“Graças aos fundamentalistas sou muito rico”: como “A Vida de Brian” se tornou um fenômeno de massa

“Graças aos fundamentalistas sou muito rico”: como “A Vida de Brian” se tornou um fenômeno de massa

Em 1979, A Vida de Brian foi considerado uma blasfêmia. Hoje é um filme de Natal. Mas ainda é uma das comédias mais engraçadas de todos os tempos.

Por Miquel Echarri

“Sinto-me muito grato aos fundamentalistas religiosos”, disse John Cleese em 1999, 20 anos após o lançamento de A Vida de Brian, “graças a eles sou um homem muito rico.” Cleese assume que, pelo menos neste caso, a melhor campanha de marketing foi a hostilidade brutal e impiedosa dos seus detratores. As ações odiosas a que o filme foi submetido acabaram por contribuir substancialmente para o seu enorme sucesso. Acima de tudo, nos Estados Unidos, país que, até ao verão de 1979, resistiu aos planos de domínio mundial do coletivo de comédia do qual Cleese fazia parte, o Monty Python.

Monty Python, durante uma pausa nas filmagens de ‘The Life of Brian’

Já em 1975 tentaram a sorte com o lançamento quase simultâneo em ambos os lados do Atlântico do seu segundo filme, Monty Python em Busca do Cálice Sagrado. No entanto, aos quase dois milhões de libras arrecadadas nas ilhas juntaram-se apenas algumas centenas de milhares de dólares nos Estados Unidos e no Canadá. Álbuns de esboço como The Monty Python Instant Record Collection ou a série de televisão que deu início a tudo, Monty Python’s Flying Circus, não se saíram muito melhor, eram produtos requintados de importação britânica recebidos com certo desdém pelo público americano.

“O verdadeiro inimigo é a Frente de Libertação da Judéia”, diz a Frente de Libertação Judaica. Ou é o contrário?

Mas A Vida de Brian atingiu, talvez sem intenção, a chave para as guerras culturais, tão intensas nos Estados Unidos do final da década de 1970 como são agora. Foi lançado em cinco cinemas em agosto de 1979 e estava programado para ser exibido em cerca de 200 antes de chegar ao Reino Unido em novembro, antes da temporada de Natal. Os primeiros protestos não partiram de grupos cristãos, mas sim da Associação de Rabinos Ortodoxos de Nova Iorque, que se incomodou com o xale de oração (talit) que John Cleese usava na primeira cena do filme, no que consideraram um “uso desrespeitoso” de uma vestimenta cerimonial judaica no contexto de “um espetáculo blasfemo”.

Ligas de decência

Eric Idle recorda que “os rabinos logo desapareceram sem deixar rastros, mas foram substituídos por um inimigo muito mais teimoso”, os fundamentalistas cristãos, “que começaram por manifestar-se junto à sede da Warner Bros. Alegaram que A Vida de Brian era obra do diabo.” Como explica Kliph Nesteroff, autor de três livros dedicados à história da comédia cinematográfica, “os processos de blasfêmia contra produtos audiovisuais muito raramente prosperavam naquela época”, visto que os Estados Unidos, após a convulsão contracultural, estavam passando por um período incomum, de promoção da liberdade e da tolerância. Assim, as ligas da decência e grupos de evangélicos, batistas e católicos decidiram apresentar acusações por suposta obscenidade, aproveitando-se “do fato de que os órgãos genitais de Graham Chapman aparecem na tela por uma fração de segundo”. Com esse truque, eles conseguiram retirar o filme dos cinemas de lugares como o estado da Geórgia ou de várias cidades da Louisiana, Alabama e Carolina do Sul.

Aqueles que protestam e aqueles que cobram

O efeito destas proibições inoportunas e a presença de piquetes violentos nos cinemas de todo o país acabaram por transformar A Vida de Brian num símbolo de liberdade de consciência e num fenômeno de massas. As principais redes de televisão enviaram seus repórteres às salas onde ocorriam protestos e tentativas de boicote, entrevistaram apoiadores e detratores do filme e ecoaram campanhas tão ultrajantes quanto a que propunha “Vamos resgatar Brian, vamos crucificar os censores”.

No final de agosto, os 200 cinemas planejados haviam passado de 700. Impulsionado pela polêmica, A Vida de Brian já estava no pódio das produções britânicas de maior bilheteria da década.

Lembre-se: a pena por pronunciar o nome de Deus é o apedrejamento. Jamais diga: “Este bacalhau é digno do próprio Jeová”.

A entrada na arena de figuras públicas com retórica inflamada, como o senador da Carolina do Sul Strom Thurmond ou o padre presbiteriano William Solomon, contribuiu para que o assunto adquirisse uma dimensão política delirante. Numa carta aberta às autoridades federais dos Estados Unidos, Solomon considerou que as convicções que deram sentido à sua vida estavam a ser “ultrajadas” por um “produto cruel, sarcástico e de baixa qualidade que em nenhuma circunstância pode pretender ser arte.”

Thurmond chegou a exigir que o responsável pela distribuição do filme em seu estado o retirasse “como sinal de boa vontade e respeito pela comunidade cristã, que leva muito a sério a sua religião”. Responderam-lhe que a religião dos promotores culturais “é a liberdade de expressão, e também a levamos muito a sério”.

A gênese de uma obra-prima do sacrilégio

Quatro anos antes, ao promover, também nos Estados Unidos, Monty Python em Busca do Cálice Sagrado, uma comédia sobre o Rei Arthur e sua busca infrutífera pelo Santo Graal, Eric Idle tentou oferecer uma resposta espirituosa a uma pergunta rotineira: “Qual será seu próximo projeto?” “Algo sobre a vida de Jesus de Nazaré. Que tal Jesus Cristo: Luxúria e Glória?”.

Parte da imprensa interpretou a ideia literalmente. Nos meses seguintes, os membros do Monty Python (cinco britânicos, Graham Chapman, John Cleese, Eric Idle, Terry Jones e Michael Palin, e um americano radicado no Reino Unido, Terry Gilliam, que faziam uma comédias juntos desde 1969) se viram respondendo perguntas contínuas sobre como estava evoluindo esse projeto de “comédia bíblica”, que, na realidade, eles nunca haviam se proposto a fazer. “A fogueira cresceu. Cada vez mais criávamos novos detalhes absurdos para continuar alimentando o mal-entendido, algo que fizemos por pura maldade. E chegou um momento em que começamos a pensar em Jesus Cristo: Luxúria e Glória como um projeto viável”, explicou Jones.

Quando se reuniram em Londres, no final de 1976, para discutir que novas iniciativas, ficou claro que a EMI Films, a empresa que produziu os seus dois primeiros filmes, estava mais do que disposta a embarcar num terceiro. “Só precisávamos de uma ideia e começar a trabalhar”, explicou Chapman. Jones sugeriu, por falta de uma ideia melhor, que começassem a trabalhar na “coisa de Jesus Cristo”.

Idle e Gilliam tiveram uma primeira piada que acharam irresistível, uma cena de crucificação em que Jesus de Nazaré cai repetidamente da cruz devido à incompetência dos carpinteiros romanos, incapazes de fabricar um instrumento adequado de tortura. O Messias perdeu a paciência e acabou instruindo-os a como fazer uma cruz.

Aquele esboço de cena, nas palavras de Idle, deu origem a outras semelhantes, mas não a um fio narrativo que pudesse servir de base para um filme. Além disso, no longo processo de brainstorming que se seguiu, os comediantes convenceram-se, como recordou Gilliam, de que Jesus era, essencialmente, “um rapaz bom, que fez e disse coisas de inquestionável bom senso e morreu”. A vida dele não parecia um material adequado a uma paródia…

Você deve sempre olhar para o lado feliz da vida.

Acabaram então optando por uma variante: utilizar o cenário da turbulenta e messiânica Palestina do Novo Testamento, mas esquecendo-se de Jesus. O grupo começou a trabalhar em um roteiro centrado no décimo terceiro discípulo do profeta, um tipo, como Jones o concebeu, “que não aparece na Bíblia porque sempre se atrasava em todos os lugares e perdia todos os milagres”.

Esse foi o primeiro rascunho de Brian. Com o tempo, o personagem que Chapman acabaria interpretando tornou-se não o discípulo disfuncional que eles imaginavam, mas um cara comum, nascido em circunstâncias semelhantes às de Jesus Cristo, e que seria eliminado por um grupo de seguidores particularmente teimosos e pouco receptivos. confundindo, apesar de si mesmo, com o redentor de Israel.

De Barbados à Noruega

O roteiro ficou pronto em janeiro de 1978, após duas semanas de férias em Barbados que o Monty Python aproveitou para dar os retoques finais. Algumas semanas depois, quando estavam prestes a voar para a Tunísia para começar a filmar, Lord Bernie Delfont, CEO e acionista majoritário da EMI Films, leu o roteiro pela primeira vez, alertado por um misterioso alto funcionário da igreja anglicana, que lhe disse que o que tinham em mãos seria um dos filmes mais irresponsáveis ​​e nocivos da história. Delfont não deu muitas explicações. Ele disse que achou o roteiro “atroz” e cancelou o projeto. A EMI não financiaria um ataque frontal desse calibre à religião.

Monty Python em Barbados enquanto escrevia o roteiro de ‘Life of Brian’.

Idle recorreu a um amigo próximo, o beatle George Harrison, e simplesmente pediu-lhe o dinheiro que Delfont acabara de tirar deles. Em Monty Python: The Autobiography of Monty Python, é explicado que Idle se preparou para encher Harrison com argumentos emocionais, começando com o formidável obstáculo ao humor colocado pelo ressurgimento dos fundamentalismos religiosos, o quão conservadores ele estavam tornando as indústrias culturais britânicas ou quão difícil foi obter financiamento para produtos que iam além do óbvio, do modesto e do previsível.

Não foi necessário. Harrison estava animado para se tornar produtor de um filme blasfemo. Solicitou um empréstimo garantido por uma de suas mansões no interior britânico, deu a Idle os dois milhões de libras que pediu (na época, o equivalente a cerca de quatro milhões de dólares) e garantiu-lhe que poderia trabalhar com absoluta liberdade. .

O autor de Something sabia onde estava se metendo. Em 1966, os Beatles se envolveram em uma das controvérsias religiosas mais famosas da história recente, depois que seu colega de banda, John Lennon, disse à jornalista Maureen Cleave, do Evening Standard, que os Beatles eram “mais famosos que Jesus Cristo”. Essa provocação brilhante e infantil deu origem a grotescos atos de boicote durante a subsequente viagem do grupo aos Estados Unidos.

Naquela ocasião, Harrison, o mais discreto dos Beatles, tentou resolver a polêmica com frases que colocaram lenha na fogueira: “Por que eles estão nos acusando de blasfemadores? Se o Cristianismo fosse o movimento humanista e integrador que afirma ser, deveria tolerar divergências e aceitar críticas com maturidade.” Aparentemente, essa ainda era a sua posição em 1978, quando já tinha completado a sua viagem de ida e volta ao hinduísmo, inspirado pelo movimento Hare Krishna.

Palestina, ano zero

Os Pythons não aspiravam serem mais famosos que Jesus Cristo. Na realidade, queriam apenas levar às massas a experiência de ser um homem comum num ambiente excepcional, o da Judeia sob ocupação romana em plena era messiânica . O filme foi rodado sem grandes surpresas. Terry Jones atuou como diretor e Graham Chapman foi a estrela do espetáculo, assumindo o papel principal, o de um dos “sábios” do Oriente e o do malfadado Biggus Dickus. O veterano Kenneth Colley fez uma breve aparição no papel de Jesus, a grande presença ausente do filme.

O produto de seu esforço começou a ser exibido em exibições privadas já em janeiro de 1979, e desses primeiros contatos com o público surgiram sucessivas versões, cada vez mais curtas, mais precisas, com menos piadas e menos personagens, até deixar o filme na sua forma atual. 94 minutos de puro músculo, sem um pingo de gordura.

À medida que a data de estreia se aproximava, a Irlanda e a Noruega foram os primeiros países a antecipar o que estava prestes a acontecer, simplesmente retirando a licença de exibição de Life of Brian. Os Pythons aproveitaram a circunstância para promovê-lo na Suécia com uma frase que acabaria sendo exportada para outros mercados: “Um filme tão engraçado que foi proibido na Noruega”.

Não riam de Bigus Dicus.

A estreia na Austrália e no Reino Unido foi precedida por um curta-metragem intitulado Away for It All que, com narração de John Cleese. Ele fornecia (des)informações delirantes sobre como o filme havia sido criado e incluía frases como: “É difícil acreditar até que ponto esses meninos felizes dedicaram suas vidas à destruição sistemática da civilização ocidental”. Várias cidades da zona rural da Inglaterra aderiram à tendência americana e proibiram a exibição do filme.

A polêmica, apesar de tudo, foi diluída em tempo recorde. Durante o Natal de 1979, A Vida de Brian continuou a ser exibido nos cinemas de todo o mundo, mas não mais despertando atos de rejeição de qualquer espécie. As suas primeiras aparições televisivas, dois anos depois, não geraram confusão, demonstrando assim a tese de John Cleese: “As controvérsias religiosas modernas tendem a ser de curto alcance. Os crentes sentem a necessidade de fazer algo poderoso para Allah ou para Jesus Cristo, mas assim que o fazem, permanecem calmos e continuam com suas vidas.

Uma das anedotas mais curiosas que surgiram da turbulenta estreia desta obra-prima de paródia (e blasfêmia) é pouco lembrada. Kliph Nesteroff explica: “No meio do turbilhão, Michael Palin e John Cleese foram convidados para um programa noturno da BBC2 para participar de um debate com dois interlocutores que fortemente antagônicos ao filme: um pastor anglicano e Malcolm Muggeridge.”

Anos antes, Muggeridge tinha publicado um artigo poderoso na Esquire sobre a diminuição dos limites do humor e da liberdade de expressão, no qual lamentava que “estamos a caminhar para um mundo mortalmente sério, no qual já não consideramos permitido rir de quase tudo”. Contudo, em 1979, já tinha abraçado o cristianismo fundamentalista e considerava que “o fim da cultura no Ocidente está a ser acelerado por palhaçadas grotescas como esta, um subproduto da pior espécie que transforma a vida de Jesus numa farsa e a sua crucificação em uma cena de opereta”.

Ouvindo Muggeridge e seu aliado eclesiástico, Palin e Cleese perceberam que ambos estavam se referindo ao personagem Brian como se ele fosse uma representação de Jesus Cristo no filme, e não um simples transeunte que o rebanho de ovelhas confundiu com ele. Eles apontaram: “É um detalhe bastante essencial da trama, certo?” Muggeridge e o ministro anglicano responderam dizendo que “é claro” que não tinham visto o filme. Ou, pelo menos, não inteiramente. Cleese lançou-lhes um olhar de infinito desprezo. E disse-lhes: “Não há mais perguntas, meritíssimo”.

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Rubber Soul

Rubber Soul

Este é o melhor álbum dos Beatles? Não sei. Sei que é o que ouço com maior prazer. Há poucas alegrias maiores do que colocar o vinil de Rubber Soul no toca-discos e observar, na maior expectativa, o disco girar até ouvir os acordes iniciais de Drive My Car. É sempre uma pequena implosão de alegria. Faço isso há 50 anos com o mesmo vinil, ainda em perfeito estado.

Mais uma vez, é um álbum de turning point e, para mim, esses são quase sempre os melhores. A lente grande angular ‘olho de peixe’ da capa pressagia a psicodelia que se aproximava.

É esclarecedor que George Harrison, o guitarrista principal, tenha dito que Rubber Soul e Revolver eram um retrato de 1965/66. Isso foi na época em que os Beatles foram forçados a parar de fazer turnês devido à histeria incontrolável e ao caos dos fãs. Hesito em dizer isso, mas um problema para as equipes de limpeza daqueles shows era o de limpar a urina dos assentos, tal era a liberação frenética e descontrolada de emoção. Era 4 caras engraçados, carismáticos — quiçá bonitos — e musicalmente talentosos. O mundo inteiro estava fascinado. Naqueles dias, apenas visitar a América era um distintivo de honra para os britânicos e, quando os Beatles chegaram aos EUA, foi um vendaval de amor e loucura.

Rubber Soul é um álbum de 1965, uma continuação da trilha sonora de Help. Muitos críticos postulam que o álbum Help foi o álbum mais fraco dos Beatles. Eu concordo. E também concordo que ninguém estava preparado para a inventividade e musicalidade do Rubber Soul.

Grande parte da obra vem de Paul McCartney, o músico mais motivado e talentoso de todos. Mas ele não era o líder. A alma dos Beatles era John Lennon, seu contraponto perfeito — mas este é tanto um álbum de Lennon quanto de McCartney; provavelmente o último em que a musicalidade e inventividade melódica de Lennon realmente brilham.

Rubber Soul usa os gêneros musicais mais tradicionais no rock do que qualquer outro álbum. As pessoas apontam que os Beatles estavam imitando o som de guitarra que os Byrds deram a Mr. Tambourine Man de Dylan. Isso é verdade, mas, como sempre, os Beatles não apenas superaram a concorrência, eles a destruíram.

A abertura é Drive My Car. O solo de guitarra é fluido e fácil. George Harrison era um guitarrista de bom gosto que lutava para conseguir um lugar no grupo como compositor. Aqui, ele recebeu duas faixas do álbum… Só que tinha a (in)felicidade de ser o substituto da maior parceria de composição de todos os tempos. Para Rubber Soul, ele escreveu maravilhosa Think For Yourself. Harrison mais tarde comprovaria sua qualidade com Something, While My Guitar Gently Weeps, Here Comes The Sun, etc. e tem o álbum solo mais vendido após a dissolução dos Beatles, All Things Must Pass. No LP seguinte, ele escreveria Taxman com um extraordinário solo de guitarra, que abre Revolver.

Drive My Car é algo. Oasis, Blur e inúmeros outros artistas do britpop copiaram o modelo Taxman e Drive My Car. The Jam fez isso descaradamente em Start. Noel Gallagher foi ainda mais descarado em copiar motivos dos Beatles. Os Stone Roses foram uma das bandas musicalmente mais bem sucedidas e convincentes do final dos anos oitenta, e também fortemente influenciadas pelos Beatles. Eles pegaram essas ideias e as tornaram suas em seu debut. A canção é ótima e apenas compositores de vanguarda como Stockhausen, Cage e Boulez usaram loops de fita de trás para frente, mas George Martin e os Beatles os introduziram na música pop em Drive My Car. O solo de George em Tomorrow Never Knows do Revolver leva isso a um patamar ainda mais alto.

Depois vem Norwegian Wood e Nowhere Man, ambas de Lennon. Qualquer vocalista sabe como é difícil sustentar uma harmonia de três partes com dois outros ao longo de um minuto, quanto mais três. Mas Nowhere Man soa sem esforço. Norwegian Wood é lírica, inventiva e inesperada. Os Beatles estavam agora traduzindo suas aventuras e relacionamentos pessoais em experimentações iniciais de art-rock. Tipicamente Lennon. Suas letras começam a fazer monólogos.

Entre estas duas está um típico e bom McCartney. You Won´t See Me foi um merecido sucesso da época. Difícil não dançar ouvindo esta canção.

Think For Yourself é uma joia de Harrison com uma guitarra que faz, por todo o tempo, uma segunda melodia. Acho que se ouvirmos apenas a guitarra, a canção já será muito interessante. É um belo cartão apresentado por George a Paul e John. “George Harrison, compositor”.

The Word, de Paul, não chega a ser tudo aquilo, mas não compromete, só que é seguida pela obra-prima que é…

Michelle, também de Paul, vem da tradição da canção francesa. Era uma coisa absolutamente inédita, uma prova do esforço sem esforço de McCartney, pulando de gênero em gênero, bem como sua invenção melódica e harmônica.

What Goes On é um excelente rock escrito por Lennon, McCartney e, sim, Ringo Starr, que faz o vocal com grande competência. Todo mundo cantava bem nos Beatles. Era um assombro.

Girl é outro exemplo de harmonias de três partes. É uma bela melodia. Este álbum representa os períodos finais em que Lennon e McCartney escreveriam juntos. Na verdade, cerca de metade das músicas foram escritas por um ou outro por conta própria. No entanto, aqui, a fusão criativa cumulativa ainda brilha.

I’m Looking Through You é um golaço de Paul McCartney. Melodia grudenta de primeira linha.

In My Life é possivelmente uma das músicas mais tocantes e emocionantes dos Beatles de todas. É uma música de Lennon e você pode ouvi-la compartilhando abertamente seus sentimentos sobre um passado trágico. Sua mãe Julia sendo atropelada na frente de seus olhos, sua alma gêmea da escola de arte Stuart Sutcliffe morrendo aos vinte e poucos anos em Hamburgo, onde os Beatles aprimoraram seu ofício em bares decadentes de Reeperbahn.

Paul McCartney, como admitiu abertamente, teve muita sorte em muitos aspectos. Ele teve uma educação estável. Um pai músico e uma mãe amorosa, Mary, que morreu quando Paul tinha 14 anos, a Mother Mary de Let It Be.

John Lennon teve tudo menos uma adolescência fácil. Eu acredito que foi através de suas criações e circunstâncias radicalmente diferentes que eles se uniram.

Musicalmente, In My Life contém um solo de piano com ares barrocos e um acompanhamento de baixo solo executado com grande elegância. Grande parte disso se deve à sensibilidade clássica do produtor George Martin. Ele também traz isso à tona no acompanhamento do quarteto de cordas de Eleanor Rigby de Revolver.

Wait fica no nível de The Word.

If I Needed Someone é mais um pontapé de Harrison na porta de Lennon & McCartney. E que pontapé! Uma melodia longa e inventiva dentro de um arcabouço originalíssimo. As vozes do trio estão sensacionais nesta que é uma das melhores faixas do disco.

Run For Your Life é um rock sensacional de Lennon. Mas aqui temos problemas na letra machista que o próprio Lennon renegou depois. “Well, I’d rather see you dead, little girl / Than to be with another man” (“Bem, eu prefiro ver você morta, garota / a te ver com outro homem”). Isso é inaceitável há décadas, meu caros, mas em 1965 até passava. Que baita música!

Depois de Revolver, o público não conseguia entender o que havia acontecido com os Beatles. Por que a demora em lançar um novo disco? Por que mais de sete meses entre Revolver e Pepper? Hoje em dia, nomes como Coldplay são considerados prolíficos quando lançam um álbum a cada dois anos. Os Beatles se renovavam consistentemente a cada seis meses.

Este é o meu álbum favorito dos Beatles porque nunca uma banda compôs uma música tão atemporal de forma tão convincente. Nunca haverá outra banda para tocá-los. Nem no passado, nem no presente, nem no futuro. Centenas de anos depois, os ouvintes atestarão isso — disso não tenho dúvidas.

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And I`m 64, birthday greetings, bottle of wine

And I`m 64, birthday greetings, bottle of wine

Então, neste dia 19 faço 64 anos. Estou perdendo cabelos como diz a canção dos Beatles, mas posso dizer que sou bem ativo e que até está saindo um livro meu. Estou lendo peças de Tchékhov onde todo mundo se considera velho aos 40, mas eu não. Estou vendo os meus amigos se aposentarem, mas eu nem penso nisso e nem fui à Previdência para ver se já posso fazer o mesmo. Gosto de trabalhar. Vou aguardar os 65.

Acho que fiz e faço bastante coisa. Fui por anos técnico de TI — larguei quando me neguei a pagar propina e a estatal administrada por um partido de direita processou a empresa onde trabalhava, aniquilando-a –, fui jornalista quando a profissão estava em decadência e agora sou livreiro. Como veem, atraio crises, contudo isto apenas ocorre no âmbito profissional.

Dinheiro tenho pouco, não tenho imóvel nem carro, só a livraria e um monte de coisas que enfiei dentro da cabeça, principalmente histórias, livros, músicas e filmes. Nunca tive por objetivo de acumular patrimônio, o que provavelmente tenha sido um erro.

Desgraça nenhuma. Sou feliz de forma quase indecente. Tenho amigos por todo o lado e alguns deles dizem que nunca lhes apresentei pessoas que não fossem absolutamente legais. E, fundamentalmente, tenho dois filhos maravilhosos e uma mulher que nem lhes conto. A Elena diz que sou alegre por culpa da infância feliz e cercada de carinho que tive. Bah, acho que tive muita sorte até aqui.

Também não reclamo do corpo. Tudo ainda funciona mais ou menos bem — consigo correr 6 Km em menos de 40 minutos, tá bom?

Espero seguir com a Bamboletras — a Amazon do foguete de piroca que não nos mate — e quero continuar me divertindo e não prejudicando ninguém. Minha vida não é silenciosa, aliás, é bem barulhenta e agitada, mas é boa. É isso, tenho 64 e hoje vou ouvir a faixa 2 do labo B do Sgt. Pepper`s pensando que comprei o disco (LP) nos anos 70 e muito conjeturei sobre o motivo pelo qual Paul McCartney escrevera uma letra sobre uma idade tão longínqua.

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O encontro de Drummond com os Beatles

O encontro de Drummond com os Beatles

Em tempos pré-internéticos, não era possível simplesmente jogar o nome de uma música estrangeira no google para ficar sabendo qual era a tradução. Então, só havia duas opções: ou traduzia por conta própria ou então torcia para sua música favorita aparecer traduzida em alguma publicação.

Em março de 1969, os beatlemaníacos brasileiros devem ter feito a festa quando viram a matéria especial sobre o livro-biografia da banda, escrito por Hunter Davies, da antiga revista “Realidade”. Isso porque, seis canções do maior grupo de todos os tempos vieram escritas em português ilustrando o texto jornalístico. Versões criadas por ninguém menos que Carlos Drummond de Andrade, um dos poetas brasileiros mais renomados no mundo.
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O poeta mais ilustre de Itabira traduziu cinco músicas dos Beatles, todas presentes no “White Album”: Ob-la-di, Ob-la-da, Piggies, Why we don’t do it in the road?, I will, Blackbird e Happiness is a warm gun. As versões foram feitas em tradução livre e alguns versos acabaram saindo bem engraçados.


OBLADI, OBLADA
(Paul McCartney – John Lennon. Tradução de Carlos Drummond de Andrade)

Desmond tem um carrinho na Praça do Mercado.
Molly vocaliza num conjunto.
Desmond diz a Molly: Por teu rosto sou vidrado
Molly diz-lhe: O quê? E pega-lhe na mão.
Obladi, obladá, a vida continua: olá,
olalá, como a vida continua!
Obladi, obladá, a vida continua… Olá,
olalá, como a vida continua!
Desmond toma o ônibus, vai à joalheria
compra anel de ouro de ofuscar
e leva-o a Molly, que espera junto à porta.
De anel no dedo, eis Molly a cantar.

Em um par de anos terão construído
um lar bacana doce que nem cana.
Um par de garotos corre pelo pátio
desse casal unido.

Olha Desmond feliz na Praça do Mercado.
Ao lado, os molequinhos ajudando.
Molly ficou em casa se enfeitando
e à noite ainda canta no conjunto.

Olha Molly feliz na Praça do Mercado.
Ao lado, os molequinhos ajudando.
Desmond ficou em casa se enfeitando
e à noite ela ainda canta no conjunto.
E se querem se divertir, obladi, obladá!

PORCOS
(George Harrison. Tradução de Carlos Drummond de Andrade)
Viste os porquinhos
rebolando na imundície?
Para todos os porquinhos
a vida está cada vez mais difícil
e brincam sempre na sujeira por aí.
Viste os mais taludos porquinhos
em suas engomadas, alvíssimas camisas?
Olha os mais taludos porquinhos
em algazarra na imundície
com camisas alvíssimas a folgar por aí.

Em seus chiqueiros, plenamente protegidos,
ao que vai por aí nem ligam.
Nos olhos deles falta uma coisinha:
precisam mesmo é de suma porcaria.

Por toda parte há muitos porquinhos
vivendo suas porquinhas vidas.
Podes vê-los para o jantar saindo
com suas porquinhas mulherinhas
de garfo e faquinha para comer presunto.

E POR QUE NÃO AQUI NA ESTRADA?
(Paul McCartney – John Lennon. Tradução de Carlos Drummond de Andrade)
E por que não aqui na estrada?
Não há ninguém para ver nada
E por que não aqui na estrada?

FAREI TUDO
(Paul McCartney – John Lennon. Tradução de Carlos Drummond de Andrade)
Desde sempre te amei
e bem sabes que ainda te amo.
Devo esperar toda a vida?
Se quiseres – esperarei.
Se alguma vez te vi
nem sequer teu nome escutei.
Mas isso não faz diferença:
sempre a mesma coisa sentirei.

Eu te amarei por todo o sempre, sempre,
desde a raiz do meu coração
e te amarei quando estivermos juntos
e te amarei na solidão.

Quando finalmente te encontrar
tua canção envolverá o espaço.
Canta bem alto, para eu escutar.
Tudo farei para te dar o braço
pois tudo em ti me prende a mim.
Bem sabes que farei tudo
Tudo farei.

MELRO
(Paul McCartney – John Lennon. Tradução de Carlos Drummond de Andrade)
Melro que cantas no morrer da noite,
com estas asas rotas aprende teu voo
A vida toda
esperaste a hora e a vez de teu voo.
Melro que cantas no morrer da noite,
com estes olhos fundos aprende a ver
A vida toda
esperaste a hora e a vez de ser livre.

Voa, melro, voa, melro,
para o clarão da escura noite.

Voa, melro, voa, melro,
para o clarão da escura noite.

Melro que cantas no morrer da noite,
com estas asas rotas aprende teu voo
A vida toda
esperaste a hora e a vez de teu voo
esperaste a hora e a vez de teu voo
esperaste a hora e a vez de teu voo.

A FELICIDADE É UM REVÓLVER QUENTE
(John Lennon – Paul McCartney. Tradução de Carlos Drummond de Andrade)

Até que essa garota não erra muito
oi oi oi oi oi oi oi oi
Acostumou-se ao roçar da mão-de-veludo
como lagartixa na vidraça.

O cara da multidão, com espelhos multicores
sobre seus sapatões ferrados
descansa os olhos enquanto as mãos se ocupam
no trabalho de horas extraordinárias
com a saponácea impressão de sua mulher
que ele papou e doou ao Depósito Público.

Preciso de justa-causa porque vou rolando para baixo
para baixo, para os pedaços que deixei na cidade-alta,
preciso de justa-causa porque vou rolando para baixo

Madre Superiora dispara o revólver
Madre Superiora dispara o revólver
Madre Superiora dispara o revólver

A felicidade é um revólver quente
A felicidade é um revólver quente
Quando te pego nos braços
e meus dedos sinto em teu gatilho,
ninguém mais pode com a gente,
pois a felicidade é um revólver quente, lá isso é.

Fonte: Outros 300

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Se não tivesse cruzado com Mark Chapman, provavelmente John Lennon faria 80 anos hoje

Se não tivesse cruzado com Mark Chapman, provavelmente John Lennon faria 80 anos hoje

Hoje, John Lennon faria 80 anos.

Desnecessário explicar que John Winston Ono Lennon (Liverpool, 9 de outubro de 1940 – Nova Iorque, 8 de dezembro de 1980) foi cantor, compositor e que fundou, com outros rapazes de Liverpool, os Beatles, a banda de maior sucesso da história da música popular. Não preciso dizer que sua parceria com o  colega de banda Paul McCartney foi uma das mais célebres da história da música. Também todo mundo sabe que os outros beatles eram George Harrison e Ringo Starr. E é de conhecimento geral que ele seguiu carreira solo após a separação dos Beatles em abril de 1970.

Menos gente sabe que foi ele quem, em 1956, formou sua primeira banda, The Quarrymen, e que esta foi a origem da criação dos Beatles em 1960. Inicialmente ele era o líder de fato do grupo, porém depois passou a dividir o posto com McCartney. Lennon se caracterizou pela natureza rebelde e sagaz de sua música e letras.  No auge de sua fama, na década de 1960, ele publicou dois livros: In His Own Write e A Spaniard in the Works, ambos coletâneas de escritos meio sem sentido e desenhos rabiscados. Começando por All You Need Is Love e seguindo por várias outras como Imagine e Happy Xmas, suas canções foram adotadas como hinos pelo movimento pacifista e pela contracultura da época.

Após mudar-se para Nova Iorque em 1971, suas críticas frequentes e contundentes contra a Guerra do Vietnã resultou em uma longa tentativa do governo Richard Nixon de deportá-lo. Em 1975, Lennon se retirou da indústria musical para cuidar de seu segundo filho, Sean, e em 1980 retornou com o álbum Double Fantasy. Ele foi assassinado em frente à sua casa em Manhattan por Mark David Chapman, um fã dos Beatles, três semanas após o lançamento de seu último álbum.

Como intérprete, compositor ou colaborador, Lennon teve 25 canções na primeira posição da Billboard. Double Fantasy, seu álbum solo mais vendido, venceu o Grammy para Álbum do Ano logo após sua morte. Em 1982, o Brit Award de Contribuição Excepcional à Música foi dado a ele postumamente. Em 2002, Lennon foi eleito o oitavo maior britânico de todos os tempos pela British Broadcasting Corporation. A revista Rolling Stone o elegeu o quinto melhor cantor da história e o incluiu na lista dos cem maiores artistas de todos os tempos. Em 1987, ele foi introduzido no Songwriters Hall of Fame. Lennon ainda entrou no Rock and Roll Hall of Fame duas vezes: como membro dos Beatles em 1988 e como artista solo em 1994.

A célebre foto que Annie Leibovitz tirou de John Lennon e Yoko Ono para a Rolling Stone

Vamos começar pelo fim. Eram 23h do dia 8 de dezembro de 1980. John Lennon e sua mulher Yoko Ono voltavam para o apartamento do casal no luxuoso Edifício Dakota e isto era justamente uma das coisas que Mark Chapman não suportava. Afinal, Lennon cantara em Imagine um mundo sem posses e lá estava ele, entrando em sua casa, localizada num dos endereços mais valiosos de Nova Iorque. Era uma flagrante incoerência. Outra coisa que Chapman não podia admitir eram as muitas alusões religiosas de Lennon, nas entrevistas e nas canções.

Cristão, Chapman se irritara com a frase proferida por Lennon ainda na primeira fase dos Beatles: “Somos mais populares que Jesus Cristo”. Irritou-se ainda mais com o clássico Imagine, onde Lennon cantava que nem céu nem inferno existiam e com God, do primeiro disco pós-Beatles, onde Lennon dizia que “Deus é um conceito através do qual medimos nossa dor”. Não obstante a irreligiosidade, Lennon parecia muito feliz com sua Yoko e ainda era muito rico. Aquilo era demais para Chapman, uma pessoa que ouvia vozes e recebia ordens do além.

Uma das últimas fotos de John Lennon vivo, feita pelo fotógrafo amador Paul Goresh, exibe Lennon autografando o álbum Double Fantasy para seu futuro assassino. | Foto: Paul Goresh

Chapman tinha 25 anos e uma relação confusa com seu maior ídolo. Ao final da tarde daquele mesmo dia, ele, junto com outros fãs, encontrara-se com Lennon e pedira-lhe um autógrafo em seu último LP, Double Fantasy. Lennon autografara a capa do vinil. Às 23h, antes de efetuar cinco disparos contra o ex-beatle, ele gritara “Mr. Lennon!”. Errou o primeiro tiro, mas os outros quatro atingiram Lennon. Um deles acertou a aorta – artéria mais importante do corpo humano. John Lennon caiu e começou a perder rapidamente sangue. O porteiro do Dakota desarmou facilmente Chapman e perguntou: “Você sabe o que fez?”. A resposta foi tão simples quanto a pergunta: “Sim, eu atirei em John Lennon”. Então, o assassino de Lennon sentou-se na calçada e esperou pela polícia.

O corpo foi cremado dois dias depois. A viúva Yoko Ono nunca fez um funeral. Mark Chapman foi condenado à prisão perpétua, com possibilidade de liberdade condicional após 20 anos, isto é no ano 2000. Porém, o benefício foi-lhe negado sete vezes – uma vez a cada dois anos, desde 2000. Em todas as oportunidades, Yoko interpôs-se alegando que sua vida, a de seus filhos e até a de Chapman correriam riscos.

John com sua mãe Julia: aulas com uma péssima tocadora de banjo

Naquela calçada de Nova Iorque, acabava a carreira de um dos músicos mais importantes do século XX e tornava impossível o sonho de muitos fãs dos Beatles: o de um retorno da banda.

Como dissemos acima, John Winston Lennon nasceu em 9 de outubro de 1940. O nome John foi uma homenagem ao avô paterno e o Winston era devido ao ex-primeiro ministro inglês Churchill. Seu pai era um certo Alfred Lennon, que trabalhava na marinha mercante durante a Segunda Guerra Mundial e mandava dinheiro para sua mãe Julia e para o pequeno John, que viviam em Liverpool. O dinheiro deixou de vir quando Alf desertou. John foi criado mais pela rigorosa tia Mimi do que por Julia. Esta desafiava as convenções de que sua irmã Mimi era escrava. Adorava uma plateia e encontrou em John e seus amigos um excelente público. Ela cantava e tocava banjo. Porém, havia o outro lado. Tia Mimi condenava a postura de adolescente rebelde de John e, talvez para afrontá-la, Julia deu a seu menino o primeiro violão, ensinando-lhe os poucos acordes que aprendera para o banjo. Julia morreu subitamente. Foi atropelada por um carro em 1958 e não resistiu.

Um violão? Tudo bem, mas você jamais ganhará a vida com ele.
Tia Mimi

Em 1956, aos 16 anos, John Lennon, armado de seu novo instrumento, recrutava colegas de turma para formar os Quarrymen, que seria o início de sua carreira musical. Em 1957, Paul McCartney viu os Quarrymen em ação, mostrou suas habilidades ao líder John e entrou para banda. Em fevereiro de 1958, ocorreu o mesmo com George Harrison. Estava formado núcleo principal daquilo que seriam os Beatles. Dois anos depois, a banda trocou de nome 5 vezes, até chegar a The Beetles (os besouros) em homenagem a The Crickets (os grilos), banda de Buddy Holly. The Beetles mudou para Beatles porque, assim, o nome derivaria tanto de besouros quanto de beat (batida, ritmo).

A primeira foto de Lennon e McCartney: se Paul compõe, melhor fazer o mesmo

Paul McCartney compunha canções. Então John, para não ficar em segundo plano – logo ele, o fundador da banda – , começou a fazer o mesmo. Na verdade, os mais famosos parceiros de todos os tempos – a dupla Lennon & McCartney – , não costumavam reunir-se para trabalharem juntos. As canções eram escritas por um e depois o outro dava seus pitacos. Há uma regra quase infalível para se descobrir de quem é cada música: basta ouvir quem canta. Se Lennon cantar, é dele; o mesmo valendo para Paul McCartney. Este teste serve para demonstrar o quanto eram diferentes. E bons, muito bons.

Uma das poucas canções que tem melodias de ambos é A day in the life, onde a primeira parte é de Lennon e a segunda, mais rápida, de McCartney. Grosso modo, as canções de Lennon são mais rock ´n´ roll e têm letras mais elaboradas, muitas vezes ácidas. Já Paul é um inventor imbatível de melodias. John escreveu, por exemplo, Help, I’m a loser, You’ve got to hide your love away, Nowhere man e Norwegian Wood na primeira fase do grupo. Durante a segunda fase dos Beatles, John mostrou-se também um grande letrista em Lucy in the sky with diamonds, I am the walrus, Revolution, Julia, Happiness is a warm gun, All you need is love, Strawberry Fields Forever, A day in the life e Across the Universe, entre outras.

O fim dos Beatles foi causado pelas diferenças entre Paul e John, apesar de grande parte dos fãs da época preferirem acusar Yoko e Linda, mulher de McCartney, como as causadoras da separação. Os dois casais pareciam caminhar em paralelo, mas acabaram colidindo. Em março de 1969, Paul e Linda se casaram. Oito dias depois, foi a vez de John e Yoko fazerem o mesmo em Gibraltar. Mas o estilo de Lennon era outro. Em vez dos sorrisos e da privacidade escolhidas pelo casal McCartney, John e Yoko foram para o Amsterdam Hilton a fim de protagonizarem um grande happening de protesto. A polícia holandesa se assustou, mas o protesto era bastante pacífico. Eles anunciaram que deixariam o cabelo crescer e que passariam uma semana sobre a cama, “pela paz, contra a violência e o sofrimento do mundo”. Tudo está explicado na canção The ballad of John and Yoko e em  Give peace a chance. (Esta canção, de 1969, marcou o começo de um processo que culminou, em 1972, com a tentativa do presidente norte-americano Richard Nixon de deportá-lo dos Estados Unidos.)  Mas, além das diferentes bodas, havia uma questão financeira.

John queria que os negócios do grupo fossem dirigidos por Allen Klein, um hábil contador norte-americano que já tinha organizado e deixado ainda mais multimilionários os Rolling Stones — retirando dinheiro das gravadoras a fim de depositá-lo na conta de seus clientes. Em contrapartida, Paul desejava que o gerente fosse Lee Eastman, seu sogro, um conhecedor de questões internacionais sobre direitos autorais. Foi uma batalha que acabou com Paul McCartney deixando os Beatles em 1970, o que provocou o fim da banda.

Após o final dos Beatles, John Lennon seguiu gravando excelentes álbuns, como o primeiro, John Lennon and the Plastic Ono Band, e o segundo, Imagine, onde podemos encontrar Working Class Hero, Mother e God, no primeiro, e Jealous Guy e Imagine, no segundo. No último álbum, Double Fantasy, gravado com músicas suas e de Yoko após cinco anos de reclusão, ainda havia uma grande canção, Watching the Wheels.  Neste disco, em (Just Like) Starting Over, John faz referências à sua volta. Esta canção e Woman atingiram o primeiro lugar nas paradas de sucesso norte-americanas e inglesas, impulsionadas pelo tiro desferido por Mark Chapman. Após ter carregado por toda a vida a mágoa de ter convivido muito pouco com a mãe, John deixou sua carreira paralisada por cinco anos a fim de ver seu filho Sean crescer. Porém, de forma simétrica, Sean não teve melhor sorte: tinha cinco anos quando o pai foi assassinado.

.oOo.

— Qual o seu nome?
— Joleno.
— Putz, de onde a tua mãe tirou esse nome?
— Dos Bitus.

.oOo.

John Lennon traduziu angústias masculinas que dizem tanto ao século XXI

Do Pragmatismo Político

John Lennon não foi o melhor músico e — alguns vão objetar, mas subjetividades são sempre subjetividades — tampouco o mais bonito dos Beatles. Talvez até fosse o mais inteligente, o mais experimental, embora os fãs de Paul, de George e mesmo de Ringo sempre tenham lá seus argumentos.

O que não dá para negar é que, nesta sexta-feira do seu aniversário de 80 anos de idade, Lennon sobrevive na memória coletiva como o melhor espelho para o homem desconstruído de 2020 — aquele que foi levado a reavaliar preconceitos, traumas, questões de poder, religião e a própria masculinidade. Com uma vantagem: dessa inquietação, o inglês fez canções que são patrimônio da humanidade.

“E afinal, o que é rock’n’roll? Os óculos do John ou o olhar do Paul?” A troça, feita por Humberto Gessinger e seus Engenheiros do Hawaii na canção “O papa é pop”, põe na mesa a eterna rivalidade, camuflada no interior da parceria Lennon-McCartney, que serve de combustível até hoje para intermináveis conversas de bar (ou melhor, de Zoom, dados os tempos pandêmicos).

John era o beatle sarcástico, cerebral, revoltado, que não se esquivava das polêmicas — um irresponsável capaz de dizer que os Beatles eram mais populares que Jesus Cristo. E Paul, o compositor do sentimento aflorado, que fazia as grandes canções de amor dos Beatles e que entendia como ninguém os anseios do seu público.

No entanto, nos 50 anos passados desde o fim dos Beatles, o público mudou, bem como as sensibilidades. As grandes canções de amor, é verdade, resistem, assim como Paul, que antes da pandemia continuava bem ativo nos maiores palcos do mundo. Mas o “zeitgeist” nervoso do pop de 2020 tem muito mais a ver com John, um artista que não se acanhou em transformar a terapia em arte, abrindo a alma diante do que a vida trazia para ele, fossem separações, crenças, mágoas, posições políticas, o mal-estar com si mesmo ou o pesadelo após o fim da lua-de-mel com as drogas.

“A única razão pela qual faço música e sou uma estrela é que aqui posso dar vazão às minhas repressões”, disse certa vez.

Sexo, raiva e ativismo

Ainda com os Beatles, Lennon pediu socorro ante o turbilhão de fama que o engolira (“Help!”) e falou de depressão (“You’ve got to hide your love away”), de infidelidade (“Norwegian wood (this bird has flown)”) e do incontrolável desejo sexual (“I want you (she’s so heavy)”). Em carreira solo, expôs sua raiva em relação a McCartney (“How do you sleep?”), mandou o povo ocupar as ruas (“Power to the people”) e, inspirado pela teoria do grito primal do psiquiatra Arthur Janov, exorcizou a perda da mãe, quando criança, em “Mother” — a intensa faixa de abertura de seu primeiro álbum pós-Beatles.

Aos poucos, Lennon repensou sua atitude abusiva de homem inglês de sua época (“Eu costumava ser cruel com minha mulher, e fisicamente — com qualquer mulher”, admitiu) e, a partir do romance com Yoko Ono, o feminino passou a ter centralidade em sua obra. Ele não apenas defendeu Yoko diante dos outros beatles e dividiu discos com ela, mas de forma absolutamente franca falou de seus erros nessa relação (em “Jealous guy”) e na que teve com a ex-mulher, Cynthia.

Depois de um tempo conturbado de separação de Yoko e muita farra (o “lost weekend”), em 1975 John tomou a decisão de interromper a carreira para, junto da mulher, cuidar do filho Sean — o que não conseguira fazer com Julian, filho que teve com Cynthia no começo do sucesso dos Beatles. E, pouco antes de ser assassinado na porta de casa, em 8 de dezembro de 1980, deixou a canção “Woman”, para Yoko.

Quando propunha um mundo sem religiões, em “Imagine”, John Lennon já considerava Deus “um conceito pelo qual medimos a nossa dor” (na letra da canção “God”). Era a expressão madura de um artista que, anos antes, quando os Beatles foram à Índia, ousara questionar o guru Maharishi Yogi e que conseguiu transformar indagações sobre a existência em um hit de rádio (“Whatever gets you thru the night”, em 1974). Com a postura que tem muito a ver com o niilismo dos tempos atuais, Lennon já dizia nos 70: “Não consigo te acordar, você pode se acordar. Não posso te curar, você pode se curar”

Um dos poucos artistas do rock de sua época cujo ativismo político foi consistente — do bed-in com Yoko (contra a Guerra do Vietnã) e o apoio aos Panteras Negras às críticas sociais de “Working class hero” —, Lennon pagou o preço. Se hoje as pessoas reclamam da vigilância eletrônica sobre suas opiniões, há que se lembrar que, nos anos 70, o beatle duramente foi investigado pelo FBI por suas posições antimilitaristas e esquerdistas. E esteve, durante anos, sob a ameaça de ser deportado dos EUA — como tantos imigrantes por lá hoje.

Pode-se tentar imaginar o que John Lennon estaria fazendo e pensando aos 80 anos. Talvez admirasse os jovens progressistas de 2020, talvez apreciasse as redes sociais — ou tivesse muitas críticas a tudo. Mas pode ser ainda que repetisse o conselho do Lennon fictício, velhinho e anônimo, do filme “Yesterday” (2019), passado numa realidade paralela em que ele e Paul nem chegaram a montar os Beatles: “Diga a verdade a todo mundo que você conhece.”

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A inicial B na música erudita

A inicial B na música erudita

É incrível o número de bons combositores cuja primeira letra do sobrenome é B. Estava bebendo vinho agora e falando pra Elena: Bach, Beethoven, Bartók, Brahms, Bruckner, Biber, Buxtehude, Britten, Borodin, Bowie, BacCartney, Barber, Boulez, Bizet, Brokofiev, Bernstein, Beatles, Berlioz, Bahler, Bozart, Berg, Bussorgsky, Bellini, Bley, Bottesini, Bendelssohn, Joe Bean — autor de Garota de Ibanema –, enfim, são muitos.

Bolfgang Abadeus Bozart (1756-1791)

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Os dez discos que mais me influenciaram

Os dez discos que mais me influenciaram

O Paulo Ben-Hur me convidou para deixar aqui as dez capas dos discos que mais me influenciaram. Só as capas, mas não resisti a fazer comentários. E eles foram crescendo disco a disco…

~ 1 ~

Bem, eu era uma criança quando minha irmã Iracema Gonçalves, em 1965, trouxe isso aqui pra casa. Eu certamente ouvi este disco mais de 500 vezes na minha vida — talvez mais de 1000 — e até hoje meu coração bate mais forte vendo a agulha com o disco girando antes de Harrison iniciar aquele solo de guitarra.

~ 2 ~

O segundo disco que mais me influenciou vem também lá da infância. A eletrola do meu pai ficava, por motivos difíceis de entender, no meu quarto. E ele ouvia muita música. Muita mesmo. Como eu, hoje, ele podia passar horas e horas ouvindo discos, um bem diferente do outro, o que deixava minha mãe louca.

Este era especial porque ele dizia que era algo diferente. Mas como eu saberia que era diferente se não conhecia nada? E ele, que era dentista e pianista amador, me explicava as harmonias, o violão, a batida, a forma de cantar… De tal forma que este é um LP que faz parte de mim. Veio pré-instalado no meu cérebro, o que jamais me incomodou.

E hoje eu sei que ele é absolutamente genial e revolucionário.

~ 3 ~

Esta é uma capa famosa, inspiradora de memes. Meu pai comprou o disco no ano de lançamento, em 1966, e ele rodava sem parar na nossa eletrola. Conheço cada acorde e verso dele.

É o LP de estreia deste cidadão muito admirado. Ouço este disco até hoje com enorme prazer.

~ 4 ~

O quarto disco é o primeiro erudito que comprei em minha vida. Era uma gravação pioneira em instrumentos originais, ainda com um jeitinho romântico, mas já com o som delicado e afinadíssimo que amo.

O Collegium Aureum era cheio de craques como Franzjosef Maier, Hans Martin Linde e Gustav Leonhardt.

Dias antes de comprá -lo, tinha saído do banho molhado, enrolado numa toalha, para perguntar a meu pai que maravilha era aquela que ele estava ouvindo. Era o Concerto de Brandenburgo N° 3 tocado com instrumentos modernos.

Então, dias depois, encontrei a minha maravilha na King’s Discos. Ele também ficou babando.

~ 5 ~

Eu era um adolescente que estava descobrindo Bach quando comprei este disco de Thurston Dart (1921-1971) interpretando as Suítes Francesas de Bach no clavicórdio. Estas Suítes foram escritas para cravo ou clavicórdio, tanto faz.

Eu não sabia, mas Dart não era qualquer um, tanto que foi professor de gente como Michael Nyman, Davitt Moroney, Sir John Eliot Gardiner e Christopher Hogwood. Era um disco estupendo comprado na sorte por um ignorante.

O clavicórdio é um instrumento de teclado onde as cordas são percutidas como as do piano, e não pinçadas como as do cravo. Seu som é o mais leve e intimista dentre os três e as Suítes Francesas de Dart me pareceram a coisa mais próxima a um sussurro que já tinha ouvido. Mas era um sussurro muito belo, engenhoso e astuto.

Na Inglaterra, Dart é o padroeiro dos estudos de interpretação histórica. Toda a geração seguinte reverencia seu nome, e vários livros de interpretação histórica dividem esta área do conhecimento musical entre antes e depois de Thurston Dart. Parece que era uma pessoa realmente inspiradora.

Ouço este LP até hoje com enorme prazer.

~ 6 ~

Esse influenciou mesmo. Foi o disco que abriu as portas da música erudita do século XX para mim.

Quem me levou até Bartók foi Erico Verissimo lá nos anos 70. Num de seus livros — creio que se trata de O Senhor Embaixador –, um personagem diz que os Quartetos de Bartók davam-lhe uma representação tão vívida da Europa nos períodos das Guerras Mundiais que lhe era insuportável ouvi-los.

Como sabia de entrevistas que Erico amava os Quartetos de Bartók, aquilo foi a senha definitiva para que eu os procurasse. Perguntei para o amigo Herbert Caro que gravação deveria comprar e ele respondeu que eu deveria ouvir a do Quarteto Végh. Bem, teria que importar e o fiz. Eram 3 LPs da Astrée Auvidis. Me custaram os olhos da cara e aquela pessoa que SABEMOS QUEM É sumiu com o trio de LPs nos anos 90.

Só que o mundo abriga amigos e amigos e é comum acontecerem coisa mágicas. Há uns 5 anos, o Norberto Flach me ofereceu a gravação do Végh para ouvir. Essa mesmo, a de 1972, a que eu tinha. Eu jamais tinha falado pra ele do roubo nem nada, ele só chegou e colocou num e-mail: “Queres?”. Imaginem o que respondi.

~ 7 ~

Depois eu fui tomado de assalto por Schubert, o homem que conseguia fazer a poesia cantar e a música falar. Poderia colocar aqui o LP de A Morte e a Donzela, ou um de Sonatas (Pollini ou Brendel), ou o Winterreise com Fischer-Dieskau, ou a Fantasia Wanderer (com Pollini, novamente), quem sabe os dois últimos quartetos com o Allegri ou A truta, mas acho que ouvi muito mais este Quinteto que chamava de Quintetão.

É uma peça bastante longa e foi a última composição de câmara de Franz Schubert. Às vezes é chamado de “Quinteto para violoncelo” porque foi escrito para um quarteto de cordas padrão mais um violoncelo extra em vez de duas violas, como é mais comum em quintetos de cordas convencionais. Foi composta em 1828 e concluída dois meses antes da morte do compositor.

O incrível é que a primeira apresentação pública da peça só ocorreu em 1850 e a publicação em 1853.

Vale a pena ouvir mil vezes. O Adágio é algo sobrenatural com suas duas seções externas muito lentas e uma parte central turbulenta.

Sem exageros, penso que quem não conhece esta música ainda não viveu. Simples assim.

~ 8 ~

Uma capa ridícula, um disco de uma gravadora desconhecida em 1982, mas eu queria conhecer a tal Sinfonia Concertante de Mozart. E tive uma surpresa.

Sim, há ‘Don Giovanni’, ‘A Flauta Mágica’, os Concertos para Piano de números mais altos, a Júpiter, a 40, o Concerto para Clarinete, o Divertimento K. 287, é tanta obra-prima que nem sei, etc., porém, dentre os sei lá quantos CDs de Mozart de minha discoteca, escolho esta despretensiosa gravação da Bis sueca. É a que mais gosto, é endorfina pura, me deixa feliz. E nem é pelo extraordinário Concerto para Piano, é muito antes pela interpretação da Sinfonia Concertante para Violino e Viola K. 364. Para meu gosto torto, é meu melhor CD do mestre de Salzburgo.

Em 1988, Peter Greenaway realizou sua obra-prima ‘Afogando em Números’ utilizando o Andante da Sinfonia Concertante, o qual é executado longamente durante as cenas de assassinatos de maridos pelas Cissies do filme. Certamente, Mozart nunca imaginaria tal utilização, mas ficou lindo, perfeito, dentro de um filme virtuosístico tanto pela atuação dos atores como por sua beleza plástica.

Mas nosso assunto é Mozart. Prestem atenção ao primeiro movimento da Sinfonia Concertante, atentem ao momento em que violino e viola entram para fazer seu primeiro solo. Se você não sentir arrepios, a pandemia lhe afetou. Dificilmente haverá um mergulho vertiginoso que seja mais belo.

E num ano desses — antes de 2013 –, a Elena, seu ex e o Alexandre Constantino me deram de presente uma interpretação do Andante da Concertante na casa onde eu morava. Fiquei pasmo.

Este disco está no PQP Bach.

~ 9 ~

Tenho que colocar aqui meu querido Shostakovich. E uma audição da 10ª Sinfonia me deixou tão, digamos, fora de mim, que eu escrevi uma carta para a Rádio da Ufrgs pedindo que eles repetissem a Sinfonia no programa Atendendo o Ouvinte.

Fui atendido e fiquei deitado no sofá de casa tentando entender porque aquilo me contava uma história e qual seria exatamente ela. Pois eu sentia que algo de muito grave estava sendo contado.

Este monumento da arte contemporânea mistura música absoluta, intensidade trágica, humor, ódio mortal, tranquilidade bucólica e paródia. Tem, ademais, uma história bastante particular.

Que é, resumidamente, esta:

Em março de 1953, quando da morte de Stálin, Shostakovich estava proibido de estrear novas obras e a execução das já publicadas estava sob censura, necessitando autorizações especiais para serem apresentadas. Tais autorizações eram, normalmente, negadas. Foi o período em que Shostakovich dedicou-se à música de câmara e a maior prova disto é a distância de oito anos que separa a nona sinfonia desta décima. Esta sinfonia, provavelmente escrita durante o período de censura, além de seus méritos musicais indiscutíveis, é considerada uma vingança contra Stálin.

Primeiramente, ela parece inteiramente desligada de quaisquer dogmas estabelecidos pelo realismo socialista da época. Para afastar-se ainda mais, seu segundo movimento – um estranho no ninho, em completo contraste com o restante da obra – contém exatamente as ousadias sinfônicas que deixaram Shostakovich mal com o regime stalinista.

Não são poucos os comentaristas consideram ser este movimento uma descrição musical de Stálin: breve, absolutamente violento e brutal, enfurecido mesmo. Sua oposição ao restante da obra faz-nos pensar em alguma segunda intenção do compositor. Para completar o estranhamento, o movimento seguinte é pastoral e tranquilo, contendo o maior enigma musical do mestre: a orquestra para, dando espaço para a trompa executar o famoso tema baseado nas notas DSCH (ré, mi bemol, dó e si, em notação alemã) que é assinatura musical de Dmitri SCHostakovich, em grafia alemã.

Para identificá-la, ouça o tema executado a capela pela trompa. Ele é repetido quatro vezes. Ouvindo a sinfonia, chega-nos sempre a certeza de que Shostakovich está dizendo insistentemente: Stalin está morto, Shostakovich, não. O mais notável da décima é o tratamento magistral em torno de temas que se transfiguram constantemente.

Crianças, não ouçam o segundo movimento previamente irritados. Você e sua companhia poderão se machucar.

Ah, e quem eu ouvia? Ora, a Filarmônica de Leningrado sob Mravinsky, que foi o maestro que estreou a obra.

~ 10 ~

Esta é uma gravação que ouvi lá na virada do século e que, para mim, é a melhor desta obra-prima de Bach. Talvez seja a música que mais amo de todas. Sim, muita gente a gravou, os adversários são fortíssimos, mas nada se lhe compara ao que fez Pierre Hantaï. Confiram!

Eu nunca tive insônia. Talvez, em razão de alguma dor ou febre, não tenha dormido repousadamente apenas uns dez dias em minha vida. Não é exagero. Quando me deprimo, durmo mais ainda e acordar é ruim, péssimo. O sono é meu refúgio natural. Mas há pessoas que reclamam (muito) da insônia. Saul Bellow escreveu que ela o teria deixado culto, mas que preferiria ser inculto e ter dormido todas as noites — discordo do grande Bellow, acho que ele deveria ter ficado sempre acordado, escrevendo, vivendo e escrevendo para nós. Também poucos viram Marlene Dietrich adormecida. Kafka era outro, qualquer barulho impedia seu descanso, devia pensar no pai e passava suas noites acordado, amanhecendo daquele jeito após sonhos agitados… Groucho Marx, imaginem, era insone, assim como Alexandre Dumas e Mark Twain. Marilyn Monroe e Van Gogh também sofriam muito.

O Conde Keyserling sofria de insônia e desejava tornar suas noites mais agradáveis. Ele encomendou a Bach, Johann Sebastian Bach, algumas peças que o divertissem durante a noite. Como sempre, Bach fez seu melhor. Pensando que o Conde se apaziguaria com uma obra tranquila e de base harmônica invariável, escreveu uma longa peça formada de uma ária inicial, seguida de trinta variações e finalizada pela repetição da ária. ‘Quod erat demonstrandum’. A recuperação do Conde foi espantosa, tanto que ele chamava a obra de “minhas variações” e, depois de pagar o combinado a Bach, deu-lhe um presente adicional: um cálice de ouro contendo mais cem luíses, também de ouro. Era algo que só receberia um príncipe candidato à mão de uma filha encalhada.

O Conde tinha a seu serviço um menino de quinze anos chamado Johann Gottlieb Goldberg. Goldberg era o melhor aluno de Bach. Foi descrito como “um rapaz esquisito, melancólico e obstinado” que, ao tocar, “escolhia de propósito as peças mais difíceis”. Perfeito! Goldberg era enorme e suas mãos tinham grande abertura. O menino era uma lenda como intérprete e o esperto Conde logo o contratou para acompanhá-lo não somente em sua residência em Dresden como em suas viagens a São Petersburgo, Varsóvia e Postdam. (Esqueci de dizer que o Conde Keyserling era diplomata). Bach, sabendo o intérprete que teria, não facilitou em nada. As Variações Goldberg, apesar de nada agitadas, são, para gáudio do homenageado, dificílimas. Nelas, as dificuldades técnicas e a erudição estão curiosamente associadas ao lúdico, mas podemos inverter de várias formas a frase. Dará no mesmo.

O nome da obra — Variações Goldberg, BWV 988 — é estranho, pois pela primeira vez o homenageado não é quem encomendou a obra, mas seu primeiro intérprete.

Não posso distribuir cálices de ouro por aí, mas talvez devesse dar alguma coisa a Pierre Hantaï, o maior intérprete da obra.

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Direto de Pink Floyd para Bach

Direto de Pink Floyd para Bach

Fui um adolescente tarado por música. Aliás, até hoje sou assim. É claro que ouvia muito Milton, Chico, Caetano, Edu Lobo e outros, mas minha preferência era pelo rock inglês. Grosso modo, meu mundo artístico girava em torno de Beatles, Led Zeppelin, Stones, The Who, Pink Floyd e Deep Purple.

Mas, entre 1973 e 74, entre os 16 e 17 anos, deixei rapidamente o rock de lado e me apaixonei pelos meninos J. S. Bach, Beethoven e Bartók. Eles pareciam ser fontes inesgotáveis, com os quais poderia viver minha vida até o final. Apesar de ouvir — sem exagero — mais uns 400 compositores eruditos, mantenho aquela impressão até hoje. Poderia ficar só com aquele trio. Afinal, há algo melhor do que Bach ou do que os últimos Quartetos de Beethoven e os 6 de Bartók? Não, não há.

Mas derivo. O que desejava dizer é que conheço e sei tudo de rock até 1973. Tenho os vinis da época em bom estado e a Elena, por exemplo, gosta muito de ver rodar meus discos dos Beatles no toca-discos que ainda mantenho. Mas não sei de mais nada do que aconteceu depois de 1974.

Então, neste domingo, a Ospa vai fazer um de seus concertos populares tocando Pink Floyd. Olhei a relação das canções e nada, não conheço porra nenhuma. Só o medley de The Dark Side of the Moon, claro, disco que conheço de verso e reverso. Do resto, nada.

Este foi um corte muito estranho. Após comprar o álbum duplo dos Concertos de Brandenburgo com o Collegium Aureum, tudo mudou e, olha, só segui comprando os discos do Chico (todos), da Mônica Salmaso (todos) um do Queen, um do Prince e outro do Beck.

E sei lá porque estou contando isso procês. Ah, por causa da Ospa.

Tchau.

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O Paul McCartney que esteve no Beira-Rio em outubro do ano passado

O Paul McCartney que esteve no Beira-Rio em outubro do ano passado

Duas semanas após a vinda do The Who, Porto Alegre recebeu outra lenda do rock britânico. Paul McCartney carrega em si a aura de ser o mais importante dos dois sobreviventes do grupo mais que mais influenciou a música popular no século XX, os Beatles. Ao final desta matéria, colocamos a lista de canções que foram tocadas no show. É uma impressionante lista de 39 joias — 2 horas e meia! — e, quando a lemos, lembramos de uma montanha de outras que ficaram de fora. É que McCartney compôs tanto, principalmente entre os anos 60 e 80, que poderia montar vários shows de 39 canções. Foi algo efetivamente  grandioso, pois, assim como não economiza no tamanho dos shows, McCartney faz sempre questão de ser acompanhado por um super time de músicos.

O espetáculo, chamado One on One Tour, começou em abril de 2016 – em maio do ano passado, por exemplo, ele passou sobre as cabeças dos brasileiros para fazer dois shows na Argentina. Desta forma, McCartney e chegaram em plena forma para tocar em Porto Alegre. Afinal, de 5 de julho e 2 de outubro, a trupe fez várias apresentações nos EUA onde interpretou o que se espera deles: clássicos dos Beatles, canções da carreira solo de Paul e também as melhores do Wings. Além do óbvio, tivemos In Spite of All Danger, escrita em 1958, quando ele, John Lennon e George Harrison integravam o grupo The Quarrymen.

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Sir James Paul McCartney nasceu em Liverpool no dia 18 de junho de 1942. Portanto, é um senhor de 76 anos. Cantor, compositor, multi-instrumentista (principalmente baixista), produtor musical, produtor cinematográfico e ativista dos direitos dos animais, formou com John Lennon uma das mais importantes e bem sucedidas parcerias musicais de todos os tempos. Porém, na verdade, eles escreviam as canções individualmente e depois as mostravam um para o outro, o qual propunha ou não alterações. Após o processo, sempre assinavam juntos. É simples reconhecer a autoria original: nos Beatles, Paul era o cantor principal de suas músicas e John das dele. Este esquema nunca foi alterado. Então, por exemplo, como Lennon é a principal voz de Strawberry Fields Forever, a canção é dele, já Eleanor Rigby é de McCartney e assim por diante. Mas há uma exceção: A Day in the Life é uma parceria real.

Após a dissolução dos Beatles em 1970, Paul lançou-se numa carreira solo de sucesso. Fez dois discos solo, depois formou uma banda com sua primeira mulher, Linda McCartney, os Wings, e voltou à carreira solo. Também trabalhou com música clássica, eletrônica e trilhas sonoras.

Em 1979, o Livro Guinness dos Recordes firmou-o como o compositor musical de maior sucesso da história da música mundial de todos os tempos. McCartney teve 29 composições de sua autoria no primeiro lugar das paradas de sucesso dos EUA, vinte das quais junto com os Beatles e o restante em sua carreira solo ou com o Wings.

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Os Beatles tinham três compositores. A coincidência de John Lennon, Paul McCartney e George Harrison terem nascido quase ao mesmo tempo em Liverpool e se tornado amigos na adolescência é notável e, penso, irrepetível. É como se – guardadas as proporções para maior ou menor – Chico Buarque, Caetano Veloso e Milton Nascimento tivessem nascido na mesma cidade, se tornado amigos e trabalhassem juntos desde a juventude, produzindo e competindo dentro de um grupo. E, se acrescentarmos a isto a presença do produtor, arranjador e pianista George Martin desde as primeiras gravações, chegaremos à conclusão de que os caras tiveram muita sorte mesmo. Todo o  resultado está minuciosamente documentado – em som e imagens – podendo ser revivido nesta sexta-feira por este senhor de 76 anos.

Do trio de compositores dos Beatles, Paul era o mais acessível e melodioso; John, o contestador; e George Harrison, o mais “instrumentista” dos três. Em cada disco dos Beatles havia de cinco a seis canções de McCartney, o mesmo número para Lennon e uma ou duas de Harrison.

Ver o documentário Beatles Anthology, datado de meados dos anos 90, é ter contato com uma enorme e incontrolável explosão de juventude, alegria e criatividade. Afeta qualquer um. O imenso livro The Beatles (da Revista Rolling Stone) tem uma apaixonada introdução de Leonard Bernstein (1918-1990). Bernstein é uma figura única, pois além de ter sido um respeitadíssimo regente de orquestra, foi pianista e um consistente compositor de música erudita. Como se não bastasse, escreveu musicais para a Broadway, sendo de sua autoria talvez o melhor deles, West Side Story, que recebeu no Brasil a impecável tradução de Amor, Sublime Amor. O texto que ele escreve é o de um fã e demonstra algumas preferências curiosas. Diz que, em sua opinião, a melhor música do disco Revolver é She said, she said (Lennon). Elogia também Eleanor Rigby (McCartney), Norwergian wood (Lennon), Paperback writer (Lennon), She´s leaving home (McCartney), For no one (McCartney), In my life (Lennon) I Will Follow the Sun (McCartney), Helter skelter (McCartney), Strawberry fields forever (Lennon), The fool on the hill (McCartney), etc. São tantas que poderíamos voltar ao tema das 39 canções do qual já falamos.

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Aos 15 anos, em 1957, McCartney conheceu John Lennon ao assistir ao show de uma banda chamada Quarrymen em Woolton (subúrbio de Liverpool) da qual Lennon era guitarrista. Esta seria a banda que daria origem aos Beatles. A entrada de Paul para a turma se deu após Lennon vê-lo tocando a canção Twenty Flight Rock de Eddie Cochran. Um ano depois, McCartney convenceu Lennon a aceitar George Harrison na banda.

Os Quarrymen mudaram de nome várias vezes até se decidirem por The Beatles. Em 1960, a banda foi pela primeira vez tocar em Hamburgo. Tocavam diariamente por horas e horas em bares. Jim McCartney relutou bastante em deixar seu filho ainda adolescente viajar para a Hamburgo. Em 1961, os Beatles fizeram seus primeiros e célebres shows no Cavern Club.

Após Paul McCartney notar que outras bandas de Liverpool tocavam as mesmos covers que eles, ele e John se intensificaram a criação de canções próprias. 61 foi ainda o ano que eles conheceram Brian Epstein, o empresário que lhes conseguiu um contrato com a EMI Parlophone. Com a assinatura do contrato, Pete, o baterista, foi dispensado e em seu lugar entrou Ringo Starr. Estava formado o Fab Four.

Nos Beatles, McCartney era o que mais escrevia canções românticas. São de sua autoria Yesterday, And I Love Her, Michelle e Here There and Everywhere e muitas mais. A canção Yesterday é a mais regravada por outros artistas em todos os tempos. Embora Paul sempre fosse “acusado” de só escrever baladas, ele também escreveu várias canções com um estilo mais pesado como Back In The USSRHelter Skelter.

Depois que Brian Epstein morreu, em 1967, McCartney e Lennon disputaram asperamente a escolha de um novo empresário para a banda. A morte de Epstein foi o início do fim. Em 1969, McCartney tentou convencer os outros beatles de voltarem a fazer apresentações ao vivo — tinham deixados de fazê-las em 1965 — , intenção que foi negada pelo restante do grupo. Neste mesmo ano, por sua sugestão, os Beatles gravaram o documentário Let It Be pensando que isto os reaproximaria, o que não aconteceu. Em dia 10 de abril de 1970 Paul McCartney anunciou publicamente o fim dos Beatles em entrevista coletiva e lançou de seu primeiro álbum solo, McCartney, onde toca todos os instrumentos. Embora eles já não quisessem mais continuar juntos, a entrevista antecipada e de surpresa gerou mágoas a ponto de ser acusado de traidor por John, George e Ringo.

O lançamento de Let It Be quase um mês depois da declaração oficial do fim dos Beatles deixou Paul insatisfeito. A produção do álbum foi entregue a Phil Spector. Paul ficou irritado com o tratamento que Phil deu a suas canções, principalmente a The Long and Winding Road, vítima de um horrendo arranjo orquestral.

As feridas demoraram a cicatrizar. Lennon negava-se a falar sobre o disco McCartney.

Em 1971, Paul lançou o compacto Another Day, que alcançou enorme sucesso. Ainda no mesmo ano, lançou outro álbum, Ram, onde alfinetava John Lennon na canção Too Many People. John Lennon responderia no álbum Imagine com How Do You Sleep? “The only thing you could make was Yesterday”. O álbum Ram é geralmente considerado como um dos melhores de sua carreira solo, e a canção Uncle Albert/Admiral Halsey foi o maior sucesso comercial do álbum.

Após alguns encontros amistosos, na noite de 9 de dezembro de 1980, McCartney acordou com as notícias do assassinato de John Lennon.

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Depois do disco solo Ram, ainda em 1971, Paul voltaria para formar uma nova banda, os Wings. O primeiro trabalho veio em 1972, Wild Life, também excelente. Em Tomorrow no álbum Wild Life, Paul responde à ironia de Lennon em How do You Sleep? Após Red Rose Speedway, que trazia o mega sucesso My Love, Paul fez a trilha sonora de 007 — Viva e deixe morrer com Live and let die.

O álbum seguinte foi o álbum de maior sucesso da banda, Band on the Run (1974),eleito o disco do ano, apresentando Jet e a faixa-título. Depois houve ainda os excelentes Tug of WarPipes of Peace.  Estes e seus discos seguintes sempre trouxeram uma ou duas canções que se tornariam clássicos.

Em 1991, Paul lança seu primeiro álbum de música clássica, Liverpool Oratorio. Dividindo opiniões de críticos e público, o álbum foi bem recebido comercialmente, mas considerado irregular por parte dos críticos de música clássica. Mesmo assim, o álbum comprovava novamente sua alta qualidade como compositor.

Dentre outros lançamentos, em 1999,  lançou o álbum Run Devil Run, com releituras de clássicos do rock com participações de músicos como David Gilmour (ex-Pink Floyd), Ian Paice (Deep Purple) e Mick Green. É um trabalho sensacional que foi gravado em apenas um dia.

Em maio de 2003, Paul McCartney fez um show no Coliseu de Roma, se tornando o primeiro artista a se apresentar no famoso anfiteatro italiano, e pela primeira vez se apresentou em Moscou, tocando para 100 mil espectadores na Praça Vermelha. Em 2009, segundo a empresa de eventos Concerts West, McCartney tornou-se o recordista mundial em “rapidez de venda de ingressos para um show musical”, ao ter esgotados em apenas sete segundos todos os bilhetes postos à venda para um show em Las Vegas, Estados Unidos. Ele também cantou na cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos Londres 2012. Cobrou uma (1) libra esterlina de cachê.

Em janeiro de 2015, McCartney colaborou com Kanye West e Rihanna no single FourFiveSeconds. Eles lançaram um clipe para a música no mesmo mês e tocaram ao vivo no Grammy Awards de 2015 em fevereiro.

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Finalizando, listamos abaixo a setlist de canções que Paul McCartney cantou em Porto Alegre. O show do Beira-Rio não deve ser muito diferente.

1. A Hard Day’s Night (The Beatles)
2. Save Us (da carreira solo)
3. Can’t Buy Me Love (The Beatles)
4. Letting Go (Wings)
5. Drive My Car (The Beatles)
6. Let Me Roll It (Wings) (With ‘Foxy Lady’ Snippet)
7. I’ve Got a Feeling (The Beatles)
8. My Valentine (da carreira solo)
9. Nineteen Hundred and Eighty-Five (Wings)
10. Maybe I’m Amazed (da carreira solo)
11. I’ve Just Seen a Face (The Beatles)
12. In Spite of All the Danger (The Quarrymen)
13. You Won’t See Me (The Beatles)
14. Love Me Do (The Beatles)
15. And I Love Her (The Beatles)
16. Blackbird (The Beatles)
17. Here Today (da carreira solo)
18. Queenie Eye (da carreira solo)
19. New (da carreira solo)
20. Lady Madonna (The Beatles)
21. FourFiveSeconds (Rihanna and Kanye West and Paul McCartney cover)
22. Eleanor Rigby (The Beatles)
23. I Wanna Be Your Man (The Beatles)
24. Being for the Benefit of Mr. Kite! (The Beatles)
25. Something (The Beatles)
26. A Day in the Life (The Beatles) (With ‘Give Peace a Chance’ Snippet)
27. Ob-La-Di, Ob-La-Da (The Beatles)
28. Band on the Run (Wings)
29. Back in the U.S.S.R. (The Beatles)
30. Let It Be (The Beatles)
31. Live and Let Die (Wings)
32. Hey Jude (The Beatles)

bis:
33. Yesterday (The Beatles)
34. Day Tripper (The Beatles)
35. Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band (Reprise) (The Beatles)
36. Helter Skelter (The Beatles)
37. Golden Slumbers (The Beatles)
38. Carry That Weight (The Beatles)
39. The End (The Beatles)

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The Who, a lenda

The Who, a lenda

Antes do show do Who em Porto Alegre, a emoção era bem identificada e localizada. Os mais desatentos não sabiam bem quem eram aqueles dois senhores sobreviventes de um grupo original de quatro, mas já os que gostam e acompanham o movimento musical sabiam que iam ver verdadeiras lendas. The Who é um grupo realmente único. Pode soar como heavy metal e já foi classificado como tal, mas muitas vezes apresenta um espírito de punk rock com letras sensacionais, porém, você não estará errado se considerá-lo o grupo que faz o rock mais complexo que existe, tirando do jogo os progressivos.

Roger Daltrey e Pete Townshend. The Who em ação | Foto: Site do grupo

Sim, não é fácil classificá-lo. Afinal, The Who tem em seu acervo duas esplêndidas óperas-rock que viraram filmes — Tommy e Quadrophenia — , mas também tem notáveis discos de canções avulsas e o verdadeiro torpedo que é Who`s Next.

The Who surgiu em 1964 na Inglaterra. Sua formação clássica tem Pete Townshend (guitarrista e compositor praticamente único do grupo), Roger Daltrey (vocais), John Entwistle (baixo) e Keith Moon (bateria). O grupo alcançou rapidamente fama internacional em razão da qualidade de sua música e também por fatores extra-musicais. Suas apresentações eram pura energia, era o grupo que se apresentava com o volume de som mais alto de todos e ficou famosa por quebrar seus instrumentos ao final dos shows — especialmente Townshend, cuja destruição de guitarras tornou-se um clichê, e Keith Moon, que costumava mandar sua bateria pelo ares, aos pedaços. Seus primeiros álbuns eram cheios de canções curtas e agressivas, usando principalmente os temas da rebelião juvenil e da confusão sentimental.

The Who em 1964: Townshend, Moon, Daltrey e Entwistle

Para ser mais exato, a origem do Who foi um grupo de jazz do qual participavam Pete Townshend e John Entwistle quando adolescentes, chamado The Confederates. Townshend tocava banjo e Entwistle trompete, embora também estudasse baixo, imaginem. Já o vocalista Roger Daltrey conheceu Entwistle na rua enquanto este caminhava com seu baixo pendurado no ombro. Este convidou-o para um teste no grupo de jazz. Daltrey foi aceito e os três logo saíram do Confederates. Moon foi último a aparecer. Veio através de um anúncio no jornal. Daltrey descreve o teste do genial Moon para entrar na banda: “Foi como se tivessem ligado um motor atrás da gente”.

Em setembro de 1964, na Railway Tavern em Harrow and Wealdstone, Inglaterra, Pete Townshend destruiu sua primeira guitarra. Tocando num palco baixo demais, se mexendo e dançando muito, Pete bateu com o braço da guitarra no teto, o que resultou no descolamento deste do corpo do instrumento. Furioso com as risadas da plateia, Townshend arrebentou a guitarra em pedaços, pegou outra e continuou o concerto. Por conta disso, o público no show seguinte aumentou consideravelmente, mas ele se recusou a destruir outro instrumento. Então foi Keith Moon quem arrebentou sua bateria… A destruição de instrumentos se tornaria um destaque dos shows ao vivo do Who pelos anos seguintes, e o incidente na Railway Tavern acabaria entrando para a lista de “50 Momentos que Mudaram a História do Rock ‘n’ Roll”.

Calma, nada disso ocorreu no Beira-Rio nesta terça-feira (26/09/2017). Mas você viu o windmill (moinho de vento) de Townshend. O windmill é aquele clássico giro de braço que Pete Townshend usa pra tocar guitarra. A lenda diz que seria uma resposta a Jimi Hendrix. “Como ele tacava fogo na guitarra”, brincou o Pete uma vez numa entrevista à Rolling Stone, “eu fazia o moinho de vento pra apagar o fogo”. Só que, tempos depois, no programa de David Letterman, o mesmo Townshend contou que copiou o gesto do Keith Richards, já que o The Who, bem no início da carreira, abrira alguns shows pros Stones. Ele viu Keith fazendo isso no palco e, no dia seguinte, mandou um windmill na abertura. No fim do espetáculo perguntou a Keith se ele tinha gostado da homenagem, mas Keith não lembrava ter ter feito o gesto e comentou: “Aquela hora em que você pegou no pau, no fim da apresentação… Foi pra mim?”.

Todos os integrantes do The Who eram muito diferentes entre si. Sempre brigaram bastante e Pete afirma ainda hoje que jamais um grupo deve se separar enquanto está brigando. “É quando tem mais pegada”. Townshend era o compositor e inovador (embora Entwistle também contribuísse com canções). Pete também era uma central de novidades, enquanto Daltrey preferia ficar só com os rocks agressivos. Moon amava a surf music norte-americana e Entwistle a elegância do jazz. É estranho dizer isso hoje, mas, no começo, Daltrey era considerado o patinho feio do Who. Ele via que estava entre três virtuoses em seus instrumentos e sofria com a silenciosa desaprovação. Achava que seria chutado. Ontem, estava com Pete do Beira-Rio.

O primeiro sucesso retubante veio na estreia do LP My Generation. O álbum trazia canções que se tornariam hinos, como The kids are alright e a faixa-título com o famoso verso I hope I die before I get old (“Eu espero morrer antes de envelhecer”). Outros êxitos seguiram-se com os compactos simples Substitute, I’m a boyHappy Jack (1966), Pictures of Lily, I can see for miles (1967) e Magic bus (1968).

Apesar do grande sucesso alcançado com seus compactos simples, o Who, ou mais especificamente Townshend, queria mudar, achava o modelo esgotado. Ao mesmo tempo que o som da banda evoluía e suas músicas se tornavam mais provocativas e envolventes, Townshend passava a tratar os álbuns do Who como projetos unificados, ao invés de meras coleções de canções desconexas. O primeiro sinal desta ambição surgiu como LP A Quick One (1966), que trazia uma coleção de canções que, reunidas, contavam uma história. A Quick One, While He’s Away foi chamada de “mini-ópera”.

A seguir veio The Who Sell Out (1967), um álbum que pretendia simular a transmissão de uma estação de rádio pirata, incluindo jingles e propagandas.

Nessa época, os ensinamentos de Meher Baba — sim, a cultura dos anos 60 reverenciava os gurus orientais — passaram a exercer influência importante nas composições de Townshend, e essa conjunção de ideias acabaria desaguando em Tommy (1969), sua primeira ópera-rock completa e a primeira a alcançar sucesso comercial, imenso sucesso comercial. O indiano é creditado como “Messias” na contra-capa do álbum Tommy. No mesmo ano, o grupo esteve em Woodstock tocando basicamente Tommy. As canções Pinball Wizard, See me feel me, Go to the mirror e The Acid Queen, entre outras, tornaram-se clássicos.

Em fevereiro de 1970 o Who gravou Live at Leeds (1970), considerado por muitos o melhor álbum ao vivo de rock de todos os tempos, tocando basicamente Tommy… Na verdade, Live at Leeds foi lançado originalmente sem nenhuma canção de Tommy em um LP com apenas 6 músicas — sendo 3 covers, My Generation, Substitute e Magic Bus. Só na segunda edição em CD que todo o show pôde ser ouvido, com a execução da ópera Tommy no segundo disco.

Na época, todos os integrantes da banda — principalmente o autor, Townshend — estavam cheios de tocar Tommy e mais Tommy. O álbum tinha sido considerado o melhor da década de 60 junto com Sgt. Peppers e todos só queriam ouvir Tommy. Pete queria partir para outra e o Who preparou um grande disco sob a produção de Kit Lambert em Nova York.  Só que Lambert, então viciado em heroína, era de pouco auxílio e a banda retornou à Inglaterra para regravar o material com o produtor Glyn Johns. O resultado, Who’s Next (1971), acabaria por ser o trabalho mais aclamado do The Who entre os críticos e fãs.

É difícil destacar alguma coisa em Who’s Next, o álbum mais parece uma coletânea de melhores canções, apesar de não ser. Bastaria dizer que o disco começa com Baba O’Riley e Bargain e acaba com Behind Blue Eyes e Won’t Get Fooled Again, OK?

Após Who’s Next a banda voltaria ao estúdio em maio de 1972. Essas sessões dariam origem a mais uma ópera-rock de Townshend, Quadrophenia (1973), a história de dois dias na vida de um adolescente mod chamado Jimmy, sua luta contra todo gênero de inquietações, mas principalmente sua busca por um lugar na sociedade. Quadrophenia tem o mesmo nível de Who`s Next, é um notável trabalho, daqueles onde a cada audição são descobertos novos detalhes. O Who tocou Love, reign o’er me e Cut my hair nesta terça-feira.

Os álbuns seguintes do Who traziam canções mais pessoais de Townshend, dentro do estilo que ele eventualmente transferia para seus álbuns solo. The Who by Numbers, de 1975, traz diversas canções introspectivas e maravilhosas, como Blue, Red and Grey.

A qualidade do somatório de canções originais do Who são comparáveis ao acervo criado pelos Beatles e Rolling Stones. Se acrescentarmos o Led Zeppelin, com uma produção menor em número, temos aí o quarteto intocável do rock e talvez da música inglesa dos últimos 50 anos. Se o Who inventasse de tocar todas as clássicas do grupo, iam precisar de várias noites.

Em 1978 a banda lançou Who Are You, distanciando-se do estilo épico das óperas rock, enquanto se aproximava do som mais comum das rádios. O lançamento do álbum foi ofuscado pela morte de Keith Moon devido a uma overdose acidental de um remédio prescrito para o combate ao alcoolismo. Kenney Jones, ex-Small Faces, assumiu seu lugar. No ano seguinte, a tragédia voltou a rondar o grupo: no dia 3 de dezembro de 1979 um tumulto no lado de fora do Riverfront Coliseum, em Cincinnati, Ohio, provocou a morte de onze fãs que aguardavam o início de um show. A banda soube do incidente somente após a apresentação.

O último ano de Moon. The Who em 1978: Daltrey, Townshend, Moon e Entwistle

Depois veio o declínio, a separação e o retorno. Lançaram o médio Face Dances em 1981 e o melhor It’s Hard em 1982. Após estes trabalhos, passaram a se reunir apenas para grandes eventos e só lançaram mais um álbum de inéditas, Endless Wire, em 2006.

Porém, após participar do encerramento dos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012, o Who voltou com força total. Pete e Roger anunciaram que uma nova e esperada turnê de Quadrophenia aconteceria. The Who tocou pela Europa em novembro e dezembro e pela América do Norte em janeiro e fevereiro de 2013. A turnê seguiu pela Inglaterra e França.

Hoje, o baterista Zak Starkey — filho do beatle Ringo Starr — substitui Moon à altura, mas nada substitui a inalcançável classe e os solos do baixista John Entwistle, nem o bom Jon Button. E há mais um guitarrista no grupo: Simon, irmão de Pete Townshend.

Foto: Site do The Who

A entrevista de Pete Townshend (72) após o concerto do Rock in Rio foi curiosa. Não é sempre que se ouve um sujeito que diz que se divertiu tocando coisas que escreveu há 50 anos. Mas fazer o quê?, é verdade. Ele parecia um menino solando e regendo sua tremenda banda. E Roger Daltrey, do alto de seus 1,68 m e 73 anos? O timbre áspero e forte permanece, mas às vezes ele falha. Querem saber? Grande coisa!

Para finalizar, ressaltamos que ouvir Won`t get fooled again (Não seremos feitos de trouxas novamente) no país de Michel Temer e Bolsonaro soa pra lá de estranho. Mais estranho ainda é ouvir Daltrey dizer na mesma canção: Meet the new boss, same as the old boss!” (Conheça o novo chefe, igual ao antigo chefe!).

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Há exatos 49 anos…

Há exatos 49 anos…

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No dia 8 de agosto de 1969, esta foi a quarta foto tirada por Iain MacMillan, um amigo de John & Yoko, para a capa de Abbey Road. Eram 11h38 da manhã.

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Hoje, uma importantíssima data na história recente da música: Revolver completa 50 anos

Hoje, uma importantíssima data na história recente da música: Revolver completa 50 anos
A capa de Revolver
A capa de Revolver

É uma escolha que pode variar. Meus discos preferidos dos Beatles são Rubber Soul, O Álbum Branco e Abbey Road, mas Revolver é, sem dúvida, o mais importante do ponto de vista da história do rock. Eu tinha 9 anos e lembro que minha irmã tinha comprado Rubber Soul e que pegara Revolver emprestado de uma amiga. Ambos eram objeto de culto absoluto em minha casa, na Av. João Pessoa, em Porto Alegre. Ignoro como não furaram, de tanto que ouvimos.

Revolver é um divisor de águas na história dos Beatles e do rock. A partir dele, o grupo deixou de se apresentar em público porque as canções não poderiam ser reproduzidas no palco, uma aparente necessidade da época. Era um álbum criado em um estúdio muito bem equipado, com recursos que poderiam ser buscados onde estivessem e o grupo — para nossa sorte — passou a ser escravo da casa de Abbey Road onde gravava, tanto que só fez mais uma apresentação pública até sua dissolução. As gravações envolveram fitas tocadas de trás para diante — como no solo de guitarra de Tomorrow never knows, arrancado de Taxman — orquestra, quarteto de cordas, o extraordinário trompista Alan Civil, etc. Para Revolver, os Beatles alteraram totalmente a forma de compor e George Martin foi atrás. Eu disse atrás, não na frente. Muito da inovação sonora e de estilo das músicas do álbum deve-se ao engenheiro de som Geoff Emerick. Foi dele a ideia de aproximar os microfones aos instrumentos e amplificadores, em especial, à bateria de Ringo, o que produziu um som mais pesado e impactante. A EMI detestou a novidade. A direção da gravadora se reuniu com os músicos, querendo vetar o novo estilo, mais agressivo, porém Paul, falando em nome do grupo, deu um ultimato aos executivos: “De agora em diante, esse é o nosso som. Ou será assim ou simplesmente não será”.

O ecletismo tornou-se uma marca do rock. Vejam o que foi feito depois de Revolver e o que tínhamos antes. O LP lançado na Inglaterra em 5 de agosto de 1966, abriu muitas portas. As letras abandonam o garoto-encontra-garota e falam de impostos, de vidas desperdiçadas, do vazio diário, do sono, da tristeza dos finais das relações e de um certo e altamente lisérgico submarino amarelo. Os arranjos ganharam inédita complexidade, mostrando quem era George Martin, um irreverente erudito.

Como se não bastasse, o álbum mostra a cara de cada um. George ganhou espaço. Colocou três composições suas das quatorze do disco. É sua a obra-prima chamada I want to tell you, canção sobre a frustração de querer dizer algo e não conseguir. Taxman é uma crítica aos impostos cobrados e Love you too traz pela primeira vez as cítaras para o rock. Ele estava cada vez mais envolvido com a cultura indiana e Ravi Shankar. E todos estavam mergulhados nas drogas.

Lennon torna-se o irônico que foi até a morte. Em Tomorrow never knows, exige que sua voz soe como a do dalai lama cantando na montanha, seja lá isso o que for. É uma viagem drogadíssima de três minutos. George Martin que se virasse. Em Tomorrow há as fitas tocadas de trás para diante, oboés dando risadas, uma bateria violentíssima — Ringo parecia alucinado — e uma letra sensacional. E o que dizer das deliciosas Dr. Robert e She said she said? A primeira era uma alusão ao fornecedor de drogas do grupo, ali chamado de doutor Robert. E diz:

Ring my friend, I said you call Doctor Robert
Day or night he’ll be there any time at all, Doctor Robert
Doctor Robert, you’re a new and better man
He helps you to understand
He does everything he can, Doctor Robert

(…)

Well, well, well, you’re feeling fine
Well, well, well, he’ll make you… Doctor Robert

Ainda de John, há I´m only sleeping, que fala sobre como John amava dormir e odiava ter seu sono interrompido. O arranjo é bastante onírico com a voz de John sendo sutilmente distorcida por um gravador em velocidade pouca coisa mais alta que a correta.

Mas as canções de Paul talvez sejam o ponto alto de Revolver. Eleanor Rigby é um clássico sobre a solidão. O arranjo para cordas de Martin é uma pérola irrepetível. “Onde estão os outros Beatles nesta música?”  — perguntava a criança que eu era na época. “Onde ficaram as guitarras de John e George?” For no one é, em minha opinião, uma das melhores canções já compostas. De repente, surge a trompa de Alan Civil para dar ornamento fundamental a uma melodia lindíssima. Há também a canção favorita de McCartney, Here there and everywhere, e a inacreditável soul music by Paul de Got to get you into my life que nos faz perguntar novamente onde diabo estão os Beatles, pois o acompanhamento é quase só de metais.

Yellow Submarine, escrita por Paul e cantada por Ringo, tem em sua letra um tema infantil que depois seria aproveitado para dar título a um desenho animado. Traz sons de bolhas, barulho de água e outros sons gravados em estúdio. A letra sugere mais drogas, não? “Vamos vivendo uma bela vida / Achamos para tudo uma saída / Céu azul, mar verde e belo / Em nosso submarino amarelo”.

Revolver foi uma viagem sem volta na estética do grupo. Ouçam outros discos de 66 e a maioria parecerá vir de um passado remoto se comparados com este LP.

Mas por que Revolver? As sugestões eram as seguintes: Many years from now, Magic circles, Beatles on safari, Four sides of the eternal triangle, Pendulum e After Geography, uma brincadeira de Ringo com Aftermath, álbum dos Rolling Stones. Mas Revolver venceu porque se referia tanto à arma quanto ao movimento de revolução de um disco de vinil no prato giratório de um toca-discos.

Se você nunca ouviu Revolver, sua vida não mudará em nada, mas ele foi uma pedra fundamental para o rock para chegar à época de ouro setentista. Sem este degrau, tudo seria menor.

Relação de canções de Revolver.

Taxman (Harrison) 2:39
Eleanor Rigby (McCartney) 2:07
I’m Only Sleeping (Lennon) 3:01
Love You To (Harrison) 3:01
Here, There and Everywhere (McCartney)2:25
Yellow Submarine (McCartney)2:40
She Said She Said (Lennon) 2:37
Good Day Sunshine (McCartney)2:09
And Your Bird Can Sing (Lennon) 2:01
For No One  (McCartney) 2:01
Doctor Robert (Lennon) 2:15
I Want to Tell You (Harrison) 2:29
Got to Get You into My Life (McCartney)2:30
Tomorrow Never Knows (Lennon) 2:57

A contracapa de Revolver, dos Beatles
A contracapa de Revolver, dos Beatles

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25 imagens fundamentais de nosso tempo (uma antologia pessoal)

25 imagens fundamentais de nosso tempo (uma antologia pessoal)

Muito pessoal. A ideia e algumas fotos — e discordâncias — vieram do site mundo.com. Retirei algumas imagens sugeridas pelo site, coloquei outras, e ampliei a seleção de 20 para 25 fotos. Acho que ficou aceitável.

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1. Os soviéticos hasteando a bandeira no Reichtag. A foto foi tirada com uma Leica pelo fotógrafo Yevgeni Khaldei, da Agência Tass.

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2. O avião 14 Bis levantando voo. No começo do século 20, Alberto Santos Dumont concluiu a construção de seu avião 14 Bis e com ele alçou voo, fazendo deste o primeiro objeto mais pesado que o ar a voar sem a ajuda de impulsos externos.

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3. Erguendo a bandeira em Iwo Jima. A intenção norte-americana ao invadir a ilha era obter uma localização estratégica para o reabastecimento das tropas norte-americanas no avanço até o Japão. Após a vitória, os EUA ficaram com o local para si, claro.

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4. Dia da Vitória em Times Square. O final da Segunda Guerra. O fotógrafo Alfred Eisenstaedt tirou a famosa fotografia de um marinheiro norte-americano beijando uma jovem enfermeira na Times Square em Nova York. A mulher foi identificada mais tarde, na década de 1970, como Edith Shain, porém a identidade do marinheiro continua desconhecida.

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5. Che Guevara, é claro. O famoso retrato de Che Guevara, intitulado Guerrilheiro Heroico, foi tirado em 5 de março de 1960 em Havana, Cuba. Guevara comparecia à inauguração de um memorial.

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6. A capa de Abbey Road. Os Beatles se juntaram nos estúdios da Abbey Road, em Londres, na quente manhã de 8 de agosto de 1969 para tirar a foto da capa do disco que estavam gravando.

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7. O protesto do Monge. Em 11 de junho de 1963, Thich Quang Duc, um monge budista vietnamita, ateou fogo ao próprio corpo e queimou até a morte em uma rua movimentada no centro de Ho Chi Minh.

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8. O desastre do Hindenburg. O desastre do Hindenburg ocorreu em 6 de maio de 1937, quando o gigantesco dirigível alemão pegou fogo e foi destruído durante uma tentativa de pouso na base naval de Lakehurst, em Nova Jersey, nos Estados Unidos.

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9. Na Praça da Paz Celestial. Este misterioso homem tornou-se famoso em todo o mundo após o fotografo Jeff Widener registrá-lo em pé, frente a uma coluna de tanques chineses durante os protestos na Praça da Paz Celestial em Pequim, no dia 5 de junho de 1989.

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10. A imagem do corpo do jornalista Vladimir Herzog enforcado em cela do II Exército é uma das mais emblemáticas do período ditatorial.

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11. Menina afegã. Sharbat Gula tinha 12 anos quando foi fotografada pelo jornalista Steve McCurry durante uma reportagem para a revista National Geographic, publicada em junho de 1985. Quando foi fotografada, a menina afegã vivia como refugiada no Paquistão durante a ocupação soviética no Afeganistão.

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12. O monstro do Lago Ness. Foto de 1934. As histórias sobre o monstro do Lago Ness têm sido contadas desde aproximadamente 565 d.C. Os defensores de sua existência acreditam que a criatura venha de uma linhagem de Plesiossauros… Tudo negado pela comunidade científica, obviamente.

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13. Guerra Fria. Explosão da bomba atômica nas Ilhas Marshall. Era um teste nuclear comum em meados do século XX. A foto é de 25 de julho de 1946, quando da primeira detonação de uma bomba atômica embaixo d’água. Foi liberada uma nuvem de vapor com quilômetros de altura, coroada por jatos de água.

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14. Nascer da Terra. Na noite de Natal de 1968, nenhum dos astronautas a bordo da Apollo 8 estava preparado para o momento em que veriam seu planeta surgir atrás no horizonte lunar. O Nascer da Terra é o nome dado à imagem da NASA tirada pelo astronauta William Anders durante a primeira viagem tripulada a orbitar a Lua.

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15. Einstein mostrando a língua. É uma das imagens mais conhecidas de Einstein. O cientista aprovou a foto e pediu nove cópias dela. Após autografar uma das imagens, ele a presenteou a um repórter. Em 19 de junho de 2009, a imagem assinada foi leiloada por mais de US$ 70 mil.

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16. Almoço no topo de um arranha-céu. 20 de setembro de 1932. Almoço no topo de um arranha-céu é uma famosa fotografia em preto e branco tirada durante a construção de um edifício na cidade de Nova York.

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17. Maio de 1968, Paris. Em 13 de Maio de 1968, em Paris, o fotógrafo Jean-Pierre Rey imortalizou uma jovem de 23 anos. A foto foi publicada pela revista Life. A protagonista da dessa célebre imagem foi posteriormente identificada como sendo a jovem aristocrata e modelo inglesa, Caroline de Bendern, que vivia em Paris depois de ser expulsa de vários colégios na Inglaterra. Ela estava sobre os ombros de um amigo, porque seus pés estavam doloridos. O avô viu a foto e ficou escandalizado. Por conseqüência desta fotografia, Caroline perdeu a mesada milionária e acabou sendo deserdada pelo avô. Caroline passou o resto de sua vida processando Jean-Pierre Rey pelos direitos da fotografia.

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18. Fotografia icônica mostra as cabeças de Lampião (última de baixo), Maria Bonita (logo acima de Lampião) e outros cangaceiros do bando.

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19. No dia 29 de junho de 1973, durante os confrontos que culminaram com a deposição do presidente do Chile, Salvador Allende, o cinegrafista sueco-argentino Leonardo Henricksen, do canal 13 de Buenos Aires, deixou seu hotel, no Centro de Santiago, ao ouvir rajadas de metralhadoras. Era o Regimento de Blindados, que se sublevara e atacava o Palácio de Governo. Henricksen conseguiu se posicionar a apenas duas casas do palácio. Militares determinaram que a rua fosse desimpedida, mas ele não saiu do lugar. Um oficial apontou uma arma para o cinegrafista. E atirou. A imagem treme, mas ele continua filmando. Um soldado, então, deu um tiro de misericórdia, de fuzil. A câmera continua registrando a cena até que tudo fica branco na tela.

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20. O impacto. A fotografia foi considerada pela National Geographic uma das 25 mais importantes imagens dos ataques de 11 de setembro. Às 9 horas da manhã do dia 11 de setembro de 2001, o voo 175 da United Airlines colidiu contra a torre sul do World Trade Center.

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21. Execução em Saigon. Esta foto foi tirada por Eddie Adams durante a guerra do Vietnã. O major General Nguyen Ngoc Loan, à esquerda mata o vietcongue Nguyen Van Lem à direita.

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22. Dali atomicus. O fotógrafo Philippe Halsman informou que tentou obter a imagem 28 vezes até ficar satisfeito com o resultado. Antes das técnicas modernas e computadorizadas de manipulação de imagens, ele conseguiu tirar esta fotografia do artista surrealista Salvador Dali suspenso no ar.

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23. Menina de 9 anos fugindo após ataque em uma aldeia no Vietnã. Ela sobreviveu, apesar de suas roupas terem queimado sobre seu corpo.

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24. Um homem judeu, ajoelhado diante de um poço cheio de corpos, está prestes a ser morto por um soldado alemão. Esta fotografia foi encontrada no álbum de fotos de um soldado alemão, e na parte de trás estava escrito o título de “O Último Judeu de Vinnitsa”.

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25. Foto de Mike Bem, esta imagem mostra-nos a mão de um menino ugandense na mão de um médico da Cruz Vermelha.

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Antes dos gatinhos, a Ospa e muitas coisas

Antes dos gatinhos, a Ospa e muitas coisas

Há duas semanas, eu já tinha visto e resenhado o mesmo concerto. Afinal, este programa foi apresentado lá na igreja do Colégio Anchieta. Fui assisti-lo novamente para acompanhar a Elena e ir jantar depois, mas tenho uma coisa a citar, uma coisa a imaginar, uma coisa a nomear, uma coisa a esconder, uma coisa a esperar, uma coisa a lamentar, uma coisa a propor, uma coisa a prometer e uma coisa a imaginar, entre outras coisas.

Comecemos dizendo que, sentado lá em cima, na Igreja da Reconciliação (da Rua Senhor dos Passos) pude ouvir quão melhor é a acústica de lá em relação à Igreja da Ressurreição (a do Colégio Anchieta). Os luteranos têm melhor acústica do que os católicos, quem não sabia? Uma coisa que lamento é o fato de cada concerto da Ospa ser apresentado apenas uma vez. Sem dúvida, o desempenho da orquestra foi bem melhor ontem. É claro que há concertos de gatinhos — como o da próxima semana –, os quais é melhor nem pensar em repetir (melhor correndo fugir deles), mas há vários de nível aceitável que deveriam ser repetidos. Aliás, o próximo concerto da Ospa será num templo da Assembleia de Deus… Se iniciamos o ano assim, não consigo imaginar até onde irá a baixaria. Na boa, há que acabar com esta série de Ospa das Igrejas. Conheço pessoas que já desistiram. Chega disso, seja em igrejas católicas, luteranas ou evangélicas. É bunda dura, palco nenhum e deus demais. Deu.

Mas, voltando à calmaria, dizia eu que estava lá em cima na tal da Reconciliação, assistindo ao Réquiem de Fauré, e só tinha olhos para minha dama, que empalidecia tudo ao redor. A lua lá fora também estava pálida e eu só pensava em me aproximar de minha violinista, pois, como diria o Chico Buarque de Januária, até o mar faria maré cheia para chegar mais perto dela. Mas, dizia eu, este réquiem é tranquilo e apaziguador. Canta com delicadeza a chegada ao paraíso. Estava bom de assistir: o Coro Sinfônico da Ospa saiu-se benissimamente, o órgão estava em mãos seguras, a orquestra soava melhor na referida acústica, o solo de violino fazia curvas tranquilas pelo circuito até tocar de leve no muro de proteção, a dupla de cantores nos levava docemente pela mão… (rimou) Aliás, essa Elisa Machado, que não conheço, canta muito!

Depois veio o Tchaikovsky. A Fantasia para A Tempestade merece o esquecimento. A música horrenda — que, espero, seja reapresentada em Porto Alegre somente muitos anos após minha morte — fazia-me dizer internamente Come on, come on a cada dez segundos. Queria apressar a coisa. A memória veio em meu socorro e os Beatles pegaram aquele repetido Come on e atacaram Everybody’s Got Something to Hide Except Me and My Monkey. E simplesmente, como num quadro lisérgico de Chagall, saí voando com a Elena da Reconciliação, livrando-me daquilo. Afinal, está na letra, the deeper you go, the higher you fly (…) So come on.

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Um dos mais famosos “populares” de todos os tempos: o homem que viu os Beatles atravessarem Abbey Road…

Um dos mais famosos “populares” de todos os tempos: o homem que viu os Beatles atravessarem Abbey Road…

… morreu na semana passada, aos 96 anos.

Paul-Cole-Abbey-Road-243x180Observe cuidadosamente a capa de Abbey Road.

No canto superior direito, entre John e Ringo, dá para ver um homem em pé ao lado de uma van da polícia.

Era um turista de Florida, chamado Paul Cole.

Paul curtiu a fama por 45 anos. “Eu comprara um novo casaco esportivo e uns óculos feitos de conchas e fui passear”. Ele pensou que os Beatles eram “um bando de malucos”. E acabou saindo na capa.

Paul Cole morreu na semana passada em Pensacola, aos 96 anos.

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via Norman Lebrecht

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A Ospa trouxe o pterodáctilo para o paraíso

A Ospa trouxe o pterodáctilo para o paraíso
A Tempestade de Tchai chegando...
A Tempestade de Tchai chegando…

A noite era perigosa. Era necessário todo o cuidado. Concertos em igrejas deixam nossas bundas quadradas e as costas doendo. Sei por experiência própria que a Igreja do Colégio Anchieta tem cadeiras especialistas nestes quesitos. Acho que elas foram compradas do DOPS nos anos 80. O sofrimento foi amenizado pela presença amiga do Gustavo Melo Czekster, que pegava fogo — suando com um condenado — no banco atrás de mim. Ele tinha dois desconfortos; eu, inexplicavelmente, não sentia calor. Pingando, ele me disse que estas crônicas que escrevo sobre a Ospa são a continuação natural dos concertos e que ele as lia sempre. Como veem, um cara de bons hábitos. Mas, minha nossa, sei que nem todos gostam disso aqui!  Ele completou dizendo que apreciava as descrições do ambiente e eu pensei: como não fazer isso se aquele ventilador ali à esquerda mia como um gatinho faminto?

A última vez que tinha visto o Réquiem de Fauré fora na Saint-Martin-in-the-Fields em fevereiro de 2013. Saudades daquela viagem com a Bárbara. Mas não pensem que a versão ospiana da peça estava pior. Talvez estivesse até melhor que a versão londrina. O Coro Sinfônico da Ospa e o trabalho do pequeno efetivo orquestral utilizado garantiu uma bela viagem pelo peculiar universo de Fauré. Seu Réquiem não é nada desesperado e indica o caminho de um descanso eterno no paraíso. O Coro foi magnífico em toda a peça, mas especialmente na abertura do último movimento In Paradisum, quando anjos nos levam para lá pela mão. Não é um Réquiem para ser gritado e tal concepção da obra foi respeitada. O soprano Elisa Machado esteve um degrau acima de seu partner Daniel Germano. Elisa foi perfeita, demonstrando compreensão do estilo do Réquiem. Discreta, a orquestra esteve impecável.

No intervalo, a situação era a que segue: ainda embalados pelo Réquiem e em pé, tentando fazer nossas bundas retornarem a seus formatos originais. Tudo era alívio. Então, o paraíso foi invadido, mas não por trombadinhas fazendo um arrastão na praça de alimentação de um shopping, mas por algo muito mais primitivo e agressivo.

O maestro Manfredo Schmiedt, tão mansinho e compreensivo na primeira parte do concerto, começou a mexer os braços chamando os pterodáctilos para invadirem o paraíso. A tal Fantasia Sinfônica A Tempestade, Op. 18,de Tchaikovsky, era inédita em Porto Alegre. Deveria ter permanecido assim para sempre. Trata-se de bombásticos temas russos batendo firme nos personagens da última peça de Shakespeare. Pobre Próspero, pobre Miranda, coitado de Ferdinand, só o deformado Calibã pode ter gostado. Fiquei pensando que a tempestade que trouxera Alonso e Antônio para a ilha de Próspero talvez estivesse na música, mas não, nunca, a magia de Próspero e nem, jamais, nunca, haveria espaço para a gloriosa frase dita pelo pai de Miranda: Nós somos feitos da mesma matéria de que são feitos os sonhos; com nossa curta vida cercada pelo sono. Ou, em tradução mais completa e competente que a minha: Esses atores eram todos espíritos e dissiparam-se no ar, sim, no ar impalpável. Um dia, tal e qual a base ilusória desta visão, as altas torres envoltas em nuvens, os palácios, os templos solenes, e todo este imenso globo hão de sumir-se no ar como se deu com esse tênue espetáculo. Somos feitos da mesma substância dos sonhos e, entre um sono e outro, decorre a nossa curta existência. 

Onde estava o genial Próspero, Tchai?

No final do concerto, estava com desejo de música, claro. O Tchai tinha me matado. A noite acabou no Café Fon Fon, na festa de aniversário da Isolde. Bem tarde, com o bar quase vazio, acomodados naquele ambiente tranquilo, largado e risonho de fim de festa, a Elena foi sentar-se no lugar da Bethy Krieger para tocar — sim, no piano —  Beatles (Here, there and everywhere e Because) e, a meu pedido, de Bach, o BWV 639, Ich ruf zu dir, Herr Jesu Christ, que ela toca maravilhosamente e que deixo para vocês com a Lisitsa:

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Uma reflexão sobre o crossover porto-alegrense

Uma reflexão sobre o crossover porto-alegrense

Aury Hilário protesta que antes havia menos salas e mais música erudita em Porto Alegre, que as orquestras da Ulbra, da Unisinos e os tais Concertos Dana dão generosos espaços para roqueiros, nativistas e MPB. E tem razão. Porto Alegre tornou-se um grande palco da música de crossover — termo usado na música para designar canções que apresentam junções de dois ou mais gêneros musicais. Na minha opinião, resumindo em duas palavras, trata-se de pura vulgaridade. São orquestras universitárias que talvez contem com patrocínios e que deveriam divulgar alguma cultura diferenciada, mas que preferem agradar um público que, na verdade, quer reconhecer músicas de sua preferência em uma roupagem orquestral e mais nobre, ignorando que a melhor versão dos Beatles é a que tem o grupo de Liverpool e o melhor nativista é aquele que traz o cheiro de capim e os sapatos sujos de terra vermelha. Misturar terno e gravata com modelos populares é apenas e simplesmente bagaceiro.

Foto: Divulgação
A Ulbra acabando com os Beatles, dois já morreram | Foto: Divulgação

O que estas orquestras têm feito, e muito, é repertório nhemnhemnhem para ignorantes, com a desculpa da formação de público. O que nunca ocorrerá. Não há como formar público para Shostakovich tocando Beatles… Beatles forma plateia para… BEATLES!!! Aury diz, com toda a razão:

Temos todo o direito de duvidar da eficácia dessa estratégia [de captação de público]. O que pode vir a ocorrer é a redução do já restrito mercado de trabalho dos instrumentistas e cantores líricos e o nosso afastamento das salas de concerto.

Neste sábado, em Zero Hora, Juarez Fonseca deu uma bela escorregadela em sua brilhante carreira. Acontece com todos. Tentando acalmar a pequena comunidade erudita de Porto Alegre, ele chegou a um argumento de patético paroxismo e confusão, finalizando assim seu texto:

Acho que poderiam ser menos corporativistas – em alguns casos até preconceituosos – e deixarem os maestros Antônio Borges-Cunha e Tiago Flores trabalharem em paz. Quanto à preocupação com a “perda de espaço”, posso lembrar, por exemplo, que Vivaldi vem sendo tocado há mais de 300 anos. Bach, quase o mesmo. Mozart Beethoven, ali perto. E o Chopin de Nelson Freire, desde 1830. Todos (e centenas de outros) gravados sem parar pela Deutsche Grammophon. A chance de a música erudita perder espaço para o rock, em Porto Alegre, é praticamente zero. Então, keep calm…

Não sei nem responder a acusação de “corporativismo”. O corporativismo representa interesses econômicos, industriais ou profissionais. Bem, meu caro, Aury é médico e eu sou um colega seu. Não sei de qual corporativismo estamos falando. Estamos aqui pela cultura. Mais: a música erudita é bastante vasta e inclui até contemporâneos nossos bem divertidos e formadores de público.

http://youtu.be/PA7vEIj6Lzk

Justificar pelo número de execuções de Bach, Vivaldi, Mozart e Beethoven pode ser facilmente rebatido pelo número de execuções dos artistas populares em rádios, TVs, iPod, mp3 e iTunes de toda a população, que os ouve a pé, em ônibus, nas salas de espera e até trabalhando.

A questão é muito maior, mas eu gostaria de focalizar três itens. O primeiro é a feiura da coisa. Ouvindo os arranjos — a maioria péssimos, redutores — que são escritos para esses artistas não eruditos, nota-se claramente que suas músicas pioram e que a orquestra poderia ser facilmente substituída por um teclado qualquer, talvez vestido de terno e gravata. Aquelas harmonias são ridículas desde que Claus Ogerman tentou sistematicamente acabar com o genial João Gilberto.

O segundo é que a justificativa para a existência de tais excrescências sonoras deve ser o público, que acha bonitinho ouvir seus Beatles ou seu Nenhum de Nós sob uma roupagem amenizada. Até as vovozinhas poderão curtir a música que sai pasteurizada e sem nada de seu espírito original das cordas assépticas da orquestra. É a morte da morte. Morte de uma orquestra que poderia dedicar-se a algo mais digno de seu estilo e história e morte da vivacidade de uma música que reaparece morta, estrangulada sob o peso de um anacronismo digno de um Paul Mauriat ou de um Ray Coniff, sem nunca chegar ao (baixo) nível de um André Rieu, que pelo menos dedica-se a eruditos ligeiros. Mas esqueci, há mais uma morte: a da sonoridade da orquestra. Esta é um organismo acústico e, nesses concertos de música popular, elas aparecem amplificadas, elétricas, como símbolo de uma sofisticação inexistente. Se o sentido é escutar a orquestra tocando, com suas nuances e espacialidade, acaba-se a experiência quando todo o som da mesma sai de um par de caixas de som.

O terceiro item é que essas orquestras devem receber algum tipo de incentivo governamental para suas “atividades culturais”. Afinal, são ligadas a universidades. Mas as universidades não estão nem aí para o desenvolvimento de uma boa orquestra ou de determinada contribuição artística para a comunidade. Filha bastarda da universidade, essas orquestras servem mais aos músicos que engordam seus salários com cachês. Para eles, sim, serve a facilidade de tocar roquezinhos em concertos. Fazem-no com uma mão nas costas, sem nem precisar estudar. Que ganhem seu dinheiro — que não é muito — honrando a música para a qual estudaram.

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Como foi feito o lendário álbum Sgt. Peppers, dos Beatles

Como foi feito o lendário álbum Sgt. Peppers, dos Beatles

Como foi feito o álbum, com depoimentos de Paul, George, Ringo e do produtor George Martin.

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Porque hoje é sábado, Sharon Tate

Porque hoje é sábado, Sharon Tate

Hoje, 9 de agosto de 2014, faz 45 anos do assassinato de Sharon Tate.

Em 1969, eu tinha de onze para doze anos, havia alguns nomes de pessoas que eram tratadas com notável cuidado e que faziam muita gente abrir a boca de susto ou admiração. A primeira delas era indiscutivelmente Che Guevara. Devido ao “Tchê” eu pensava que se tratava de um gaúcho. Por influência de alguém — quem seria? –, nós gritávamos seu nome quando fazíamos gols, mas essa é outra história. Com maior liberdade circulava o nome de João Saldanha, o técnico comunista da seleção brasileira. Mas era inadequado admirá-lo demais. Porém, se eu quisesse que as mulheres pusessem as mãos na boca, dizendo “que barbaridade”, bastaria citar o nome de Sharon Tate.

Claro que eu demorei muito para saber que Sharon era uma bela mulher, na época esposa do diretor Roman Polanski, e que fora assassinada em agosto de 69 grávida de oito meses, num ritual ordenado por Charles Manson. Manson estava simplesmente iniciando uma guerra — denominada de Helter Skelter, como a música dos Beatles. Seria uma guerra entre negros e brancos, onde os brancos seriam exterminados. Ele acreditava que algum negro logo seria acusado dos assassinatos e os confrontos explodiriam com derrota final da raça branca. Ele e sua “família” (ele assim chamava seu grupo de lunáticos) eram brancos e planejavam esconder-se dentro de um poço no deserto para fugir da guerra. Era apenas mais um norte-americano doido varrido.

Ao procurar fotos de Sharon Tate, acabei vendo algumas imagens de seu assassinato. Não terei o mau gosto de mostrá-las aqui, mas posso compreender as caras assustadas de minha mãe e tias. Charles queria que os assassinatos fossem realizados com a maior crueldade e gratuidade possíveis — por isto, a escolha de Tate grávida, com parto previsto para dali a duas semanas –, com suas vítimas sendo espancadas, esfaqueadas e baleadas até a morte. Manson matou seis pessoas e, depois de preso, reafirmou seu ódio profundo pela humanidade.

Polanski salvou-se por estar trabalhando em Londres, mas três amigos de Sharon foram assassinados junto com ela. Ela era linda, com uma cara típica dos anos 60, de que foi símbolo.

.oOo.

A curta vida de Sharon Tate foi cheia de som, filmes, fotos e fúria.

Bem anos 60, aí está uma das fotos do rumoroso casamento da atriz…

…com o cineasta polonês Roman Polanski. Tudo começou em A Dança dos…

… Vampiros (1967), comédia de humor negro (mesmo!) do futuro maridinho.

Sharon nasceu em 1943 e, seis meses depois, vencia um concurso de beleza.

É, seus pais deviam ser uns chatos. Depois Sharon tornou-se isso aí.

Era linda, famosa e sua imagem tomava conta das revistas da época.

Sua atuação em O Vale das Bonecas ameaçava torná-la uma grande estrela…

…quando foi assassinada cruelmente pelo psicopata hippie Charles Manson,…

… preso até hoje na Califórnia. Para piorar, Sharon estava grávida de oito meses.

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Como confirmou o psicanalista e blogueiro Cláudio Costa, o caso Sharon Tate…

… provocava associações de erotismo, nojo e medo em nossas tias.

Um assassinato desses era uma novidade. Nunca se divulgara algo deste gênero…

… em uma mídia recém planetária. Foi uma comoção, um ato repulsivo, inaceitável.

Para falar de Manson e mesmo de Sharon, baixávamos o tom de voz.

Era vergonhoso. As pessoas todas começavam a se verem refletidas na mídia.

Consequentemente, tapava-se pudicamente a boca.

Eram tempos em que crimes ainda nos chocavam.

-=-=-=-=-

Um dia, o Ramiro Conceição comentou aqui no blog:

Quando aconteceu o assassinato, eu era um tenro adolescente; contudo, lembro-me ainda do olhar esquizóide de Manson… Milton, aquele olhar ficou em mim! Muito mais tarde, compreendi que aquele olhar esquizóide, na realidade, era o verdadeiro olhar da América! Explicando ainda muito melhor: foi quando compreendi o bombardeio de Dresden, já com a Alemanha vencida; quando compreendi a tragédia de Hiroxima e Nagasaki; as guerras da Coréia e Vietnã; as intervenções militares na Guatemala, Cuba; o apoio logístico ao assassinado de Allende; o apoio ao golpe de 64, no Brasil; o fomento, em todas as partes do Mundo, de elites sanguinárias; a guerra no Iraque, Afeganistão etc., etc.: sempre, sempre, sempre aquele olhar esquizoide! Em poucas palavras: o olhar de Manson está na estátua da Liberdade; aliás, somente na América a Liberdade é rígida; na minha rua, a Liberdade é música!

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