Há algumas canções que, quando cruzo com elas, tenho que ouvir umas seis ou sete vezes. Ontem, dei de cara com Samba e Amor, de Chico Buarque, cantada pelo Caetano. Pronto, meia hora de Samba e Amor. Hoje ocorreu o mesmo com Dancing Days (Page & Plant) do Led Zeppelin. E é sempre assim com umas 934 canções…
Simplesmente a vida não pode seguir sem que eu as ouça várias vezes.
Bambino a Roma é um livro escrito com leveza, narrando as aventuras do menino Chico Buarque na Itália durante os dois anos em que seu pai deu aulas na Universidade de Roma — entre 1953 e 1955. Sérgio Buarque de Hollanda viajou de navio com a esposa e os sete filhos do Rio de Janeiro até Gênova e de lá para Roma. Eu achei uma delícia ler o livro. O texto tem a dimensão do tema tratado, além de não se desviar de temas espinhosos. Há, por exemplo, alguns abusos, como os cometidos por Mr. Welsh, um professor de inglês que gostava de passar a mão na bunda dos alunos por dentro de suas cuecas, Chico incluído.
Mas o abuso não é o principal, o principal é a amizade com Amadeo (o filho do quitandeiro com o qual jogava futebol), a relação com as meninas, sua paixão por algumas delas, a relação com os irmãos, a apendicite, as fugas da escola, as correrias por Roma de bicicleta e o pai sempre distante como eram os pais do passado — alguns ainda o são, certo? E as coisas de guri… Afinal, levante a mão quem teve uma irmã mais velha e não a observou pelo buraco da fechadura para ver como era! Tive duas.
O humor do relato nos deixa espreitar as fragilidades daquele menino que dançou numa festa com Alida Valli, quase sufocado por seus seios. Ele tinha 10 dez anos. Durante a narrativa, Chico algumas vezes põe em dúvida o que conta, riscando partes daquelas imagens saudosas e nos fazendo abordar certas partes com um olhar oblíquo.
O tom do livro me parece perfeito — sem ser exageradamente nostálgico ou piegas, lemos uma visita compreensiva de um velho a uma parte de sua infância. Os capítulos finais do livro (sem spoilers, apesar de que estou louco para contar) são extremamente sutis e bonitos. E um tanto angustiantes.
É biografia ou autoficção? Certamente é autoficção. Chico modifica detalhes, enrola a gente com humor e perspicácia e… Entrega elegantemente o jogo, mas apenas para os leitores atentos. Ah, o livro tem algumas fotografias de família assim como de alguns bilhetes da época.
Recomendo!
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Cerimônia de entrega – dia 24 de abril de 2023, Palácio Nacional de Queluz, às 16.00 horas.
Ao receber este prêmio penso no meu pai, o historiador e sociólogo Sergio Buarque de Holanda, de quem herdei alguns livros e o amor pela língua portuguesa. Relembro quantas vezes interrompi seus estudos para lhe submeter meus escritos juvenis, que ele julgava sem complacência nem excessiva severidade, para em seguida me indicar leituras que poderiam me valer numa eventual carreira literária. Mais tarde, quando me bandeei para a música popular, não se aborreceu, longe disso, pois gostava de samba, tocava um pouco de piano e era amigo próximo de Vinicius de Moraes, para quem a palavra cantada talvez fosse simplesmente um jeito mais sensual de falar a nossa língua. Posso imaginar meu pai coruja ao me ver hoje aqui, se bem que, caso fosse possível nos encontrarmos neste salão, eu estaria na assistência e ele cá no meu posto, a receber o Prêmio Camões com muito mais propriedade. Meu pai também contribuiu para a minha formação política, ele que durante a ditadura do Estado Novo militou na Esquerda Democrática, futuro Partido Socialista Brasileiro. No fim dos anos sessenta, retirou-se da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo em solidariedade a colegas cassados pela ditadura militar. Mais para o fim da vida, participou da fundação do Partido dos Trabalhadores, sem chegar a ver a restauração democrática no nosso país, nem muito menos pressupor que um dia cairíamos num fosso sob muitos aspectos mais profundo.
O meu pai era paulista, meu avô, pernambucano, o meu bisavô, mineiro, meu tataravô, baiano. Tenho antepassados negros e indígenas, cujos nomes meus antepassados brancos trataram de suprimir da história familiar. Como a imensa maioria do povo brasileiro, trago nas veias sangue do açoitado e do açoitador, o que ajuda a nos explicar um pouco. Recuando no tempo em busca das minhas origens, recentemente vim a saber que tive por duodecavós paternos o casal Shemtov ben Abraham, batizado como Diogo Pires, e Orovida Fidalgo, oriundos da comunidade barcelense. A exemplo de tantos cristãos-novos portugueses, sua prole exilou-se no Nordeste brasileiro do século XVI. Assim, enquanto descendente de judeus sefarditas perseguidos pela Inquisição, pode ser que algum dia eu também alcance o direito à cidadania portuguesa a modo de reparação histórica. Já morei fora do Brasil e não pretendo repetir a experiência, mas é sempre bom saber que tenho uma porta entreaberta em Portugal, onde mais ou menos sinto-me em casa e esmero-me nas colocações pronominais. Conheci Lisboa, Coimbra e Porto em 1966, ao lado de João Cabral de Melo Neto, quando aqui foi encenado seu poema Morte e Vida Severina com músicas minhas, ele, um poeta consagrado e eu, um atrevido estudante de arquitetura. O grande João Cabral, primeiro brasileiro a receber o Prêmio Camões, sabidamente não gostava de música, e não sei se chegou a folhear algum livro meu.
Escrevi um primeiro romance, Estorvo, em 1990, e publicá-lo foi para mim como me arriscar novamente no escritório do meu pai em busca de sua aprovação. Contei dessa vez com padrinhos como Rubem Fonseca, Raduan Nassar e José Saramago, hoje meus colegas de prêmio Camões. De vários autores aqui premiados fui amigo, e de outras e outros – do Brasil, de Portugal, Angola, Moçambique e Cabo Verde – sou leitor e admirador. Mas por mais que eu leia e fale de literatura, por mais que eu publique romances e contos, por mais que eu receba prêmios literários, faço gosto em ser reconhecido no Brasil como compositor popular e, em Portugal, como o gajo que um dia pediu que lhe mandassem um cravo e um cheirinho de alecrim.
Valeu a pena esperar por esta cerimônia, marcada não por acaso para a véspera do dia em os portugueses descem a Avenida da Liberdade a festejar a Revolução dos Cravos. Lá se vão quatro anos que meu prêmio foi anunciado e eu já me perguntava se me haviam esquecido, ou, quem sabe, se prêmios também são perecíveis, têm prazo de validade. Quatro anos, com uma pandemia no meio, davam às vezes a impressão de que um tempo bem mais longo havia transcorrido. No que se refere ao meu país, quatro anos de um governo funesto duraram uma eternidade, porque foi um tempo em que o tempo parecia andar para trás. Aquele governo foi derrotado nas urnas, mas nem por isso podemos nos distrair, pois a ameaça fascista persiste, no Brasil como um pouco por toda parte. Hoje, porém, nesta tarde de celebração, reconforta-me lembrar que o ex-presidente teve a rara fineza de não sujar o diploma do meu Prêmio Camões, deixando seu espaço em branco para a assinatura do nosso presidente Lula. Recebo este prêmio menos como uma honraria pessoal, e mais como um desagravo a tantos autores e artistas brasileiros humilhados e ofendidos nesses últimos anos de estupidez e obscurantismo.
Penso que a reposição de supercraques da música brasileira simplesmente não ocorreu. Dos mais jovens, quem poderia entrar naturalmente nesta lista? Talvez André Mehmari, Lenine, Arnaldo Antunes, Zeca Baleiro e Chico César. Há outros?
Caetano Veloso (7 de agosto de 1942 — idade 79 anos)
Carlos Lyra (11 de maio de 1933 — idade 88 anos)
Chico Buarque (19 de junho de 1944 — idade 77 anos)
Edu Lobo (29 de agosto de 1943 – idade 78 anos)
Egberto Gismonti (5 de dezembro de 1947 — idade 74 anos)
Elomar (21 de dezembro de 1937 — idade 84 anos)
Francis Hime (31 de agosto de 1939 — idade 82 anos)
Gilberto Gil (26 de junho de 1942 — idade 79 anos)
Guinga (10 de junho de 1950 — idade 71 anos)
Hermeto Paschoal (22 de junho de 1936 — idade 85 anos)
Ivan Lins (16 de junho de 1945 — idade 76 anos)
João Bosco (13 de julho de 1946 — idade 75 anos)
João Donato (17 de agosto de 1934 — idade 87 anos)
Jorge Ben Jor (22 de março de 1939 — idade 82 anos)
Marcos Valle (14 de setembro de 1943 — idade 78 anos)
Martinho da Vila (12 de fevereiro de 1938 — idade 83 anos)
Milton Nascimento (26 de outubro de 1942 — idade 79 anos)
Paulinho da Viola (12 de novembro de 1942 — idade 79 anos)
Paulo César Pinheiro (28 de abril de 1949 — idade 72 anos)
Rita Lee (31 de dezembro de 1947 — idade 74 anos)
Tom Zé (11 de outubro de 1936 — idade 85 anos)
Toquinho (6 de julho de 1946 — idade 75 anos)
1. Imaginar o Amanhã, de Abrão Slavutzky e Edson Luiz André de Souza (Diadorim)
2. Lula: Biografia – Volume 1, de Fernando Morais (Companhia das Letras)
3. Aquarela Brasileira (Volume 1), de Juarez Fonseca (Diadorim)
4. Mas em que mundo tu vive?, de José Falero (Todavia)
5. Anos de Chumbo e outros contos, de Chico Buarque (Companhia das Letras)
6. Santa Sede: Outros Presentes (Volume 12), de Rubem Penz, Org. (Santa Sede Editorial)
7. Os Supridores, de José Falero (Todavia)
8. Drogas para Adultos, de Carl Hart (Zahar)
9. Banzeiro òkòtó: Uma viagem à Amazônia Centro do Mundo, de Eliane Brum (Companhia das Letras)
10. Um Preço Muito Alto, de Carl Hart (Zahar)
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E começamos novembro a todo vapor! Mas, antes, segue a habitual e célebre lista dos mais vendidos da Bamboletras! Em outubro, os autores locais seguiram em destaque, representando o estado melhor do que ele merece… E há também outros ótimos livros nacionais e internacionais. Olha só:
1. Mas em que mundo tu vive?, de José Falero (Todavia)
2. Os Supridores, de José Falero (Todavia)
3. Os Anos de Chumbo e Outros Contos, de Chico Buarque (Companhia das Letras)
4. Abra e leia, de Milton Ribeiro (Zouk)
5. Torto Arado, de Itamar Vieira Junior (Todavia)
6. O Lugar, de Annie Ernaux (Fosfóro)
7. Meia Siza, de Marieta dos Santos da Silveira (Pradense)
8. O Mapeador de Ausências, de Mia Couto (Companhia das Letras)
9. Escaler, de Paulo César Teixeira (Ballejo)
10. Duas Formações, Uma História: Das ideias fora do lugar ao perspectivismo ameríndio, de Luís Augusto Fischer (Arquipélago)
Sim, muitas novidades na lista, né? Vem conferir!
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Acabamos de receber Anos de Chumbo, último romance de Chico Buarque, assim como também Memória no Esquecimento, romance de Juremir Machado da Silva, e Salvatierra, de Pedro Mairal. Talvez seja desnecessário apresentar estes 3 grandes autores de nuestro continente, mas, abaixo, deixamos algumas palavras sobre os livros.
Boa semana e boas leituras!
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Após o excelente Essa Gente, Chico Buarque retorna com seu primeiro livro de contos. O Chico que emerge de deste livro imperdível é um autor amargurado, surrealista, irônico e perplexo diante deste país aflitivo. Uma jovem e seu tio. Um grande artista sabotado. Um desatino familiar, uma moradora de rua solitária, um passeio por Copacabana, um fã fervoroso de Clarice Lispector, um casal em sua primeira viagem, um lar em guerra. Imersos na atmosfera da ficção de Chico Buarque, caracterizada pela agudeza da observação e a oposição entre o lírico e o cômico, os oito contos que formam este volume conduzem o leitor pela sordidez e o patético da condição humana. Com alusões ocasionais à nossa presente barbárie, o autor ergue um labirinto de surpresas. Um livro arrebatador.
Nesse romance, Juremir Machado da Silva mergulha nas vacilantes memórias de seu protagonista. Em tempos nos quais o Alzheimer é tema cotidiano e atinge cada vez mais pessoas, tais situações, que criam dramas familiares e paixões que resistem ao desgaste, acabam por vencer o esquecimento. A narrativa é construída com detalhes ora poéticos, ora realistas, testemunhos de sutilezas do cotidiano de uma pessoa fragilizada. Fala também de vivências comuns, como o andar de bicicleta até perder o fôlego, o amor de um cachorro de estimação adotado quando filhote, os mistérios familiares e as ilusões que carregamos ao longo da vida. Impossível não querer descobrir as peças do quebra-cabeças desta história – assim como não se pegar pensando sobre o conjunto de suas próprias lembranças, identificando as paredes do próprio castelo.
Um novo livro do autor de A Uruguaia e Uma Noite com Sabrina Love! Novo? Publicado originalmente em 2008, Salvatierra é um dos romances mais admirados do argentino Pedro Mairal. Juan Salvatierra, um pintor mudo, humilde e autodidata, deixa aos filhos uma misteriosa obra de arte como herança: um imenso mural que ocupa quase quatro quilômetros de rolos de tecido, produzido em segredo até o dia de sua morte. Miguel, o filho mais novo, é o principal encarregado de tomar algumas providências em relação à inusitada obra: resgatá-la do armazém onde estava guardada (ou abandonada) e providenciar sua transferência para um museu holandês. Começa então o trabalho de decifrar a obra. Com precisão, sobriedade e lirismo, o autor explora sutilmente as ligações entre o passado e o presente, entre pais e filhos e entre vida e arte. Uma narrativa evocativa, cheia de ressonâncias, sobre a verdadeira aventura que envolve o acesso ao mais íntimo daqueles que nos são próximos.
Ontem, muita gente estava comemorando os 50 anos do disco Blue, de Joni Mitchell. O Robson Pereira até me mandou um link do Guardian onde uma série de artistas que foram inspirados pelo trabalho de Joni escolhiam sua canção preferida do álbum. Mais de 6 delas foram citadas. Blue tem 10.
Eu fiz questão de reouvir o disco para escolher a minha. Fiquei entre a comovente River e as harmonias de A Case of You. Eu não posso escolher só uma delas.
Conheci Blue lá por 1975 e acho que o ouço a cada dois ou três anos — o que é muito pra mim — e ele só melhora. Sou meio desligado da música popular, mas há coisas que vêm e ficam. Joni é uma grande compositora, letrista e contadora de histórias.
Aliás, que ano foi 1971! Construção (Chico), London London (Caetano), Who`s Next (The Who), Led Zeppelin IV, Fa-Tal (Gal), Ela (Elis Regina), Tapestry (Carole King), Ram (Paul McCartney), Imagine (John Lennon), Aqualung (Jethro Tull), All things must pass (George Harrison), o que mais?
Às vezes, esqueço dos Beatles. Na semana passada, durante uma divertida reunião na cama com crianças, pipocas, refris e algumas discussões, resolvi recuperar uma velha fita de vídeo com o documentário de 5 horas que acompanhou o lançamento do Beatles Anthology. Este documentário, datado de meados dos anos 90, foi calando-nos um a um. Ficamos inteiramente concentrados nele. Eu, ouvinte quase exclusivo de música erudita; Bernardo, meu filho, que está quase sempre ouvindo rock um pouco mais pesado e Bárbara, minha filha, que prefere música dançável e de diversão (ao estilo do B-52, por exemplo), assistimos a tudo fascinados. A explosão de juventude, alegria e criatividade representada por eles afeta qualquer um.
Abro o enorme livro The Beatles (da Revista Rolling Stone) que dei para o Bernardo e leio atentamente a introdução. Quem a escreve é Leonard Bernstein (1918-1990). Bernstein é uma figura única, pois além de ter sido respeitadíssimo regente de orquestra, foi pianista e um enorme compositor de música erudita. Como se não bastasse, escreveu musicais para a Broadway, sendo de sua autoria talvez o melhor deles, West Side Story, que recebeu no Brasil a impecável tradução Amor, Sublime Amor. Obviamente, é uma matéria paga, mas Bernstein era muito “inteiro” para colocar-se a serviço de algo que considerasse de segunda linha. Seu texto é apaixonado e demonstra algumas preferências curiosas. Diz que, em sua opinião, a melhor música do disco Revolver é She said, she said. Elogia também Eleanor Rigby (Revolver), Norwergian wood (Rubber Soul), Paperback writer (Single), She´s leaving home (Sgt. Pepper`s), Ticket to ride (Help) e quase todo o resto.
Também tenho as minhas. Considero obras primas While my guitar gently weeps, With a little help from my friends, For no one, In my life, I Will Follow the Sun, Helter skelter, Strawberry fields forever, The fool on the hill e mais cinqüenta outras.
Meu entusiasmo, portanto, é o mesmo. Os Beatles foram um grupo diferente. Normalmente os grupos abrigam apenas um bom compositor. Podemos tranquilamente dizer que o Led Zeppelin representaria “A música de Jimmy Page”, enquanto o Oasis seria “A música de Noel Gallagher”, o Who “A música de Pete Townshend”, o último Pink Floyd “A música de Roger Waters”, etc. Já os Beatles têm três músicos que poderiam fundar grupos. E que músicos! A coincidência de John Lennon, Paul McCartney e George Harrison terem nascido quase ao mesmo tempo em Liverpool e se tornado amigos na adolescência é notável e, penso, matematicamente irrepetível. É como se – guardadas as proporções para maior ou para menor — Chico Buarque, Caetano Veloso e Guinga resolvessem trabalhar juntos desde a juventude, competindo e brigando dentro de um grupo. E, se acrescentarmos a isto a presença do produtor, arranjador e pianista George Martin desde as primeiras gravações, chegaremos à conclusão de que os caras tinham muita sorte mesmo. E, para nossa sorte, todo o resultado está minuciosamente documentado – som e imagens -, como mostra o filme Beatles Anthology.
O Paulo Ben-Hur me convidou para deixar aqui as dez capas dos discos que mais me influenciaram. Só as capas, mas não resisti a fazer comentários. E eles foram crescendo disco a disco…
~ 1 ~
Bem, eu era uma criança quando minha irmã Iracema Gonçalves, em 1965, trouxe isso aqui pra casa. Eu certamente ouvi este disco mais de 500 vezes na minha vida — talvez mais de 1000 — e até hoje meu coração bate mais forte vendo a agulha com o disco girando antes de Harrison iniciar aquele solo de guitarra.
~ 2 ~
O segundo disco que mais me influenciou vem também lá da infância. A eletrola do meu pai ficava, por motivos difíceis de entender, no meu quarto. E ele ouvia muita música. Muita mesmo. Como eu, hoje, ele podia passar horas e horas ouvindo discos, um bem diferente do outro, o que deixava minha mãe louca.
Este era especial porque ele dizia que era algo diferente. Mas como eu saberia que era diferente se não conhecia nada? E ele, que era dentista e pianista amador, me explicava as harmonias, o violão, a batida, a forma de cantar… De tal forma que este é um LP que faz parte de mim. Veio pré-instalado no meu cérebro, o que jamais me incomodou.
E hoje eu sei que ele é absolutamente genial e revolucionário.
~ 3 ~
Esta é uma capa famosa, inspiradora de memes. Meu pai comprou o disco no ano de lançamento, em 1966, e ele rodava sem parar na nossa eletrola. Conheço cada acorde e verso dele.
É o LP de estreia deste cidadão muito admirado. Ouço este disco até hoje com enorme prazer.
~ 4 ~
O quarto disco é o primeiro erudito que comprei em minha vida. Era uma gravação pioneira em instrumentos originais, ainda com um jeitinho romântico, mas já com o som delicado e afinadíssimo que amo.
O Collegium Aureum era cheio de craques como Franzjosef Maier, Hans Martin Linde e Gustav Leonhardt.
Dias antes de comprá -lo, tinha saído do banho molhado, enrolado numa toalha, para perguntar a meu pai que maravilha era aquela que ele estava ouvindo. Era o Concerto de Brandenburgo N° 3 tocado com instrumentos modernos.
Então, dias depois, encontrei a minha maravilha na King’s Discos. Ele também ficou babando.
~ 5 ~
Eu era um adolescente que estava descobrindo Bach quando comprei este disco de Thurston Dart (1921-1971) interpretando as Suítes Francesas de Bach no clavicórdio. Estas Suítes foram escritas para cravo ou clavicórdio, tanto faz.
Eu não sabia, mas Dart não era qualquer um, tanto que foi professor de gente como Michael Nyman, Davitt Moroney, Sir John Eliot Gardiner e Christopher Hogwood. Era um disco estupendo comprado na sorte por um ignorante.
O clavicórdio é um instrumento de teclado onde as cordas são percutidas como as do piano, e não pinçadas como as do cravo. Seu som é o mais leve e intimista dentre os três e as Suítes Francesas de Dart me pareceram a coisa mais próxima a um sussurro que já tinha ouvido. Mas era um sussurro muito belo, engenhoso e astuto.
Na Inglaterra, Dart é o padroeiro dos estudos de interpretação histórica. Toda a geração seguinte reverencia seu nome, e vários livros de interpretação histórica dividem esta área do conhecimento musical entre antes e depois de Thurston Dart. Parece que era uma pessoa realmente inspiradora.
Ouço este LP até hoje com enorme prazer.
~ 6 ~
Esse influenciou mesmo. Foi o disco que abriu as portas da música erudita do século XX para mim.
Quem me levou até Bartók foi Erico Verissimo lá nos anos 70. Num de seus livros — creio que se trata de O Senhor Embaixador –, um personagem diz que os Quartetos de Bartók davam-lhe uma representação tão vívida da Europa nos períodos das Guerras Mundiais que lhe era insuportável ouvi-los.
Como sabia de entrevistas que Erico amava os Quartetos de Bartók, aquilo foi a senha definitiva para que eu os procurasse. Perguntei para o amigo Herbert Caro que gravação deveria comprar e ele respondeu que eu deveria ouvir a do Quarteto Végh. Bem, teria que importar e o fiz. Eram 3 LPs da Astrée Auvidis. Me custaram os olhos da cara e aquela pessoa que SABEMOS QUEM É sumiu com o trio de LPs nos anos 90.
Só que o mundo abriga amigos e amigos e é comum acontecerem coisa mágicas. Há uns 5 anos, o Norberto Flach me ofereceu a gravação do Végh para ouvir. Essa mesmo, a de 1972, a que eu tinha. Eu jamais tinha falado pra ele do roubo nem nada, ele só chegou e colocou num e-mail: “Queres?”. Imaginem o que respondi.
~ 7 ~
Depois eu fui tomado de assalto por Schubert, o homem que conseguia fazer a poesia cantar e a música falar. Poderia colocar aqui o LP de A Morte e a Donzela, ou um de Sonatas (Pollini ou Brendel), ou o Winterreise com Fischer-Dieskau, ou a Fantasia Wanderer (com Pollini, novamente), quem sabe os dois últimos quartetos com o Allegri ou A truta, mas acho que ouvi muito mais este Quinteto que chamava de Quintetão.
É uma peça bastante longa e foi a última composição de câmara de Franz Schubert. Às vezes é chamado de “Quinteto para violoncelo” porque foi escrito para um quarteto de cordas padrão mais um violoncelo extra em vez de duas violas, como é mais comum em quintetos de cordas convencionais. Foi composta em 1828 e concluída dois meses antes da morte do compositor.
O incrível é que a primeira apresentação pública da peça só ocorreu em 1850 e a publicação em 1853.
Vale a pena ouvir mil vezes. O Adágio é algo sobrenatural com suas duas seções externas muito lentas e uma parte central turbulenta.
Sem exageros, penso que quem não conhece esta música ainda não viveu. Simples assim.
~ 8 ~
Uma capa ridícula, um disco de uma gravadora desconhecida em 1982, mas eu queria conhecer a tal Sinfonia Concertante de Mozart. E tive uma surpresa.
Sim, há ‘Don Giovanni’, ‘A Flauta Mágica’, os Concertos para Piano de números mais altos, a Júpiter, a 40, o Concerto para Clarinete, o Divertimento K. 287, é tanta obra-prima que nem sei, etc., porém, dentre os sei lá quantos CDs de Mozart de minha discoteca, escolho esta despretensiosa gravação da Bis sueca. É a que mais gosto, é endorfina pura, me deixa feliz. E nem é pelo extraordinário Concerto para Piano, é muito antes pela interpretação da Sinfonia Concertante para Violino e Viola K. 364. Para meu gosto torto, é meu melhor CD do mestre de Salzburgo.
Em 1988, Peter Greenaway realizou sua obra-prima ‘Afogando em Números’ utilizando o Andante da Sinfonia Concertante, o qual é executado longamente durante as cenas de assassinatos de maridos pelas Cissies do filme. Certamente, Mozart nunca imaginaria tal utilização, mas ficou lindo, perfeito, dentro de um filme virtuosístico tanto pela atuação dos atores como por sua beleza plástica.
Mas nosso assunto é Mozart. Prestem atenção ao primeiro movimento da Sinfonia Concertante, atentem ao momento em que violino e viola entram para fazer seu primeiro solo. Se você não sentir arrepios, a pandemia lhe afetou. Dificilmente haverá um mergulho vertiginoso que seja mais belo.
E num ano desses — antes de 2013 –, a Elena, seu ex e o Alexandre Constantino me deram de presente uma interpretação do Andante da Concertante na casa onde eu morava. Fiquei pasmo.
Este disco está no PQP Bach.
~ 9 ~
Tenho que colocar aqui meu querido Shostakovich. E uma audição da 10ª Sinfonia me deixou tão, digamos, fora de mim, que eu escrevi uma carta para a Rádio da Ufrgs pedindo que eles repetissem a Sinfonia no programa Atendendo o Ouvinte.
Fui atendido e fiquei deitado no sofá de casa tentando entender porque aquilo me contava uma história e qual seria exatamente ela. Pois eu sentia que algo de muito grave estava sendo contado.
Este monumento da arte contemporânea mistura música absoluta, intensidade trágica, humor, ódio mortal, tranquilidade bucólica e paródia. Tem, ademais, uma história bastante particular.
Que é, resumidamente, esta:
Em março de 1953, quando da morte de Stálin, Shostakovich estava proibido de estrear novas obras e a execução das já publicadas estava sob censura, necessitando autorizações especiais para serem apresentadas. Tais autorizações eram, normalmente, negadas. Foi o período em que Shostakovich dedicou-se à música de câmara e a maior prova disto é a distância de oito anos que separa a nona sinfonia desta décima. Esta sinfonia, provavelmente escrita durante o período de censura, além de seus méritos musicais indiscutíveis, é considerada uma vingança contra Stálin.
Primeiramente, ela parece inteiramente desligada de quaisquer dogmas estabelecidos pelo realismo socialista da época. Para afastar-se ainda mais, seu segundo movimento – um estranho no ninho, em completo contraste com o restante da obra – contém exatamente as ousadias sinfônicas que deixaram Shostakovich mal com o regime stalinista.
Não são poucos os comentaristas consideram ser este movimento uma descrição musical de Stálin: breve, absolutamente violento e brutal, enfurecido mesmo. Sua oposição ao restante da obra faz-nos pensar em alguma segunda intenção do compositor. Para completar o estranhamento, o movimento seguinte é pastoral e tranquilo, contendo o maior enigma musical do mestre: a orquestra para, dando espaço para a trompa executar o famoso tema baseado nas notas DSCH (ré, mi bemol, dó e si, em notação alemã) que é assinatura musical de Dmitri SCHostakovich, em grafia alemã.
Para identificá-la, ouça o tema executado a capela pela trompa. Ele é repetido quatro vezes. Ouvindo a sinfonia, chega-nos sempre a certeza de que Shostakovich está dizendo insistentemente: Stalin está morto, Shostakovich, não. O mais notável da décima é o tratamento magistral em torno de temas que se transfiguram constantemente.
Crianças, não ouçam o segundo movimento previamente irritados. Você e sua companhia poderão se machucar.
Ah, e quem eu ouvia? Ora, a Filarmônica de Leningrado sob Mravinsky, que foi o maestro que estreou a obra.
~ 10 ~
Esta é uma gravação que ouvi lá na virada do século e que, para mim, é a melhor desta obra-prima de Bach. Talvez seja a música que mais amo de todas. Sim, muita gente a gravou, os adversários são fortíssimos, mas nada se lhe compara ao que fez Pierre Hantaï. Confiram!
Eu nunca tive insônia. Talvez, em razão de alguma dor ou febre, não tenha dormido repousadamente apenas uns dez dias em minha vida. Não é exagero. Quando me deprimo, durmo mais ainda e acordar é ruim, péssimo. O sono é meu refúgio natural. Mas há pessoas que reclamam (muito) da insônia. Saul Bellow escreveu que ela o teria deixado culto, mas que preferiria ser inculto e ter dormido todas as noites — discordo do grande Bellow, acho que ele deveria ter ficado sempre acordado, escrevendo, vivendo e escrevendo para nós. Também poucos viram Marlene Dietrich adormecida. Kafka era outro, qualquer barulho impedia seu descanso, devia pensar no pai e passava suas noites acordado, amanhecendo daquele jeito após sonhos agitados… Groucho Marx, imaginem, era insone, assim como Alexandre Dumas e Mark Twain. Marilyn Monroe e Van Gogh também sofriam muito.
O Conde Keyserling sofria de insônia e desejava tornar suas noites mais agradáveis. Ele encomendou a Bach, Johann Sebastian Bach, algumas peças que o divertissem durante a noite. Como sempre, Bach fez seu melhor. Pensando que o Conde se apaziguaria com uma obra tranquila e de base harmônica invariável, escreveu uma longa peça formada de uma ária inicial, seguida de trinta variações e finalizada pela repetição da ária. ‘Quod erat demonstrandum’. A recuperação do Conde foi espantosa, tanto que ele chamava a obra de “minhas variações” e, depois de pagar o combinado a Bach, deu-lhe um presente adicional: um cálice de ouro contendo mais cem luíses, também de ouro. Era algo que só receberia um príncipe candidato à mão de uma filha encalhada.
O Conde tinha a seu serviço um menino de quinze anos chamado Johann Gottlieb Goldberg. Goldberg era o melhor aluno de Bach. Foi descrito como “um rapaz esquisito, melancólico e obstinado” que, ao tocar, “escolhia de propósito as peças mais difíceis”. Perfeito! Goldberg era enorme e suas mãos tinham grande abertura. O menino era uma lenda como intérprete e o esperto Conde logo o contratou para acompanhá-lo não somente em sua residência em Dresden como em suas viagens a São Petersburgo, Varsóvia e Postdam. (Esqueci de dizer que o Conde Keyserling era diplomata). Bach, sabendo o intérprete que teria, não facilitou em nada. As Variações Goldberg, apesar de nada agitadas, são, para gáudio do homenageado, dificílimas. Nelas, as dificuldades técnicas e a erudição estão curiosamente associadas ao lúdico, mas podemos inverter de várias formas a frase. Dará no mesmo.
O nome da obra — Variações Goldberg, BWV 988 — é estranho, pois pela primeira vez o homenageado não é quem encomendou a obra, mas seu primeiro intérprete.
Não posso distribuir cálices de ouro por aí, mas talvez devesse dar alguma coisa a Pierre Hantaï, o maior intérprete da obra.
Estou ocupadíssimo, então vamos a uma listinha irritante com a qual ninguém vai concordar.
1. João Gilberto – Chega de Saudade, sem comentários.
2. Elis Regina e Tom Jobim – Elis e Tom, idem.
3. Heitor Villa-Lobos – Bachianas Brasileiras com a Orquestra da Rádio Teledifusão Francesa, regência de Villa-Lobos, idem.
4. Edu Lobo – Edu Lobo (1973), o que tem Vento Bravo, Viola Fora de Moda, etc.
5. Chico Buarque – Meus Caros Amigos, acho que é o melhor do Chico. Há aquele de 1966, com A Banda, Olê, olá, Pedro Pedreiro, A Rita, Você não ouviu, etc., mas fico com este, snif.
6. Tom Jobim – Matita Perê, vocês conhecem? É um Tom curioso, muito diferente e experimental. Uma joia.
7. Egberto Gismonti – Dança das Cabeças, quem está melhor? Egberto ou Naná Vasconcelos?
8. Paulinho da Viola – Nervos de Aço, a mulher abandona Paulinho e ele passa a cometer obras-primas.
9. Milton Nascimento – Clube da Esquina 2, mas poderia ser o “1”, ou quem sabe Geraes.
10. Elis Regina – Elis Regina (1966), aquele que tem Lunik 9, Carinhoso, Tem mais samba…
11. Tom Jobim, Vinicius de Moraes e Elizete Cardoso – Canção do Amor Demais, impossível ficar de fora, mas aí já são onze e…
12. Mutantes (1968) e Mutantes (1969) – Os Mutantes, é quase um álbum duplo e ainda…
13. Hermeto Paschoal – Slaves Mass.
A foto de capa do primeiro LP (todos sabem o que é isto?) de Chico Buarque é hoje meme nas redes sociais. Aliás, faz alguns anos que isto acontece. O curioso é que, na época em que foi lançado, em 1966, quase todas as capas de discos eram sem graça, ao menos no Brasil. Só que a deste disco foge inteiramente aos padrões daqueles anos. Ela é surpreendente, expressiva e hoje há ferramentas que permitem sua “adulteração”. Uma delas é o Chico Buarque Meme Creator. E não é só no Brasil que ela é utilizada para servir de base a piadas. A cantora norte-americana Patti Smith já criou sua versão do meme e torcedores de futebol inglês a utilizam frequentemente quando seus adversários sofrem decepções. Apoiada na ideia simples de que alguma coisa boa — ou uma boa perspectiva — é subitamente desfeita, o meme chegou a ser usado numa propaganda de um shopping no Piauí, o que levou Chico Buarque a processar o estabelecimento por uso indevido de imagem. Não obstante os abusos, Chico se diverte e deixou isto claro num vídeo que divulgou em seu site. Em conversa com João Bosco, ele disse que “o meme é do cacete”.
Um exemplo dos mais recentes é uma referência ao fato de Chico ter sido hostilizado verbalmente num restaurante do Leblon por defensores do impeachment da presidente Dilma. Então, sob a imagem do Chico Buarque sorridente, foi colocada a frase: “Fui jantar no Leblon”. E, debaixo da foto do compositor com uma expressão sisuda: “Encontrei playboy leitor da Veja”.
O produtor do disco, Manoel Barenbein, não lembra de onde partiu a ideia da imagem:
— Naquela época, eu cuidava apenas da gravação. A parte de arte era do Júlio Nagib (morto em 1983) — revelou Barenbein ao jornal O Globo. — Imagino que ele, Chico e Dirceu Corte-Real (que assina as fotos e o lay-out na ficha técnica do álbum) conversaram e chegaram juntos a essa ideia do Chico sorrindo e do Chico triste.
O que muita gente não imagina é que, por trás das piadas, esconde-se um tesouro — as canções que o jovem Chico escreveu em sua juventude. Abaixo, você poderá ouvir cada uma delas.
O disco foi lançado em 1966 quando o compositor tinha entre 21 e 22 anos. Nascido em 1944, Chico Buarque chegou a ingressar em 63 no curso de Arquitetura na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade de São Paulo. Cursou dois anos e trancou a matrícula quando a carreira artística começou a tomar muito tempo.
Ele poderia ter sido mais um compositor lançado por Elis Regina, mas a cantora acabou desistindo de gravá-lo. Chico era tão tímido que Elis achou que ele “não tinha ido com sua cara” e acabou deixando de lado suas músicas. “Não vou gravar um cara que não gostou de mim”, disse. Mas não era nada disso. Chico ficara apenas constrangido ao mostrar suas criações para uma “cantora famosa”. E a honra de lançar Chico Buarque ficou para a obscura Maricene Costa, que registrou Marcha para um dia de sol em 1964.
A figura do próprio compositor revelou-se ao público brasileiro quando ele ganhou o Festival da Record em 1966 com A Banda — que abre o disco –, interpretada por Nara Leão. A canção empatou em primeiro lugar com Disparada, de Geraldo Vandré, interpretada por Jair Rodrigues. No entanto, Zuza Homem de Mello, no livro A Era dos Festivais: Uma Parábola, comprova que A Banda vencera o festival. O musicólogo preservou por décadas as folhas de votação do festival. Nelas, consta que A Banda ganhou por 7 a 5. Porém, Chico, ao perceber que ganharia, foi até o presidente da comissão e disse não aceitar a derrota de Disparada. Caso isso acontecesse, entregaria o prêmio à concorrente.
O LP de 1966 revela várias faces do futuro Chico. Ela e sua Janela, Você não ouviu e Olê Olá demonstram a faceta lírica de um compositor que chegava a uma bem sucedida pós-bossa nova. Pedro Pedreiro traz as preocupações sociais — além de ter sido a base experimental para o modo como viria a trabalhar os versos. Juca e A Rita são puro e bom Noel Rosa. A Banda é uma marchinha no estilo de Ismael Silva. Tem mais samba, Madalena foi pro mar, Amanhã, ninguém sabe, Meu Refrão e Sonho de um Carnaval são a voz do próprio autor que seria polida nos anos seguintes.
Como quase todos, Chico também imitava João Gilberto e Tom Jobim (que o mandou estudar música), além de Vinicius de Moraes. Mas desde o primeiro momento buscou a aproximação do samba e da bossa nova. Havia nele muito Noel, mas também Tom Jobim.
Se Chico é ainda saudado hoje, na época de sua aparição era chamado de “a única unanimidade nacional”. Seu trabalho ao musicar Morte e vida severina, de João Cabral de Melo Neto, foi reverenciado pela crítica. Por outro lado, tornara-se popularíssimo graças ao fenômeno A Banda, cujo compacto de Nara Leão vendeu 100 mil cópias em uma semana.
Quando da explosão de A Banda, a gravadora RGE foi rápida. Sabia que não podia virar as costas para toda aquela popularidade. Afinal, Chico nem tinha LP e já era famoso! Tinha chegado a hora de um disco com doze canções. E ele foi gravado nos finais de semana em razão de compromissos profissionais dos envolvidos. Os arranjos foram de Toquinho. O resultado foi um disco perfeito, nascido clássico. “Lá está a filosofia de um Noel, a riqueza melódica de um Vadico, o balanço de um Janet de Almeida, um Vassourinha, um Ciro, de um Mário Reis devidamente atualizado pela batida moderna de Toquinho (…). A música popular brasileira se reencontrou com Chico Buarque de Hollanda”, escreveu Sylvio Tullio Cardoso no mesmo O Globo.
Porém, mesmo neste início de carreira, Chico já tinha embates com a censura. A canção Tamandaré, que estaria no disco, foi proibida após seis meses em cartaz no show Meu Refrão, por ter frases ofensivas ao patrono da marinha, Almirante Joaquim Marques Lisboa. A Marinha não achou graça e vetou a brincadeira. A figura do almirante Tamandaré era estampada nas notas de 1 cruzeiro e Chico perguntava: “Meu marquês de papel, cadê teu troféu? Cadê teu valor? Meu caro almirante, o tempo inconstante roubou…”. A música permaneceu proibida até o ano de 1991, quando foi gravada pelo Quarteto em Cy. A curiosidade é que, para completar a trilha sonora, em substituição à Tamandaré, Chico compôs Noite dos Mascarados…
“‘Seu Marquês’, ‘Seu’ Almirante / Do semblante meio contrariado / Que fazes parado / No meio dessa nota de um cruzeiro rasgado / ‘Seu Marquês’, ‘Seu’ Almirante / Sei que antigamente era bem diferente / Desculpe a liberdade / E o samba sem maldade / Deste Zé qualquer / Perdão Marquês de Tamandaré”.
Num depoimento concedido a Regina Zappa, Chico surpreende: “Quando conheci Nara, em 65, 66, a gente achava que aquilo tudo estava ficando cansativo, a moda das canções de protesto me incomodava. Era bonitinho ser contra o governo. Parecia a burguesia brincando e dava a impressão de ser um pouco oportunista. Então fiz A Banda e dei para a Nara gravar. Foi uma coisa meio proposital, tipo um chega”. Só que a música explodiu e foi considerada mais um ataque à ditadura. Tudo, aliás, que escrevesse naquele tempo, já era considerado como crítica ao poder dos militares, o mais visível.
Mas voltemos ao disco. No texto do encarte do disco, Chico escreve: “É preciso confessar que à experiência com a música de Morte e vida Severina, devo muito do que aí está. Aquele trabalho garantiu-me que melodia e letra devem e podem formar um só corpo. Assim foi que procurei frear o orgulho das melodias, casando-as, por exemplo, ao fraseado e repetição de Pedro pedreiro, saudosismo e expectativa de Olê, olá, angústia e ironia de Ela e sua janela’, alegria e ingenuidade de A banda, etc”. No fim, falava das imagens da capa: “Enfim, cabe salientar a importância do limão galego para a voz rouca de cigarros, preocupações e gols do Fluminense (só parei de chupar limão para tirar fotografias)”.
Não li todos os livros de Chico Buarque, mas penso que, com alguma margem de segurança, possa dizer que este é seu melhor, ao lado de Budapeste. Manuel Duarte — notem a semelhança sonora com Chico Buarque — é um escritor que gosta de caminhar pelo Leblon, cuja grande obra foi escrita no passado e ainda é muito respeitada.
O livro é escrito em pequenos capítulos como se formassem um diário. São escritos, é claro, na primeira pessoa, só que por vários personagens. (Há uma voz misteriosa que narra em terceira pessoa). Essa gente é duro, muito carioca e inclui fatos muito recentes. Imaginem que o diário finda em 25 de setembro de 2019. Duarte é autor de diversos livros, dentre eles um sucesso estrondoso — O Eunuco do Paço Real -, mas hoje produz pouco e está na pindaíba. Tem duas ex, uma tradutora e uma decoradora que depois se especializou em procurar homens ricos e liberais do ponto de vista sexual. Com a primeira mulher, tem um filho pré-adolescente com o qual mal conversa.
Enquanto escreve um novo livro e espera pela reedição do Eunuco, Duarte anda atrás de dinheiro e de mulheres. Das suas ex e de Rebekka, uma holandesa, mulher de um salva-vidas muito considerado no morro. O autor não parece muito apaixonado por seus personagens, parece mais fixado e estarrecido pelas circunstâncias, pela conformidade das pessoas em relação à vida que levam, pela comédia que é ignorar o que se passa. É um livro que mostra o espancamento de um mendigo, o bullying sofrido por uma criança em razão de ser filho de “gente de esquerda”, a humilhação de porteiros, tudo coisa normal. É um triste cenário de decadência moral com gente preocupada em salvar sua pele em primeiro plano. É uma realidade estranha, violenta e trágica. O final é especialmente enigmático. Chico nos deixa com o pincel na mão para pintarmos o que se quisermos. E a gente só pensa em tinta preta e em vermelho sangue.
Fui um adolescente tarado por música. Aliás, até hoje sou assim. É claro que ouvia muito Milton, Chico, Caetano, Edu Lobo e outros, mas minha preferência era pelo rock inglês. Grosso modo, meu mundo artístico girava em torno de Beatles, Led Zeppelin, Stones, The Who, Pink Floyd e Deep Purple.
Mas, entre 1973 e 74, entre os 16 e 17 anos, deixei rapidamente o rock de lado e me apaixonei pelos meninos J. S. Bach, Beethoven e Bartók. Eles pareciam ser fontes inesgotáveis, com os quais poderia viver minha vida até o final. Apesar de ouvir — sem exagero — mais uns 400 compositores eruditos, mantenho aquela impressão até hoje. Poderia ficar só com aquele trio. Afinal, há algo melhor do que Bach ou do que os últimos Quartetos de Beethoven e os 6 de Bartók? Não, não há.
Mas derivo. O que desejava dizer é que conheço e sei tudo de rock até 1973. Tenho os vinis da época em bom estado e a Elena, por exemplo, gosta muito de ver rodar meus discos dos Beatles no toca-discos que ainda mantenho. Mas não sei de mais nada do que aconteceu depois de 1974.
Então, neste domingo, a Ospa vai fazer um de seus concertos populares tocando Pink Floyd. Olhei a relação das canções e nada, não conheço porra nenhuma. Só o medley de The Dark Side of the Moon, claro, disco que conheço de verso e reverso. Do resto, nada.
Este foi um corte muito estranho. Após comprar o álbum duplo dos Concertos de Brandenburgo com o Collegium Aureum, tudo mudou e, olha, só segui comprando os discos do Chico (todos), da Mônica Salmaso (todos) um do Queen, um do Prince e outro do Beck.
E sei lá porque estou contando isso procês. Ah, por causa da Ospa.
1. Acho difícil comparar a situação atual com aquela do Nobel dado a Bob Dylan. O Nobel não ficou maior entregando seu prêmio de Literatura para Dylan, diria até que ficou menor. Já o Camões — que muitos desconheciam — ficou maior ao chamar Chico Buarque.
2. Sabemos que este prêmios muitas vezes são geopolíticos. Vários Nobéis foram dados a escritores menores porque estes faziam oposição a governos absurdos. Assim, a distinção para Chico Buarque chega para chamar a atenção das pessoas para o país, além de incomodar os fascistas ou ignorantes que elegeram um iletrado que, logo após a chegada ao poder, extinguiu o Ministério da Cultura como se fosse um penduricalho inútil.
3. Caberia também acrescentar que Chico sempre teve posições políticas claras, nada lisas ou duvidosas.
4. Chico é um representante importante da cultura nacional que está sendo atacada. Passou a vida entre Drummond, Bandeira, Vinícius, João Cabral, Tom Jobim e um monte de gente que o influenciou. Parece que João Cabral recebeu o Camões, mas mesmo assim vale a observação. Temos alguém mais importante?
5. Li quase todos os livros de Chico. ‘Budapeste’ é excelente e ‘Leite Derramado’ é muito bom. E ele não faz o óbvio. Seus livros não são “para vender” por carregarem um autor conhecido. São originais e são literatura.
6. Como este governo precisa ver seus inimigos no chão, a ridícula ministra Damares, ao exibir para deputados, em tom crítico, num telão, algumas imagens de Lula, Marighella, etc., mostrou uma foto de Chico e disse, quando apareceu uma foto de Chico: “Eu acho que esse é um cantor, né?”. Ou seja, até a débil sentiu o golpe.
7. Interessa mesmo saber se o prêmio foi para o músico, para o autor ou para a figura pública? Talvez seja para o homem que transita como poucos entre o erudito e o popular, não?
8. Para finalizar, voltando a Dylan e às provocações: “E quem há de negar que Chico lhe é superior?”.
No início de 2018, assisti a um show meio improvisado de Guinga e Dudu Sperb no StudioClio. Guinga tinha chegado à Porto Alegre naquela mesma tarde e eles tinham ensaiado apenas uma vez. A dupla se observava bem para entrar junto, mas não ocorreram problemas. Era clara a afinidade, a apresentação mais parecia um reencontro. Foi realmente um arraso.
Depois, eles repetiram a dose em mais três espetáculos. Foram espetáculos mesmo, com a voz de Dudu cantando as melodias do tremendo compositor e violonista que é Guinga.
Agora, a Bamboletras recebeu o CD Navegante — Dudu Sperb recebe Guinga. Acabo de ouvi-lo. Ele traz as belas interpretações de Dudu com as harmonias de Guinga ao violão. Trata-se de uma verdadeira joia. No disco, estão algumas das melhores canções do compositor carioca como Bolero de Satã (imortalizada por Elis), Você, Você (de Guinga e Chico Buarque, que apareceu no disco As Cidades, do último), Catavento e Girassol (cantada originalmente por Leila Pinheiro, creio), Silêncio de Iara, Senhorinha e o fado clássico, adoradíssimo na minha casa, Navegante. Como se não bastasse, ainda há uma homenagem à Marielle Franco: Nobreza da Maré.
FAIXA A FAIXA POR DUDU SPERB
1 – Sete estrelas (Guinga/Aldir Blanc)
Ao ritmo de uma toada de Guinga, com essas palavras de Aldir Blanc, abrimos o CD: “Eu canto a música da gente quando nua e crua…”. Além de traduzirem um pouco o espírito de outras parcerias desses dois compositores, elas representam um perfeito preâmbulo para o que está por vir, para a audição do disco. Mais adiante, a letra diz: “toda mentira minha é verdadeira”. Se pensarmos que as palavras “nua” e “crua” podem ser associadas ao conceito de verdade, é igualmente possível se compreender que essa veracidade se dá, também, através da “mentira” da canção. Ou seja, a música (que não somos nós, especificamente, mas que é uma manifestação nossa) traz em si a possibilidade da gente “ser” e “existir” de diversas formas através da interpretação. Pra mim, isso é um pouco como se dizer: “essa é a nossa música e através dela e de sua fantasia nós nos desvelamos”. E tudo que as pessoas ouvirão nesse disco tem como fundamento essa premissa da arte de ser uma “mentira” portadora de uma “verdade”.
2 – Canção do Lobisomen (Guinga/Aldir Blanc)
Essa é uma canção que, em música e letra, me parece uma boa introdução ao universo de Guinga. Sombria e bela, alude à fera incorporada à nossa humanidade que nos faz, por vezes, destruir aquilo que mais queremos ou necessitamos, que carrega o veneno sem entender por que e sem saber como se desvencilhar, se curar disso. Uma obra perene, mas que, especialmente nesse momento, se apresenta ainda mais ampliada em seu sentido.
3 – Choro pro Zé (Guinga/Aldir Blanc)
Esse choro com ares de jazz foi feito em homenagem ao grande saxofonista Zé Nogueira, com uma letra que reflete sobre a simbiose da música com a vida e do músico com seu instrumento. Mesmo sutilmente, nessa faixa cantei buscando colocar na voz ainda mais a entoação de um instrumento de sopro, como um sax.
4 – Catavento e girassol (Guinga/Aldir Blanc)
Outro clássico, e uma das canções mais conhecidas e admiradas de Guinga, Catavento e girassol éum exemplo perfeito de excelência, de beleza e de sofisticação. A exemplo do Quereres de Caetano, esse choro-canção versa sobre os desencontros dos desejos, das condutas, do jeito de ser de duas pessoas. Aqui, entretanto, essas oposições se colocam talvez de forma um tanto mais ambígua por serem colocadas mais singularmente como complementares. Exatamente como o que ocorre num reflexo no espelho: a imagem refletida sendo, ao mesmo tempo, o oposto e o arremate. E sua melodia, que vai e volta, inquietante e dramática, é marcante e sublime. Para mim, que sou barítono, os tons de muitas obras de Guinga às vezes beiram os limites da voz. A exemplo de “Canção do Lobisomem” e “Neblina e flâmulas”, entre outras, essa foi uma das canções do CD em que foi necessário atingir regiões bastante graves, um desafio técnico que resultou num ganho interpretativo: fiquei contente com as zonas sombrias da voz que alcancei e pelo quanto pude me adequar a elas para trabalhar a emoção. Me parece que, dessa forma, essas composições ganharam outros contornos.
5 – O silêncio de Iara (Guinga/Luis Felipe Gama)
Desde que a ouvi, no disco Noturno Copacabana, me encantei com esse belíssimo e singular choro-canção que alude, de forma sutil, à mítica senhora das águas, a sereia do folclore brasileiro. Ela possui em sua melodia algo de soporífico, de vai e vem, ao que a letra se amolda de forma hábil e elegante.
6 – Bolero de Satã (Guinga/Paulo César Pinheiro)
Foi através de Bolero de Satã, interpretada por Elis Regina e Cauby Peixoto, em 1979, que tomei conhecimento de Guinga. Lembro do quanto fiquei impressionado e encantado ao ouvi-la. Por esse motivo, pelo que ela teve de primordial como introdução ao universo do compositor, essa era uma canção que não poderia faltar no CD: gravei-a porque adoro a canção, mas sobretudo como uma homenagem a Elis, a Cauby e ao próprio Guinga.
7 – Ilusão real (Guinga/Zé Miguel Wisnik)
Outro choro-canção, misterioso, que desafia o cantor com sua melodia complexa. A letra “em aberto”, de Wisnik, permite inúmeras percepções, interpretações. Estão aqui reunidos, numa canção, dois dos principais compositores da atualidade, que estão entre os meus preferidos, e em cujas obras eu me perco e me encontro.
8 – Nobreza da Maré (Guinga/Anna Paes/Simone Guimarães)
Única obra inédita do CD, Nobreza da Maré é uma rara parceria de Guinga com outras duas compositoras. Simone Guimarães já havia feito letras para algumas de suas melodias, mas creio ser essa a primeira vez que ele, além de dividir a autoria com duas mulheres, ainda compartilha a composição da música com uma delas, no caso, com Anna Paes. Isso é ainda mais interessante pelo fato da canção também prestar homenagem a uma mulher: a vereadora Marielle, assassinada há um ano no Rio de Janeiro. Um lindo e comovente choro que me foi apresentado pelo próprio Guinga, em 2018, quando chegamos a interpretá-la, meio de improviso, num show do StudioClio.
9 – Avenida Atlântica (Guinga/Thiago Amud)
Me encantei com esse samba-canção ao ouvi-lo numa gravação de Guinga com o clarinetista italiano Gabrielle Mirabassi. Na mesma hora perguntei a Guinga se tinha letra. Felizmente havia uma letra encantadora de Thiago Amud, outro parceiro constante do mestre carioca. Trata-se de uma canção suave e lírica como o vai e vem das ondas, e outra linda homenagem ao Rio de Janeiro.
10 – Nonsense (Guinga/Paulo César Pinheiro)
Essa composição é uma preciosidade das preciosidades. E pensar que Guinga e Paulo César Pinheiro a conceberam quando tinham por volta de 20 anos, apenas… Sua narrativa de um suicídio é feita em frases que, por serem articuladas de formas completamente inusuais, dão uma certa sensação de falta de sentido. Porém, os significados de fato estão sendo explicitados ali; basta ouvi-la uma segunda ou uma terceira vez, se debruçando mais sobre a letra. Depois de cantada uma vez inteira, a narração retorna, completa, com a mesma letra em português, mas com uma pronúncia forçadamente francesa, o que faz ampliar ainda mais essa sensação de nonsense, de não discernimento, de falta de lógica. As palavras em português “entoadas em francês”, promovem então uma desarticulação ainda maior, deslocando, misturando, escondendo ou revelando significados, aqui e ali. E a melodia dessa valsa que vai e volta, que avança e que novamente é retomada, se projeta de forma espiralada como num voo desnorteado, sugerindo ela também uma ação incompleta ou uma indecisão de chegar ao fim.
11 – Neblina e flâmulas (Guinga/Aldir Blanc)
Essa é uma canção que nos apresenta um Aldir Blanc mais lírico do que o usual. Me apaixonei por ela na primeira vez em que a ouvi, no CD que Leila Pinheiro gravou com as canções de Guinga. Sobretudo a melodia, sempre me deu vontade de chorar. Novamente os graves se impuseram, e eu imergi numa interpretação mais densa, fazendo sobressair um certo sentido de perdição que ela revela. Essa foi a única composição que, em nossos poucos encontros para definir o repertório do show, Guinga cogitou subir o tom. Mas eu me propus a cantá-la assim, no tom original como as demais canções, seguindo a navegar por suas profundezas. E adorei o resultado.
12 – Você, você (Guinga/Chico Buarque)
A única parceria desses dois mestres cariocas só poderia resultar nessa maravilha. Letra e música são tão misteriosas, tão perfeitas em si mesmas e em seu casamento, que foi um encantamento interpretá-la. E, para minha própria surpresa, essa foi uma das execuções que saíram mais de pronto. Foi só eu me deixar levar, seduzido por ela, por seu misto de devaneio e realidade, de vigilância e sono.
13 – Senhorinha (Guinga/Paulo César Pinheiro)
Creio que, junto com Bolero de Satã, essa é a canção mais conhecida de Guinga. E ela é também, possível e provavelmente, a mais amada pelo público, uma modinha que alia delicadeza e beleza em cada nota de sua primorosa melodia a uma letra plena do encanto e da sofisticação de uma história de contos de fadas. Há muitos anos, eu já havia registrado essa canção, apenas de modo demostrativo, para um outro projeto de disco que não chegou a acontecer. Agora, com sua bênção e tendo-o como guia, finalmente pude interpretá-la com Guinga.
14 – Navegante (Guinga/Paulo César Pinheiro)
Outra composição da juventude de Guinga e Paulo César Pinheiro, esse fado é uma beleza que, se não soubéssemos, julgaríamos ter sido feita por compositores mais maduros e experientes. Depois de todas as histórias narradas nas canções anteriores, essa me parecia a obra perfeita pra fechar o disco. Somos todos navegadores e seguimos rumos, queiramos ou não. Mas justamente aqui, imersos nesse universo de canções, o que fazemos, mais do que qualquer coisa, é ir em busca de emoção, soltos na imensidão. E o disco, que começou com uma espécie de testemunho sobre a música, termina ecoando a palavra coração.
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Quem conhece sabe que Guinga (Rio de Janeiro, 1950) é um dos maiores compositores brasileiros. Artista de longa e brilhante trajetória, excepcional violonista com vários discos gravados, tem obra reconhecida, tanto no Brasil como no exterior. Teve canções gravadas por cantoras como Elis Regina, Clara Nunes e Leila Pinheiro. Mais recentemente, vem atuando ao lado de Mônica Salmaso, Maria João, Esperanza Spalding, André Mehmari, Francis Hime, Gabriele Mirabassi e de grupos como o Quinteto Villa-Lobos, entre outros. Não, não é pouco. E, para completar, sobre suas melodias se debruçaram alguns dos maiores letristas brasileiros, como Chico Buarque, Aldir Blanc, Paulo César Pinheiro, etc.
Desde 1988, Dudu Sperb (Porto Alegre, 1961) tem trabalhos como intérprete em projetos com músicos como Paulo Dorfman, Adão Pinheiro, Cau Karam, Toneco da Costa, Fernando do Ó, Giovani Berti, Maurício Marques, Arthur de Faria, Michel Dorfman, Vagner Cunha, Nico Bueno e Luiz Mauro Filho, entre outros. Atuou junto a artistas como Zé Miguel Wisnik, Ná Ozzetti e Milton Nascimento e apresentou-se em países como França, Holanda, Bélgica, Portugal e Uruguai. Possui quatro CDs gravados.
Há uma canção de Chico Buarque, Sentimental, onde uma menina de 16 anos que acredita em astrologia afirma simplesmente que “o destino não quis”. Em outro gênero, realmente digno de uma Sherazade, a escritora dinamarquesa Karen Blixen escreveu 5 surpreendentes contos sob o título Anedotas do Destino. Também há uma frase atribuída a Woody Allen: “Se você quer fazer Deus rir, conte a ele seus planos”.
Tudo conspirava para que o jovem Antônio Télvio de Oliveira tivesse uma carreira internacional como tenor. Começou a carreira de maneira fulminante solando a 9ª Sinfonia de Beethoven com a Ospa sob a regência de Pablo Komlós, aos 22 anos. Depois, foi para fora do país, obteve bolsas e mais bolsas de estudo, só que o destino lhe preparou das suas. O mundo deu muitas voltas e Télvio se safou por ter também os talentos de desenhista e técnico em eletrônica. Mas sempre poderá dizer que cantou com Montserrat Caballé antes de ela cantar com Freddie Mercury.
Conversamos com Antônio Télvio em seu apartamento no bairro Petrópolis em Porto Alegre. Vamos à história.
Abaixo, um registro de 1966 onde você poderá ouvir sua voz de tenor. Esta gravação foi realizada na Capela do Colégio Rosário com o organista Camilo Vergara, o Coro de Meninos do Colégio Roque Gonzales e regência de Aloísio Staub.
Guia21: Teu nome completo é?
Télvio: Eu nasci no dia de Santo Antônio, por isso me botaram o nome de Antônio. Antônio Télvio Azambuja de Oliveira, mas eu nunca usei todo meu nome, às vezes uns jornais botavam Antônio Oliveira, outros botavam Antônio Télvio. Na Espanha, me chamavam de “Azambuia”.
Guia21: Como e quando começou o seu interesse pela música?
Télvio: A minha mãe era musicista amadora. Tocava piano de ouvido. A minha vó também tocava piano. A minha casa era muito musical.
Guia21: Faziam saraus na tua casa?
Télvio: Sim. Inclusive minha mãe tinha uma gaitinha de boca que era um chaveiro, ela tocava o Boi Barroso num chaveiro! Era uma musicista nata. Não tenho essa musicalidade.
Guia21: E então, como tudo começou?
Télvio: Bom, quando eu estava no ginásio, havia uns festivais de música, coisa do interior. Minha família era muito social e eu cantava de vez em quando. Então começaram a solicitar que eu cantasse. Eu alcançava uns agudos que nem sei como… Uma vez, nós fizemos uma excursão até Santa Maria para jogar futebol ou basquete. E, à noite, fomos a uma boate chamada Casbah. O local tinha uma decoração de casa de sultão. Aí eu, com meus colegas todos, todos de 18, 19 anos, ouvi alguém gritar: “Esse canta, esse aqui canta!”. E eu tive que cantar no meio de uma boate de estilo Oriente Médio.
Guia21: Sem acompanhamento?
Télvio: Na base da porrada, a cappella mesmo! Cantei umas canções napolitanas naqueles tapetes. Foi um aplauso danado. O cara da boate quis me contratar. Os meus amigos disseram pra ele: “Vai falar com o pai dele, que tu vai levar um corridão”. Meu pai não era muito desses negócios, era o tipo de cara que se escutasse uma buzina de automóvel ou uma canção, era a mesma coisa. E aquilo morreu por ali… Só que eu fiquei com aquilo na cabeça. Aquela música… Eu a cantava em casa. Depois começaram aquelas Ave Marias que eu era chamado para interpretar em casamentos de vez em quando. E eu pensei “Pô, vou estudar canto”.
Guia21: Nisso tu tinhas 16 anos, mais ou menos?
Télvio: Sim, 16, 17, por aí. Naquele tempo eu era meio vagabundo, terminei o ginásio só com 17, não gostava de estudar. Aí vim para o Colégio Rosário em Porto Alegre — vim para fazer o científico, atual segundo grau — e ao mesmo tempo me matriculei no curso preparatório de canto no IBA (Instituto de Belas Artes da Ufrgs) e comecei a estudar. Vamos abrir um parêntese? Minha família costumava veranear em Iraí, naquela estação de águas. Hoje não se fala mais nas águas termais de Iraí, mas naquela época Iraí era um lugar onde ia muita gente no verão… E, certa vez, estava lá dona Eni Camargo. Ela foi uma personalidade muito interessante aqui de Porto Alegre. Ela era cantora e professora na Ufrgs. No hotel onde ficávamos havia saraus de música em que ela cantava e tocava piano. Era uma veranista em Iraí, como nós. Então, em Porto Alegre, antes de começarem as aulas, eu a visitei. Fui lá, me apresentei e a Eni Camargo quis escutar alguma coisa. Eu lembro que cantei Torna a Sorrento. Aí ela olhou pro marido dela, o Osvaldo Camargo, e disse assim: “Olha aí, Osvaldo. Esse cara tem uma voz que parece a do Mario del Monaco. Eu nem sabia quem era Mario… Aí ela me aconselhou a estudar no Belas Artes com a professora Olga Pereira. Eu saí de lá e passei numa loja de discos para ver quem era esse Mario del Monaco, mas a minha voz não era parecida com a dele, nunca foi.
Guia21: E tu entraste no Belas Artes.
Télvio: Comecei a estudar lá em 1959. O canto é um negócio complicado, tu demoras para fazer alguma coisa que preste. Um ano antes de concluir o curso, eu fiz vestibular para Filosofia, que achei que seria fácil de passar. Passei. Entrei na Filosofia por causa do meu pai. Achava que tinha que dar satisfação pro velho, né? Ele queria Direito ou Engenharia. Ele pensava que o Canto não era sério — meu pai ficava estranho comigo quando o assunto era Canto, como se eu fosse viado, sabe como é. O curioso é que eu estudava Filosofia, Canto e gostava muito de eletrônica, vivia criando verdadeiras parafernálias, equipamentos.
Guia21: Tu sempre tiveste duas tendências então, da música e da eletrônica?
Télvio: Desenhava também, mas isso desenvolvi depois.
Guia21: Foi nessa época que tu cantaste a Nona de Beethoven com Pablo Komlós e a Ospa?
Télvio: Aconteceu o seguinte: com o advento do coral da Ufrgs, ficava mais fácil de fazer a Nona. Eu não lembro direito, mas tenho a impressão de que foi a própria Eni Camargo que me apresentou ao fundador do coral propondo que eu solasse a 9ª Sinfonia como tenor. Fui fazer um teste com o Komlós e ele gostou. O Komlós chegou e me disse “depois você vai fazer um dos personagens secundários da ópera Carmen”. Eu respondi que não ia fazer. Ele deve ter me achado o fim da picada, porque eu disse que ele, um dia, ia me convidar para fazer o papel principal. O Komlós me olhou como quem dissesse “que metido!”. (risos)
Guia21: Como era a Ospa naquela época?
Télvio: Naquela época, não havia Ospa como fundação, mas sim como sociedade. Quem sustentava a Ospa era a colônia judaica, que fazia chás e não sei mais o que a fim de sustentar a orquestra. Não era ainda um esquema profissional. Além da sociedade judaica, os descendentes de alemães também ajudaram muito a música de Porto Alegre, eles tinham o Clube Haydn na Sogipa. Então, havia duas orquestras sinfônicas aqui. Para a 9ª, veio para cantar junto comigo o Lourival Braga, do Rio. Uma voz extraordinária, um barítono precioso. Foi uma loucura aquilo! Aí cantamos a 9ª Sinfonia de Beethoven, uma beleza!
Guia21: Onde foi?
Télvio: Foi no Salão de Atos da UFRGS, antes da reforma, claro (foto acima).
Guia21: E o medo do palco? Tu tinhas 21, 22 anos.
Télvio: Eu estava nervoso, é óbvio. Tem aquela história da famosa atriz francesa Sarah Bernhardt. Sarah tinha uma escola de teatro e costumava perguntar para os alunos se eles ficavam nervosos no palco. Um dizia “eu fico bastante nervoso, sim”, outro dizia “eu não fico nada nervoso, entro no palco sem medo” e ela respondia para estes, “é… o nervosismo vem com o talento”.
Guia21: Se o artista não está nem um pouco nervoso, não está mobilizado.
Télvio: Eu sempre fiquei muito nervoso antes de entrar no palco. Me borrando mesmo. Mas, no momento em que dava a primeira nota, eu começava a me sentir poderoso. Acho que com todo músico é assim, apesar de que a música que tu estás sentindo dentro de ti é diferente da que o outro está escutando. Ou seja, tu podes estar te achando o máximo e o resultado não ser o esperado. Quando terminou esse concerto, o presidente da Sociedade de Cultura Artística do Rio de Janeiro me disse que tinha uma bolsa de estudos para dar. Ele me escutou novamente no Belas Artes e me disse que ia me dar a tal bolsa. Eu fiquei num estado de animação total e comecei a contar para todo mundo que tinha ganhado a bolsa, mas não veio nada… Fui trouxa.
Guia21: E seguiste cantando.
Télvio: Depois da Nona, o Pablo Komlós me convidou para cantar O Rei Davi, de Honegger. Eu ensaiei esta ópera como um louco. Até hoje sei tudo de cor, sonho com aquela música. Eu estudei e ensaiei com unhas e dentes aquela música complicada acompanhado pelo pianista Hubertus Hoffmann. Um dia, o Hoffmann me diz que eu não iria cantar O Rei Davi… Que quem ia cantar era a Ida Weisfeld. Eu ri e respondi: “Isso é para tenor, não é para mezzo soprano”. E nem falei com o Komlós, pensei que fosse uma invenção dele. Só que o Komlós realmente fez aquele absurdo e eu ainda assisti. Ela cantou a parte do tenor, acredita? Depois, soube de duas informações contraditórias: a primeira era a de que eu fora considerado muito jovem para o papel, a segunda era a de que eu não tinha aparecido num ensaio geral — o que é uma mentira, eu não tinha sido era avisado. Então, neste ensaio, quando estavam todos me esperando, o Komlós perguntou se alguém podia fazer a minha parte e a Ida apareceu. Deu uma passadinha na partitura com o pianista Roberto Szidon — também ele cantava no coral — e ficou prontinha. É óbvio que aquilo foi uma armação deles, porque ninguém canta O Rei Davi sem muito ensaio, ninguém no mundo canta aquilo à primeira vista. Ela já viera preparada. Assim era a Ospa, um saco de gatos, uma coisa bagunçada, suja. O Komlós criava situações horríveis. Marcava três récitas, convidava a gente para a terceira e ela não saía. Só para fazer a gente ensaiar. Uma vez o Paulo Melo, outro cantor, disse que ia processá-lo se não saíssem todas as récitas. Aí saíram, claro. A Ospa tinha uma aura de sacanagem, de psicopatia.
Guia21: Mas tu acabaste viajando.
Télvio: Sim, com essa mesma 9ª Sinfonia, surgiu uma pequena possibilidade de um curso em Santiago de Compostela. Era um curso de três meses, mas não dava passagem de ida nem de volta. Fui falar com o maestro Komlós e falei pra ele “olha, o Belas Artes me deu uma carta de recomendação para o consulado espanhol”. Então ele escreveu outra, também me recomendando. Eu levei tudo ao consulado e a bolsa surgiu. Tinha um voo da Panair que saía do Rio com desconto só para portugueses e brasileiros. Meu pai fez uma vaquinha para me ajudar. Peguei um ônibus aqui, fui até o Rio e viajei. Passei três meses em Compostela. Só tinha cem dólares, menti para o meu pai que eles iam pagar a viagem de volta. A juventude é assim, né? Não sabia o que eu ia encontrar lá, eu não sabia nada! Parecia que as coisas de lá eram melhores do que tudo aqui, mas não era tanto assim. Na Espanha, cantei em várias audições e recitais, mas quando terminou o curso, bom, e agora José?
Guia21: Teus professores lá eram gente conhecida?
Télvio: Sim. Um monte de lendas: Andrés Segovia, Montserrat Caballé, cantei com ela (foto acima). Estava cheio de artistas internacionais ali. Eu estava apaixonado por uma das cantoras, que era de Barcelona. Outros alunos já estavam se juntando para prestar um concurso em Barcelona e eu pensei “tenho que ir também”. Mas os meus cem dólares não davam cria, pelo contrário! Com recomendações, consegui uma bolsa de 6 meses junto ao Instituto de Cultura Hispânica. Me senti garantido. Me davam cem dólares por mês. Era o suficiente para uma vida bem modesta, então comecei a fazer outros trabalhos, eu sempre desenhei. Lá pelas tantas consegui trabalho. Passaram-se mais 6 meses e renovaram a bolsa. No final deste segundo período, minha professora me perguntou se eu queria retornar para Santiago de Compostela e fazer o curso de lá novamente, tinha todo ano. Eu disse que não, mas me deu medo de ficar sem dinheiro e no fim retornei para Santiago de Compostela, para ganhar por mais três meses. Lá em Compostela foi fantástico. Por exemplo, estreamos uma Cantata do argentino Isidro Maiztegui e eu fiz a parte do tenor.
Guia21: E a paixão?
Télvio: Todas estas andanças pela Europa foram crivadas de paixões por mulheres maravilhosas, muitas delas artistas. E o abandono daquilo lá me deixou muito amargurado. O Sérgio Faraco, que estudou na União Soviética, diz o mesmo. Aquelas mulheres… Entre as cantoras que eu conheci lá há uma que ficou muito famosa e com a qual eu não tive nenhum caso amoroso… Era a Montserrat Caballé. Uma tremenda cantora e um péssimo ser humano. Por exemplo, houve um momento em Compostela que uns cantores argentinos quiseram organizar um recital. E a Montserrat deu apoio, estava auxiliando em tudo. Só que numa aula, ela, com menosprezo, chamou algumas cantoras argentinas de índias. Bem, as argentinas se irritaram, claro. Os brasileiros se uniram a elas e ninguém cantou. Depois, ela foi convidada para cantar no Rio e São Paulo e teve seu visto negado por alguém que sabia daquelas ofensas. Deu a maior confusão e ela só pode vir em outra data. Cantou depois até em Pelotas. Era mais do que temperamental, era uma pessoa deselegante.
Guia21: Cantaste muito na Espanha?
Télvio: Sim, fiz algumas gravações em Barcelona e Madrid. Era estranho porque as pessoas diziam para eu cantar Mozart, mas eu preferia coisas mais pesadas.
Guia21: E no final desta sequência de cursos e bolsas de estudo?
Télvio: Eu falei com Hans von Benda, que se encontrava em Compostela, e ele me sugeriu estudar na Alemanha. Recebi dele uma carta de recomendação para eu levar na Embaixada Alemã. Fui na Embaixada em Madrid. Lá, é claro, me avisaram que eu, como brasileiro, deveria me dirigir à Embaixada da Alemanha no Brasil e não na Espanha. Então eu recebi uma carta que foi decisiva na minha vida. Era uma carta seca, escrita por meu pai, pedindo que eu retornasse imediatamente porque minha mãe estava muito doente, estava mal, seria internada, etc. Houve uma espécie de chantagem emocional, como tu verás. Antes de viajar, eu ainda cantei em Madrid. Lá, entre outras obras europeias, quase todas de câmara, eles sempre pediam para eu cantar brasileiros como Carlos Gomes, Alberto Nepomuceno, etc.
Guia21: E voltaste…
Télvio: Sim, peguei os últimos dólares que tinha, comprei uma passagem de navio e voltei. 15 dias de viagem. Quando cheguei ao Rio, fui à Embaixada da Alemanha – era no Rio na época – e entreguei a carta para estudar lá.
Guia21: E foste ver a família.
Télvio: Bem, a situação familiar em Santiago não era nada trágica. Eles só queriam que eu voltasse. Quando encontrei minha mãe, ela estava bem e disse que quem estava doente era o meu pai. Enfim, era algo confuso. Ninguém estava doente, parecia. Vim para Porto Alegre e, passado um tempo, recebi a resposta dos alemães dizendo que eu tinha que me apresentar em Köln em determinado dia. Voltei a Santiago para me despedir e, talvez, conseguir algum dinheiro com o velho. Então, um tio meu, médico, me disse que meu pai tinha uma bomba no bolso, ou seja, que havia perigo de um enfarto. Me pediu para adiar a viagem em um ano. Concordei em ficar.
Guia21: Perigo.
Télvio: Pois é. Escrevi para a Alemanha solicitando adiamento e os alemães disseram que o adiamento dependeria do orçamento para o ano seguinte. E nunca mais. Eu perdi a oportunidade. Só isso.
Guia21: E o que fizeste?
Télvio: Enquanto eu esperava a tal chamada da Alemanha, voltei a trabalhar com desenho em Porto Alegre. Comecei a me desligar da música. Ainda cantei muito, mas aquilo marcou o início de meu afastamento. Neste período, o Komlós me convidou para cantar I Pagliacci. Eram duas récitas, numa eu ia cantar Canio e em outra o Arlequim. Naquele tempo, era no Araújo Vianna. Tinha um cara que tinha uma carroça puxada por um cavalo, que vendia lanches fora do auditório. E tu sabe que os palhaços tinham uma espécie de carroça onde ficava seu palco.
Guia21: Normal, em O Sétimo Selo, de Ingmar Bergman, os atores têm uma carroça. Eles abriam uma cortina e virava um palquinho…
Télvio: Isso! Exatamente isso! E naquele espetáculo, nós entrávamos, os cantores, os atores, dentro daquela carroça de lanches. O Araújo Vianna é redondo, tem portas largas e o carro entrava no palco conosco dentro cantando, com o cavalo puxando. E começava a história. De noite, o cavalo pastava no gramado ao lado do Araújo Viana. Nunca fugiu. Na segunda récita, veio a maior chuva, foi aquela correria de músicos, com os violinos, tudo. E a ópera não aconteceu mais.
Guia21: O Araújo não tinha cobertura na época.
Télvio: Sim, molhava tudo.
Guia21: E a carreira?
Télvio: Na verdade, eu poderia seguir a carreira de músico fazendo o que a maioria dos cantores fazem: dando aulas. Só que eu detesto dar aulas. Nesta volta, ainda fiz algumas gravações, mas já estava desistindo da carreira. Passado algum tempo, só desenhava e trabalhava com eletrônica. Abri mão de tudo, passei mais de dez anos sem cantar nada, sem dar uma nota. Então, com quase 40 anos, voltei a cantar óperas e cantatas de Bach e Buxtehude. Com a Ospa novamente, ali na Igreja Santa Cecília. A Ospa com suas fofocas e futricos… Bá, eu tinha uma raiva daquilo! Cantei Britten também naquela época.
Guia21: Sobre a tua desistência. Foi uma coisa do ambiente? Não tinha perspectiva?
Télvio: Se eu tivesse ficado na Europa, faria uma carreira musical. Aqui eu não tinha perspectiva. Ninguém tem como seguir só cantando. E eu não queria dar aula.
Guia21: Sim, os cantores dão aula. Quase todos eles dão aula, acho.
Télvio: Eu não gostava e tinha outras maneiras de ganhar dinheiro. Eu publicava revistas de quadrinhos, fazia desenhos para jornais. Cheguei a chefe do departamento de eletrônica da Narcosul Aparelhos Científicos, uma empresa que fabricava aparelhos eletrônicos voltados para a área médica.
Guia21: Sim. Tu te sustentavas, evidentemente. E o que tu publicavas em jornais?
Télvio: Eu criava desenhos para ilustrar matérias, cadernos, tudo. Tenho guardados vários trabalhos meus para o Jornal do Comércio.
Télvio: Já na Narcosul eu fiquei muitos anos. Trabalhei também na Parks com equipamentos para comunicação digital.
Guia21: Mas tu és formado em…
Télvio: Em nada. Fiz um ano de Filosofia só e larguei.
Guia21: Mas e a eletrônica? Como aprendeste, como ela entrou na tua vida?
Télvio: Eu sempre estudei eletrônica. Desde guri, só por diletantismo. Posso mostrar os equipamentos que eu fiz, tu não vai acreditar. Eu até hoje não acredito! No dia em que eu comecei a estudar computadores, a primeira coisa que fiz foi montar um. Fiz ligação por ligação. E funcionava!
Guia21: Mas disseste que voltaste a cantar lá pelo 40 anos.
Télvio: Eu cantava aqui e ali, em concertos e recitais. Com a Ospa, cantei uma operazinha regida pelo Túlio Belardi, mas já me considerava um diletante. Não ganhei dinheiro nenhum com aquilo, nem queria. Aí houve outro fato que aí sim, aí eu disse “não vou fazer mais porcaria nenhuma”. Iam fazer uma ópera sobre os Farrapos e outra sobre as Missões. O autor era Roberto Eggers, que foi o primeiro regente de orquestra aqui em Porto Alegre. Ele escreveu duas óperas: Missões e Farrapos. Dizem que neste fim de semana vão estrear a primeira obra musical que foi escrita sobre a Revolução Farroupilha, uma ópera rock… Não sabem de nada. Um dia, o Emílio Baldini, que era colega meu, professor, me levou até o Eggers para ele me escutar, para a gente fazer a ópera sobre Missões. Aprendi toda a Missões. No dia em que era para começar os ensaios…
Guia21: Isso foi depois do Belardi e as Cantatas?
Télvio: Sim, pós Belardi. Com a Ospa de novo… Confusão daqui, confusão dali, mudaram todo o elenco. O Eggers disse que não ia deixá-los fazer sua ópera. Eu respondi “não, não faz uma coisa dessas. Sou um amador, não vou ganhar dinheiro com isso. Tu não. Não seja bobo. Fica quieto”. Aí, disse para mim mesmo “Bom, encerro. Não quero mais saber desse troço. Enchi o saco”.
Guia21: Tu já estava na Narcosul nessa época.
Télvio: Sim.
Guia21: Na Narcosul tu eras o chefe da eletrônica, certo? E, no desenho, que que tu fizeste?
Télvio: Desenhava para propaganda, desenhava charges, ilustrava matérias, fazia figuras de pessoas. Todo o dia o Jornal do Comércio tinha um desenho meu. Eu guardei algumas coisas, devia ter guardado mais, mas, na época, não dava valor para aquilo.
Guia21: E aí tu te tornaste um ouvinte do PQP Bach.
Télvio: Um grande ouvinte do PQP Bach. Tenho muita coisa de lá.
Guia21: E que papel tem a música hoje na tua vida?
Télvio: Olha, cara, hoje eu estou aposentado, fico no meu canto, mas ouço muita música, sim.
Guia21: Tu passa os dias escutando música?
Télvio: Não. Nunca pensei quanto tempo eu escuto música, mas é bastante. Eu ouço bastante. Só que certamente não ouço mais do que tu.
Guia21: Ouço mais ou menos uma hora por dia.
Télvio: Eu até ouço mais, às vezes.
Guia21: Tu cantarolas por aí?
Télvio: Não. Nada.
Guia21: Nada?
Télvio: Nada.
Guia21: Se tu te entusiasma por alguma coisa, tu não canta?
Télvio: Não canto. Há umas gravações minhas por aí, nem ouço mais. Também fiz várias edições extraordinárias em jornais onde eu desenhava tudo de cabo a rabo, mas não fico olhando.
Guia21: E tu frequentas concertos?
Télvio: Pouco. Esses dias fui ver o ensaio de uma ópera de Mozart. Não cantaram duas árias porque o tenor estava doente. Ele cantou outras, mais fáceis. Não tinha substituto! Isso é inconcebível num lugar sério. Aliás, as substituições são muito comuns, inclusive. Acontece de bons cantores substitutos se aproveitarem dessas oportunidades e roubarem a cena. Isto é, pelo visto a coisa não mudou tanto assim em todos esses anos. Olha, quando tu tens apenas uma opção de vida, “só posso ser cantor”, tu tenta de novo, tu insistes. Quando tu tem várias — eu tinha a eletrônica e o desenho que também me satisfaziam internamente –, tu buscas outra saída.
Guia21: Tu não ficaste frustrado?
Télvio: Eu sempre seria frustrado, porque é impossível abraçar tudo.
Guia21: Porque hoje tu tens 77 anos e a gente ouve que tu ainda tens equipamento, uma voz muito bonita e forte.
Télvio: É, sempre tive uma voz forte, dizem que boa…
Guia21: Isso eu estou ouvindo.
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Com decupagem de Nikolay Romanov e revisão de Elena Romanov.
Duas semanas após a vinda do The Who, Porto Alegre recebeu outra lenda do rock britânico. Paul McCartney carrega em si a aura de ser o mais importante dos dois sobreviventes do grupo mais que mais influenciou a música popular no século XX, os Beatles. Ao final desta matéria, colocamos a lista de canções que foram tocadas no show. É uma impressionante lista de 39 joias — 2 horas e meia! — e, quando a lemos, lembramos de uma montanha de outras que ficaram de fora. É que McCartney compôs tanto, principalmente entre os anos 60 e 80, que poderia montar vários shows de 39 canções. Foi algo efetivamente grandioso, pois, assim como não economiza no tamanho dos shows, McCartney faz sempre questão de ser acompanhado por um super time de músicos.
O espetáculo, chamado One on One Tour, começou em abril de 2016 – em maio do ano passado, por exemplo, ele passou sobre as cabeças dos brasileiros para fazer dois shows na Argentina. Desta forma, McCartney e chegaram em plena forma para tocar em Porto Alegre. Afinal, de 5 de julho e 2 de outubro, a trupe fez várias apresentações nos EUA onde interpretou o que se espera deles: clássicos dos Beatles, canções da carreira solo de Paul e também as melhores do Wings. Além do óbvio, tivemos In Spite of All Danger, escrita em 1958, quando ele, John Lennon e George Harrison integravam o grupo The Quarrymen.
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Sir James Paul McCartney nasceu em Liverpool no dia 18 de junho de 1942. Portanto, é um senhor de 76 anos. Cantor, compositor, multi-instrumentista (principalmente baixista), produtor musical, produtor cinematográfico e ativista dos direitos dos animais, formou com John Lennon uma das mais importantes e bem sucedidas parcerias musicais de todos os tempos. Porém, na verdade, eles escreviam as canções individualmente e depois as mostravam um para o outro, o qual propunha ou não alterações. Após o processo, sempre assinavam juntos. É simples reconhecer a autoria original: nos Beatles, Paul era o cantor principal de suas músicas e John das dele. Este esquema nunca foi alterado. Então, por exemplo, como Lennon é a principal voz de Strawberry Fields Forever, a canção é dele, já Eleanor Rigby é de McCartney e assim por diante. Mas há uma exceção: A Day in the Life é uma parceria real.
Após a dissolução dos Beatles em 1970, Paul lançou-se numa carreira solo de sucesso. Fez dois discos solo, depois formou uma banda com sua primeira mulher, Linda McCartney, os Wings, e voltou à carreira solo. Também trabalhou com música clássica, eletrônica e trilhas sonoras.
Em 1979, o Livro Guinness dos Recordes firmou-o como o compositor musical de maior sucesso da história da música mundial de todos os tempos. McCartney teve 29 composições de sua autoria no primeiro lugar das paradas de sucesso dos EUA, vinte das quais junto com os Beatles e o restante em sua carreira solo ou com o Wings.
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Os Beatles tinham três compositores. A coincidência de John Lennon, Paul McCartney e George Harrison terem nascido quase ao mesmo tempo em Liverpool e se tornado amigos na adolescência é notável e, penso, irrepetível. É como se – guardadas as proporções para maior ou menor – Chico Buarque, Caetano Veloso e Milton Nascimento tivessem nascido na mesma cidade, se tornado amigos e trabalhassem juntos desde a juventude, produzindo e competindo dentro de um grupo. E, se acrescentarmos a isto a presença do produtor, arranjador e pianista George Martin desde as primeiras gravações, chegaremos à conclusão de que os caras tiveram muita sorte mesmo. Todo o resultado está minuciosamente documentado – em som e imagens – podendo ser revivido nesta sexta-feira por este senhor de 76 anos.
Do trio de compositores dos Beatles, Paul era o mais acessível e melodioso; John, o contestador; e George Harrison, o mais “instrumentista” dos três. Em cada disco dos Beatles havia de cinco a seis canções de McCartney, o mesmo número para Lennon e uma ou duas de Harrison.
Ver o documentário Beatles Anthology, datado de meados dos anos 90, é ter contato com uma enorme e incontrolável explosão de juventude, alegria e criatividade. Afeta qualquer um. O imenso livro The Beatles (da Revista Rolling Stone) tem uma apaixonada introdução de Leonard Bernstein (1918-1990). Bernstein é uma figura única, pois além de ter sido um respeitadíssimo regente de orquestra, foi pianista e um consistente compositor de música erudita. Como se não bastasse, escreveu musicais para a Broadway, sendo de sua autoria talvez o melhor deles, West Side Story, que recebeu no Brasil a impecável tradução de Amor, Sublime Amor. O texto que ele escreve é o de um fã e demonstra algumas preferências curiosas. Diz que, em sua opinião, a melhor música do disco Revolver é She said, she said (Lennon). Elogia também Eleanor Rigby (McCartney), Norwergian wood (Lennon), Paperback writer (Lennon), She´s leaving home (McCartney), For no one (McCartney), In my life (Lennon), I Will Follow the Sun (McCartney), Helter skelter (McCartney), Strawberry fields forever (Lennon), The fool on the hill (McCartney), etc. São tantas que poderíamos voltar ao tema das 39 canções do qual já falamos.
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Aos 15 anos, em 1957, McCartney conheceu John Lennon ao assistir ao show de uma banda chamada Quarrymen em Woolton (subúrbio de Liverpool) da qual Lennon era guitarrista. Esta seria a banda que daria origem aos Beatles. A entrada de Paul para a turma se deu após Lennon vê-lo tocando a canção Twenty Flight Rock de Eddie Cochran. Um ano depois, McCartney convenceu Lennon a aceitar George Harrison na banda.
Os Quarrymen mudaram de nome várias vezes até se decidirem por The Beatles. Em 1960, a banda foi pela primeira vez tocar em Hamburgo. Tocavam diariamente por horas e horas em bares. Jim McCartney relutou bastante em deixar seu filho ainda adolescente viajar para a Hamburgo. Em 1961, os Beatles fizeram seus primeiros e célebres shows no Cavern Club.
Após Paul McCartney notar que outras bandas de Liverpool tocavam as mesmos covers que eles, ele e John se intensificaram a criação de canções próprias. 61 foi ainda o ano que eles conheceram Brian Epstein, o empresário que lhes conseguiu um contrato com a EMI Parlophone. Com a assinatura do contrato, Pete, o baterista, foi dispensado e em seu lugar entrou Ringo Starr. Estava formado o Fab Four.
Nos Beatles, McCartney era o que mais escrevia canções românticas. São de sua autoria Yesterday, And I Love Her, Michelle e Here There and Everywhere e muitas mais. A canção Yesterday é a mais regravada por outros artistas em todos os tempos. Embora Paul sempre fosse “acusado” de só escrever baladas, ele também escreveu várias canções com um estilo mais pesado como Back In The USSR e Helter Skelter.
Depois que Brian Epstein morreu, em 1967, McCartney e Lennon disputaram asperamente a escolha de um novo empresário para a banda. A morte de Epstein foi o início do fim. Em 1969, McCartney tentou convencer os outros beatles de voltarem a fazer apresentações ao vivo — tinham deixados de fazê-las em 1965 — , intenção que foi negada pelo restante do grupo. Neste mesmo ano, por sua sugestão, os Beatles gravaram o documentário Let It Be pensando que isto os reaproximaria, o que não aconteceu. Em dia 10 de abril de 1970 Paul McCartney anunciou publicamente o fim dos Beatles em entrevista coletiva e lançou de seu primeiro álbum solo, McCartney, onde toca todos os instrumentos. Embora eles já não quisessem mais continuar juntos, a entrevista antecipada e de surpresa gerou mágoas a ponto de ser acusado de traidor por John, George e Ringo.
O lançamento de Let It Be quase um mês depois da declaração oficial do fim dos Beatles deixou Paul insatisfeito. A produção do álbum foi entregue a Phil Spector. Paul ficou irritado com o tratamento que Phil deu a suas canções, principalmente a The Long and Winding Road, vítima de um horrendo arranjo orquestral.
As feridas demoraram a cicatrizar. Lennon negava-se a falar sobre o disco McCartney.
Em 1971, Paul lançou o compacto Another Day, que alcançou enorme sucesso. Ainda no mesmo ano, lançou outro álbum, Ram, onde alfinetava John Lennon na canção Too Many People. John Lennon responderia no álbum Imagine com How Do You Sleep? “The only thing you could make was Yesterday”. O álbum Ram é geralmente considerado como um dos melhores de sua carreira solo, e a canção Uncle Albert/Admiral Halsey foi o maior sucesso comercial do álbum.
Após alguns encontros amistosos, na noite de 9 de dezembro de 1980, McCartney acordou com as notícias do assassinato de John Lennon.
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Depois do disco solo Ram, ainda em 1971, Paul voltaria para formar uma nova banda, os Wings. O primeiro trabalho veio em 1972, Wild Life, também excelente. Em Tomorrow no álbum Wild Life, Paul responde à ironia de Lennon em How do You Sleep? Após Red Rose Speedway, que trazia o mega sucesso My Love, Paul fez a trilha sonora de 007 — Viva e deixe morrer com Live and let die.
O álbum seguinte foi o álbum de maior sucesso da banda, Band on the Run (1974),eleito o disco do ano, apresentando Jet e a faixa-título. Depois houve ainda os excelentes Tug of War e Pipes of Peace. Estes e seus discos seguintes sempre trouxeram uma ou duas canções que se tornariam clássicos.
Em 1991, Paul lança seu primeiro álbum de música clássica, Liverpool Oratorio. Dividindo opiniões de críticos e público, o álbum foi bem recebido comercialmente, mas considerado irregular por parte dos críticos de música clássica. Mesmo assim, o álbum comprovava novamente sua alta qualidade como compositor.
Dentre outros lançamentos, em 1999, lançou o álbum Run Devil Run, com releituras de clássicos do rock com participações de músicos como David Gilmour (ex-Pink Floyd), Ian Paice (Deep Purple) e Mick Green. É um trabalho sensacional que foi gravado em apenas um dia.
Em maio de 2003, Paul McCartney fez um show no Coliseu de Roma, se tornando o primeiro artista a se apresentar no famoso anfiteatro italiano, e pela primeira vez se apresentou em Moscou, tocando para 100 mil espectadores na Praça Vermelha. Em 2009, segundo a empresa de eventos Concerts West, McCartney tornou-se o recordista mundial em “rapidez de venda de ingressos para um show musical”, ao ter esgotados em apenas sete segundos todos os bilhetes postos à venda para um show em Las Vegas, Estados Unidos. Ele também cantou na cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos Londres 2012. Cobrou uma (1) libra esterlina de cachê.
Em janeiro de 2015, McCartney colaborou com Kanye West e Rihanna no single FourFiveSeconds. Eles lançaram um clipe para a música no mesmo mês e tocaram ao vivo no Grammy Awards de 2015 em fevereiro.
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Finalizando, listamos abaixo a setlist de canções que Paul McCartney cantou em Porto Alegre. O show do Beira-Rio não deve ser muito diferente.
1. A Hard Day’s Night (The Beatles)
2. Save Us (da carreira solo)
3. Can’t Buy Me Love (The Beatles)
4. Letting Go (Wings)
5. Drive My Car (The Beatles)
6. Let Me Roll It (Wings) (With ‘Foxy Lady’ Snippet)
7. I’ve Got a Feeling (The Beatles)
8. My Valentine (da carreira solo)
9. Nineteen Hundred and Eighty-Five (Wings)
10. Maybe I’m Amazed (da carreira solo)
11. I’ve Just Seen a Face (The Beatles)
12. In Spite of All the Danger (The Quarrymen)
13. You Won’t See Me (The Beatles)
14. Love Me Do (The Beatles)
15. And I Love Her (The Beatles)
16. Blackbird (The Beatles)
17. Here Today (da carreira solo)
18. Queenie Eye (da carreira solo)
19. New (da carreira solo)
20. Lady Madonna (The Beatles)
21. FourFiveSeconds (Rihanna and Kanye West and Paul McCartney cover)
22. Eleanor Rigby (The Beatles)
23. I Wanna Be Your Man (The Beatles)
24. Being for the Benefit of Mr. Kite! (The Beatles)
25. Something (The Beatles)
26. A Day in the Life (The Beatles) (With ‘Give Peace a Chance’ Snippet)
27. Ob-La-Di, Ob-La-Da (The Beatles)
28. Band on the Run (Wings)
29. Back in the U.S.S.R. (The Beatles)
30. Let It Be (The Beatles)
31. Live and Let Die (Wings)
32. Hey Jude (The Beatles)
bis:
33. Yesterday (The Beatles)
34. Day Tripper (The Beatles)
35. Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band (Reprise) (The Beatles)
36. Helter Skelter (The Beatles)
37. Golden Slumbers (The Beatles)
38. Carry That Weight (The Beatles)
39. The End (The Beatles)
É um dia de real grandeza, tudo azul
Um mar turquesa à la Istambul enchendo os olhos
Um sol de torrar os miolos
Quando pinta em Copacabana
A caravana do Arará — do Caxangá, da Chatuba
A caravana do Irajá, o comboio da Penha
Não há barreira que retenha esses estranhos
Suburbanos tipo muçulmanos do Jacarezinho
A caminho do Jardim de Alá — é o bicho, é o buchicho é a charanga
Diz que malocam seus facões e adagas
Em sungas estufadas e calções disformes
Diz que eles têm picas enormes
E seus sacos são granadas
Lá das quebradas da Maré
Com negros torsos nus deixam em polvorosa
A gente ordeira e virtuosa que apela
Pra polícia despachar de volta
O populacho pra favela
Ou pra Benguela, ou pra Guiné
(volta aqui)
Sol, a culpa deve ser do sol
Que bate na moleira, o sol
Que estoura as veias, o suor
Que embaça os olhos e a razão
E essa zoeira dentro da prisão
Crioulos empilhados no porão
De caravelas no alto mar
Tem que bater, tem que matar, engrossa a gritaria
Filha do medo, a raiva é mãe da covardia
Ou doido sou eu que escuto vozes
Não há gente tão insana
Nem caravana do Arará