Os livros mais vendidos em março na Livraria Bamboletras

Os livros mais vendidos em março na Livraria Bamboletras

Como de costume, segue a lista dos mais vendidos do mês de março na Livraria Bamboletras. Alguns títulos seguem na lista, mas o mês passado trouxe novidades!

1. Torto Arado, de Itamar Vieira Junior (Todavia)
2. Os Supridores, de José Falero (Todavia)
3. O Avesso da Pele, de Jeferson Tenório (Companhia das Letras)
4. As Inseparáveis, de Simone de Beauvoir (Record)
5. Marrom e Amarelo, de Paulo Scott (Alfaguara)
6. O ar que me falta, de Luiz Schwarcz (Companhia das Letras)
7. E fomos ser gauche na vida, de Lelei Teixeira (Pubblicato)
8. D’ale: Meus sonhos, meu futebol, minha vida, meu legado, de Diego Borinsky (Sulina)
9. A Estrangeira, de Claudia Durastanti (Todavia)
10. A Vida Mentirosa dos Adultos, de Elena Ferrante (Intrínseca)

É claro que temos todos! É só entrar em contato ou vir até nossa porta!

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Ivana Jinkings, editora da Boitempo, sobre o tal tradutor de Marx:

Ivana Jinkings, editora da Boitempo, sobre o tal tradutor de Marx:

Caros, eu já expliquei algumas vezes o “Caso Rubens Enderle”, mas vamos lá uma vez mais. Rubens chegou à Boitempo há cerca de vinte anos, recomendado por uma professora marxista, de nossa inteira confiança. Ele era à época um jovem estudioso de Marx, com amplo conhecimento da língua alemã. traduziu boa parte da obra marxiana e também a de alguns marxistas, todos de forma competente e séria. Foi sempre elogiado pelos especialistas que melhor conhecem os dois idiomas. Ganhou o Prêmio Jabuti de melhor tradução com O Capital, livro I (prêmio raramente dado a livros de não-ficção) e diversas outras menções honrosas. Em determinado momento, creio que quando traduzia o livro II, passamos a ter noticias de manifestações dele nas redes sociais em favor de Olavo de Carvalho e outras causas indefensáveis. Num primeiro momento, não demos atenção a elas, afinal importava que ele era um bom tradutor. Mas a coisa cresceu, se agravou (tenho apenas noticias, nunca vi nenhuma de suas postagens, nem pretendo) a ponto de decidirmos não mais contratá-lo para novas traduções, por suas posições ferirem nossa linha e posicionamentos públicos. Isso, entretanto, não significa que qualquer de seus trabalhos devam ser colocados em dúvida. O que ele traduziu foi bem feito e seguirá em nosso catálogo. Agradeço se puderem transmitir esta explicação quando e se esse assunto voltar à baila. Obrigada e abraços.

A editora Ivana Jinkings

As surpreendentes sugestões da Bamboletras desta semana

Newsletter de 29 de março de 2021

Olá!

Basta ler as sinopses abaixo para se notar estamos diante de três livros muito originais. Mas há muito mais. Consulte-nos! Fique à vontade para compartilhar esta newsletter com outras pessoas, e faça seu pedido com a gente!

Boas leituras!

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O Som do Rugido da Onça, de Micheliny Verunschk (Cia. das Letras, 166 pág., R$ 54,90)

Em 1817, Spix e Martius desembarcaram no Brasil com a missão de registrar suas impressões sobre o país. Três anos e 10 mil quilômetros depois, os exploradores voltaram a Munique trazendo consigo não apenas um extenso relato da viagem, mas também um menino e uma menina indígenas, que morreriam pouco tempo depois de chegar em solo europeu. Em seu quinto romance, Micheliny Verunschk constrói uma poderosa narrativa que deixa de lado a historiografia hegemônica. Com uma prosa embebida de lirismo, este é um livro sem paralelos na literatura brasileira ao tratar de temas como memória, colonialismo e pertencimento.

Klara e o Sol, de Kazuo Ishiguro (Cia. das Letras, 336 pág., R$ 59,90)

Do ganhador do Nobel Kazuo Ishiguro, autor dos livros ‘Não me abandone jamais’ e ‘O gigante enterrado’, um novo romance sobre o que significa ser humano. Klara tem habilidades de observação impressionantes e estuda com cuidado o comportamento de todos que passam pela vitrine. Do lugar onde foi designada para ficar na loja, ela espera que uma dessas pessoas a escolha como companheira. Contudo, quando surge a possibilidade de sua vida mudar para sempre, Klara é aconselhada a não apostar suas fichas na bondade humana.

 

A Visão das Plantas, de Djaimilia Pereira de Almeida (Todavia, 88 pág., R$ 49,90)

Com esta meditação sobre o bem e o mal, e como a natureza parece indiferente à nossa moralidade, Djaimilia Pereira de Almeida construiu um romance que encanta pela beleza de suas frases e fascina pela profundidade com que Celestino, este homem a um só tempo brutal e delicado, é desenhado. Um livro arrebatador.

 

 

 

 

Um Nobel, um gaúcho e um ensaio fundamental nas sugestões desta semana da Bamboletras

Newsletter de 22 de março de 2021

Olá!

Estas são as nossas sugestões desta terça-feira, mas há muito mais. Consulte-nos! Fique à vontade para compartilhar esta newsletter com outras pessoas, e faça seu pedido com a gente!

Boas leituras!

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Morte na Água, de Kenzaburo Oe (Cia. das Letras, 456 pág., R$ 99,90)

Conhecido pela profunda humanidade de seus personagens, Kenzaburo Oe (Nobel de Literatura de 1994) é um dos principais romancistas contemporâneos. Em “Morte na Água”, acompanhamos o escritor Kogito Chōkō — alter ego do próprio Oe — em sua busca de inspiração para seu próximo livro, que o leva de volta à sua cidade natal em busca de informações que expliquem melhor a morte de seu pai. A intenção de Kogito é escrever um romance a partir do que coletar, mas ele acaba se vendo em meio a questões muito mais complexas que envolvem desde traumas pessoais até descobertas que remontam à Segunda Guerra Mundial.

A Nota Amarela, de Gustavo Czekster (Zouk, 238 pág., R$ 50,00)

A cellista Jacqueline du Pré sobe ao palco para o concerto mais emblemático de sua vida. Enquanto executa o Concerto para Violoncelo de Elgar – regido pelo maestro Daniel Barenboim, com quem recém havia se casado –, Jacqueline mergulha no labirinto da própria mente, atravessando claridades e escuridões à procura da perfeição. O cello, vivo junto ao corpo, por vezes é a tábua de salvação que a impede de se afogar; por outras, o traidor que aponta o caminho mais perigoso entre as pedras e as ondas. O livro cumpre uma das mais importantes funções da literatura: trazer a palavra para dentro do vazio das imagens. Depois daquela tarde em 1967, a violoncelista mais famosa do mundo, que tocava para reis e presidentes, entenderia as consequências de sua busca pela nota impossível.

A Era do Capitalismo de Vigilância, de Shoshana Zuboff (Intrínseca, 800 pág., R$ 99,90)

Obra-prima em termos de pensamento original e pesquisa, “A era do capitalismo de vigilância”, de Shoshana Zuboff, apresenta ideias alarmantes sobre o fenômeno que ela nomeia capitalismo de vigilância. Os riscos não poderiam ser maiores: uma arquitetura global de modificação comportamental ameaça impactar a humanidade no século XXI de forma tão radical quanto o capitalismo industrial desfigurou o mundo natural no século XX. Zuboff chama a atenção para as consequências das práticas de empresas de tecnologia sobre todos os setores da economia. Um grande volume de riqueza e poder vem sendo acumulado em sinistros “mercados futuros comportamentais”, nos quais os dados que deixamos nas redes são negociados sem o nosso consentimento e a produção de bens e serviços segue a lógica de novas “formas de modificação de comportamento”. A ameaça não é mais um estado totalitário simbolizado pelo Grande Irmão da literatura de George Orwell, mas uma arquitetura digital presente em todos os lugares, agindo em prol dos interesses do capital de vigilância.

Se você ler as sinopses, vai querer

Newsletter de 15 de março de 2021

Olá!

Um livro de cartas escritas por uma doméstica antilhana para a brasileira Carolina Maria de Jesus no início dos anos 60, uma biografia da Depressão e um caso de violência sexual ocorrido no Rio de Janeiro. Podem não ser temas fáceis, mas o que está fácil?

Estas são as nossas sugestões desta terça-feira, mas há muito mais. Consulte-nos! Fique à vontade para compartilhar esta newsletter com outras pessoas, e faça seu pedido com a gente!

Boas leituras!

Cartas a uma Negra, de Françoise Ega (Todavia, 252 pág., R$ 59,90)

Antilhana, Françoise Ega trabalhava em casas de família em Marselha, na França. Um de seus pequenos prazeres era ler a revista Paris Match, na qual deu de cara com um texto sobre Carolina Maria de Jesus e seu clássico “Quarto de Despejo”. Identificou-se imediatamente e passou a escrever “cartas” — jamais entregues — à autora brasileira. Cartas a uma Negra, publicado postumamente, é um dos documentos literários mais significativos e tocantes sobre a exploração feminina e o racismo no século 20.

 

Uma Biografia da Depressão, de Christian Dunker (Paidós, 240 pág., R$ 41,90)

A Depressão tem uma história, e a compreensão dessa história nos ajuda a descobrir a melhor forma de entendê-la, tratá-la e controlá-la hoje. Refazendo os passos genealógicos da Depressão a partir de seus parentes distantes nas famílias da tristeza e da melancolia, Dunker descreve como ela se tornou um personagem decisivo na Idade Moderna, notadamente com os grandes trágicos da virada do século XVI e XVII, como Shakespeare e Molière, e como ela emergiu como personagem secundário na psicopatologia do século XIX e na psicanálise do século XX, ganhando um inesperado reconhecimento a partir da segunda metade do século passado.

Vista Chinesa, de Tatiana Salem Levy (Todavia, 110 pág., R$ 54,90)

Estamos em 2014. Euforia no Brasil e especialmente na cidade do Rio de Janeiro. A Copa do Mundo estava prestes a acontecer e as Olimpíadas de 2016 estava no horizonte. Tempos de esperança e construção. Júlia é sócia de um escritório de arquitetura que está planejando alguns projetos na futura Vila Olímpica. No dia de uma dessas reuniões com a prefeitura, Júlia sai para correr no Alto da Boa Vista. A certa altura, alguém encosta um cano de revólver na sua cabeça e a leva para uma área baldia. É estuprada. O rosário de dor é descrito com crueza e qualidade literária.

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Newsletter de 8 de março de 2021

As Inseparáveis, de Simone de Beauvoir (Record, R$ 39,90)

Quase 70 anos depois de ser escrito, chega ao Brasil o romance inédito de Simone de Beauvoir. Escrito em 1954, cinco anos após a publicação de O segundo sexo, As inseparáveis é o romance autobiográfico que conta a história da amizade passional que uniu Sylvie (Simone de Beauvoir) e Andrée (Élisabeth Lacoin, a Zaza). Sylvie e Andrée se conhecem aos 9 anos no colégio Desir, numa Paris em meio à Primeira Guerra Mundial. Andrée é divertida, impertinente, audaciosa; Sylvie, mais tradicional e tímida, logo se sente irremediavelmente atraída por ela. No entanto, por trás da postura rebelde, Andrée tem de lidar com uma família católica fervorosa que, com suas tradições muito rígidas e ambiente opressor. Juntas, elas trilham o caminho para se libertar das convenções de sua época e das expectativas asfixiantes, mas não fazem ideia do preço trágico que terão de pagar pela liberdade e pelas ambições intelectuais e existenciais.

Necropolítica, de Achille Mbembe (N-1, R$ 44,00)

«Neste ensaio, propus que as formas contemporâneas que subjugam a vida ao poder da morte (necropolítica) reconfiguram profundamente as relações entre resistência, sacrifício e terror. Tentei demonstrar que a noção de biopoder é insuficiente para dar conta das formas contemporâneas de submissão da vida ao poder da morte. Além disso, propus a noção de necropolítica e de necropoder para dar conta das várias maneiras pelas quais, em nosso mundo contemporâneo, as armas de fogo são dispostas com o objetivo de provocar a destruição máxima de pessoas e criar “mundos de morte”, formas únicas e novas de existência social, nas quais vastas populações são submetidas a condições de vida que lhes conferem o estatuto de “mortos-vivos”. — Achille Mbembe

As 29 Poetas Hoje – Org.: Heloísa Buarque de Holanda (Cia das Letras, R$ 69,90)

Quarenta e cinco anos depois do lançamento de 26 poetas hoje — antologia que marcou época e se tornou um documento incontornável dos anos 1970 ―, Heloisa Buarque de Hollanda se perguntou: quem está fazendo a poesia de agora? Ao se dar conta da surpreendente presença das mulheres, cada uma com sua dicção e seu estilo, Heloisa reuniu vozes de uma geração pulsante e combativa, que impressiona pela força, pela coragem e pelo talento. “As 29 poetas hoje” é uma antologia que fala sobre identidade, sexo, amor, fúria, política e o Brasil de agora.

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Newsletter de 1º de março de 2021

Lupa da Alma, de Maria Homem (Todavia, R$ 30,00)

A pandemia tornou as crises mais agudas. As emoções parecem estar à flor da pele. Se estávamos buscando formas de mantê-las sob controle, ou sob anestesia, agora parecem ter obtido um passe livre para circular sem tanta repressão. Como não escutar esse caos que parece explodir em forma de revelação? Este livro explora o impacto do vírus em diversas esferas da vida: amor, ódio, família, amigos, trabalho, morte. Com a verve e a inteligência que fizeram dela uma das psicanalistas brasileiras de maior projeção nos últimos anos, Maria Homem oferece alento nesse momento de incerteza e examina formas de angústia que falam direto ao lado sombrio de cada um de nós.

 

Tupinilândia, de Samir Machado de Machado (Todavia, R$ 82,90)

No início dos anos 1980, com o Brasil rumando para a abertura política, um industrialista constrói em segredo um parque de diversões. Batizado de Tupinilândia, funcionaria como uma celebração do nacionalismo e da nova democracia que se aproximava. Porém, durante um fim de semana em que se testavam as operações do parque, um grupo de militares invade o lugar e faz funcionários e visitantes de reféns. Duas décadas depois, um arqueólogo obcecado pelo mito de Tupinilândia, chega com sua equipe e descobre um terrível segredo. A partir daí as duas pontas do romance se unem numa aventura literária pelo passado recente do Brasil e pela memória dos anos 1980.

Salientamos que seguimos trabalhando. Entregamos as encomendas por moto e bicicleta para as regiões mais próximas, além de enviar via Correios para o Brasil inteiro!

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Lista dos livros mais vendidos na Livraria Bamboletras em janeiro de 2021

Lista dos livros mais vendidos na Livraria Bamboletras em janeiro de 2021

1. Os Supridores, de José Falero.
2. Torto Arado, de Itamar Vieira Junior.
3. E fomos ser gauche na vida, de Lelei Teixeira.
4. O Avesso da Pele, de Jeferson Tenório.
5. Máscaras da Tricolina — sim, máscaras para a pandemia.
6. Mulheres de Minha Alma, de Isabel Allende.
7. A Vida Mentirosa dos Adultos, de Elena Ferrante.
8. Contra mim, de Valter Hugo Mãe.
9. Porto Alegre, Cidade Baixa: um bairro que contém seu passado, de Renato Menegotto.
10. República das Milícias, de Bruno Paes Manso.
11. Marrom e Amarelo, de Paulo Scott.

Que orgulho! Só tem livro bom aí!

Deixem eu me gabar…

Deixem eu me gabar…

O Jonas Fernando Pohlmann é um querido cliente da Bamboletras que mora em Moçambique.

Quando vem ao Brasil, além de visitar nossa livraria, traz pra gente uma lembrancinha. Bem, até hoje só trouxe lembrançonas!

No ano passado, ele nos presenteou com Balada de Amor ao Vento, ótimo livro de Paulina Chiziane ainda não lançado no Brasil.

E ontem ele nos trouxe O Mapeador de Ausências, de Mia Couto, ainda não publicado entre nós.

Com um detalhe, o livro veio autografado por Mia.

100 Livros Essenciais da Literatura Mundial

100 Livros Essenciais da Literatura Mundial

Há algumas semanas, li a lista da extinta revista Bravo sobre os 100 livros essenciais da literatura mundial. A edição vendeu muito, disse o dono da banca de revistas meu vizinho. No final da revista, há uma página de Referências Bibliográficas de razoável tamanho, mas o editor esclarece que a maior influência veio dos trabalhos de Harold Bloom.

Vamos à lista? Depois farei alguns comentários a ela.

A lista é a seguinte (talvez haja erros de digitação, talvez não):

1. Ilíada, Homero
2. Odisseia, Homero
3. Hamlet, William Shakespeare
4. Dom Quixote, Miguel de Cervantes
5. A Divina Comédia, Dante Alighieri
6. Em Busca do Tempo Perdido, Marcel Proust
7. Ulysses, James Joyce
8. Guerra e Paz, Leon Tolstói
9. Crime e Castigo, Dostoiévski
10. Ensaios, Michel de Montaigne
11. Édipo Rei, Sófocles
12. Otelo, William Shakespeare
13. Madame Bovary, Gustave Flaubert
14. Fausto, Goethe
15. O Processo, Franz Kafka
16. Doutor Fausto, Thomas Mann
17. As Flores do Mal, Charles Baldelaire
18. Som e a Fúria, William Faulkner
19. A Terra Desolada, T.S. Eliot
20. Teogonia, Hesíodo
21. As Metamorfoses, Ovídio
22. O Vermelho e o Negro, Stendhal
23. O Grande Gatsby, F. Scott Fitzgerald
24. Uma Estação No Inferno,Arthur Rimbaud
25. Os Miseráveis, Victor Hugo
26. O Estrangeiro, Albert Camus
27. Medéia, Eurípedes
28. A Eneida, Virgilio
29. Noite de Reis, William Shakespeare
30. Adeus às Armas, Ernest Hemingway
31. Coração das Trevas, Joseph Conrad
32. Admirável Mundo Novo, Aldous Huxley
33. Mrs. Dalloway, Virgínia Woolf
34. Moby Dick, Herman Melville
35. Histórias Extraordinárias, Edgar Allan Poe
36. A Comédia Humana, Balzac
37. Grandes Esperanças, Charles Dickens
38. O Homem sem Qualidades, Robert Musil
39. As Viagens de Gulliver, Jonathan Swift
40. Finnegans Wake, James Joyce
41. Os Lusíadas, Luís de Camões
42. Os Três Mosqueteiros, Alexandre Dumas
43. Retrato de uma Senhora, Henry James
44. Decameron, Boccaccio
45. Esperando Godot, Samuel Beckett
46. 1984, George Orwell
47. Galileu Galilei, Bertold Brecht
48. Os Cantos de Maldoror, Lautréamont
49. A Tarde de um Fauno, Mallarmé
50. Lolita, Vladimir Nabokov
51. Tartufo, Molière
52. As Três Irmãs, Anton Tchekov
53. O Livro das Mil e uma Noites
54. Don Juan, Tirso de Molina
55. Mensagem, Fernando Pessoa
56. Paraíso Perdido, John Milton
57. Robinson Crusoé, Daniel Defoe
58. Os Moedeiros Falsos, André Gide
59. Memórias Póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis
60. Retrato de Dorian Gray, Oscar Wilde
61. Seis Personagens em Busca de um Autor, Luigi Pirandello
62. Alice no País das Maravilhas, Lewis Caroll
63. A Náusea, Jean-Paul Sartre
64. A Consciência de Zeno, Italo Svevo
65. A Longa Jornada Adentro, Eugene O’Neill
66. A Condição Humana, André Malraux
67. Os Cantos, Ezra Pound
68. Canções da Inocência/ Canções do Exílio, William Blake
69. Um Bonde Chamado Desejo, Teneessee Williams
70. Ficções, Jorge Luis Borges
71. O Rinoceronte, Eugène Ionesco
72. A Morte de Virgilio, Herman Broch
73. As Folhas da Relva, Walt Whitman
74. Deserto dos Tártaros, Dino Buzzati
75. Cem Anos de Solidão, Gabriel García Márquez
76. Viagem ao Fim da Noite, Louis-Ferdinand Céline
77. A Ilustre Casa de Ramires, Eça de Queirós
78. Jogo da Amarelinha, Julio Cortazar
79. As Vinhas da Ira, John Steinbeck
80. Memórias de Adriano, Marguerite Yourcenar
81. O Apanhador no Campo de Centeio, J.D. Salinger
82. Huckleberry Finn, Mark Twain
83. Contos de Hans Christian Andersen
84. O Leopardo, Tomaso di Lampedusa
85. Vida e Opiniões do Cavaleiro Tristram Shandy, Laurence Sterne
86. Passagem para a Índia, E.M. Forster
87. Orgulho e Preconceito, Jane Austen
88. Trópico de Câncer, Henry Miller
89. Pais e Filhos, Ivan Turgueniev
90. O Náufrago, Thomas Bernhard
91. A Epopéia de Gilgamesh
92. O Mahabharata
93. As Cidades Invisíveis, Italo Calvino
94. On the Road, Jack Kerouac
95. O Lobo da Estepe, Hermann Hesse
96. Complexo de Portnoy, Philip Roth
97. Reparação, Ian McEwan
98. Desonra, J.M. Coetzee
99. As Irmãs Makioka, Junichiro Tanizaki
100 Pedro Páramo, Juan Rulfo

A lista é ótima, mas há critérios bastante estranhos.

Se não me engano, só três semideuses têm mais de um livro na lista: Homero, Shakespeare e Joyce. OK, está justo.

No restante, é uma lista mais de autores do que de livros e muitas vezes são escolhidos os livros mais famosos do autor e dane-se a qualidade da obra. Se a revista faz um gol ao escolher Doutor Fausto como o melhor Thomas Mann, erra ao escolher Crime e Castigo dentro da obra de Dostoiévski – Os Irmãos Karamázovi e O Idiota são melhores; ao escolher Guerra e Paz de Tolstói – por que não Ana Karênina? -; na escolha de O Complexo de Portnoy, de Philip Roth; que tem cinco romances muito superiores, iniciando por O Avesso da Vida (Counterlife) e ainda ao eleger Retrato de Uma Senhora na obra luminosa de Henry James. Li por aí reclamações análogas sobre as escolhas de Brás Cubas e não de Dom Casmurro, de Cem Anos de Solidão ao invés de O Amor nos Tempos do Cólera e de As Cidades Invisíveis de Calvino, mas acho que é uma questão de gosto pessoal e não de mérito. Ah, e é absurda a presença do bom O Náufrago e não dos imensos e perfeitos Extinção, Árvores Abatidas e O Sobrinho de Wittgenstein na obra de Thomas Bernhard.

Saúdo a presença de grandes livros pouco citados como Tristram Shandy, obra-prima de Sterne muito querida deste que vos escreve, de Viagem ao Fim da Noite, de Céline, de A Consciência de Zeno, genial livro de Ítalo Svevo, de O Deserto dos Tártaros (Buzzati) e do incompreendido e brilhante Grandes Esperanças, de Charles Dickens, de longe seu melhor romance.

Porém é estranha a escolha de A Comédia Humana, de Balzac. Ora, a Comédia são 88 romances! Não vale! Estranho ainda mais a presença de autores menores como Kerouac e Malraux, além do romance que não é romance — ou do romance que só é romance em 100 de suas 1200 páginas: O Homem sem Qualidades, de Robert Musil.

Também acho que presença de McEwan e de Coetzee prescindem do julgamento do tempo, o que não é o caso de alguns ausentes, como Lazarillo de Tormes, de Chamisso com seu Peter Schlemihl, de George Eliot com Middlemarch, de Homo Faber de Max Frisch e de O Anão, de Pär Lagerkvist, só para citar os primeiros que me vêm à mente. E, se McEwan e Coetzee esttão presentes, por que não Roberto Bolaño?

E Oblómov??? Não poderia ficar de fora!

(O Bender escreve um comentário reclamando a ausência de Grande Sertão, Veredas, de Guimarães Rosa. É claro que ele tem razão! Esqueci. Coisas da idade.)

Com satisfação pessoal, digo que este não-especialista não leu apenas Os Miseráveis, o livro de Blake e os de Lautréamond, Mallarmé, Ovídio e Hesíodo. Isto é, seis dos cem. Tá bom.

P.S.- Milton mentiroso! Não li Finnegans também!

Este post foi publicado em 13 de dezembro de 2007, mas quase nada mudou.

Feira do Livro sem praça: na pandemia, livreiros e editoras se preparam para edição online

Feira do Livro sem praça: na pandemia, livreiros e editoras se preparam para edição online

Por Bruna Paulin e Gustavo Foster, no Noite dos Museus

Mais do que os grandes lançamentos do ano ou os atrativos descontos oferecidos, o grande barato da Feira do Livro de Porto Alegre é a aglomeração na Praça da Alfândega, coração da cidade. O passeio no entorno das bancas, os bate-papos sem pressa entre livreiros e visitantes, a vida que toma conta de um espaço muitas vezes pouco frequentado pela população no resto do ano.

A Feira do Livro, tão tradicional no calendário cultural gaúcho, é espaço de formação de público – e sem dúvida grande parte de seu sucesso vem das trocas presenciais. Em 2020, devido à pandemia, a principal feira literária do Estado não poderá ser realizada fisicamente – como tantas outras em cidades espalhadas pelo Brasil. Por conta da impossibilidade de ocorrer em seu formato tradicional, os organizadores levaram-na para o mundo virtual, onde pretendem emular tudo aquilo que a feira tem de melhor, além de servir de inspiração para outros eventos do tipo. Não somente seu produto final, o livro, estará à venda pelos sites dos associados, mas também toda a programação da Feira, incluindo a transmissão ao vivo das atividades oferecidas.

Sob o slogan “Janelas abertas para a Praça”, o evento terá sua programação, totalmente gratuita, veiculada pelo portal www.feiradolivro-poa.com.br entre os dias 30 de outubro e 15 de novembro. Em 29 de setembro, a Câmara Rio-Grandense do Livro (CRL) divulgará os lançamentos, os autores participantes e o patrono desta edição, além de promover mais três eventos de aquecimento, nos dias 13, 20 e 27 de outubro. A escritora chileno-norte-americana Isabel Allende é a autora convidada e participará da abertura.

“Na nossa 66ª edição, estamos focando na qualidade dos eventos e no potencial que eles têm de debater, a partir do universo do livro, temas atuais relevantes. A programação geral terá quase 40 atividades, envolvendo cem convidados. Um universo que espelha também a nossa ideia de valorizar o que é diverso, de temas a perfis dos escritores”, explica Lu Thomé, uma das curadoras da feira.

“O ‘Janelas abertas para a Praça’ une estas duas coisas: a nossa comunicação atual por ‘janelas’ e telas de celulares, notebooks e computadores durante o período de isolamento social. Telas que, com a participação dos leitores na nossa programação, estarão voltadas para a Praça, que é o símbolo da Feira. A Praça estará na casa de todas as pessoas que desejarem. Nesse sentido, a programação precisa ser mais abrangente possível. Então, seguimos algumas linhas temáticas centrais: cultura (com valorização da cultura e liberdade de expressão), diversidade (com inclusão, feminismo, antirracismo e tolerância), ciência (pandemia, saúde) e sustentabilidade (relação com o mundo e o meio ambiente, economia verde)”, detalha Lu.

O momento atípico gerou inseguranças e apresenta desafios, mas a CRL garante que fez de tudo para preparar público e livreiros para as novidades.

“Em um evento tão tradicional como a Feira do Livro de Porto Alegre, é natural que exista alguma resistência à mudança por parte dos livreiros. Muitos deles participam há décadas da feira, que, diga-se, manteve um formato muito semelhante desde as primeiras edições. Ao mesmo tempo, percebo que há uma parcela cada vez maior de livreiros, distribuidores e editores em busca de informação sobre como vender pela internet”, avalia Tito Montenegro, editor da Arquipélago Editorial e diretor da CRL.

Livreiros receberam consultoria, sites novos e ajuda em transações para entrar no mundo novo

Para os associados que ainda não tinham comércio eletrônico, por exemplo, a entidade firmou parceria com uma empresa que desenvolve lojas virtuais, a GetCommerce, para que os expositores possam criar seus comércios eletrônicos em condições especiais. Firmou-se também um convênio com o Sebrae-RS, proporcionando uma consultoria para os livreiros qualificarem seus negócios para enfrentar os novos tempos, com ênfase na recuperação pós-pandemia e na crescente digitalização da divulgação e da venda de livros.

Para a tradicional livraria porto-alegrense Bamboletras, as inovações já começaram a surtir efeito. Se antes da pandemia o empreendimento se caracterizava como uma “livraria de balcão”, a quarentena forçou o proprietário Milton Ribeiro a criar um site da empresa. Se as vendas no início da pandemia caíram a 20%, Ribeiro espera que a feira ajude na retomada do crescimento, algo que já vem acontecendo nos últimos meses.

“A Feira do Livro vai ser uma continuidade dessa evolução. Nem tanto balcão, mais atendimento remoto. A Bamboletras se caracteriza por ter pessoas que conhecem livros e fazem uma curadoria. De certa forma, esse atendimento remoto vai continuar. A Câmara do Livro nos disponibilizou a possibilidade de ter um site – éramos tão de balcão que não tínhamos um. Teremos também a comunicação por redes sociais. Vai ser uma estreia, um mundo novo”, comemora o livreiro, antes de ponderar: – Minha perspectiva é otimista, porque vai ter muita divulgação, porém eu não sei muito bem qual vai ser a repercussão, porque é inédito.

Novos públicos e oportunidades infinitas

Se, por um lado, a impossibilidade de reunir pessoas é uma barreira, por outro, pode ser uma oportunidade para mudar. Gustavo Guertler, CEO da Editora Belas-Letras, conta que a empresa decidiu oficializar o home office, vai entregar a sala em que funciona sua sede em Caxias do Sul até dezembro e migrará o estoque para Osasco, em São Paulo. A partir dessa novidade, a editora pretende continuar inovando no ambiente digital – com a contribuição da Feira do Livro.

“Vamos tentar criar uma experiência mais próxima do que acontecia na feira física, no que se refere a curadoria e relacionamento com as pessoas, dentro do que é possível. Por outro lado, também tentamos criar ações que só o ambiente digital permite, então pensamos nisso como uma oportunidade. Há uma infinidade de ações que podemos fazer online, como garantir uma experiência da Feira para pessoas que não são da cidade”, acredita Guertler.

Lu Thomé concorda e vai além: para ela, as novidades devem se tornar padrão a partir de agora.

“Pela primeira vez, estaremos transmitindo para o Brasil e o mundo. É um ganho gigante. É provável que o formato online não seja mais abandonado, e as edições futuras passem a ser idealizadas num modelo híbrido de digital e presencial. Tudo ainda precisa ser confirmado e também precisaremos saber sobre os protocolos sanitários dos próximos anos. Todo o investimento e estrutura digital é um legado que fica para as próximas edições.”

Os hábitos de leitura também mudaram na pandemia?

Se tudo está mudando por conta da pandemia, as leituras de quem está em quarentena também ganharam outro perfil. Pelo menos é o que estimam Guertler e Ribeiro. O CEO da Belas-Letras diz que percebeu “uma pequena mudança nos títulos”:

“Por um lado, houve uma queda leve em títulos mais relacionados a negócios, empreendedorismo, mas houve também um aumento nas vendas de títulos que envolvem memória afetiva, entretenimento, autoconhecimento. As pessoas estão buscando olhar um pouco mais para dentro de si.”

Segundo ele, a editora teve crescimento de 16% nas vendas no primeiro semestre. Já Ribeiro afirma que “mudou muito a temática das vendas”:

“Em primeiro lugar, as pessoas começaram a atacar aqueles calhamaços, como Grande Sertão: Veredas, livros grandes de Tolstói, Dostoiévski, aqueles tijolos. Estão saindo todos. Nunca teve tanta procura. Leituras atrasadas, acho. Outra coisa, algo mais cômico, mas muita gente está procurando por gastronomia. Os livros da Rita Lobo, livros de receita, isso está saindo muito. As pessoas dizem ‘não aguento mais a comida da minha mãe, não aguento mais o que eu faço em casa’, e tentam mudar”, se diverte.

A Feira da gurizada para além de Porto Alegre

Nestes últimos 66 anos, é possível afirmar que grande parte da população infantojuvenil de Porto Alegre visitou pelo menos uma vez na vida a Praça da Alfândega com sua escola. O dedicado trabalho de formação de público desenvolvido pela organização da Feira tem como figura-chave Sônia Zanchetta, envolvida com a programação dos eventos infantis e juvenis desde 1998. Em 2020, os desafios deixam de ser os mesmos de 22 anos de experiência:

“É um desafio e tanto produzir as programações da Área Infantil e Juvenil em formato online. Mas estamos contentes porque, apesar de todas as dificuldades enfrentadas, a Feira do Livro está confirmada. Confiamos em que os professores, bibliotecários e outros mediadores da leitura que costumam nos visitar com alunos atuem com o mesmo entusiasmo de sempre, promovendo a leitura prévia de obras dos autores, para que os encontros digitais, que permitirão a interação entre o público e os convidados, sejam prazerosos e produtivos”, afirma Sônia.

As escolas e professores que estão conseguindo manter atividades com seus alunos já podem entrar em contato para saber mais detalhes sobre o funcionamento e as opções para direcionarem suas turmas em atividades online. Não é necessário agendamento prévio neste ano, pois não há limite físico para a participação simultânea de mais de uma turma. A equipe da programação infantil e juvenil e do ciclo A Hora do Educador atende pelo e-mail [email protected] e sugere as atividades para a participação dos estudantes, de acordo com a idade e o ano escolar.

Serão 20 autores que promoverão 20 encontros, além de 20 contações de histórias, realizadas por Bárbara Catarina e Carmen Lima. Sônia destaca que o formato digital da Feira possibilitará a interação de mais estudantes, muitos deles que não conseguiam participar presencialmente:

“Muitas crianças e jovens de municípios que não eram atendidos pelo transporte escolar do evento terão a oportunidade de fazer parte da Feira em 2020.”

A Feira virtual também auxiliou a trazer nomes que a curadoria desejava há alguns anos, como Kiusam de Oliveira Eliane Potiguara. Da literatura indígena, além de Potiguara, Yaguaré Yamã integra a lista de autores participantes. Para se ter uma ideia da amplitude desse universo de alunos, só no Rio Grande do Sul existem 90 escolas indígenas.

Entre os escritores de literatura infantil afro-brasileira, além de Kiusam de Oliveira, está Rogério Andrade Barbosa, provavelmente o autor com mais livros publicados na área. O evento também contará com Otávio Júnior, conhecido por abrir a primeira biblioteca nas favelas do Complexo do Alemão e no Complexo da Penha, no Rio de Janeiro.

Para acompanhar as novidades e a programação completa da 66ª Feira do Livro, visite o site www.feiradolivro-poa.com.br.

Perigo de extinção: livreiros em pé de guerra

Perigo de extinção: livreiros em pé de guerra

Um relatório divulgado há alguns dias pela Câmara Argentina do Livro (CAL) traz números alarmantes: nos últimos cinco anos, as quedas acumuladas na produção da indústria editorial são imensas. Para as livrarias, a pandemia foi um fenômeno devastador: hoje elas vendem entre 20 e 25% do que faturavam antes. Dado esse panorama, as livrarias de Buenos Aires podem desaparecer? Os envolvidos respondem.

De Natalia Viñes
Publicado originalmente em Perfil.com
Tradução apressada de Milton Ribeiro

As livrarias estão passando pela maior crise de sua história. É difícil calcular seu futuro quando o presente se afunda em uma distopia impossível de se imaginar há três meses. A realidade que os afeta desde o confinamento muda abruptamente a cada semana, e eles vêm enfrentando um profundo problema durante os primeiros meses do governo do Cambiemos.

As livrarias continuarão a existir após o crescimento das vendas de livros na Internet durante o isolamento? O que acontecerá em Buenos Aires, a capital mundial das livrarias, quando a pandemia acabar? Alguns dias atrás, especialistas do setor previram um possível fechamento maciço de livrarias. Consultados por este jornal, os livreiros contam sobre sua situação atual, seu estado de alerta e incerteza e as possíveis consequências.

A Argentina é o país com o maior hábito de leitura da região e Buenos Aires é a cidade com o maior número de bibliotecas por habitante no mundo: 8 mil habitantes para cada uma. Há um total de 350 livrarias que representam 63% das livrarias de todo o país, de acordo com o último relatório estatístico (2018) da Câmara de Publicações da Argentina (CAP). No mesmo relatório, observou-se que o setor editorial mantinha uma estrutura tradicional que ainda tinha um longo caminho a percorrer em direção a novas tecnologias.

Essa situação está sendo refletida durante a pandemia, com diferentes consequências nas vendas das livrarias. Algumas já incorporaram sistemas de vendas on-line que funcionavam bem desde antes do isolamento. A situação atual acelerou processos que, em muitos casos, nem foram planejados. A maioria das livrarias se interessou pelas vendas on-line pela primeira vez, com resultados ainda bastante ruins; os editores adicionaram urgentemente carrinhos de compras em suas páginas da web; e sites de vendas de livros virtuais, como o Mercado Libre ou o Busca Libre, aumentaram exponencialmente suas vendas, enquanto novas plataformas semelhantes apareceram da noite para o dia, como as Sakura Libros, Colorín Colorado e Mandolina Libros, entre muitos outros.

O fim das livrarias de Buenos Aires?

No início do isolamento, as livrarias foram fechadas por um mês, com uma perda de ganhos de 100%. Em seguida, a venda por entrega foi autorizada e, a partir de 12 de maio, o governo de Buenos Aires autorizou a reabertura. Mesmo assim, as livrarias que não estavam preparadas para venda on-line calculam suas perdas entre 60 e 80% em suas vendas e concordam que precisam de ajuda especial para o setor.

Pablo Braun, proprietário da livraria Eterna Cadencia e de uma cadeia de quatro bibliotecas da Station Book, que fica nos shoppings, diz: “Por um lado, estávamos muito bem preparados na Eterna com vendas on-line e que quase supriam o que estava sendo vendido antes. Mas, por outro lado, há quatro shopping centers fechados. Há quase quarenta pessoas trabalhando. Felizmente, existe o auxílio estatal para salários, que funciona para nós, mas não sei quantos meses mais eles podem fazê-lo. Essa é uma catástrofe total e absoluta, vendendo cinco livros por dia”. No mesmo sentido, Sandro Barrella, da Librería Norte, percebe que, quando as vendas on-line começaram, eles conseguiram faturar entre 40 e 50% do que estavam vendendo normalmente. Com a abertura da livraria física, eles começaram a vender 40% a mais do que vendiam apenas on-line. “A livraria tinha uma estrutura em torno do site que estava em funcionamento há muitos anos e que permitiu nos instalássemos rapidamente. Então é uma corrida do dia a dia, porque o livro vem de uma crise de quatro anos muito difícil.”

Por outro lado, José Rosa, da Librería de las Luces e delegado da Câmara de Livreiros, até agora registra uma queda de 80% nas vendas. “As pessoas não vêm ao centro se não houver movimento normal. Se a quarentena continuar, terei que pensar no fechamento”, diz o proprietário da livraria histórica fundada em 1965.” Só agora estamos começando a vender on-line. Mas isso representa dez por cento. É como abrir um novo negócio, que é suicídio hoje em dia. Precisamos de ajuda especial para o setor, porque as livrarias são um negócio com rentabilidade muito baixa”.

Gabriel Waldhuter, da Livraria Waldhuter, diz que “as vendas por entrega representam 15% da venda total de uma livraria; muitos deles, principalmente os pequenos, não possuem site e recorrem ao Mercado Libre, que, entre impostos, comissões e custos de envio, representa um desconto de 20%. Uma pequena livraria obtém 35 a 40% de desconto na editora.

Portanto, nessa pequena venda que fazemos, a lucratividade é nula. Com a reabertura da livraria, se antes cerca de cem pessoas entravam, agora entram dez. A venda de abril de 2020, em comparação a abril de 2019, foi 80% menor. Imagino que a perda anual será de 60 a 70%, dependendo, é claro, de como evoluirá a pandemia. As despesas fixas são mantidas e a receita não para de cair. Tudo sugere que as livrarias serão fechadas. A preocupação é muito grande. A cadeia de pagamentos está completamente quebrada. O setor de publicação e livreiro está sangrando.”

Enrique Avogadro: “Devemos defender livrarias independentes”

Ecequiel Leder Kremer, diretor da Librería Hernández e colaborador e participante da Câmara de Bibliotecas da Fundação el Libro e da Câmara Argentina del Libro (CAL), afirma que “as perdas são importantes. No momento, estamos tendo uma queda de 60%. Embora os 40% que recebemos sejam essenciais porque nos permitem cumprir nossas obrigações, pagar salários com a ajuda do ATP (Programa de Assistência a Trabalho e Produção) e pagar a nossos fornecedores, isso apresenta um cenário que não é bom. Os auxílios estatais são muito importantes e o comportamento das pessoas está definindo o que a situação lhes permite fazer do ponto de vista econômico e de saúde.

Adicionado a esse panorama, há 15 dias uma notícia explodiu como uma bomba: a Editorial Planeta abriu sua própria loja on-line no Mercado Libre. Por meio das redes e sob a hashtag LasLibreríasImportan, um grande grupo de livrarias emitiu uma declaração expressando seu profundo desconforto. A partir desse momento, livreiros, escritores e leitores se juntam à hashtag todos os dias para expressar seu apoio às livrarias.

A Editorial Planeta respondeu há alguns dias , através de Santiago Satz, gerente de imprensa da empresa: “Isso não implica que mais livrarias não sejam mais pontos de venda, elas são nossa prioridade”. No entanto, isso não acalmou os livreiros que, como resultado, estão se reunindo para ver como podem se organizar contra o que consideram uma ameaça.

A Planeta pode legalmente abrir um canal direto com o Mercado Libre (e também não é a única editora que vende diretamente por essa plataforma), mas por ser um colosso, graças ao seu poder econômico, pode se posicionar para obter visibilidade muitas vezes maior que a o das livrarias que vendem e sobrevivem nesse canal no momento. Por sua vez, a lógica do Mercado Libre direciona, através de seus algoritmos, as buscas pelos produtos com maior rentabilidade. Essa confluência de forças é o que as livrarias apontam como um possível efeito devastador em suas instalações. “

A Biblioteca do Norte está em total desacordo com o que Planeta está fazendo. A ideia é manter uma postura crítica, ver quais ações podem ser tomadas em um coletivo de livrarias e também junto às editoras para ver qual proteção pode ser dada ao setor “”, afirma Sandro Barrella.

Parece para Pablo Braun que “isso pode mudar as regras do jogo e, se isso acontecer, a reconversão pode ser mais profunda. Se o Mercado Libre alterar as regras e decidir, por exemplo, vender diretamente através de editoras e não através de livrarias, como a Amazon faz nos Estados Unidos, esse canal pode ser perigoso. E para uma grande editora também. Se o Mercado Libre disser: ‘Se você não me fizer 60%, não comprarei você’. Parece-me que o melhor, apesar de muito difícil, é estar atento ao que o Mercado Libre faz ”, conclui.

A situação não é estranha aos especialistas da área. Alejandro Dujovne, pesquisador e especialista na indústria do livro, diz que “a Planeta (com essa decisão) quebra um certo pacto implícito existente” e que é essencial que haja mesas para conversas e espaços para o diálogo. “O problema é ter um setor fragmentado e uma crise que não contribui para fortalecer esses espaços de conversação. Penso que, se deixar o mercado com suas próprias regras, iremos para uma situação de maior vulnerabilidade das livrarias “.

Brincando de esconde-esconde com o leitor argentino

Por seu lado, Natalia Calcagno, socióloga especializada em economia cultural, acredita que “a prática da Planeta é prejudicial às livrarias em um momento de emergência e seria necessário reagir, nesse sentido, para protegê-las”. Mas ele diz que lhe parece que não é possível que os editores ponham em risco o canal da livraria: um intermediário não pode existir sem eles. Calcagno considera que é necessário solicitar regulamentos ao Estado e que “existem muitas leis culturais de emergência em outros países, como Alemanha, Espanha, Canadá ou França.

Propostas

Consultado dias atrás, Enrique Avogadro, Ministro da Cultura de Buenos Aires, comentou sua disposição de prestar atenção à questão: “Devemos defender livrarias independentes”. Ele mencionou que o governo de Buenos Aires permitiu a reabertura das livrarias e que estão sendo feitos progressos em reuniões com o setor para analisar quais medidas paliativas podem ser tomadas. “Estamos incentivando as livrarias a se estruturarem como associação ou grupo, pelo menos para trabalharem juntas”, afirmou.

Por seu turno, a Câmara Argentina do Livro (CAL) divulgou na terça-feira 9 um documento que relata o estado do setor da indústria do livro e propõe propostas para aplicar na pandemia e mesmo depois dela. Entre as medidas que envolvem diretamente as livrarias, eles propõem um trabalho conjunto com o Correo Argentino para reduzir os custos logísticos das vendas on-line. A ideia seria considerar uma taxa especial para livros e frete grátis em alguns casos. No momento, esses custos favorecem a concentração das cadeias de livrarias e plataformas de vendas e reduzem o percentual de faturamento das livrarias para menos de dez por cento.

O Centro Regional de Promoção de Livros da América Latina e do Caribe (Cerlalc-Unesco) publicou em maio deste ano um documento urgente para entender a situação do setor editorial ibero-americano. Ele afirma que “analistas como Bernat Ruiz, Manuel Gil ou Guillermo Schavelzon concordam que a principal medida do governo para a recuperação do setor não apenas passa pela compra de livros, mas que deve ser dada prioridade às livrarias, pois é o elo mais fraco do mercado. As livrarias precisarão de uma injeção rápida de liquidez que lhes permita evitar o fechamento, diminuir os retornos e continuar fazendo pedidos”, diz Ruiz.

Sobre o futuro das livrarias. Quando a pandemia termina, os livreiros acreditam que muitas livrarias podem fechar. Dizem que não é fácil saber como as coisas vão acontecer, mas não vêem que a livraria, a figura do livreiro e a tradição cultural que temos aqui, terminem. No entanto, eles não podem arriscar uma visão clara do que o futuro lhes reserva após essa transformação que estão começando a conhecer agora.

Pablo Braun diz que “há uma mudança no paradigma do consumo das pessoas. Parece-me que há as telentregas vieram para ficar. Este é um golpe muito forte e todos nós vamos ter que mudar. Não consigo imaginar um futuro sem livrarias. Haverá menos, haverá menos pessoas trabalharão, é muito difícil. Coisas assim podem começar com os editores que vendem direto. Há algo que não tem nada a ver com o mundo do livro, tem a ver com o fato de que todo mundo quer matar o intermediário. E isso teria consequências muito sérias, porque, se não houver intermediários, o que eles acabarão comprando?

Gabriel Waldhuter acredita que “isso está apenas começando, tenho imagens de 2001, acho que essa crise de saúde será pior. Agora, se a vacina muito desejada aparecer, voltaremos a visitar livrarias, para continuar as que possuíamos.

As livrarias não vão desaparecer

Para Ecequiel Leder Kremer, “Provavelmente existe uma prática residual de fazer compras através dos canais digitais, mas parece-me que, como muitos estão esperando para voltar ao cinema, muitos leitores estão esperando para retornar às livrarias com tudo o que isso implica: o relacionamento com a livraria, a possibilidade de percorrer a livraria, percorrer os setores temáticos, identificar editoriais. Isso não substitui a tela do computador.”

Sandro Barrella: “Não tenho escolha a não ser ser otimista, porque é isso que me permite a possibilidade de trabalhar. Então, se tudo desmorona, desmorona. Parece-me que existe um espaço além da mística para pequenas livrarias. Se não houver mais condições uniformes para competir, será muito complicado.”

O que desaparece se as bibliotecas desaparecerem?

Natalia Calcagno: “Quando você entra em uma livraria para conversar, olhar, um mundo de diversidade se abre por recomendação do livreiro. O tema da exposição é essencial para conhecer. Caso contrário, você está limitando a venda. Temos dezenas de milhares de títulos por ano produzidos na Argentina. Além disso, há o que é produzido em outros países. E também a livraria é a possibilidade de a pequena editora se aproximar do leitor ”

Alejandro Dujovne: “Há várias perguntas a serem pensadas, uma delas é qual é o valor social e qual é o valor cultural que uma livraria tem. É uma discussão que a sociedade e a política precisam adotar para ver o que fazer com isso. As livrarias são mais do que apenas um canal de marketing. Embora sua dimensão mercantil ou comercial não deva ser negligenciada, porque muitas pessoas vivem disso. Ao mesmo tempo, são, do nível de produção de valor do livro, um lugar muito importante, porque têm a ver com a experiência da leitura, com a maneira como a literatura e o livro se relacionam com a sociedade como um todo. e como os livros circulam. As livrarias agregam valor e dão visibilidade.”

O escritor Jorge Carrión, que acaba de publicar na Argentina Contra a Amazon, diz que “prevaleceu a lógica que Jeff Bezos (fundador e CEO da Amazon) inventada há mais de vinte anos: o que importa é rapidez e, portanto, é necessário eliminar os números dos intermediários (como o editor, com a editoração eletrônica, ou o livreiro, com a compra na web). Mas essa lógica, se você pensar sobre isso, é bastante absurda. Elimine a caminhada, o desejo, a história que o une com a aquisição e leitura de um livro, a descoberta, a possibilidade de um encontro ou um café. Assim como Buenos Aires protegeu seus cafés notáveis, agora deve proteger suas livrarias. Mas acima de tudo, os leitores devem fazê-lo.”

A Bamboletras numa tarde de domingo de 2019 | Foto: Milton Ribeiro

Lendo Judas, de Amós Oz

Lendo Judas, de Amós Oz

Estou num relacionamento sério com o livro Judas, de Amós Oz. Livraço. Leio Oz apenas pela segunda vez e repetidas vezes parece que estou numa atmosfera Charles Dickens. Esse cara deve amar Dickens, essa frase poderia ser de Dickens. Mas o tema do livro nada tem a ver. Oz não é sentimental. Judas não é nada semelhante a qualquer livro de Dickens. Oz conjetura, Dickens conta. Estou doido.

Resolvo guglar “Dickens Amós Oz” e descubro um monte de referências de Oz ao inglês. Um monte, principalmente a um dos livros que mais amo, Grandes Esperanças, e ao Um Conto de Duas Cidades. E alguma coisa acontece no meu coração que só quando cruzam e dialogam dois queridos gênios numa esquina qualquer.

Amós Oz em Nova York em 2016

Ann Patchett sobre a administração de uma livraria em quarentena: ‘Somos parte da nossa comunidade como nunca antes’

Ann Patchett sobre a administração de uma livraria em quarentena: ‘Somos parte da nossa comunidade como nunca antes’

A romancista revela como a loja de que ela é proprietária em Nashville está fazendo e refazendo planos para levar livros aos leitores que os querem mais do que nunca

Por Ann Patchett, no The Guardian (traduzido livremente por mim)

‘Nós fazemos nossos planos. Mudamos nossos planos. Esta é a nova ordem mundial ‘… Ann Patchett, da Parnassus Books. Foto: Heidi Ross / The Guardian

Nós fechamos a Parnassus Books, a livraria de que eu sou sócia em Nashville, no mesmo dia em que todas as lojas em torno de nós fecharam. Não sei dizer quando foi porque não tenho mais um relacionamento com minha agenda.

Todos os dias agora são oficialmente os mesmos, iguais. No dia do fechamento, eu e minha parceira de negócios, Karen, conversamos com a equipe e dissemos que, se não se sentissem confortáveis ​​em entrar, tudo bem. Continuaríamos a pagá-los pelo tempo que pudéssemos. Mas se eles se sentissem bem em trabalhar em uma livraria vazia, tentaríamos continuar enviando livros para os clientes.

Na primeira semana, realizamos entregas, o que significava que um cliente poderia ligar para a loja e nos dizer o que queria. Pegávamos as informações e depois corríamos com os livros para o estacionamento e os jogávamos na janela aberta do carro. A entrega parecia uma boa ideia, mas o problema era que havia tantas pessoas ligando que a equipe acabou se agrupando em torno das caixas registradoras, organizando os pedidos e tratando de despachá-los o mais rápido possível. Uma correria. Nós reavaliamos e decidimos que todos os livros teriam que ser enviados pelo correio, mesmo para os clientes que moravam descendo a rua.

Nós fazemos nossos planos. Mudamos nossos planos. Esta é a nova ordem mundial.

Nossa livraria é espaçosa e arrumada, com escadas para alcançar as prateleiras mais altas, um grande sofá de couro e uma alegre seção infantil com um mural colorido com um sapo contando uma história para um grupo extasiado de animais variados. A sala dos fundos é o exato oposto, é um tumulto cheio de mesas, pilhas de caixas vazias ou cheias de livros que chegaram ou a serem devolvidos, etc. Há decorações de Natal, displays giratórios abandonados. Ficamos lá juntos, forçados a ouvir as conversas telefônicas um do outro e a cheirar o perfume um do outro.

Não é o cenário do distanciamento social.

Então, na ausência dos clientes, o pessoal dos bastidores mudou-se para a ampla frente da loja, com mesas ​​distantes umas das outras a fim de criar nossos espaços privados. Nós aumentamos o volume do som nas caixas. O chão é um mar de caixas de papelão — pedidos concluídos, pedidos ainda aguardando mais um livro. Não fazemos nenhuma tentativa de arrumar nada antes de sair à noite. Não temos nem o ímpeto, nem a energia. Existem peixes maiores para fritar: os pedidos de clientes e para os fornecedores ativos.

Penso em como eu costumava falar no mundo pré-pandemia, defendendo a importância de ler e de fazer compras localmente, de apoiar as boas livrarias independentes. Hoje em dia, percebo até que ponto isso é verdade — agora entendo que somos parte de nossa comunidade como nunca antes e que nossa comunidade é o mundo. Quando um amigo meu, preso em seu minúsculo apartamento em Nova York, me disse que sonhava em poder ler o novo livro de Louise Erdrich, eu realizei o sonho dele. Não consigo resolver nada, não posso salvar ninguém, mas caramba, posso enviar para Patrick uma cópia de The Night Watchman.

Pelo menos por enquanto. Fazemos parte de uma cadeia produtiva que conta com editores para publicar os livros, distribuidores para enviá-los e as bikes e o serviço postal para pegar os pacotes e levá-los aos clientes. Até agora, esse frágil ecossistema está se mantendo, embora eu entenda que basta o tempo entre eu escrever este texto e você lê-lo para ele desmoronar. Mas, nesta época em que finalmente há tempo para ler novamente, é o que temos. Portanto, ligue para a livraria local e verifique se os livros podem ser enviados. Acontece que a comunidade de leitores e livros é a comunidade que precisávamos antes, e é a comunidade que precisamos em tempos difíceis, e é a comunidade com quem queremos estar quando tudo isso acabar.

‘As livrarias servem de oxigênio social e intelectual para o confinamento’

‘As livrarias servem de oxigênio social e intelectual para o confinamento’

Livreiro de Madrid, um dos epicentros da pandemia de covid-19 na Europa, fala como tem lidado com a crise

Retirado da PublishNews

Jesús Trueba, da La Buena Vida, livraria de Madrid | Divulgação

A livraria La Buena Vida, de Madri, foi reconhecida como livraria cultural em 2018. Por conta da crise do coronavírus, está com as suas portas fechadas, mas não deixou de atender seus clientes. Jesús Trueba, proprietário e livreiro da La Buena Vida, falou com o PublishNews em Espanhol para contar como está a sua rotina de trabalho nesse período de isolamento social. A conversa com Jesús dá início à série Papo do Confinamento, que vai traduzir entrevistas publicadas pelo nosso colega Lorenzo Herrero, editor do PublishNews em Espanhol.

PublishNews – Como você acha que o mercado do livro será afetado pela crise provocada pela pandemia de covid-19? Quais as áreas ou companhias que sofrerão mais?

Jesús Trueba – Como em qualquer setor, as consequências desta crise são totalmente imprevisíveis, porque não há precedentes. O que posso te assegurar é que o tecido das livrarias independentes tem um grau de exposição ao risco muito alto. Por um lado, estamos muito atomizadas e passamos por baixo do radar de muitas políticas públicas. Por outro, todos os grandes problemas econômicos nos afetam: a gentrificação e o boom imobiliário; a crise do comércio de vizinhança e do varejo tradicional; a escassa margem de lucro e o baixo poder de negociação.

PN – Como livreiro, acredita que a sua livraria poderá minimizar essas perdas?

JT – Nós nos consideramos um serviço público e nos posicionamos como um comércio de bairro, que assegura uma forma de vida e a interação social em nossas comunidades. Seus problemas são nossos problemas. Temos potencializado nossa competitividade no mercado eletrônico, oferecendo serviços e atividades. Mas nada pode ser feito contra a competição desigual com multinacionais que pagam nem um terço dos impostos que nós pagamos. E pagamos com prazer porque entendemos que colaboramos com os nossos serviços sociais públicos.

PN – Como você acredita que a crise afetará o mercado de livros digitais? Acha que pode criar um desequilíbrio com o livro físico?

JT- O livro digital segue sem decolar. É ainda uma expectativa. Em mercados mais maduros, inclusive, até diminuiu. Não quero falar do livro digital. É como se me pedisse para falar de cinema. O livro em papel subvenciona boa parte dos conteúdos digitais, cujas receitas dificilmente poderiam custear as traduções e os adiantamentos. Essa sim é uma realidade.

PN – Como o vírus afetou a sua vida profissional?

JT – Mesmo com as portas fechadas, estamos trabalhando de segunda a sexta, das 11h às 13h para dar conta de pedidos, fazer a manutenção, cuidar da parte administrativa e para nos sentir úteis. Caso contrário…

PN – O que recomendaria às pessoas que estão confinadas em casa?

JT – Há muito mais não leitores do que leitores. Esta crise é uma oportunidade para que pessoas que nunca pegam um livro nas mãos descubram o poder curador de se concentrar mentalmente em uma história que não é a sua própria e, mesmo assim, se envolver com ela. É aprender e adquirir empatia. Começar com sessões de leitura de dez minutos, várias vezes ao dia. Essa é a minha recomendação.

PN – A La Buena Vida segue atendendo sua cliente pela internet. Por que tomou essa decisão?

JT – Seguimos porque, entre outras coisas, o próprio Estado tem ajudado, há alguns anos, o setor comercial como um todo a se digitalizar e nós nos aproveitamos essa oportunidade. Creio que fazer o uso dessas ferramentas agora é a única coisa que podemos fazer para ajudar-nos e fazer que as instituições vejam que as ajudas têm efeitos benéficos em todo o tecido empresarial.

No nosso caso, chegamos a um acordo com alguns dos nossos fornecedores habituais que realizam a operação de pedidos dentro das suas próprias instalações, eliminando etapas e intervenções de pessoas, assim como otimizando os recursos disponíveis, que são escassos.

Não seria justo deixar que só os grandes conglomerados, que não pagam impostos equivalentes em nosso país, pudessem operar. Se, por razões sanitárias, se decretasse que estes serviços não poderiam ser oferecidos, não teríamos nenhum problema em respeitar, porém, daí, ninguém poderia oferecê-los de igual modo.

PN – Como tem gerenciado todo o processo, respeitando os protocolos sanitários?

JT – Não existe nenhum processo além daqueles realizados por um supermercado no fornecimento de alimentos, por exemplo. Além disso, nosso produto não é perecível. Existem serviços mínimos e não há contato com o público. Em Bruxelas, as livrarias ficaram de fora do fechamento do comércio. Eles entendem que as livrarias não são lugares de aglomeração de pessoas e que, ao contrário, servem de oxigênio social e intelectual para o confinamento.

PN – Há algo que queira acrescentar?

JT – Me parece surpreendente que, em uma situação como a atual, sociedades de grande tradição democrática como as europeias possam confinar seus cidadãos em casa mediante um decreto e que, no entanto, não consigam decretar medidas igualmente excepcionais para impor a grandes empresas de tecnologia a retenção de impostos na fonte. É realmente triste e significativo.

O Clube Pickwick, de Dickens, hoje está em Brasília

O Clube Pickwick, de Dickens, hoje está em Brasília

Uma das maiores tragédias da minha vida é já ter lido os Pickwick Papers — não posso voltar atrás e ler pela primeira vez.

Fernando Pessoa

Dickens é uma das felicidades da vida, uma das razões para se ter medo da morte.

Charlles Campos

Dias atrás, após mais uma leitura de notícias absurdas de Brasília, com participação especial atuação de ministros como Ernesto Araújo, Abraham Weintraub, Damares Alves, presidente e filhos, etc., lembrei de um livro cômico muito fora de moda que li na juventude, As Aventuras do Sr. Pickwick, de Charles Dickens (1812-1870).

The Posthumous Papers of the Pickwick Club (mais conhecido em países de língua inglesa como The Pickwick Papers) foi escrito por Dickens entre 1836 e 1837. Na verdade, foi publicado em 20 partes mensais entre abril de 1836 a novembro de 1837, sob o pseudônimo de Boz. Ele apresenta nomes diversos tanto no Brasil quanto em Portugal, com variações como As Aventuras do Sr. Pickwick, Os Cadernos de Pickwick, Documentos de Pickwick, Os Papéis de Pickwick e Documentos do Clube Pickwick.

O romance narra as aventuras de um grupo de estudos científicos, o Clube Pickwick, composto pelo líder Mr. Pickwick (uma espécie de Quixote) e seus três pupilos: Mr. Tupman (o celibatário sempre apaixonado), Mr. Snodgrass (o poeta) e Mr. Winkle (o esportista). Financiados pelo clube, eles viajam pela Inglaterra — com particular ênfase no interior do país — fazendo descobertas e observando o desenvolvimento da ciência, assim como analisam as diversas variações no comportamento humano.

Mas todos são muito burros e suas conclusões são inacreditavelmente cômicas. Eu morria de rir lendo o livro. Não posso dizer que faça o mesmo lendo o que dizem Ernesto Araújo e Weintraub, mas a idiotia está tão presente que, se morasse longe do Brasil, riria deles.

O livro foi fundamental na carreira de Dickens. Ele obteve enorme êxito literário e reconhecimento popular durante a publicação do livro. Há um personagem sensacional, o criado do Sr. Pickwick, Samuel Weller. Sua entrada no romance teve efeito devastador, foi um êxito instantâneo. Sua inserção no quinto capítulo da narrativa fez com que as vendas mensais explodissem. Imaginem que foram vendidos 400 do número 4 e, após o surgimento de Weller, as vendas cresceram de tal modo que chegaram a ser impressos 400.000 exemplares dos últimos números.

Thomas Carlyle, numa carta ao primeiro biógrafo de Dickens, conta o desconsolo de certo padre que, depois de prestar conforto espiritual a um enfermo, suspirou: “Bom, o que interessa é que daqui a dez dias sai mais um número dos Pickwick Papers, graças a Deus.”

Outro dos personagens do livro, o gordo Joe, foi utilizado posteriormente para caracterizar uma patologia alcunhada como síndrome de Pickwick (ou A Síndrome da Hipoventilação Alveolar da Obesidade), posto que Joe descreve fielmente um quadro da doença: obesidade e sonolência excessiva, acompanhadas de demais sintomas.

O livro tem muita crítica social. Quem está lá? Notem o que há em comum com o Brasil de hoje:

— A religião e os falsos pregadores, ou pregadores corrompidos.

— Os advogados e o atravancamento na execução da justiça, a distorção de leis e possíveis processos de corrupção.

— A magistratura corrente à época, que concede poder a cidadãos apenas voltados aos próprios interesses da classe.

— Os políticos e sua conduta desonesta, bem como o eleitorado irresponsável.

— O jornalismo sem compromisso com a verdade, o respeito e a imparcialidade.

— A sociedade burguesa, com sua hipocrisia e conduta interesseira.

— A corrupção do sistema carcerário de devedores e a falta de assistência ao cidadão mantido em regime fechado (muitos presos pobres morriam de fome e frio nas prisões, enquanto sistema jurídico permitia brechas que auxiliavam apenas os devedores ricos).

— O sistema de justiça, que desfavorecia o devedor trabalhador.

— O novo estado das relações entre patrão x empregado, motivado pelo advento da burguesia e da revolução industrial.

A tudo isso junta-se um turbilhão de boas piadas, ridicularizando a sociedade e entendendo como “naturais” as diferenças sociais. Weller (ou Veller) é inteligentíssimo — tem soluções fáceis para quase tudo — e portanto sabe da burrice do Clube Pickwick, mas como é o criado… Além disso, há uma pesada crítica ao espírito cientificista da época. Os personagens principais, embora abertos aos procedimentos racionais da ciência, demonstravam grande inabilidade para situações que exigiam praticidade e que protagonizam a maior parte dos episódios cômicos do livro.

Ainda me lembro da surpresa de que Dickens poderia me fazer rir alto, e foi isso que me fez amá-lo.

Pickwick é desigual e heterogêneo, mas genial. Como diz Chesterton, “Em Pickwick, Dickens não escreveu exatamente literatura, escreveu mitologia”.

Texto parcialmente copiado (adaptado) de fontes diversas.

Mariana Enríquez: “Eu daria o Prêmio Nobel a Stephen King”

Mariana Enríquez: “Eu daria o Prêmio Nobel a Stephen King”

A autora de As coisas que perdemos no fogo e Este es el mar e participará do Segundo Encontro de Literatura Fantástica, em Santiago e Punta Arenas.

Por Javier GarcíaNo Culto — Suplemento Cultural do jornal La Tercera (Santiago, Chile)

Foto: Divulgação

Em meados de maio, Mariana Enríquez (46) viajou para um festival de escritores em Praga, República Tcheca. A autora argentina aproveitou para frequentar os lugares onde predominam cruzes e flores. “Fui ao antigo cemitério judeu e ao novo cemitério judeu onde fica Kafka”, conta ao telefone de Buenos Aires.

Renomada romancista, elogiado especialmente por suas histórias de horror, entre suas últimas publicações está Alguien camina sobre tu tumba, publicado pelo selo Montacerdos no Chile, em 2018. O volume é um conjunto de crônicas de cemitérios, localizados na Argentina, Peru, Cuba, França, Itália e Estados Unidos.

No final do volume há um epílogo que nomeia os cemitérios “que eu quero ver antes de morrer”. Um deles é chamado Kutná Hora. “É muito interessante, é cerca de 30 quilômetros de Praga, onde o Ossuário de Sedlec é, é uma igreja onde toda a sua decoração é feita de ossos. Mas desta vez eu não pude ir por tempo. Haverá uma nova oportunidade”, diz Enríquez, que está visitando o Chile esta semana.

Autora de títulos como As coisas que perdemos no fogo (2016) participará do II Encontro de Literatura Fantástica. Organizado pela Faculdade de Letras da Universidade Católica, terá palestras e leituras entre amanhã e sábado 8 de junho, em Santiago e Punta Arenas.

Como surgiu o interesse pelos cemitérios?

Eu sempre gostei deles. Em geral, tenho uma tendência estética para coisas um pouco macabras, literatura e filmes de terror. Mas decidi escrever com meus diários e dados sobre cemitérios, acho que tem a ver com a história de um amigo. Sua mãe estava desaparecida pela ditadura argentina e ele recuperou seus ossos e foi capaz de enterrar sua mãe. Então comecei a perceber que o meu fascínio por tumbas e cemitérios tem muito a ver com a minha história e a história da Argentina.

Você participou do livro de ensaios The King, bienvebido al universo de Stephen King (2019) …

O editor me perguntou. King é um autor extremamente popular e ainda não tem o reconhecimento literário que deveria ter. Ele é um dos melhores escritores no momento. Eu escolhi escrever sobre mulheres no trabalho de King. Nesse sentido, ele é muito corajoso, quebra essa regra desajeitada que um homem não pode escrever sobre as mulheres. E ele faz isso muito bem, como Annie Wilkies, a protagonista de Misery.

Para a academia, ele não é um autor altamente valorizado…

Eu acho que nunca receberia o Prêmio Nobel, mas é injusto. Eu daria o Prêmio Nobel a Stephen King. A qualidade literária é algo difícil de determinar. King escreve em vários gêneros, terror, polícia, fantasia… No twitter, ele está sempre recomendando livros. Ele é um homem que vive da literatura e que ensinou a ler uma geração. Lembro-me de quando a garota lia suas epígrafes, onde nomeava outros escritores. Eu construí um guia de leitura a partir dele.

Parece uma bagunça, mas é um tesouro

Parece uma bagunça, mas é um tesouro

Olhando parece uma bagunça, mas a área infantil da Bamboletras é um tesouro.

Claro que é legal dar chocolates na Páscoa, mas nós, da Bamboletras, que também amamos chocolates — podem nos presentear, tá?, estamos aqui das 10 às 22h –, sabemos que o valor afetivo, a durabilidade e a lembrança de um bom livro infantil são para sempre.

E nossos infantis foram reforçados para esta Páscoa.

Na sexta-feira e no domingo, estaremos abertos das 15 às 22h. No sábado, horário normal.

É só chegar.

P.S. — Caso alguém queira nos deixar bem felizes, nossas preferências giram entre o Kit-Kat, o velho e bom Refeição, o Milka, Prestígio, Ouro Branco e livros, muitos livros!

Um ano de Bamboletras

Um ano de Bamboletras

Hoje, 12 de março, faz um ano de uma de minhas maiores loucuras, a de me tornar livreiro aos 60 anos. Se era um sonho antigo, também era um daqueles que todo mundo tem em devaneios irrealizáveis. Às vezes pensava em me tornar um velhinho de óculos vivendo em meio aos livros… E ia fazer outra coisa. Neste último ano, várias pessoas me cumprimentaram pela coragem. Não me acho corajoso. Apenas corri atrás quando soube que a Lu queria repassar a livraria a quem a mantivesse. E larguei a atividade de jornalista sem olhar para trás. A Elena ri, diz que eu garanti uma terapia ocupacional vitalícia, o ideal para quem nunca pensou em se aposentar. Ela está certa. Mas olha, jamais pensei que desse tanto trabalho. É claro que há uma maioria esmagadora de bonitos momentos atrás do balcão, mas há também um intenso trabalho de retaguarda que aprendi do zero.

Auden escreveu que “Quando o processo histórico se interrompe, quando a necessidade se associa ao horror e a liberdade ao tédio, a hora é boa para se abrir um bar”. Talvez por não haver tédio nem horror, apenas necessidade e liberdade, virei livreiro e não dono de bar, sei lá.

A Livraria Bamboletras é um ícone de Porto Alegre. A Livraria Bamboletras é um ícone de Porto Alegre criado com extremo cuidado e carinho pela Lu Vilella. Digo-lhes claramente que virei um livreiro por herança. Tentei preservar o estilo ao máximo, mas inevitavelmente uma nova cara deve ter aparecido.

Sim, nosso acervo é escolhido criteriosamente e não apenas recebido; sim, ficamos felizes quando um cliente retorna e diz que nossa última sugestão foi fantástica e que o livro era ótimo (conhecemos o que vendemos); sim, há muita tensão em razão do mercado instável; sim, as distribuidoras querem nos enfiar best sellers; sim, vocês pedem e a gente vai atrás e muitas vezes dá certo (a gente se orgulha), outras vezes não (contrariedade); sim, estamos com todas as contas em dia mas não pensem que sobra muita coisa (a gente realmente quer ver vocês nos visitando mais, sabe?); sim, coloquei a herança da minha mãe na compra da livraria; sim, ainda estamos pagando a citada ex-dona que deixou a Bamboletras assim tão linda (fazemos isso direitinho); sim, fizemos e fazemos parcerias com escritores, instituições, artistas e bares; sim, vamos atrás dos melhores lançamentos às vezes enchendo o saco de meio mundo (às vezes, receber uma reposição ou livros para um evento mais parece um thriller); sim, visitamos as distribuidoras para escolher as obras uma a uma e… Não, não pretendemos ser menos exigentes.

A Bamboletras não sou eu, é uma equipe. Tem a Bárbara, a Cacá, a Eliane, o Gustavo, a Zair. E durante o ano ainda tivemos a Ana, a Josi e a Vitória. É uma baita equipe e falo da qualidade. Agradeço a todos.

Só não pensem que é fácil. Aliás, qual é o trabalho sério que é fácil? Porém é também divertido, estou muito feliz.

Ah, dia 24 de abril faremos 24 anos sempre independentes e agora, devido à circunstâncias que não vamos citar para não emporcalhar este texto pobre mas limpinho, também resistentes.

Particularmente, agradeço à Elena, à Bárbara, ao Bernardo e à Iracema pelo apoio neste ano e nos que virão.

E também a todos os que nos visitam e que apreciam nosso trabalho.

Por que nosso futuro depende das bibliotecas, da leitura e de sonhar acordado, por Neil Gaiman

Por que nosso futuro depende das bibliotecas, da leitura e de sonhar acordado, por Neil Gaiman

Uma palestra de Neil Gaiman explica que usar nossa imaginação e providenciar para que outros utilizem as suas é uma obrigação de todos os cidadãos.

— via The Guardian
— texto completo, feito a partir da tradução do blog Indexadora e do original
— dica de Elena Romanov que encontrou o texto aqui

“Temos a obrigação de imaginar” | Foto: Robin Mayes / The Guardian

É importante dizer de que lado estamos e o motivo, se somos ou não tendenciosos. Fazer um tipo de declaração de princípios frente à sociedade. Então, conversarei com vocês sobre leitura. Direi a vocês que as bibliotecas são importantes. Vou sugerir que ler ficção, que ler por prazer, é uma das coisas mais importantes que alguém pode fazer. Farei um apelo apaixonado para que as pessoas entendam o que as bibliotecas e os bibliotecários são e para que se preservem ambos.

E eu sou — óbvia e enormemente — tendencioso: sou um escritor, muitas vezes um autor de ficção. Escrevo para crianças e adultos. Há 30 anos me sustento através das palavras, principalmente por inventar coisas e escrevê-las. Obviamente, meu interesse é que as pessoas leiam, que elas leiam ficção, que bibliotecas e bibliotecários existam para nutrir o amor pela leitura, que haja lugares onde a leitura possa ocorrer.

Então sou tendencioso enquanto escritor. Mas eu sou muito, muito mais tendencioso como leitor. E ainda mais tendencioso como cidadão britânico.

E estou aqui dando esta palestra hoje à noite para a Reading Agency: uma instituição filantrópica cuja missão é dar a todos as mesmas oportunidades na vida, ajudando as pessoas a se tornarem leitoras entusiasmadas e confiantes. Uma instituição que apoia programas de literatura, bibliotecas e indivíduos, que abertamente incentiva o ato da leitura. Porque, eles nos dizem, tudo muda quando lemos.

E é sobre essa mudança e este ato de leitura que quero falar hoje à noite. Eu quero falar sobre o que a leitura faz. O motivo de ela ser boa.

Uma vez eu estava em Nova York e ouvi uma palestra sobre a construção de prisões particulares – uma indústria em amplo crescimento nos Estados Unidos. Tal indústria precisa planejar o seu futuro crescimento – quantas celas serão necessárias? Quantos prisioneiros teremos daqui a 15 anos? E eles descobriram que podem prever isso muito facilmente, usando um algoritmo bastante simples, baseado em descobrir a porcentagem de crianças entre 10 e 11 anos que não conseguem ler, que não conseguem ler por prazer.

Não é algo muito exato: você não pode dizer que uma sociedade alfabetizada não tenha criminalidade. Mas existem correlações bastante reais.

E eu acho que algumas destas correlações, a mais simples, vem de algo muito simples. Pessoas alfabetizadas leem ficção.

A ficção tem duas utilidades. Primeiramente, é a droga que abre a porta para a leitura. O desejo de saber o que acontece em seguida, de querer virar a página, a necessidade de continuar lendo, mesmo que seja difícil porque alguém está em perigo, mas você precisa saber como tudo vai acabar… Este é um desejo muito real. E te força a aprender novos mundos, a pensar novos pensamentos, a continuar. Descobrir que a leitura por si é prazerosa. Uma vez que você aprende isso, você está no caminho para ler tudo. A leitura é a chave. Houve um breve burburinho, há alguns anos, sobre a ideia de que estávamos vivendo em um mundo pós-alfabetizado, no qual a habilidade de fazer sentido através de palavras escritas estava de alguma forma redundante, mas esses dias acabaram. Bem, as palavras são mais importantes do que jamais foram, nós navegamos o mundo com palavras, e uma vez que o mundo desliza para a web, precisamos seguir, comunicar e compreender o que estamos lendo. Pessoas que não possam entender umas às outras não podem trocar ideias, não podem se comunicar.

A forma mais simples de ter certeza de que educamos crianças alfabetizadas é ensiná-las a ler e mostrarmos a elas que a leitura é uma atividade prazerosa. E isso significa, na sua forma mais simples, encontrar livros que eles gostem, dar a eles acesso a estes livros e deixar que eles os leiam.

Eu não acho que exista livros ruins para crianças. Vez ou outra se torna moda entre alguns adultos escolherem um subconjunto de livros para crianças, um gênero talvez, ou um autor e declará-los como ruins, livros que as crianças devem parar de ler. Eu já vi isso acontecer repetidamente. Enid Blyton foi declarado um autor ruim, R. L. Stine também, assim como dúzias de outros. Quadrinhos têm sido acusados de promover o analfabetismo funcional.

Isto é tosco, é arrogante e é burrice. Não existem autores ruins para crianças, porque cada criança é diferente. Elas podem encontrar as histórias que precisam, e levam a si mesmas para as histórias. Uma ideia banal e desgastada não é banal nem desgastada para elas, pois será a primeira vez que a criança a encontra. Não desencoraje uma criança a ler porque você acha que o que elas estão lendo é errado. A ficção que você não gosta é uma rota para outros livros que você pode gostar. E nem todo mundo tem o mesmo gosto que você.

Adultos bem intencionados podem facilmente destruir o amor de uma criança pela leitura: parar de ler o que elas gostam ou dar a elas livros “chatos mas que valem a pena”, os equivalentes “melhorados” da literatura vitoriana do século XXI… Assim você acabará com uma geração convencida de que ler não é legal e pior ainda, é desagradável.

Precisamos que nossas crianças entrem na escada da leitura: qualquer coisa que eles gostarem de ler irá movê-las, degrau por degrau, a tornarem-se leitoras. (Não faça o que fiz quando a minha filha de 11 anos estava gostando de ler R. L. Stine. Eu peguei um exemplar de Carrie, a Estranha, de Stephen King, e disse que se ela você gosta de Stine, adorará isto! Resultado: Holly não leu nada além de histórias seguras de colonos em pradarias pelo resto de sua adolescência e até hoje me dá olhares tortos quando o nome de Stephen King é mencionado).

A segunda coisa que a ficção faz é construir empatia. Quando você assiste TV ou vê um filme, você está olhando para coisas acontecendo a outras pessoas. Ficção de prosa é algo que você constrói a partir de 26 letras e um punhado de sinais de pontuação, e você, você sozinho, usando a sua imaginação, cria um mundo e o povoa e olha através dos olhos de outros. Você sente coisas, visita lugares e mundos que você jamais conheceria de outro modo. Você aprende que qualquer outra pessoa lá fora é um eu, também. Você está sendo outra pessoa e quando você volta ao seu próprio mundo, estará levemente transformado.

Empatia é uma ferramenta para tornar pessoas grupos, que nos permite que funcionemos como mais do que indivíduos obcecados consigo mesmos.

Você também está descobrindo algo enquanto lê que é de vital importância para fazer o seu caminho no mundo. E é isto:

O mundo não precisa ser assim. As coisas podem ser diferentes.

Eu estive na China em 2007 na primeira convenção de ficção científica e fantasia da história da China. E em dado momento eu perguntei a um alto oficial do Partido Comunista: “Por que a ficção científica foi reprovada por tanto tempo. Por que isso mudou?”. É simples, ele me disse. “Os chineses eram brilhantes em fazer coisas se outras pessoas lhes dessem instruções. Eles não inovavam e não inventavam. Não imaginavam. Então eles mandaram uma delegação para os Estados Unidos, para a Apple, para a Microsoft, para o Google e souberam que as pessoas de lá, que estavam inventando seu próprio futuro, leram ficção científica quando eram meninos e meninas”. A ficção pode te mostrar um outro mundo. Pode te levar para lugares onde você nunca esteve. E uma vez que você tenha visitado outros mundos, como aqueles que comeram a maçã da árvore do conhecimento, você pode ficar completamente insatisfeito com o mundo no qual você cresceu.

O descontentamento é uma coisa boa: pessoas descontentes podem modificar e melhorar o mundo, deixá-lo melhor, deixá-lo diferente. E, enquanto ainda estamos nesse tema, eu gostaria de dizer algumas palavras sobre escapismo. Eu ouço o termo utilizado por aí como se fosse uma coisa ruim. Como se ficção “escapista” fosse um ópio barato utilizado pelos confusos, pelos tolos e pelos desiludidos. Segundo eles, a única ficção válida, para adultos ou crianças seria a ficção mimética, espelhando o pior do mundo em que o leitor ou a leitora se encontra.

Se você estivesse preso em uma situação impossível, em um lugar desagradável, com pessoas que te quisessem mal e alguém te oferecesse um escape temporário, você não ia aceitar isso? A ficção escapista é apenas isso: ela abre uma porta, mostra o sol lá fora, te dá um lugar para ir onde você esteja no controle, com pessoas com quem você queira estar (e livros são lugares reais, não se enganem sobre isso); e, o  mais importante, durante a fuga, os livros também podem te dar conhecimento sobre o mundo, te dar armas, te dar armaduras: coisas reais para serem levadas de volta para a prisão. Habilidades, conhecimento e ferramentas que você pode utilizar para escapar de verdade.

Como J. R. R. Tolkien nos lembrou, as únicas pessoas que não querem o escapismo são os guardas…

A ilustração de Tolkien da casa de Bilbo | Imagem: Harper Collins

Outra forma de destruir o amor de uma criança pela leitura é se assegurar de que não existam livros por perto. E não dar a elas nenhum lugar para que leiam estes livros. Eu tive sorte. Eu tive uma biblioteca local excelente enquanto cresci. Eu tive o tipo de pais que me deixavam na biblioteca no caminho do trabalho deles, eu tive o tipo de bibliotecários que não se importavam que um menino pequeno e desacompanhado ficasse na biblioteca das crianças todas as manhãs remexendo no catálogo, procurando por livros sobre fantasmas ou mágica ou foguetes, procurando por vampiros ou detetives ou bruxas ou fantasias. E quando eu terminei de ler a biblioteca de crianças, eu comecei a de adultos.

Tive ótimos bibliotecários. Eles gostavam de livros e gostavam ainda mais dos livros que estavam sendo lidos. Eles me ensinaram como pedir livros de outras bibliotecas em empréstimos entre elas. Eles não eram arrogantes em relação a nada que eu lesse. Eles pareciam apenas gostar do fato de existir esse menininho de olhos arregalados que amava ler e conversavam comigo sobre os livros que eu estava lendo, encontravam outros livros para mim, eles me ajudaram. Eles me tratavam como outro leitor – nem mais, nem menos – o que significa que eles me tratavam com respeito. Eu não estava acostumado a ser tratado com respeito aos oito anos de idade.

Mas as bibliotecas também têm a ver com liberdade. A liberdade de ler, a liberdade de ideias, a liberdade de comunicação. Elas têm a ver com educação (que não é um processo que termina no dia que deixamos a escola ou a universidade), com entretenimento, têm a ver com criar espaços seguros e com o acesso à informação.

Eu me preocupo que no século XXI as pessoas venham a entender errado o que são bibliotecas. Se você perceber uma biblioteca como estantes com livros, pode parecer antiquado e datado em um mundo no qual a maioria deles, mas não todos, existem digitalmente. Pensar assim é errado.

Eu acho que tem a ver com a natureza da informação. A informação tem valor, e quando é certa tem enorme valor. Por toda a história humana, nós vivemos em escassez de informação e ter a informação desejada sempre foi importante, sempre valia alguma coisa: quando plantar sementes, onde achar as coisas, mapas e histórias e estórias. Informação era algo valioso, e aqueles que a tinham ou podiam obtê-la podiam cobrar por ela.

Nos últimos anos, nos mudamos de uma economia de escassez da informação para uma de excesso de informação. De acordo com o Eric Schmidt do Google, agora, a cada dois dias, a raça humana cria tanta informação quanto criava desde o início da civilização até 2003. O desafio se torna não encontrar a planta escassa que cresce visivelmente no deserto, mas uma planta específica que cresce em uma floresta. Precisaremos de ajuda para navegar neste mar de informações e achar aquilo que precisamos de verdade.

Foto: Escola Mamãe Coruja

Bibliotecas são lugares onde as pessoas vão para obter informação. Livros são apenas a ponta do iceberg da informação: eles estão lá, e as bibliotecas podem fornecer livros gratuita e legalmente. Crianças pegam livros emprestados de bibliotecas hoje mais do que nunca – livros de todos os tipos: de papel, digital e em áudio. Mas as bibliotecas também são lugares onde pessoas que não tem computadores, que não têm conexão à internet, podem ficar on-line sem pagar nada — o que é imensamente importante quando você procura emprego, se candidata para entrevistas ou busca benefícios que migraram para ambientes exclusivamente web. Bibliotecários podem ajudar estas pessoas a navegar neste mundo.

Eu não acredito que os livros irão ou devam migrar para as telas: como Douglas Adams uma vez me falou, mais de 20 anos antes do Kindle aparecer, um livro físico é como um tubarão. Tubarões são velhos: existiam tubarões nos oceanos antes dos dinossauros. E a razão de ainda existirem tubarões é que tubarões são melhores em serem tubarões do que qualquer outra coisa que exista. Livros físicos são durões, difíceis de destruir, são resistentes, operam sob a luz do sol, ficam bem na sua mão: eles são bons em serem livros e sempre existirá um lugar para eles. Eles pertencem às bibliotecas, que já se tornaram lugares onde você pode ir para ter acesso também a e-books, áudio-livros, DVDs e conteúdos web.

Uma biblioteca é um repositório de informação e dá a cada cidadão acesso igualitário a ele. É um espaço comunitário. É um lugar de segurança, um refúgio do mundo. É um lugar com bibliotecários. E o que as bibliotecas do futuro serão é algo que deveríamos estar imaginando agora.

A literatura é mais importante do que nunca nesse mundo de mensagens e e-mail, um mundo de informação escrita. Precisamos ler e escrever, precisamos de cidadãos globais que possam ler facilmente, compreendendo o que estão lendo, entendendo as nuances e se fazendo entender.

As bibliotecas realmente são os portais para o futuro. É muito triste que, ao redor do mundo, observemos autoridades aproveitando oportunidades para fechar bibliotecas como uma maneira fácil de poupar dinheiro, sem perceber que eles estão roubando do futuro para serem pagos hoje. Eles estão fechando portas que deveriam estar sempre abertas.

De acordo com um estudo recente feito pela Organisation for Economic Cooperation and Development, a Inglaterra é o “único país onde o grupo de mais idade tem mais proficiência tanto em alfabetização quanto em capacidade de usar ou entender as técnicas numéricas da matemática do que o grupo mais jovem”.

Ou, em outras palavras, nossos filhos e netos são menos alfabetizados e menos numerosos do que nós. Eles são menos capazes de navegar pelo mundo, de entendê-lo e de resolver problemas. Eles podem ser mais facilmente enganados e iludidos, serão menos capazes de mudar o mundo em que se encontram, ser menos empregáveis. Todas essas coisas. E como um país, a Inglaterra ficará para trás em relação a outras nações desenvolvidas porque faltará mão de obra especializada.

Livros são a forma com a qual nós nos comunicamos com os mortos. A forma que aprendemos lições com aqueles que não estão mais entre nós, que construíram a humanidade, que progrediram, que fizeram com que o conhecimento fosse incrementado ao invés de reaprendido. Existem contos que são mais velhos que alguns países, contos que sobreviveram às culturas e aos prédios nos quais eles foram contados pela primeira vez.

Eu acho que temos responsabilidades com o futuro. Responsabilidades e obrigações para com as crianças, com os adultos que essas crianças se tornarão, com o mundo que eles habitarão. Todos nós – enquanto leitores, escritores, cidadãos – temos obrigações. Pensei em explicitar algumas dessas obrigações aqui.

Eu acredito que temos a obrigação de ler por prazer, em lugares públicos e privados. Se lermos por prazer, se outros nos verem lendo, mostraremos que ler é uma coisa boa.

Temos a obrigação de apoiar bibliotecas. De usar bibliotecas, de encorajar outras pessoas a utilizarem bibliotecas, de protestar contra o fechamento de bibliotecas. Se você não valoriza bibliotecas então você não valoriza informação, cultura e sabedoria. Você está silenciando as vozes do passado e prejudicando o futuro.

Temos a obrigação de ler em voz alta para nossas crianças. De ler para elas coisas que elas gostem. De ler pra elas histórias das quais já estamos cansados. De fazer as vozes, de fazer com que seja interessante e não parar de ler para elas apenas porque elas já aprenderam a ler sozinhas. Use o tempo de leitura em voz alta para um momento de aproximação, um tempo onde não se fique checando o telefone, quando as distrações do mundo são postas de lado.

Temos a obrigação de usar a linguagem. De nos esforçarmos, de descobrimos o que as palavras significam e como empregá-las, de nos comunicarmos claramente, de dizer o que estamos querendo dizer. Não devemos tentar congelar a linguagem ou fingir que é uma coisa morta que deve ser reverenciada, mas devemos usá-la como algo vivo, que flui, que empresta palavras, que permite que significados e pronúncias mudem com o tempo.

Nós escritores – não apenas os escritores para crianças, mas todos os escritores – temos uma obrigação com nossos leitores: é a obrigação de escrever coisas verdadeiras quando estamos criando contos de pessoas que não existem em lugares que nunca existiram – entender que a verdade não está no que acontece mas no que ela nos diz sobre quem somos. A ficção é a mentira que diz a verdade.  Temos a obrigação de não entediar nossos leitores, de fazê-los sentir a necessidade de virar as páginas. Uma das melhores curas para um leitor relutante, afinal, é uma história que eles não são capazes de parar de ler. E, enquanto contamos a nossos leitores coisas verdadeiras e damos a ele armas e armaduras e passamos a eles qualquer sabedoria que recolhemos em nossa curta estadia nesse mundo, temos a obrigação de não pregar, não ensinar, não forçar mensagens e morais pré-digeridas goela abaixo em nossos leitores como pássaros adultos alimentando seus bebês com vermes pré-mastigados. E nós temos a obrigação de nunca, em nenhuma circunstância, escrever nada para crianças que nós mesmos não gostaríamos de ler.

Temos a obrigação de entender e reconhecer que, enquanto escritores para crianças, nós estamos fazendo um trabalho importante, porque se nós escrevermos livros chatos que distanciam as crianças da leitura e de livros, nós estaremos menosprezando nosso próprio futuro e diminuindo o deles.

Todos nós – adultos e crianças, escritores e leitores – temos a obrigação de sonhar acordados. Temos a obrigação de imaginar. É fácil fingir que ninguém pode mudar coisa alguma, que estamos num mundo no qual a sociedade é enorme e que o indivíduo é menos que nada: um átomo numa parede, um grão de arroz num arrozal. Mas a verdade é que indivíduos mudam o seu próprio mundo de novo e de novo, indivíduos fazem o futuro e eles fazem isso porque imaginam que as coisas podem ser diferentes.

Olhe à sua volta: eu falo sério. Pare por um momento e olhe em volta da sala em que você está. Eu vou dizer algo tão óbvio que a tendência é que seja esquecido. Tudo o que você vê, incluindo as paredes, foi, em algum momento, imaginado. Alguém decidiu que era mais fácil sentar numa cadeira do que no chão e imaginou a cadeira. Alguém tinha que imaginar uma forma para que eu pudesse falar com vocês em Londres agora mesmo sem que todos ficássemos tomando chuva. Esta sala e as coisas nela, e todas as outras coisas nesse prédio, esta cidade, existem porque, de novo e de novo e de novo as pessoas imaginaram coisas.

Temos a obrigação de fazer com que as coisas sejam belas, de não de deixar o mundo mais feio do que já encontramos, de não esvaziar os oceanos, não de deixar nossos problemas para a próxima geração. Temos a obrigação de limpar tudo o que sujamos, e não deixar nossas crianças com um mundo que nós desarrumamos, vilipendiamos e aleijamos de forma míope.

Temos a obrigação de dizer a nossos políticos o que queremos, de votar contra políticos ou quaisquer partidos que não compreendam o valor da leitura na criação de cidadãos decentes, que não querem agir para preservar e proteger o conhecimento e encorajar a alfabetização. Esta não é uma questão de partidos políticos. Esta é uma questão de humanidade em comum.

Uma vez perguntaram a Albert Einstein como ele poderia tornar nossas crianças inteligentes. A resposta dele foi simples e sábia. “Se você quer que crianças sejam inteligentes”, ele disse, “leiam contos de fadas para elas. Se você quer que elas sejam mais inteligentes, leiam mais contos de fadas para elas”. Ele entendia o valor da leitura e da imaginação. Eu espero que possamos dar às nossas crianças um mundo no qual elas possam ler, e que leiam para elas, e onde elas possam ser capazes de imaginar e compreender.

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Esta é uma versão editada da palestra de Neil Gaiman para a Reading Agency, realizada dia 14 de outubro de 2013 no Barbican em Londres. A série de palestras da Reading Agency é uma plataforma para que escritores e pensadores compartilhem ideias originais e desafiadoras sobre a leitura e as bibliotecas.