com cuidado e coerência. Ouve-se as canções sem saber de que disco saíram, o que para velhos puristas é uma heresia inconcebível.

Este artigo não é passadista, mas canta algumas qualidades dos LPs, daqueles velhos bolachões de vinil com suas belas capas e brilhantes discos pretos de 30 cm de diâmetro que podem ainda ser encontrados em sebos que, às vezes, cobram fortunas pelas raridades.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Loja de vinis no centro de Porto Alegre | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Há controvérsias sobre qual teria sido o primeiro LP da história. Os alemães têm sua versão, falsa, de que o vinil surgiu há 62 anos, no dia 31 de agosto de 1951. Na época, era chamado de long-play (LP) e teria sido produzido pela gravadora alemã Deutsche Grammophon, fundada em 1898 e ainda hoje em atividade, sendo a mais antiga do mundo.

Porém, a versão correta é a de que a Columbia Records não apenas desenvolveu como lançou o LP que girava a 33 1/3 rotações por minuto (rpm) e era capaz de armazenar até 30 minutos de áudio de cada lado. O primeiro LP foi The Voice of Frank Sinatra, de 1948.

O que é indiscutível é que a tecnologia do disco de vinil surgiu no final da década de 1940. O vinil é um tipo de plástico, usualmente na cor preta, que pode ser reproduzido através de um toca-discos. O disco possui um longo sulco em forma de espiral que conduz a agulha do toca-discos da borda externa em direção ao centro, em sentido horário. Estes sulcos são microscópicos e fazem a agulha vibrar. Essa vibração é transformada em um sinal elétrico que é amplificado e transformado em som audível.

O vinil é um tipo de plástico muito delicado e qualquer arranhão pode ser ouvido, comprometendo a qualidade sonora. Idealmente, os discos devem permanecer limpos, livres de poeira e guardados na posição vertical — de forma a não ficarem empenados –, dentro de sua capa e de seu envelope ou plástico de proteção. Tudo isto é necessário porque a poeira pode tanto prejudicar o disco quanto a agulha.

Disco com poeira prejudica não apenas o vinil e a gulha como a audição | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21
Nunca deixe seu disco assim… A poeira prejudica não apenas o vinil e a agulha como a audição | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro / Sul21

Voltando à história. Um ano depois, o primeiro vinil de 45 rpm foi produzido pela RCA. Ele tinha 18 cm de diâmetro e reproduzia 3 minutos de áudio de cada lado, ou sejam, trazia o mesmo tempo de música que seus predecessores, os grandes e pesados 78 rpm. Como os 45 rpm eram leves, também eram ideais para aos grandes sucessos populares e os fabricantes de jukeboxes.

Um toca-discos com o 45 rpm do clássico ‘Dreidel’, de Don McLean

O 45 rpm era leve, pequeno, tinha som melhor que os 78 rpm e, assim como os LPs, era flexível, só quebrando por extrema imperícia do dono. Logo, os 45 rpm também receberam versões em 33 1/3, ganhando um pouco mais de tempo de gravação e os novos nomes de compactos simples (com uma canção de cada lado) e duplo (com quatro ao todo).

Em 1958, chegaram os discos estereofônicos, que tinham dois canais em cada sulco, o que tornou necessário duas caixas de som que não reproduziam exatamente o mesmo som, como acontecia com os LPs anteriores, que passaram a ser chamados de mono. Até 1970, o estéreo era geralmente usado apenas para LPs, quando os compactos começaram a aparecer em versões também em estéreo.

No final dos anos 80, os vinis começaram a ser substituídos pelo CDs. Mas nostálgicos costumam cantar as vantagens dos antigos LPs sobre os atuais CDs e mp3.

O Sul21 convidou o engenheiro de áudio Marcos Abreu para traçar paralelos entre as duas tecnologias.

Marcos Abreu
Marcos Abreu: os LPs requerem cuidados, mas mantêm dinamica original | Foto: Facebook

Sul21: Quais são as principais diferenças entre as gravações analógicas e digitais

Abreu: A princípio, tanto a gravação analógica quanto a digital têm limitações ou características próprias. A analógica, a dos LPs, tem a informação completa e a digital tem a informação fragmentada, convertida em bytes e bits, números. O que o pessoal mais sente de diferença entre o analógico e o digital é que hoje as gravações digitais são muito comprimidas para conseguir maior volume, enquanto que os discos analógicos mantém em grande parte a dinâmica original. Com a manutenção desta dinâmica as coisas ficam mais naturais no analógico do que nesse digital que é vendido hoje. Não quer dizer que as gravações digitais sejam ruins. É que são coisas diferentes. O problema é a forma com que o digital está sendo trabalhado. Ele entrou numa guerra de volume e compressão que acabou estragando um som que deveria ser bom.

Sul21: Pode se dizer que o som do vinil é melhor do que o do som do CD?

Abreu: Não. Não posso dizer isso. Posso dizer que algumas gravações em digital têm sonoridade ruim, mas em princípio o CD teria toda a capacidade de ter um bom som. Os excessos acabaram estragando o som do CD.

Sul21: E quais seriam as vantagens do analógico?

Abreu: A principal vantagem do analógico é a dinâmica mais preservada. Só que ele depende muito do equipamento onde é reproduzido, porque o vinil é muito mais dependente da qualidade do equipamento de som do que o CD. Para conseguir uma qualidade boa de um vinil, é necessário um equipamento bem mais sofisticado do que simplesmente um aparelho de CD ou um iPod ou um iPad. O som digital pode ser reproduzido com facilidade, mas para escutar um vinil é necessário um bom toca-discos, uma boa cápsula, uma boa agulha, um bom amplificador. Claro que tendo bom equipamento analógico tu consegues som de excelente qualidade.

Outra diferença do digital para o analógico é o nível de ruído. O digital é muito mais limpo. O analógico sempre vai ter um estalinho, um chiadinho ou um ruído do disco. Afinal, é um processo mecânico de extração de som. O desgaste é outro ponto crítico. O vinil tu escutas 10 vezes e ele começa a ficar mais com mais ruído e o CD tu escutas mil vezes ele vai continuar tocando igual, mas, em compensação, a durabilidade do disco analógico é muito maior. O vinil hoje tem mais de 100 anos o CD tem só 20. Além disso,hoje,  o custo do vinil é bem maior que o do CD.

Glamour
Glamour

Sul21: Vários artistas “cults” gravam seus trabalhos nas duas plataformas. Como é isso?

Abreu: O que está acontecendo é que as pessoas vêm sendo enganadas pelo vinil falso, que é uma gravação digital colocada em vinil. E as pessoas acham que estão escutando o som analógico, mas não estão. Um disco gravado hoje, em digital, é lançado em vinil e as pessoas compram aquilo achando que o som é analógico e não é. É um som digital ‘vinilizado’. As verdadeiras e boas gravações analógicas são as antigas, que são as analógicas desde a origem.

Sul21: O que escolher?

Abreu: O que determina é o gosto de cada um. Há pessoas que vão ouvir o vinil e achar muito melhor. Outro vai ouvir o digital e gostar. Há pessoas que dizem que o digital é pobre, porém limpinho. Porque ele é pobre de som, mas é limpinho, não tem ruído nem chiado.

Sul21: O vinil dá muito trabalho?

Abreu: No vinil, há que cuidar a qualidade da cápsula e da agulha, para que esta não esteja gasta. Ela tem que ser nova. E é fundamental estar sempre passando um paninho no disco. E tem que ter cuidado para não arranhar. Cuidado no manuseio. Ou seja, há fatos mecânicos envolvidos no vinil que no CD ou equipamento digital, não há.

Sul21: O que faz algumas pessoas colecionarem vinis? 

Abreu: O charme. Colocar o vinil e escutá-lo é bem diferente do que pegar um pendrive. Aquilo não tem graça nenhuma. Eu prefiro chegar na minha sala, pegar um disco de vinil e colocar para tocar. Acho que tem um ritual envolvido que o CD, o pendrive e os players digitais não têm. É uma sensação diferente.

Todo o charme do vinil
Todo o charme do vinil

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O Sistema Venezuelano ou ‘Uma tormenta tropical sobre Salzburgo’

O Sistema Venezuelano ou ‘Uma tormenta tropical sobre Salzburgo’
José Antonio Abreu, o criador do El Sistema | Foto: Harvard University
José Antonio Abreu, o criador do El Sistema | Foto: Harvard University

Publicado em 17 de agosto de 2013 no Sul21

El Sistema (“O Sistema”) é um modelo de ensino musical que foi criado na Venezuela por José Antonio Abreu. Consiste em um projeto de educação musical público gratuito e altamente capilarizado, voltado a crianças e jovens de todas as camadas sociais.

El Sistema é gerido pela Fundación del Estado para el Sistema Nacional de las Orquestas Juveniles e Infantiles de Venezuela (FESNOJIV), órgão estatal venezuelano responsável pela manutenção de mais de 125 orquestras (sendo 30 sinfônicas) e coros juvenis, e pela educação de mais de 400.000 estudantes, em 180 núcleos distribuídos pelo território venezuelano.

Segundo a definição da própria FESNOJIV, “El Sistema visa organizar sistematicamente a educação musical e promover a prática coletiva da música através de orquestras sinfônicas e coros, como meio de organização e desenvolvimento das comunidades”. Evidentemente, a importância do método não se limita a seus excelentes resultados artísticos. A maior parte dos jovens músicos de El Sistema provém das camadas mais carentes da população que, na música, encontra uma via de desenvolvimento intelectual e de ascensão social. El Sistema tem como objetivo principal a proteção social dos jovens mais pobres e também a sua reabilitação, nos casos de envolvimento com práticas criminosas.

Foto: FESNOJIV
A maior parte dos jovens do El Sistema provém das camadas mais carentes da população | Foto: FESNOJIV

José Antonio Abreu, economista e músico, fundou El Sistema em 1975, com o nome de Acción Social para la Música, e tornou-se seu diretor. Desde então, conseguiu desenvolver o projeto com o apoio de instituições governamentais que, ao longo de quase 40 anos, foram ora progressistas, ora conservadoras. O governo de Hugo Chávez foi o mais generoso com El Sistema, chegando a bancar quase inteiramente seu orçamento.

O projeto é ligado ao Ministério da Família, do Esporte e da Saúde, não ao Ministério da Cultura.

Alguns d seus estudantes tornaram-se estrelas internacionais da música erudita, a exemplo dos maestros Gustavo Dudamel, Dietrich Paredes, Christian Vasquez e Diego Matheuz, do contrabaixista da Filarmônica de Berlim Edicson Ruiz, do violista Joen Vazquez, do flautista Pedro Eustache, do violinista e maestro Edward Pulgar e da maestrina Natalia Luis-Bassa.

Em 2004, foi feito um documentário sobre El Sistema, dirigido por Alberto Arvelo, intitulado Tocar y Luchar. O filme obteve vários prêmios, como o de melhor documentário no Cine Las Americas International Film Festival e no Albuquerque Latino Film Festival. Em 2008, foi produzido um outro filme, El Sistema, dirigido por Paul Smaczny e Maria Stodtmeier.

A seguir, traduzimos uma embasbacada matéria de Jesús Ruiz Mantilla para o El País, de Madrid. Trata-se de uma reportagem a respeito de uma excursão que uma das orquestras do El Sistema — a Orquestra Sinfônica Nacional Infantil da Venezuela —  fez ao Festival de Salzburgo, dias trás.

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Tormenta Tropical em Salzburgo

Marina Mahler tem medo de voar. Por isso, até ontem, a neta do grande compositor austríaco Gustav Mahler não pudera confirmar a veracidade das histórias que lhe chegavam da Venezuela. Lá, contaram-lhe, uns meninos de 8 a 14 anos eram capazes de interpretar a Primeira Sinfonia de seu avô. E o faziam com um vigor, um entusiasmo e um senso de estilo que muitos profissionais desejariam para si.

Porém, ontem pela manhã, no Festival de Salzburgo, ela mesma pode assistir o milagre com os olhos marejados. “A música transforma, é verdade. E essas crianças alcançaram e têm em comum com meu avô as emoções necessárias para interpretá-lo”, afirmou Marina.

Ela sabe do que fala. Quando Ruben Rodriguez, de 13 anos, primeiro contrabaixo da Orquestra Sinfônica Nacional Infantil da Venezuela atacou o terceiro movimento da Titan, esta dança doce e assustadora que Mahler compôs com a memória traumática, trazida de sua infância, de um enterro de uma criança, os outros 207 outros músicos da orquestra o acompanharam com inusitada experiência.

Foto: FESNOJIV
Dudamel com a Orquestra Simón Bolívar | Foto: FESNOJIV

Talvez eles saibam como ninguém o significado de uma facada que mata um membro de sua família ou um colega nos bairros em que vivem, na periferia de Caracas, Maracaibo, Barquisimeto, Victoria, Coro, Cumaná, Valência… Locais de onde saíram todos estes presentes e futuros músicos. Os que ontem se apresentaram com Simon Rattle, neste templo da música ocidental e na presença de José Antonio Abreu, são, em sua maioria, de extração social muito pobre.

O que ocorreu nesta edição do Festival de Salzburgo pareceu a todos um fenômeno, diz o chefe do evento, Alexander Pereira, com a concordância de Rattle. “Este é o mais importante evento educacional que vi, não apenas nos últimos anos, mas em toda a minha vida”, comentou o diretor da Filarmônica de Berlim.

E o público concordou, comparecendo em massa às 16 aparições que músicos venezuelanos fizeram este ano em Salzburgo: a primeira com a Orquestra Simon Bolívar, depois, com o Coro de Mãos Brancas — composto por surdos-mudos e portadores de necessidades especiais — e hoje com a atuação da Orquestra Infantil.

O que ocorreu foi, nem mais nem menos, uma avalanche de talento tropical sobre a mais pura tradição europeia — e ainda por cima na cidade de Mozart. Algumas décadas atrás, ninguém poderia imaginar que um fato assim fosse possível. Foi a confirmação de um fenômeno que atrai a atenção mundial: o chamado “O Sistema”.

Foto: Reprodução
O maestro titular da Filarmônica de Berlim, Simon Rattle | Foto: Reprodução

A história do Sistema desde os anos setenta até hoje é a história de um desafio constante, de um desafio lançado contra uma série de convenções e convicções. É um conto com final feliz que envolve ascensão social e fé irrevogável nas pessoas. “Eu não sei se o Sistema pode ser implementado em qualquer país”, diz Rattle. “Eu acho que é mais fácil em locais com fortes raízes musicais. Ele pode funcionar em locais como África do Sul, Venezuela ou Finlândia… Mas, pensando bem, talvez seu êxito seja devido aos esforços de um homem. A África do Sul contou com Mandela; a Venezuela, com Abreu “, assegura o maestro de Liverpool.

É este o campeonato onde joga Abreu. O campeonato dos grandes líderes humanitários, acima de governos e dos buracos negros da história. A partir de agora, acredita Abreu, nenhum país deixará de duvidar da eficácia pedagógica do que foi implantado por ele.

Os resultados sociais são espetaculares. A música dá sentido à vida das crianças, cria uma forte identidade e um orgulho especial, essencial para enfrentar as duras realidades que os cercam. Se isso não fosse o suficiente, a estes resultados sociais se unem os artísticos. Quando uma criança prefere passar horas e horas praticando em um núcleo em vez de sair para a rua, onde o aguarda uma realidade de crimes, armas de fogo e exclusão social, o Sistema se justifica. Como se não bastasse, produz artistas (muitos) de forma natural.

Assim foi sido demonstrado na cidade austríaca. Simon Rattle chama “O Sistema” de “O Vírus”, uma doença contagiosa que toma os meninos e os empurra na direção de suas próprias capacidades individuais e coletivas.

A joia de Abreu é Gustavo Dudamel, joia adotada na Europa pelo próprio Rattle e sobre o qual é colocado o favoritismo para substituir o inglês na Filarmônica de Berlim em 2018. Sobre isso, Rattle é cauteloso: “A Orquestra Filarmônica de Berlim é absolutamente democrática, eles escolhem os regentes de forma soberana”. Mas não é isenta de interesses e ataques como os que ele mesmo recebeu no início de sua gestão por partidários de Daniel Barenboim. Às vezes, os membros do conclave berlinense assemelham-se ao Vaticano. “Sim, mas com a vantagem de que eles são capazes de escolher um papa muito mais jovem”, brinca Rattle.

Foto: Reprodução Filarmônica de Los Angeles
A super estrela Gustavo Dudamel comandando a Orquestra Filarmônica de Los Angeles

Não apenas Dudamel ganhou o mundo. Sem terem completado 30 anos, Diego Mattheuz ou Christian Vasquez já estão fora da órbita de Abreu. E, nesta vitrine de Salzburg, Abreu teve outra surpresa: o maestro Jesus Parra, de 18 anos.

Ontem, Parra estreou a convite de Rattle. Três anos atrás, em Caracas, era um garoto tímido e doce seguia os ensaios do grande Rattle com partituras na mão. Estava ansioso por aprender. Parra regeu com a Orquestra Infantil a Suíte do balé Estância, do compositor argentino Alberto Ginastera, uma celebração da cultura gaúcha com pontos de contato com o nacionalismo do húngaro Bartók.

Parra encarou a partitura com vigor e maturidade, dominando cada um de seus aspectos virtuosos, domando os ares pampeanos, fundindo Argentina e Venezuela e contagiando um público atônito. Foi empolgante. Para se ter uma ideia do entusiasmo, foram 10 minutos de aplausos de uma plateia germânica, que não deixou de fazê-lo até que o último dos músicos deixou o palco.

Para avaliar o sucesso dos venezuelanos em Salzburgo, talvez valha a pena repetir que Marina Mahler tem medo de voar, mas assegurou a este repórter que em pensa superá-lo a fim de entrar num avião para a Venezuela, a fim de conhecer pessoalmente os locais de onde emana a música de ontem que, disse ela, “levaria meu avô às lágrimas”.

Foto: FESNOJIV
Jesus Parra em ação | Foto: FESNOJIV

Traduzido livremente por Milton Ribeiro

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A crítica musical em nossa província: isso também pode ter ideologia

A crítica musical em nossa província: isso também pode ter ideologia
A Mona Lisa de Duchamp
A Mona Lisa de Duchamp: de bigode

Lembro que quando começamos o PQP Bach, tínhamos que decidir o tom das postagens. Os poucos blogs do gênero só mostravam a capa do disco, as obras que continha e o link. Nós queríamos ser um pouco mais explicativos, dada a baixa informação do público brasileiro sobre música erudita. A ideia era a de fazer uma espécie de curadoria. Como criador da coisa, tratei de utilizar delicadamente meus argumentos a fim de não constranger meus pares. E fiquei muito feliz quando meus companheiros tenderam naturalmente ao tom bem-humorado e zombeteiro. Era o que eu queria.

Após anos lendo programas de concertos (e contracapas de discos) absolutamente horríveis — os quais utilizavam as metáforas de maior mau gosto que já li até hoje –, fiquei feliz de poder demonstrar ao público da internet minha ideologia de que a arte é filha da criatividade, da habilidade, do conhecimento, da inteligência e do artifício. E que todos estes itens guardam parentesco maior com a alegria do que com a sisudez.

Mais do que qualquer outra, a música erudita costuma se encastelar em torres inacessíveis. Muitos não gostam da crítica. E uma das formas de evitá-la é a de exigir a presença da filha maior da burrice: a seriedade. As alegações são as de qualquer professor inseguro: falta de respeito ou desconhecimento. Na Europa, algumas publicações já furaram este bloqueio e os músicos aprenderam a conviver com esses possíveis opositores. Mas em alguns locais como a provinciana Porto Alegre, permanece o ranço e muitos músicos só conseguem suportar o aplauso. Quando criticados, ficam amuados e, é óbvio, voltam à tradição de se considerarem intocáveis e de reclamarem dos termos seculares utilizados. Ou seja, exigem respeito quando nunca houve desrespeito…

“Minha ideologia” é antiga e, na verdade, não é nada minha. No Brasil, ela começou lá com os modernistas e, por alguma razão, ficou fora das avaliações musicais e acadêmicas. Em 1919, Marcel Duchamp já pintava uma Mona Lisa de bigodes. É claro que era uma brincadeira, mas uma brincadeira muito séria, que mostrava a disposição modernista para dessacralizar a arte. Pois a arte partiu há muito tempo do sagrado para o profano e mesmo aquela música que era ouvida apenas em igrejas vê que suas novas catedrais são as salas de concerto.

Detesto coisa sem graça. Então, corro não apenas da má literatura na ficção. Acho que a má literatura da crítica — vide o que se escreve no Brasil e em nossa aldeia, com raríssimas exceções — consegue afastar boa percentagem dos candidatos a ouvintes. Não é casual que não sejam lidos. O ar de grande importância que estes textos dão a si mesmos constroem um assustador espantalho em parceria com alguns músicos que se consideram semideuses por serem membros de uma orquestra qualquer.

Essas pessoas são tão bobocas.

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Uma anticrítica do concerto de ontem à noite

Uma anticrítica do concerto de ontem à noite

Não tenho grandes conhecimentos musicais, sou apenas um melômano, um desses caras que pode ouvir o amigo Phil cantar o segundo movimento da quinta de Prokofiev e sair em dueto com ele, como ocorreu ontem à noite. Ou um trio, porque a Elena acabou cantando junto. Cantamos o tema principal e aquele trecho dos 5min06 em diante. Sorte de vocês não terem ouvido. Abaixo, tenho uma versão melhor.

Voltando ao assunto inicial, tenho um bom conhecimento de repertório e um programa mal planejado é uma coisa que me afeta muito. Augusto Maurer deu a explicação técnica de minhas restrições ao programa da última terça-feira (03 de junho), citou fatos que sinto mas que não tenho capacidade para explicar, etc. Então, nesta quarta-feira em que poderia ser mais produtivo, escolho um tema preguiçoso para encher o saco de meus sete leitores.

Pois, de forma enviesada, a programação musical faz parte de minha vida, e talvez isso seja surpreendente para alguns. Tenho ideias de programas de concertos que vocês nem imaginam. Então, vamos comentar algumas coisas. Minha formação como ouvinte teve muito de meu pai, do Dr. Herbert Caro de quem era amigo, além de enormes doses da Rádio da Universidade dos anos 70, 80 e 90. Os méritos da rádio ultrapassavam em muito seus problemas técnicos e foi ali, com o compositor e ex-diretor da emissora Flavio Oliveira e com Rubem Prates, que aprendi que uma programação não era sorteio ou livre-associação. É notável como eles conseguiam ligar inteligentemente cada música à próxima, fosse por seu tema, por sua evolução na história da música ou pela pura sensibilidade desses dois conhecedores, que viam parentescos em coisas aparentemente díspares. Só através do ouvido – há outro jeito? — aprendi como, por exemplo, o estilo de composição de Johann Christian Bach foi receber tratamento de grande música apenas com Mozart e também que havia várias formas de subir na grande árvore da história de música. Explico: pela manhã, a rádio iniciava por um compositor de música antiga ou barroco, depois ia para um clássico, daí para um romântico, e assim por diante, nos mostrando sempre os caminhos e os diálogos que um compositor travava com seu antecessor. Foi a maior das escolas e ali aprendi as muitas derivações que cada compositor passava a seus sucessores e aquilo, após milhares (mesmo!) de dias como ouvinte, tornou natural a leitura das histórias da música que fiz depois. De forma misteriosa, estranha e certamente gloriosa, aqueles dois homens silenciosos já tinham me ensinado tudo, colocando as coisas na ordem certa para que meu ouvido entendesse.

Minha segunda escola foi uma coluna da revista inglesa Gramophone. Assinei-a por anos. Lá havia uma coisa que só no jornalismo inglês: era a sensacional coluna “Who`s Next?”, de título obviamente inspirado no lendário vinil do The Who. Ali, um dos críticos da revista criava uma fantasia. Ouvia um CD qualquer e algo nele — um timbre, um acorde, um tema — o fazia lembrar de outra música, a qual o fazia lembrar de outra, e de outra até o fim da coluna ou dos tempos. Na coluna, o cara ia de Mahler para Gabrieli, de Bach para Charlie Mingus com a maior naturalidade e argumentos. Era uma brincadeira que estava longe da livre-associação da programação da Ospa, era algo que tinha uma poesia. Nossa que saudades da minha coleção de Gramophone! Minha mãe jogou todas as revistas fora no início de sua doença (Alzheimer).

Tenho o costume de caminhar pela rua inventando concertos. Ontem, iniciei um com a Fantasia Wanderer de Schubert, mas não fui adiante. Fiquei preso naquela fuga.

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Carrara brindou-nos com uma versão do Scherzo do Hammerklavier, 30 minutos antes do concerto.
30 minutos antes do concerto, André Carrara (primeiro plano) brindou-nos com uma versão do Scherzo do Hammerklavier. Um belo aquecimento. | Foto: Augusto Maurer

Com restrições — diferentes daquelas do concerto do dia 3 –, gostei do concerto da Ospa de ontem (10), principalmente do Ginastera final e do aquecimento do pianista André Carrara, tocando o Scherzo do Hammerklavier. Mas não estou a fim de escrever a respeito. A discussão da semana passada ficou lá longe com o meu “salário moral” sendo muito bem pago por uma longa série de importantes inboxes dizendo que eu tinha razão em reclamar do erros e da “dramaturgia da noite”. Pediram para eu tocar em frente, só que fiquei temporariamente de saco cheio da blitz dos defensores acríticos da… orquestra? Isto exige um compadrio ao qual não estou disposto. Gosto é de música, de literatura, do meu trabalho, dos meus amigos, filhos e da Elena, gente.

Brigar, fazer cara feia ou voltar o rosto não está entre as minhas prioridades. Mas sei que logo estarei disposto a rir destas coisas. E vou tirar um sarro.

A noite acabou maravilhosamente com zupa kapusta, mais pão, vinho, café e outros que tais, na casa da Astrid Müller e do Augusto. Minha ressaca de hoje e a citada cantoria de ontem é culpa deles. Nada a ver comigo, portanto. Zupa kapusta é uma sopa polonesa de carne de porco, salsicha, chucrute e repolho. Estava FANTÁSTICA!

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Fotos do “making of” da capa de Sgt. Pepper´s, dos Beatles

Fotos do “making of” da capa de Sgt. Pepper´s, dos Beatles

Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band foi o oitavo álbum de estúdio dos Beatles. Lançado em 1º de junho de 1967, tornou-se um imediato sucesso comercial e de crítica, passando 22 semanas no topo da parada de álbuns no Reino Unido e 15 semanas nos Estados Unidos. Alguns pensam que foi o melhor álbum de rock de todos os tempos.

A capa recebeu todos os prêmios possíveis a este item. Ela foi projetada pelos artistas pop Peter Blake e Jann Haworth a partir de um desenho de Paul McCartney. O diretor artístico foi Robert Fraser e o fotógrafo, Michael Cooper. Os Beatles aparecem em ridículos trajes militares com um grupo de recortes de papelão de pessoas famosas em tamanho natural. O quarteto fica no centro, em pé, atrás de um tambor, no qual o artista Joe Ephgrave pintou as palavras do título do álbum. Na frente, há um arranjo de flores com o nome do grupo. Os uniformes de cetim de estilo militar foram fabricados por M. Berman Ltd, de Londres. As letras do álbum estão integralmente na contracapa. Na parte interna (última imagem deste post), há uma foto grande com um close dos meninos.

diana dors

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Making The Cover for Sgt Pepper’s Lonely Hearts Club Band (3)

inkpots

george

Making The Cover for Sgt Pepper’s Lonely Hearts Club Band (6)

hitler

ringo and john

Making The Cover for Sgt Pepper’s Lonely Hearts Club Band (9)

Making The Cover for Sgt Pepper’s Lonely Hearts Club Band (10)

Making The Cover for Sgt Pepper’s Lonely Hearts Club Band (11)

Making The Cover for Sgt Pepper’s Lonely Hearts Club Band (12)

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Ospa, Romeu e Julieta e a maravilhosa água do Báltico

Ospa, Romeu e Julieta e a maravilhosa água do Báltico
Renato Bal
Renato Bandel recebe os aplausos do público e do maestro Kiyotaka Teraoka | Foto: Carlos Latuff

Há talento de sobra em torno do Mar Báltico. Deve haver alguma coisa na água que corre dos rios da Polônia, Finlândia, Letônia, Lituânia e Estônia — estes três últimos chamados de Países Bálticos — para o mar, que faz com que nasçam compositores extraordinários na região. Quem contar a história da música erudita do século XX terá que passar por ali. Mais ainda se a história for dedicada ao final do século e ao início do nosso. Não consultei os anos de nascimento de cada um deles, mas quem pode ostentar um time com Witold Lutosławski, Karol Szymanowski, Krzysztof Penderecki, Henryk Górecki, Wojciech Kilar e Bogusław Schaeffer como a Polônia? E, se quiserem mulheres, o país ainda tem a excepcional Grażyna Bacewicz. Claro que o motivo do surgimento de tantos compositores é educacional e cultural, mas não deixa de ser curioso.

Sem citar compositores menores, a Finlândia, país que investe muito em música desde os tempos de Sibelius, hoje tem Kaija Saariaho — outra mulher — e Einojuhani Rautavaara. E a pequena Estônia ataca com o conhecido Arvo Pärt e Helena Tulve. Céus! Mas tergivesamos…

Krzysztof Penderecki (1933) foi um compositor pra lá de vanguardista nos anos 60 e 70 mas depois baixou a guarda, passando a obras de estética mais conservadora, retornando eventualmente ao sistema tonal. Sua música passou a caber no escaninho do classicismo pós-moderno. Ele é um dos poucos compositores vivos que tem plateias no mundo todo.

Longe da complexidade de sua famosa Paixão Segundo São Lucas (1967), o Concerto para Viola e Orquestra tem história ligada à América Latina. O concerto foi encomendado em 1983 pelo governo da Venezuela para marcar o bicentenário do nascimento de Simon Bolívar. Sua primeira performance foi em Caracas, no dia 24 de julho de 1983. Olha, é música de primeira linha. A obra tem pouco em comum com a monumentalidade e as texturas espessas de seus concertos anteriores. Ele fica mais próximo da música de câmara, porém preserva o caráter de um trabalho para virtuose. É muito contrastante (Lento – Vivo – Lento – Vivo) e tem duas belíssimas cadenze precedendo dois scherzi. Mas não é uma obra feliz, é antes pesada, contrapontística e reflexiva.

É óbvio que ela, como ponto alto do programa, deveria ser a última obra da noite. As opiniões dos músicos e estudantes de música na saída do concerto estavam de acordo comigo. O caráter das obras OBRIGAVA a quebra da tradição, colocando-se o concerto para viola no final da função. O violista Renato Bandel foi simplesmente fantástico. Tocou muito no ensaio de segunda-feira e só melhorou no concerto. A sonoridade quente da viola envolveu o velho teatro da tia Eva. Talvez tenha sido o melhor momento da Ospa em 2014. Há que explorar novos repertórios e territórios, gente!

Teraoka avisa que vai começar o Prokofiev | Foto: Milton Ribeiro
Teraoka avisa que vai começar o Prokofiev | Foto: Milton Ribeiro

O mesmo não diria da Suíte Nº 2 de Romeu e Julieta, retirada do balé de Prokofiev. Dado o tema, a música só pode ser romântica e trágica, mas soou meio boboca após a paulada de Penderecki. Só que nenhum Prokofiev é boboca. A orquestra também não rendeu o esperado, com erros aqui e ali, pois trata-se de uma obra falsamente fácil, cheia de repetições e denunciadora de problemas. O público amou, aplaudiu de pé, mas eu devo ser um chato: achei a coisa meia-boca.

No balanço geral, foi um excelente concerto, por Penderecki e porque deu muito assunto. E assunto é fundamental para quem vai assistir qualquer espetáculo.

Ah, Teraoka, volte sempre! Tu também, Bandel!

Ah, se a tia Eva vê isso!
Detalhe do público de ontem antes do concerto. Ah, se a tia Eva vê esses dois pezinhos… (Logo depois, os pés foram recolhidos, com a dona deles escolhendo Penderecki) | Foto: Augusto Maurer

O programa de ontem no Theatro São Pedro:

Krzysztof Penderecki: Concerto para viola e orquestra
Sergei Prokofiev: Romeu e Julieta – Suíte n° 2

Regente: Kiyotaka Teraoka
Solista: Renato Bandel

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Notinha sobre Shostakovich

Notinha sobre Shostakovich

Estava agora pensando sobre como os velhos amigos — incluindo-se aí Mravinsky — foram um a um abandonando Shostakovich antes da estreia da 13ª Sinfonia. Até o poeta Evtushenko tratou de mudar os versos para se proteger da repressão soviética. E Shostakovich, trêmulo e doente, após viver anos esperando ser preso, foi até o fim com o novo amigo Kondrashin. Não precisava fazer isso. Mas há pessoas nas quais é sempre maior o amor pela arte e pela verdade.

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A provocação de Glenn Gould

A provocação de Glenn Gould

Publicado no Sul21 em 28 de julho de 2013

Antigamente, a música — mesmo a mais grandiosa — era utilizada como pano de fundo para jantares e comemorações. Para nós é difícil conceber isto, mas a música de Vivaldi, por exemplo, era ouvida sob o provavelmente alegre som de comensais alcoolizados… Excetuando-se os saraus privados, o único local onde podia-se ouvir música em silêncio era nas igrejas. O ritual de deslocar-se até uma sala de concertos a fim de ouvir e ver silenciosamente a performance de orquestras, cantores e recitalistas é relativamente recente — começou há uns 150 anos. Sob uma forma mais barulhenta, a música popular aderiu a este ritual no século XX, porém hoje seus concertos visam mais a celebração do artista do que a finalidades “expressivas” ou “interpretativas”.

Alguns radicais, como o extraordinário pianista canadense Glenn Gould (1932-1982) – cujas interpretações de Bach são até hoje difíceis de superar — trilharam o caminho inverso, chegando ao extremo de abandonar suas carreiras de concertistas por não acreditarem mais que o formato de concertos e shows fosse aceitável quando comparado às vantagens oferecidas pelos estúdios de gravação. Não obstante o abandono dos holofotes e dos aplausos — em seu caso sempre entusiásticos –, Gould seguiu pianista e continuou produzindo discos cada vez melhores; mesmo sem ter marcado um mísero concerto em seus 27 últimos anos de vida. Gould contraiu voluntariamente uma Síndrome de Bartleby dirigida apenas às apresentações.

Apesar de interessante, a postura do pianista canadense talvez hoje seja ainda mais inaceitável, tanto para ouvintes como para músicos. Diferentemente da época de Gould, falecido em 1982, hoje um disco pode ser produzido como se produziam senadores biônicos na época da ditadura militar brasileira. Um produtor ou engenheiro de som pode corrigir tudo rapidamente, melhorando drasticamente o desempenho do intérprete. Além deste “ver para crer” exigido por boa parte do público, a pirataria reduziu as margens de lucro dos artistas, que agora são obrigados e darem concertos com a finalidade de aumentar seus ganhos.

Porém, nos anos 60 e 70, a realidade era outra e Glenn Gould acreditava que a tecnologia oferecida pelos estúdios o colocava mais próximo de seu ideal artístico, que colocava a técnica pianística em segundo plano. Apesar de ser um instrumentista absolutamente preciso e hábil, a impressão mais forte que temos ao ouvi-lo não é a do virtuosismo, mas a da expressividade. Com ele, pode-se ouvir a música. Gould pensava que existia somente uma interpretação perfeita de cada obra e que esta só poderia ser obtida em estúdio com auxílio da tecnologia.

A verdade é que as gravações revolucionaram inteiramente nossa abordagem à música. Em menos de um século, passamos do sarau ao CD, fomos do amadorismo afetuoso e comovedor de nossas residências ao sampler. Vejamos como:

1877: Thomas Edison constrói e dá nome ao primeiro fonógrafo, um aparelho que registra e reproduz sons, utilizando um cilindro de parafina.

1887: Emile Berliner inventou o disco e o gramofone para tocá-lo.

1888: É lançado o shellac, disco de cera de carnaúba, carvão e areia. Tratava-se de um tipo de cera endurecida, equivalente à Laca.

1925: Aparece o primeiro toca-discos elétrico, que funcionava com discos de 78 rpm. Um movimento – cheio de chiados – de uma sonata de Beethoven poderia ocupar vários discos… Meu pai tinha o Op. 111 do compositor alemão em 8 discos ou 16 lados de discos 78 rpm!

1940: O acetato e o verniz começam a ser substituídos pela fita magnética.

1948: Surge o LP, que podia receber até 30 minutos de música (uma sinfonia de Mozart!) de cada lado. Todos os discos de 78 rotações deveriam ser jogados fora. (Este é outro assunto…)

1958: O som estereofônico torna obsoletas as gravações anteriores, feitas em mono. Chegou a vez de jogar fora tudo o que não era estéreo.

1965: A fita cassete ameaça o disco, mas não o vence.

1979: Aparecem as fitas digitais (DAT) com som semelhante ao do CD; isto é, muito mais claras do que tudo o que já havia surgido antes. O som do DAT não era nem melhor nem pior do que o do CD, era igual ou melhor. As gravações digitais começaram bem antes, só que os discos eram gravados em digital e lançados em vinil.

1983: Chega o CD, mais uma vez desvalorizando todas as outras gravações realizadas em outros meios.

Século XXI: surgem os formatos mp3, flac e, com eles, todo o tipo de pirataria — distribuição gratuita — de música. Os lucros das gravadoras diminuem dramaticamente.

Gould falava em quão recente era a supostamente eterna tradição das salas de concerto e ridicularizava vários de seus aspectos. Por que haveria de ser necessário alguém atravessar a cidade — talvez com chuva ou sem a vestimenta adequada –, para ir sentar-se, com hora marcada, em cadeiras normalmente piores do que as de nossas casas, a fim de ouvir o mesmo velho e conhecido repertório tocado com acompanhamento de sussurros e tosses? Segundo ele, a única coisa que mantinha viva a tradição dos concertos era a oligarquia do mundo dos negócios musicais, acrescida do que Glenn Gould chamava de “uma afetuosa, ainda que às vezes frustrante, característica humana: a relutância em aceitar as consequências de uma nova tecnologia.”

Gould não era uma ativista pelo fim dos concertos, não era um inimigo das celebrações dedicadas aos músicos e à música; mas provocava, cutucava o sistema estabelecido. Dizia que era insatisfatório sair de casa para ver, muitas vezes, concertos constrangedoramente inferiores àquilo que temos em nossa discoteca. Outra coisa triste seria o conservadorismo do repertório apresentado. Se fosse brasileiro, ficaria irritado com o eterno fato de que estamos “educando o público para a música erudita”. Com este argumento, por exemplo, as orquestras obtém o aval para apresentarem somente o mainstream do repertório. (Há as exceções, mas são raras…) Enquanto isto, o LP e o CD abriram um leque de opções que mudaram nosso conhecimento musical. Obras extraordinárias puderam voltar a fazer parte de nossa cultura, grande parte da música de câmara (música escrita para pequenos grupos de instrumentistas) e da música antiga, inadequadas para as grandes salas, voltaram através dos discos.

Houve também importantes alterações na maneira de tocar a música e, por conseguinte, de ouvi-la e compreendê-la. Uma vez que, no estúdio, os músicos não tinham mais de preencher os grandes espaços das salas de concerto com som, todo o processo de fazer música passou a colocar mais ênfase na clareza e beleza do fraseado. Os microfones que fizessem o resto! Os antigos instrumentos – de som mais fraco – retornaram à vida e surgiram as gravações com interpretações históricas, utilizando instrumentos de época, que respeitam a dinâmica e a forma original das obras.

Tudo isso foi trazido pelas gravações e podemos dizer que a música barroca que ouvimos atualmente — gênero que hoje é divulgado quase só em instrumentos originais — é resultado da capacidade dos estúdios. Se a substituição dos concertos não ocorreu, se a provocação-profecia de Gould não se cumpriu, as gravações tiveram outro efeito: o de recriar os pequenos espaços de concertos, os quase-saraus, onde podemos ouvir a música do passado de forma próxima a sua autenticidade e… que parecem imitar as gravações.

Observações: A maior parte dos argumentos aqui colocados livremente estão sistematizados no livro de Otto Friedrich Glenn Gould: A Life and Variations.

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Ospa, frio e bons sopros

Ospa, frio e bons sopros
José Milton: cheio de malemolência
José Milton Vieira: jazzy “malemolence” | Foto: Marcos Ever

Por motivo de compromissos pessoais, eu e Elena chegamos atrasados ao concerto, perdendo a primeira obra (Paul Dukas: Fanfarra para preceder La Péri) e o primeiro movimento da segunda (Jan Koetsier: Sinfonia para metais). Sentamos nas cadeiras do Teatro Dante Barone somente quando começou o Larghetto da Sinfonia de Koetsier. A sonoridade era algo mais que uma trombonada, era algo que me fez repensar sobre a irritação — puro preconceito — que possuo contra obras para metais e percussão. Formando um leque no palco do teatro de péssima acústica, o som era tão bom que eu até lembrei daquela versão da Arte da Fuga de Bach para metais, talvez com o Canadian Brass. Tinha esquecido dela… tão boa e compreensiva de Bach. Mas isso foi até chegar a Suíte de Granados, que me irritou por ser um arranjo algo tosco de suas Danças Espanholas. Enfim.

Pô, enfrentáramos o frio para ver só aquilo? Mas havia um intervalo e uma segunda parte para salvar a lavoura.

Uma curiosidade: durante a a obra de Koetsier, as faxineiras da Assembleia Legislativa subiam as escadas do teatro com seus baldes e vassouras com tanta naturalidade que pensei que estivesse na partitura. Era um contraponto interessante à música? Talvez uma forma de denunciar nossa atitude burguesa de fruição do belo em contraposição à vida sofrida do trabalhador. Estavam uniformizadas, de azul, era lindo de ver.

A fanfarra “feminista” de Joan Tower, Fanfarra para a mulher incomum, é bem curtinha como a Fanfarra para o homem comum de Copland, mas cumpridora. A coisa melhorava. Depois tivemos divertido tango Jealousy, de Jacob Gade. Até então as grandes estrelas no palco eram o trompetista Elieser Ribeiro — também, com um sobrenome desses! –, o igualmente trompetista Tiago Linck e o seguríssimo tubista Wilthon Matos, mas quando começou a melhor peça da noite (Motown Metal, de Michael Daugherty) todos viram a realidade. A noite era do trombonista José Milton (também, com um nome desses!) Vieira.

Eu tinha avisado no Facebook que o norte-americano Daugherty era um fenômeno e que valeria a noite. Não deu outra. O passado desse compositor é estranho e eclético. Ele foi músico de jazz e rock. Depois foi para a Europa estudar com Boulez e Ligeti (boas referências, não?). Sua obra mais famosa é a espetacular Metropolis Symphony, escrita em homenagem ao superman. É obra de um piadista que escreve música de primeira linha. Sua Motown Metal é uma belíssima homenagem à gravadora da soul music e da grande música negra americana dos anos 60 e 70, a Motown. O maranhense Miltinho estudou na Julliard School of Music e nos mostrou uma sequência de solos cheios de suingue na noite fria de Porto Alegre. E todo mundo saiu de lá feliz e em paz.

Programa:
Paul Dukas: Fanfarra para preceder La Péri
Jan Koetsier: Sinfonia para metais
Enrique Granados / Arr. Eric Crees: Suíte
— Intervalo —
Joan Tower: Fanfarra para a mulher incomum
Jacob Gade: Jealousy
Michael Daugherty: Motown Metal

Regente: Kristian Steenstrup

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Simples anotações sobre a Ospa, em noite de metais e corais

Simples anotações sobre a Ospa, em noite de metais e corais

Ontem, na dureza das cadeiras da Igreja da Ressurreição do Colégio Anchieta, tivemos um concerto daqueles bem médios, onde o destaque ficou para o Coral da Ospa, que cantou, suingou e fez o diabo na Igreja.

Para mim, tudo começou com a correria para chegar. Está cada vez mais complicado fazer a apologia do democrático transporte coletivo. Esperamos mais de 20 minutos pelo T7 e acabamos recorrendo ao táxi para chegar no horário. Não entendo a planilha de horários dos ônibus. A gente chega numa parada da Osvaldo Aranha às 19h30 e espera, espera, espera. Mais uma nota zero para a Prefeitura. Então, esbaforidos, chegamos ao Anchieta e o concerto iniciou com

Earl Zindars — The Brass Square.

Olha, o que escrevo é muito pessoal, então vou logo dizendo que, normalmente, a música para metais me soa tão interessante quanto arremesso de atum. Sei que os metais da Ospa são excelentes e respeito todos os esportes, porém, como Zindars era também compositor de jazz, acho que faltou soltar mais os caras. A impressão foi a de que a obra era uma variação sem graça daquilo que fazia Gabrieli, uma variação com bigas romanas. Depois, pulamos para

John Rutter — Gloria para coro, metais e órgão.

A coisa melhorou muito aqui. Música em três movimentos, cantada em latim, sobre o texto tradicional da Missa. A obra inicia muito gregoriana. O segundo movimento, bem bonito, tem solos de órgão me lembraram a Green Lady que chamava o Dr. Smith para fora da nave de Perdidos no Espaço. Há também um solo de soprano que me lembraram os solos de Sarah Leonard na trilha sonora — escrita por Michael Nyman — de O Cozinheiro, o Ladrão, sua Mulher e seu Amante, filme de 1989 de Peter Greenaway. (Anotação feita de memória, sem conferência). Ritter finaliza sua Glória esquecendo o coral gregoriano. Investe fundo no contraponto e sai-se muito bem.

Dr. Smiiiiith!
Dr. Smiiiiith!

Ernani Aguiar — Te Deum

Conheço algumas obras de Ernani Aguiar. Aliás, amo a música erudita brasileira e sou colaborador de um blog em grande parte dedicado à música colonial e contemporânea de nosso país. Aguiar tem 4 obras no PQP Bach e já tinha ouvido sua música em um concerto que assisti no Rio de Janeiro há alguns anos. Trata-se de um bom compositor e esperava muito dele no concerto de ontem à noite. Mas algo não funciona em seu Te Deum, apresentado pela Ospa, reforçada pelas cordas, e seu Coral. A obra é cheia de boas ideias: é poliestilística; é cantada em latim e português; têm ritmos como samba, maracatu e frevo; deve ser divertida de tocar e cantar; mas… Bem, talvez seja melhor deixar a música popular para os compositores de música popular. Se os ritmos impressionam pelo colorido, faltava o molho da malemolência das melodias, que às vezes soavam como hinos de colégio, só que enlouquecidos pelo ritmo. No movimento lento, era inevitável pensar no jantar enquanto os monges do Monty Python caminhavam lentamente em minha cabeça.

Foi legal e surpreendente ver o coral batendo palmas. No final, tudo acaba em sambão. A obra finaliza com aquela “mola” que faz a gente levantar e aplaudir. Mas mesmo assim o público foi comedido na aclamação.

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Ospa vai ao cinema e depois visita um comuna português

Ospa vai ao cinema e depois visita um comuna português

Ontem à noite, tivemos um bom concerto no Theatro São Pedro. Mesmo que o repertório não fosse maravilhoso, ficaram claras a competência do contrabaixista italiano Giuseppe Ettore ao interpretar o igualmente italiano Nino Rota, assim como o talento do maestro português Pedro Neves na sinfonia do igualmente português Luís de Freitas Branco.

A Ospa, Ettore e o regente Pedro Neves em ação durante o Divertimento de Nino Rota
A Ospa, Ettore e o regente Pedro Neves em ação durante o Divertimento de Nino Rota

Nino Rota (1911-1979) foi o grande parceiro de Fellini. Suas trilhas sonoras são conhecidas de todos que têm alguma ideia da cinematografia básica do século XX. A música de “O Poderoso Chefão”? Nino Rota. A de “O Leopardo” de Visconti? Nino Rota. A dos filmes de Fellini a partir de 1952 e de mais de 150 títulos? Nino Rota. Porém, fora do espaço do cinema, onde foi efetivamente brilhante e imenso, Rota não foi grande.

Contrariamente às novas correntes que ganhavam forma em meados do século XX, com Berio, Nono, Scelsi e Donatoni na ponta-de-lança, Rota optou por não abandonar a tonalidade, levando sua música de forma clássica. Isso não é um problema, é apenas uma opção. E foi isso que ouvimos ontem no Theatro São Pedro. O Divertimento concertante para contrabaixo e orquestra, escrito entre 1968 e 1973, é uma bonita obra com certo gosto de Prokofiev, como sublinhou nosso amigo Ricardo Branco. O Divertimento é forma musical muito popular durante o século XVIII, escrita para um pequeno número de instrumentos que devem soar descontraídos e alegres. Foi o caso.

O contrabaixista Giuseppe Ettore não tocou tão bem quanto o fizera no ensaio de segunda-feira, mas, mesmo assim, demonstrou ser um cara que trata seu instrumento como se fosse um violino, tal sua velocidade e virtuosismo. Para o meu gosto, o terceiro movimento (Aria), foi o grande momento da obra, principalmente no final, quando os contrabaixistas da orquestra respondem ao solista dizendo-lhe, baixinho e com voz de Sarastro, “chega de sofrimento, isso é um divertimento”.

Delon, cede la Cardinale pro véio porque ele dança melhor.
Delon, cede la Cardinale pro véio porque ele dança melhor.

O bis foi bem legal. O excelente Ettore atacou uma valsa de Il Gattopardo onde se ouviam ecos de Lampedusa e se viam os rostos de Claudia Cardinale e Burt Lancaster dançando. Um belo momento, com a orquestra se divertindo no ritmo da valsa. Aliás, as cordas da Ospa estiveram muito bem nos Rota.

Depois veio a Sinfonia Nº 2 em si bemol maior e outros bemóis, de Luís de Freitas Branco (1890-1955). Olha, é uma obra bem escrita e difícil. Deu trabalho. Mas é uma receita que inclui Tchaikovsky com Brahms com Dvorak com Mahler, tudo refogado num motivo cíclico retirado de um canto gregoriano. A coisa é fina, porém, realmente, não me apaixonei pelo Sr. Branco. Do ponto de vista pessoal, ele deve ter sido um sujeito bacana, tanto que não gostava muito de igrejas e foi expulso do Conservatório de Lisboa por “comportamento irreverente”, isso em pleno salazarismo. Aliás, ele desprezava Salazar, tendo composto duas Canções Revolucionárias de conteúdo hostil ao regime. Não preciso dizer que era um comuna que até escreveu uma ópera inspirada na luta de classes, chamada A Voz da Terra.

Valeu a ida ao velho teatro, mas creio que o ponto alto da noite foram as piadas pós-concerto, as quais não tiveram como foco a música.

Às 22h05min33s, a Ospa recebeu os merecidos aplausos.
Às 22h05min33s, a Ospa recebeu os merecidos aplausos.

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Com o assassino nos ouvidos

Com o assassino nos ouvidos

Passarinho que dorme com morcego acorda de cabeça para baixo.
Provérbio português

Quem leu Cortázar direitinho sabe quem é Gesualdo da Venosa, casualmente o sujeito aí à esquerda. Aquele pessoal da Renascença não era mole. Passei grande parte da quarta e quinta-feira com os fones ligados, ouvindo Gesualdo, um sujeito nascido em 1566 que merecia ser conhecido por sua música e não apenas por ter cometido um espetacular assassinato.

O príncipe Gesualdo — pois ele era um príncipe — casou-se aos 26 anos com sua prima, Maria d`Avalos. Foram alguns anos de um casamento feliz — provavelmente só na opinião do marido — e Maria começou um caso com Fabrizio Carafa, Duque de Andria. Com raras (e mui honrosas) exceções, o corno é o último a saber; ou seja, toda cidade sabia, menos o proprietário das frondosas peças. Talvez fosse esperado que, ao descobrir com quem sua Maria se deitava, o Príncipe da Venosa tivesse uma reação blasé, mais ou menos como um francês do século XIX… Nada disso! Gesualdo deve ter pensado que “Corno que sabe e consente, bem age quem lhe acrescente…”, e tratou de vingar-se. Vamos ver o que fez Gesualdo.

Num belo dia de outono, ele preparou algo que lhe servisse como aquecimento: uma caçada com amigos. Nada melhor que um pouco de sangue para alguém quem traz um desejo de morte na alma. Então, em meio à caçada, Gesu resolveu ver como andavam as coisas em casa, digo, no Palazzo San Severo. Severo? Severíssimo! Testemunhas disseram que Gesualdo pediu que os empregados segurassem Fabrizio, dando-lhe um lugar confortável onde pudesse ver o primeiro ato da cena. Então, dedicou-se à mulher, enfiando-lhe a espada diversas vezes em locais, digamos, não fatais. Como Maria custasse a morrer, ele berrava “Ainda não?, Ainda não?” e seguia perfurando a pobre adúltera. Na segunda parte, ministrou tratamento semelhante a Fabrizio, com resultado análogo. Contudo, antes, fez o Duque de Andria trajar um vestido de noite de Maria. As roupas de Fabrizio foram encontradas limpas e sem marcas de violência.

Completou a obra deixando os corpos bem na frente de seu castelo, de forma a mostrar como se faz à cidade de Nápoles. A atitude criminosa e sanguinária foi cantada em versos por Tasso e admirada em toda a Europa. Virou tema de ópera, poemas e peças teatrais.

Mas voltemos ao caso. Vocês estão pensando que ele foi preso, não? Nada disso, os nobres nunca eram presos; havia para eles uma pizza institucionalizada. Porém (ah, porém…), um outro nobre podia vingar-se dele numa boa. Após o crime, Gesualdo arranjou outra mulher e isolou-se, compondo sua maravilhosa (mesmo!) obra musical. Aquele aristocrático napolitano só foi reconhecido nos primeiros anos do século XX. Tinha uma linguagem avançada que incluía dissonâncias, progressões harmônicas, ritmos contrastantes, passagens diatônicas, cromatismo, etc. Stravinsky erigiu-lhe um monumento musical — o Monumentum pro Gesualdo (1960) –, Julio Cortázar dedicou-lhe com conto; Anatole France, um romance (Le puits de Sainte-Claire); e Aldous Huxley várias páginas de seu As Portas da Percepção (The Doors of Perception).

Só que eu escrevi um “ah, porém” ao estilo de Paulinho da Viola. O motivo é que, vinte anos depois da morte da mãe, o segundo filho do casal Gesualdo e Maria d`Avalos resolveu vingar-se, matando o pai que assassinara sua mãe quando era bebê. A vingança é um prato que se come frio e, com mais esta morte, pegamos um dos pingos do sangue de Gesualdo a fim de colocamos um ponto final a este post.

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No tempo em que o popular era muito, mas muito bom

No tempo em que o popular era muito, mas muito bom
Festival da Record de 1967: Edu Lobo e Marília Medaglia dão-se os parabéns pela vitória. de Ponteio.
Festival da Record de 1967: Edu Lobo e Marília Medaglia dão-se os parabéns pela vitória. de Ponteio.

Não sou pessimista. Apesar de tantos problemas e desassossegos, não penso que o mundo esteja andando para trás. Mas houve coisas que certamente pioraram muito — refiro-me especificamente às artes populares, principalmente o cinema e a música do dia-a-dia. Por exemplo, durante o Festival da Record, cujos resultados mostro abaixo, eu tinha dez anos. Lembro que nós, lá em casa, fazíamos apostas. Minha irmã, em seus adolescentes 15 anos, era uma adoradora — é até hoje — de Edu Lobo, enquanto suas colegas só tinham olhos para Chico Buarque. (Aliás, ela devia ser do contra, tanto que amava George Harrison, não Paul McCartney ou John Lennon). Mas não tergiversemos: o Festival ocorria numa sexta ou sábado à noite e nós víamos o VT dias depois, mas antes da próxima “rodada”, a qual ocorria no fim-de-semana seguinte. Então, lembro de um sábado ou domingo pela manhã que entrei correndo no quarto da Iracema para berrar-lhe que ouvira a novidade no rádio. Na noite anterior, Edu Lobo vencera novamente o Festival da Record. Foi uma das raras vezes que a vi acordar bem-humorada.

O Festival da Record e o FIC mobilizavam o país e o que me deprime é que se tratavam de músicas populares de primeiríssima linha — coisa que não acontece mais hoje, pois popular é a Valesca “Beijinho no Ombro” Popozuda, não Yamandú Costa ou Hamilton de Hollanda ou Mônica Salmaso ou Guinga, por exemplo.

E aí está a apresentação de Edu Lobo defendendo sua composição. Mesmo com o som ruim, mesmo com a gritaria geral, fica clara a irrepetível mistura de ritmos nordestinos com Stravinsky, ídolo maior de Edu. É para se ouvir de joelhos.

Tremenda injustiça sofreu nosso ex-ministro. Gilberto Gil era um rapaz todo redondo e veio com a esplêndida e igualmente original Domingo no Parque, devidamente polida por Rogério Duprat e com a presença irreverente de um trio desconhecido de maluquetes — Os Mutantes. Não fosse Edu, era para ganhar. Era a minha preferida.

Mesmo bonito e com o apoio do público, Chico não poderia fazer nada contra as duas campeãs. As canções adversárias eram obras de exceção. Sobrou um mui digno terceiro lugar para Roda Viva, a absolutamente preferida de meu pai.

http://youtu.be/HRFw5u5wR4c

Caetano Veloso ocupou o quarto lugar com Alegria, Alegria, uma canção que marcou época e deu nome a um time de futebol amador onde eu brinquei algumas vezes: a AAAA (Associação Atlética Alegria Alegria…).

Sérgio Ricardo quebra e lança o violão à platéia, sob vaias.
Sérgio Ricardo quebra e lança o violão à platéia, sob vaias.

Naquele mesmo festival aconteceu um escândalo. Sérgio Ricardo veio com uma música bem ruinzinha e, quando foi reapresentá-la, o público vaiou tanto que ele simplesmente não conseguiu cantá-la novamente. Então, ele gritou, sapateou de raiva e acabou quebrando seu violão no palco. Depois, completou a obra lançando-o à plateia. Concordo que o público foi intolerante para com o artista, mas confesso a vocês que foi lindo de ver!

Por que caímos tanto? Acompanhando de longe a cena do rock e do pop, não vejo uma decadência tão grande fora do país. A música dos franceses sempre foi fraca, mas, quando estava em Londres, ouvia as canções que tocavam nos pubs. Não havia nenhum Led Zeppelin ou Beatles, mas o que ouvíamos eram coisas bem feitas, originais e vivas. Lá há criatividade e potência, por assim dizer. O que aconteceu conosco? Faltam universidades de música popular? O pessoal bom não chega a ser conhecido porque a indústria só se interessa pelo lucro rápido? Os caminhos estão mesmo cortados? A qualidade genética do país simplesmente caiu? Ou trata-se de mais um reflexo da falência de nosso sistema educacional? Sei lá.

Texto de 2010 que cortei, cortei, cortei e corrigi.

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~ Ospa surfa nas ondas das Metamorphosen ~

~ Ospa surfa nas ondas das Metamorphosen ~
Lavard Skou Larsen mandando bala
Lavard Skou Larsen mandando bala. No canto esquerdo, ela (suspiro). Clique para ampliar. | Foto: Augusto Maurer

O concerto de ontem no Auditório Dante Barone tinha contornos um pouco diversos do habitual. Afinal, no pódio estava um grande regente conhecido por suas versões nada rotineiras, um autêntico especialista não apenas em Mozart como em música de câmara. E no programa, tínhamos o que mesmo? A boa Abertura da pequena ópera O Empresário, de Mozart; a Sinfonia Nº 38 “Praga”, do mesmo compositor e as Metamorphosen, de Richard Strauss. Ou seja, tínhamos Mozart e música de câmara, pois as Metamorphosen são uma belíssima peça para 23 integrantes das cordas.

Os ensaios de Lavard Skou Larsen, desde a última quinta-feira com a Ospa, demonstraram duas coisas: (1) o homem conhece como poucos uma orquestra e (2) as cordas responderam a sua boa influência, dando-nos uma versão cheia de musicalidade da obra de Strauss. Conhecia Lavard de gravações e de um notável concerto ocorrido em 2005. O homem é um monstro como solista e regente.

Houve novidades. Quando acabou a Sinfonia “Praga”, ouvi uma pessoa atrás de mim colocar em palavras o que eu estava pensando. O entusiasmo e o som eram outros, melhores. Apesar do que sofre nas mãos do estado, a Ospa não é um grupo desmotivado, mas ontem parecia não somente entusiasmada, mas focada em fazer um Mozart que fosse Mozart. Assim como nas Metamorphosen, houve falhas aqui e ali, mas ouvia-se um conceito trabalhando a favor da música. Não era um Mozart diferente pelo fato de Lavard ser auto-centrado ou de funcionar em faixa própria, era o Mozart de 1786, aquele que se dirigia para as obras mais dramáticas do final de sua vida.

Estranhamente, nesta sinfonia, Mozart não utiliza o clarinete. Outra estranheza é que a Praga possui três movimentos em vez dos tracionais quatro. O primeiro movimento parece uma abertura de ópera, com um tema introdutório lento seguido de um tema rápido. Para mim — além do que falou o cidadão sentado atrás de mim –, a primeira surpresa na “Praga” foi a dantes nunca ouvida batida seca do tímpano. Aquilo anunciava a sonoridade bem diferente do concerto de ontem e o resultado foi um Mozart alguns centímetros mais alto que o habitual. Estávamos longe da caixinha de música na qual alguns maestros escondem as nuances de um compositor que não é apenas leveza, mas ousadia, drama e, sim, sensualidade.

"Ô meu, nada de moleza com esse tímpano!"
“Ô meu, nada de moleza com esse tímpano!” | Foto: Augusto Maurer

Mas o prato principal estava por vir: as Metamorphosen, de Richard Strauss. São 23 instrumentos de cordas: 10 violinos sem a divisão de primeiros e segundos, 5 violas, 5 violoncelos e 3 contrabaixos. É uma música grandiosa, triste e sublime. A instrumentação inicial é rarefeita, camarística, e ganha corpo durante a execução. A obra dá a impressão de um mar de cordas cujas ondas vão se repetindo nunca iguais uma à outra. Como no mar, a onda-tema que vai embora é engolfada novamente pela massa sonora e retorna, formando outra, metamorfoseada. Lavard Skou Larsen tocou o primeiro violino com notável brilhantismo, no que foi seguido pela orquestra. Foi uma interpretação arrepiante que deixou o público hipnotizado e tão tocado que até os aplausos pareciam ter sido ensaiados. Eles começaram apenas uns três segundos após o final, dando tempo para que os músicos saíssem do transe.

A obra, de título provavelmente roubado à Ovídio, tem história um pouquinho menos poética. Alguns historiadores gostam de esconder a verdade, mas é fato indiscutível que a peça chamava-se Réquiem para Munique, consistindo no pranto de um artista que via sua Munique destruída no mês de abril de 1945, data em que pôs a nota final na música. Como Strauss tivera ligações com o nazismo, tal título poderia ser interpretado como uma espécie de Ai que saudades do meu nazismo…  Mas um amigo mais esperto disse que uma composição com aquele nome jamais ia ser interpretada por aí e aconselhou-o a rebatizar a peça de forma mais neutra. Assim, esta obra-prima acabou homônima ao melhor Ovídio.

Para se ter uma ideia da música, coloco o vídeo abaixo para vocês. E, putz, que belo concerto! As pessoas saíram felizes, tendo extraído uma enorme euforia daquele final melancólico. Aliás, este fenômeno é matéria para ser pensada.

(Ah, Lavard, volte sempre. Porto Alegre é uma de tuas cidades e a Ospa é a orquestra de tua estreia como solista, certo? Chegaste na semana passada — fazer o quê? –, já és imprescindível).

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Dona Anna Maria, libera o guri pra nós!

Dona Anna Maria, libera o guri pra nós!

Charge genial!

Mozart sai para tocar

Agradecimentos a Paulo Ben-Hur, que nos repassou a imagem.

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A Sinfonia Nº 1 de Brahms

A Sinfonia Nº 1 de Brahms

Mas voltemos a Brahms. Sei, há Beethoven, Mozart, Bruckner, Mahler e Shostakovich, mas, no meu sentir, esta sinfonia é a melhor que conheço. Brahms era visto como o sucessor de Beethoven e estava muito preocupado em ser digno da tradição sinfônica do mestre. Tão preocupado que preparou sua primeira sinfonia ao longo de mais de 20 anos. Sua composição iniciou-se em 1854 e sua finalização só ocorreu em 1876.

O maestro Hans von Bülow apelidou-a de “A Décima de Beethoven”, o que é apenas uma frase de efeito. Não pretendo desconsiderar que há uma citação da Nona de Beethoven no último movimento, porém os fatos obrigam-me a encarar isto como uma demonstração de gratidão a seu antecessor, ao qual tanto devia – ou, corrigindo, ao qual tanto devemos… Depois de anos e anos como ouvinte, afirmo tranquilamente que, até mais do Beethoven, o que há aqui é Schumann, principalmente na forma inteligente como foram desenvolvidos os elos entre os movimentos que parecem brotar logicamente um do outro. No mais, a Primeira de Brahms é uma derivação autêntica, exclusiva e original do estilo empregado por Brahms em sua música de câmara. Ademais, Brahms – que estreava sua sinfonia 49 anos após a morte de Beethoven – aborda o gênero de forma diversa, dando, por exemplo, extremo cuidado à orquestração e chegando a verdadeiros achados timbrísticos no segundo movimento e na introdução ao tema do último tema: aquele esplêndido solo de trompa, seguido da flauta e do arrepiante trio de trombones. Tais cuidados orquestrais evidentemente não revelam um compositor maior que Beethoven, apenas revelam que o tempo tinha passado, que Brahms já tivera contato com as orquestrações de Rimsky-Korsakov, Berlioz, Wagner, Liszt (os dois últimos eram seus inimigos), que Mahler tinha 16 anos de idade e que a Sinfonia Titan estaria pronta dali a 12 anos…

Em sua primeira sinfonia, Brahms resolveu apresentar todas as suas armas como compositor. A solidez da intrincada estrutura do primeiro movimento (Un poco sostenuto – Allegro) vem diretamente de alguns outros notáveis “primeiros movimentos” de sua música de câmara. Sua complicada estrutura rítmica e aparente rispidez causa certo desconforto a ouvintes mais acostumados a gentilezas. Sua estrutura não é nada beethoveniana, os temas são mostrados logo de cara, sem as lentas introduções nem os motivos curtos e afirmativos de nosso homem de Bonn. Afinal, estamos ouvindo nosso homem de Hamburgo! Se o primeiro movimento demonstra toda a maestria do compositor ao lidar com diversas vozes e linhas rítmicas, o próximo é um arrebatador andante (Andante sostenuto) que parece pretender mostrar “vejam bem: além daquilo que ouviram, eu também faço melodias sublimes”. A melodia levada pelo primeiro violino ao final do andante é belíssima e inesquecível. O terceiro movimento (Un poco Allegretto e grazioso) nos diz que “além daquilo que ouviram, eu também faço scherzi divertidíssimos, viram?”. Claro que não chegamos à alegria demonstrada nos scherzi de Bruckner, porém, para um sujeito contido como Brahms, a terceira parte da sinfonia chega a ser uma galinhagem.

O último movimento é um capítulo à parte. É a música perfeita. Há a já citada introdução de trompas e trombones, mas há principalmente um dos mais belos temas já compostos. No romance Doutor Fausto, de Thomas Mann, o personagem principal Adrian Leverkühn vende sua alma ao demônio em troca da glória e da imortalidade como compositor. Feito o negócio – num dos mais belos capítulos já escritos: o diálogo entre Adrian e o Demônio –, Adrian vai compor e… bem, sai-lhe uma peça muito parecida com o tema a que me refiro. Ele o abandona. Seria este um sinal de Mann, indicando que seu personagem partiria do ponto mais alto existente para a construção de uma obra estupefaciente? Creio que sim, creio que sim, meus queridos sete leitores. Mas, sabem?, não vou gastar meu latim descrevendo o tema que aparece aos 5 minutos do último movimento da sinfonia para ser transformado e retorcido até seu final.

Afinal, ele está aqui. A sinfonia completa está. Sim, neste maravilhoso blog. Trata-se da versão de Claudio Abbado.

Não é música para diletantes leigos como eu. Porém, como a ouço há anos, posso avaliar como deve ser difícil equilibrar a rigidez formal e a imaginação melódica de uma sinfonia que – inteiramente dentro da tradição de contrastes das sinfonias – parece pretender abarcar o mundo, mostrando-se ora imponente, ora delicada; ora jocosa, ora séria.

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